VOLUME 03 - 129

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129 EXERCÍCIO ARBITRÁRIO OU ABUSO DE PODER

_____________________________ 129.1

CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS

DO CRIME O art. 350 do Código Penal foi derrogado pelo art. 4º da Lei nº 4.898/65, estando em vigor apenas os incisos I e IV de seu parágrafo único, prevalecendo, em lugar dos tipos do caput e dos incisos II e III do parágrafo único, as normas contidas no art. 4º da Lei Especial. Dessa forma, será feito o exame dos dispositivos, de ambos os diplomas legais, atualmente em vigor. Do art. 4º da Lei nº 4.898/65, incidem os seguintes tipos penais: “a) ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância

recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de

qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem


2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.” A pena é detenção, de dez dias a seis meses, multa e perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até três anos. Do art. 350 do Código Penal, estão em vigor os seguintes tipos penais: (a) receber e recolher alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança, ilegalmente (parágrafo único, inciso I) e (b) efetuar, com abuso de poder, qualquer diligência (parágrafo único, inciso IV). A pena é detenção de um mês a um ano. O bem jurídico protegido é não só a administração da justiça, seu interesse no exercício legal do poder de autoridade de seus funcionários, mas também e principalmente as garantias individuais dos cidadãos, consagradas na Constituição Federal, referentes à liberdade de locomoção, sigilo de correspondência, inviolabilidade do domicílio, liberdade de associação, direito de reunião e incolumidade física. Sujeito ativo é o funcionário público, admitida a participação de particular. Sujeito passivo é o Estado e também a pessoa que sofre o abuso.

129.2

TIPICIDADE

129.2.1Ordem e execução ilegal de medida privativa de liberdade O tipo encontra-se no art. 4º, alínea a, da Lei nº 4.898/65: “ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”, que substitui a norma contida no caput do art. 350 do Código Penal, cuja redação é idêntica.

129.2.1.1

Conduta, elementos objetivos e normativos

Está incriminada a conduta de quem ordena ou executa medida privativa de liberdade individual, sem observar as formalidades legais ou, observando-as, o faz com abuso de poder. Só o funcionário público, o juiz, o delegado ou o agente da polícia pode cometê-lo, podendo haver concurso de pessoas, com o particular como co-autor ou


Exercício Arbitrário ou Abuso de Poder - 3 partícipe do delito. Ordenar é determinar, é impor. Executar é tornar concreta, é efetuar. Medida privativa de liberdade é não somente a prisão, a detenção em estabelecimento prisional ou de custódia, presídio ou delegacia de polícia, mas também a internação em estabelecimento psiquiátrico ou para recolhimento de menores ou qualquer outro. Medida privativa de liberdade é a que priva, legalmente, a pessoa de seu direito de locomoção. Toda medida privativa de liberdade está subordinada a normas legais. Só a autoridade judiciária competente pode expedir a ordem para sua execução. Logo, o juiz cometerá o delito quando determinar a prisão de alguém em processo ou procedimento para o qual não seja o competente. Toda decisão judicial, especialmente aquela que atinge um bem constitucionalmente protegido, deve ser, à evidência, fundamentada em decisão escrita (art. 93, IX, da CF). O julgador, por isso, só pode determinar medidas privativas de liberdade em decisões fundamentadas e por ordem escrita nas quais observe, rigorosamente, os preceitos legais autorizadores da segregação da liberdade individual. Pode, portanto, o juiz, ao decretá-la, cometer o delito se deixar de observar as normas incidentes, bem se assim se proceder com abuso de poder. Determinada a prisão, o juiz deve mandar expedir o respectivo mandado (art. 285, CPP). O mandado será lavrado pelo escrivão e assinado pelo juiz. Do mandado constarão o nome da pessoa e a infração penal que motivar a prisão. A execução das medidas privativas de liberdade, igualmente, está sujeita a um conjunto de normas que a regem, violadas as quais restará caracterizada sua ilegalidade, respondendo pelo crime os executores. Fora os casos de flagrante, nenhuma prisão será executada sem o competente mandado expedido por ordem da autoridade competente que a decretou. A execução será feita com observância rigorosa dos preceitos contidos no Código de Processo Penal. O fato será igualmente típico quando houver abuso na execução da medida privativa de liberdade, o que ocorre quando o agente emprega meio além do necessário para realizá-la. Se é certo que a força pode ser utilizada, tal se dará apenas quando absolutamente necessário para a efetivação da medida de privação da liberdade, nunca além, com violência desmedida.

129.2.1.2

Elementos subjetivos


4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles Cuida-se de delito doloso. O agente, funcionário público, a quem incumbe determinar a medida privativa de liberdade ou a executar a anteriormente decretada, deve estar consciente de que o faz com inobservância das normas legais ou de que a decreta ou executa com abuso de poder. Age, ademais, com vontade livre e consciente de realizar o tipo, sem qualquer outra finalidade especial, não exigida pelo tipo. Não comete o crime o juiz que, por erro, supõe ser o competente para a decretação da medida, o que, à evidência, deve ser reconhecido apenas em situações em que haja dúvida fundada quanto à regra de competência, não quando, às escâncaras, é ele o incompetente para o processo. O juiz estadual que decreta prisão preventiva de acusado da prática de crime cuja competência é, induvidosamente, da justiça federal comete, sem dúvida, o delito em comento. Também o comete o magistrado que decreta prisão preventiva através de despacho sem qualquer fundamentação. A fundamentação sucinta não é, por si só, equivalente à falta de fundamentação.

129.2.1.3

Consumação e tentativa

Consuma-se o crime no instante em que a medida privativa de liberdade é ordenada, com a assinatura da autoridade na decisão.

A execução ilegal ou abusiva

consuma-se no momento em que o agente deixa de observar a norma legal ou quando emprega o meio abusivo. A tentativa é possível em qualquer das modalidades típicas.

129.2.2

Submissão a vexame ou a constrangimento ilegal

O tipo está inscrito na alínea b do art. 4º da Lei nº 4.898/65: “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”, que se encontrava previsto no inciso III do parágrafo único do art. 350 do Código Penal, derrogado.

129.2.2.1

Conduta e elementos do tipo

Delito próprio de funcionário, consiste a conduta em submeter pessoa que esteja


Exercício Arbitrário ou Abuso de Poder - 5 sob sua guarda ou custódia, preso, internado em estabelecimento de menores ou para inimputáveis, enfim, qualquer pessoa que esteja sob a guarda de um funcionário público, a vexame ou constrangimento ilegal. A guarda difere da custódia, embora em ambas as hipóteses a pessoa esteja sob vigilância. Contudo, na custódia a vigilância é exercida no sentido de proteção, ao passo que na guarda o fim é impedir a fuga. Tanto a guarda quanto a vigilância podem ser exercidas em estabelecimentos prisionais ou de detenção, bem assim fora deles, em ambientes abertos, por exemplo quando está a pessoa sendo levada para o presídio. O art. 5º, inciso XLIX, dispõe: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Toda pessoa colocada sob a guarda ou custódia do Estado deve ser tratada com respeito e dignidade. O preso conserva todos os seus direitos não atingidos pela perda da liberdade, incumbindo a todos os agentes públicos e a todas as autoridades o respeito a sua integridade física e moral (Código Penal, art. 38). Realiza o tipo o agente que submete a vítima a uma situação vexaminosa ou de constrangimento não autorizado. Vexame é a afronta, o ultraje, o insulto, o agravo à honra da pessoa. Constrangimento é qualquer imposição contra a integridade corporal ou a saúde da pessoa sob custódia ou guarda.

Para se configurar o tipo é necessário que o

constrangimento não seja autorizado, isto é, não seja uma das ações permitidas pelas normas legais e regulamentares, às quais deve submeter-se a pessoa sob custódia ou guarda. Imposições que não se adeqüem aos preceitos legais e regulamentares constituem constrangimento proibido. O crime é doloso. O agente deve ter plena consciência da natureza vexaminosa ou constrangedora da situação em que a vítima é colocada, sabendo, ainda, de sua ilicitude e agir com vontade livre, sem qualquer outra finalidade especial.

129.2.2.2

Consumação e tentativa

A consumação ocorre no instante em que a vítima é submetida à situação de vexame ou constrangimento, isto é, com a ação do agente.


6 – Direito Penal III – Ney Moura Teles A tentativa é, por isso, perfeitamente possível quando o agente, iniciando a realização do comportamento, não consegue, por circunstâncias alheias a sua vontade, submeter a pessoa ao vexame ou ao constrangimento.

129.2.3

Omissão de comunicação de prisão

O art. 4º, alínea c, da Lei nº 4.898/65, contém o seguinte tipo penal: “deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa”, o qual não tem correspondência no art. 350 do Código Penal.

129.2.3.1

Conduta e elementos do tipo

A conduta incriminada é a autoridade responsável pela prisão de alguém deixar de efetuar sua comunicação ao juiz competente. É, portanto, não informar, dar ciência, conhecimento à autoridade judiciária da prisão ou da detenção de qualquer pessoa. É que o art. 5º, inciso LXII, da Constituição Federal, impõe: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. Tanto a prisão em flagrante quanto qualquer outra de natureza processual ou penal devem ser comunicadas, imediatamente, à autoridade judiciária competente. A omissão constitui fato típico. O momento da comunicação deve ser imediatamente após a prisão. O crime é doloso. O agente deve omitir-se com consciência e vontade livre de não fazer a comunicação devida.

129.2.3.2

Consumação e tentativa

Consuma-se no momento em que a autoridade deixa de fazer a comunicação, o que acontece após um tempo juridicamente relevante após a prisão. É óbvio que não se irá exigir que seja feita logo após a prisão, cabendo relevar o tempo suficiente para a realização de atos de natureza burocrática, após o que, se não realizada a comunicação, ter-se-á o delito como consumado. A tentativa é inadmissível, porque se trata de um delito omissivo puro, impossível o fracionamento da conduta.


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129.2.4

Omissão de relaxamento de medida privativa de liberdade

Na alínea d do art. 4º da Lei nº 4.898/65 está o seguinte tipo penal: “deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada”, o qual, igualmente, não tem correspondência no art. 350 do Código Penal.

129.2.4.1

Conduta e elementos do tipo

Crime próprio. Só o juiz pode cometê-lo. A conduta é omissiva pura. O juiz, recebendo a comunicação de uma prisão, deve verificar sua legalidade para cumprir o mandamento constitucional inserto no art. 5º, inciso LXV: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Se verificar que não há estado de flagrância a justificar a prisão ou qualquer outra ilegalidade, deve imediatamente relaxá-la, mandando colocar o preso em liberdade. A ilegalidade da prisão é elemento normativo indispensável para a realização do tipo, não havendo o crime quando o juiz entender que a prisão é legal. Crime doloso. O juiz, para incorrer na incriminação, deve estar consciente de que a prisão é ilegal, e, ainda assim, deixar, por vontade livre, de determinar a libertação do preso. Ainda que a prisão seja efetivamente ilegal, assim reconhecida, posteriormente, pela instância superior, o juiz não terá agido com dolo quando entender, sinceramente, que a mesma não padece de qualquer vício que a inquine de ilegalidade.

129.2.4.2

Consumação e tentativa

Consuma-se quando, após tomar conhecimento oficial da prisão, entendendo-a ilegal e após um tempo juridicamente relevante, o juiz deixa de determinar a soltura do preso. A tentativa é inadmissível, por se tratar de crime omissivo puro.

129.2.5

Prisão de quem pretende prestar fiança

O tipo do art. 4º, alínea e, da Lei nº 4.898/65 é: “levar à prisão e nela deter quem


8 – Direito Penal III – Ney Moura Teles quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei”. Não há tipo correspondente no art. 350 do Código Penal.

129.2.5.1

Conduta e elementos do tipo

A conduta típica é não permitir à pessoa o recolhimento do valor da fiança, quando ela tiver esse direito, prendendo-a ou mantendo-a presa. Sempre que a lei permitir ao preso livrar-se solto mediante o pagamento de fiança, cabe à autoridade concedê-la, se esse for o desejo daquele, na forma prevista nos arts. 321 a 350 do Código de Processo Penal. Assim, para realizar o tipo, o agente deve estar consciente de que a infração que motiva a prisão ou detenção é afiançável e não permitir a prestação da fiança por vontade livre, sem qualquer outra finalidade especial.

129.2.5.2

Consumação e tentativa

Consuma-se no momento em que, apesar da intenção do preso em livrar-se solto mediante o pagamento da fiança, o agente recusa-se a permitir sua libertação, efetuando sua prisão ou mantendo-o detido, o que se verifica após o transcurso de um tempo juridicamente relevante. A tentativa é inadmissível.

129.2.6

Abuso do carcereiro ou agente policial

As alíneas f e g do art. 4º contêm dois tipos de delito cometidos por carcereiro ou agente da autoridade policial: “f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa”. Não há correspondência no art. 350 do Código Penal.

129.2.6.1

Conduta e elementos do tipo


Exercício Arbitrário ou Abuso de Poder - 9 A conduta incriminada na alínea f é a de o carcereiro ou agente da autoridade policial cobrar, da pessoa presa, qualquer valor monetário, a título de custas, emolumentos ou despesa de carceragem. Ressalva a hipótese de autorização legal que, em verdade, não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, não há qualquer razão para a cobrança, incorrendo na incriminação o carcereiro ou qualquer funcionário da polícia que a efetuar. O tipo da alínea g, por isso, é inaplicável porquanto prevê a recusa de fornecimento do recibo por cobrança lícita, que não existe no direito brasileiro. O crime é doloso. O agente deve atuar com consciência da ilicitude de seu comportamento, fazendo a cobrança por livre vontade.

129.2.6.2

Consumação e tentativa

Consuma-se no momento em que é feito o pagamento pelo preso, possível, portanto, a tentativa se não chega a se realizar por circunstâncias alheias à vontade do agente.

129.2.7

Ação lesiva à honra ou ao patrimônio

A alínea h do art. 4º da Lei nº 4.898/65 incrimina “o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”. Não há tipo correspondente no art. 350 do Código Penal.

129.2.7.1

Conduta e elementos do tipo

O tipo incrimina qualquer conduta de funcionário público que constitua um ato que ofende a honra ou o patrimônio de qualquer pessoa, desde que praticado com abuso de poder, desvio de poder ou sem competência legal. Ofensivo à honra é o ato que causa dano à reputação da pessoa, física ou jurídica, ou o que agride a dignidade ou o decoro da pessoa natural. Ofensivo ao patrimônio é o que ataca a aparência ou a estrutura de qualquer bem material, móvel ou imóvel, de qualquer pessoa, física ou jurídica.


10 – Direito Penal III – Ney Moura Teles O ato praticado com abuso de poder é aquele que ultrapassa os limites da permissão legal. Com desvio de poder é o ato que foge do âmbito de sua finalidade, realizado com outro desiderato. Sem competência é o realizado por quem não estava autorizado a praticá-lo. Deve o agente atuar com dolo, que alcança a natureza lesiva da honra ou do patrimônio do

ato que pratica, o abuso ou o desvio de poder ou a incompetência,

realizando a conduta com vontade livre, sem qualquer outro fim especial.

129.2.7.2

Consumação e tentativa

A consumação ocorre com a prática do ato pelo funcionário público, possível a tentativa.

129.2.8

Prolongamento ilegal da execução de prisão temporária,

de pena ou de medida de segurança O art. 4º, alínea i da Lei nº 4.898/65 contém o seguinte tipo penal: “prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade”. O inciso II do art. 350 do Código Penal contém norma que alcança somente a pena e a medida de segurança, daí que o tipo da lei especial, por mais amplo, tem aplicação, afastando a norma do inciso II.

129.2.8.1

Conduta e elementos do tipo

Crime próprio de funcionário público, a conduta é a de não expedir ordem de liberdade ou deixar de cumprir ordem expedida por outro funcionário. Estando em execução a prisão temporária, a pena ou a medida de segurança e expirado seu prazo, incumbe ao funcionário encarregado da execução expedir a ordem de libertação do preso ou internado, cometendo o delito aquele que não o fizer. Prisão temporária é aquela prevista na Lei nº 7.960/89. Se o funcionário encarregado de expedir a ordem ou aquele a quem é destinada a ordem de libertação, obrigado, pois, a cumpri-la, deixar de o fazer, igualmente praticará


Exercício Arbitrário ou Abuso de Poder - 11 fato típico. Com a omissão do agente, a execução da prisão temporária, da pena ou da medida de segurança fica prolongada, o que constitui violação da liberdade de locomoção. O crime é doloso. Para realizar o tipo o agente deve estar consciente de que tem o dever de expedir a ordem de liberdade ou executar a ordem já expedida e omitir-se com vontade livre, sem qualquer outro fim.

129.2.8.2 Consumação e tentativa Consuma-se no momento em que, tendo o dever de agir, o agente omite-se, cabendo observar-se tempo juridicamente relevante para se verificar a configuração da omissão. A tentativa é impossível.

129.2.9Recebimento e recolhimento ilegal à prisão O inciso I do parágrafo único do art. 350 do Código Penal contém o seguinte tipo penal: “ilegalmente receber e recolher alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado à execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança”.

129.2.9.1 Conduta e elementos do tipo Delito próprio do funcionário público responsável pela execução de prisão ou medida de segurança, o carcereiro, o diretor do presídio ou do estabelecimento onde se cumpre medida de segurança etc. A conduta consiste no recebimento e recolhimento de pessoa à prisão ou ao estabelecimento destinado ao cumprimento de medida de segurança detentiva sem observar as normas legais pertinentes, tais como a exibição, pelo condutor, do mandado de prisão ou da carta de guia para cumprimento de pena ou de medida de segurança. Crime doloso. O agente deve estar consciente de que descumpre as formalidades legais, ao receber e recolher a pessoa. Age com vontade livre, sem qualquer outro fim especial.


12 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

129.2.9.2 Consumação e tentativa A consumação coincide com o momento em que a pessoa é recolhida à prisão ou ao estabelecimento destinado à medida de segurança e não com seu simples recebimento, que constituirá tentativa se era a vontade do agente recolhê-la e não o consegue por circunstâncias alheias a sua vontade.

129.2.10 Diligência abusiva O inciso IV do parágrafo único do art. 350 do Código Penal contém o seguinte tipo penal: “efetuar, com abuso de poder, qualquer diligência”.

129.2.10.1 Conduta e elementos do tipo A conduta, própria de funcionário público, é efetuar qualquer diligência com abuso de poder. Refere-se o tipo a qualquer diligência, de qualquer natureza, judicial ou não. É típica a conduta quando a diligência é realizada com abuso de poder, ou seja, quando o funcionário ultrapassa os limites legais, deixando de observar as normas pertinentes, inclusive as de competência e de atribuições. O funcionário deve estar consciente da abusividade de sua conduta, sabendo, pois, da ilegalidade que comete, e agir com vontade livre, sem outro fim.

129.2.10.2 Consumação e tentativa Consuma-se com a prática da diligência. A tentativa é possível.

129.2.11 Concurso de crimes Quando na realização de qualquer das condutas típicas o agente causa lesões corporais na vítima, deverá responder pelos dois crimes, em concurso material, porquanto é induvidoso que o agente terá, nesse caso, agido com desígnios autônomos; daí que, mesmo que a lesão corporal decorra da mesma conduta abusiva, a regra será a de cumulação das penas, por concurso formal imperfeito.


Exercício Arbitrário ou Abuso de Poder - 13

129.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, competente o juizado especial criminal, possível a suspensão condicional do processo penal. Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que: “Com o advento da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, por meio de seu art. 2º, parágrafo único, ampliouse o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, por via da elevação da pena máxima abstratamente cominada ao delito, nada se falando a respeito das exceções previstas no art. 61 da Lei nº 9.009/95. Desse modo, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei nº 9.099/95, aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa, sem exceção. Assim, ao contrário do que ocorre com a Lei nº 9.099/95, a Lei nº 10.259/2001 não excluiu da competência do Juizado Especial Criminal os crimes que possuam rito especial, alcançando, por conseqüência, o crime de abuso de autoridade.”1

1

HC 22881/RS-DJ, 26-5-2003, p. 371.


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