VOLUME 03 - 21. PARTO SUPOSTO

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21 PARTO SUPOSTO. SUPRESSÃO OU ALTERAÇÃO

DE

DIREITO

INERENTE AO ESTADO CIVIL DE RECÉM-NASCIDO

___________________________ 21.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME No art. 242 do Código Penal estão contidos os seguintes tipos penais: (1) dar parto alheio como próprio; (2) registrar como seu o filho de outrem; (3) suprimir direito inerente ao estado civil de recém-nascido, ocultando-o; (4) alterar direito inerente ao estado civil do recém-nascido, substituindo-o. A pena é a mesma para todos: reclusão de dois a seis anos. São crimes distintos e não um crime único com várias condutas alternativas. Se o agente der parto alheio como próprio, depois registrar o recém-nascido como seu filho e suprimir ou alterar direito inerente a seu estado civil, cometerá, em concurso material, os três crimes. O fim da norma é proteger a verdade do estado de filiação do recém-nascido. Protege, por extensão, a fé pública do registro civil das pessoas naturais. Sujeito ativo do delito denominado parto suposto é a mulher. Os outros crimes podem ser cometidos tanto pelo homem quanto pela mulher. Sujeito passivo é o Estado, titular do bem jurídico protegido. As pessoas que possam ser atingidas em quaisquer de seus direitos, mormente os patrimoniais, em face das condutas incriminadas serão, igualmente, sujeitos passivos. O recém-nascido substituto ou substituído é também sujeito passivo.


2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

21.2 TIPICIDADE O caput do artigo contém as descrições típicas e no parágrafo único estão previstas a forma privilegiada dos delitos e a possibilidade de aplicação do perdão judicial.

21.2.1

Conduta, elementos objetivos e normativos

No parto suposto a conduta típica é a de apresentar-se como mãe de quem nasceu de outra mulher. É dizer, afirmar, mostrar a outras pessoas que se tornou mãe, naturalmente, de uma pessoa. É na verdade a simulação da maternidade. A mulher dá a notícia ao meio social em que vive de que deu à luz uma criança. A mulher pode ter estado grávida ou simplesmente simulado a gravidez ou nem isso, ocultando-se dos que com ela conviviam, preparando, enfim, com antecedência, a falsa notícia que iria transmitir ou, simplesmente, apresentar-se como mãe verdadeira de um ser humano recém-nascido. A segunda conduta típica consiste na inscrição, no registro civil, de filho alheio como se próprio do agente. Ele comparece perante o Cartório de Registro Civil e ali declara, como seu, o filho de outra pessoa. É conduta diferente da incriminada no art. 241, em que é promovido o registro de pessoa inexistente. Aqui, a pessoa existe, porém seu registro civil é falsificado, dele constando, como pai ou como mãe, pessoa que não o é, verdadeiramente. A terceira figura típica é realizada com a supressão de um direito próprio do estado civil do recém-nascido, mediante sua ocultação. Nasceu, adquire ele estado de cidadão, integrante da família a que pertence, devendo ser promovido seu registro civil, no qual serão mencionados os nomes de seus pais, enfim, tem ele o direito de ser conhecido e reconhecido com seu status próprio. O agente, ao realizar a conduta, atinge esse direito civil do recém-nascido, não sendo necessário que ele seja escondido ou mantido em local inacessível, bastando que seu nascimento seja ocultado, ignorada, por isso, sua existência enquanto pessoa. A última figura é alterar direito inerente ao estado civil do recém-nascido, mediante sua substituição por outro recém-nascido ou até mesmo por um natimorto. Com a substituição, um recém-nascido é tomado pelo outro, ocupando seu lugar ou o daquele que nasceu morto. Altera-se, com isso, o estado civil da pessoa. A substituição de um pelo outro implica a alteração do estado de cada um deles, passando a merecer a qualidade que


Parto Suposto. Supressão ou Alteração de Direito Inerente ao Estado Civil de Recém-Nascido - 3 não tem, filho de quem não é o pai ou mãe, integrante da família à qual não pertence. A substituição, com a alteração do status do recém-nascido, já caracteriza o crime, não sendo necessário que, depois dela, venha a ser promovido seu registro civil, o qual, se ocorrer, constituirá o crime de registro de filho alheio, tipificado no mesmo artigo sob comentários.

21.2.2

Elemento subjetivo

São todos crimes dolosos. Seus agentes devem atuar com consciência e vontade livre de realizar a conduta, sem qualquer outra finalidade, senão a de realizar o tipo. Em outras palavras, no parto suposto a mulher age com vontade de apresentar-se como mãe de quem não é seu filho recém-nascido. O que registra filho alheio como próprio visa à inscrição falsa no registro civil. Os que suprimem ou alteram o estado civil do recémnascido fazem-no com a intenção de atingir o direito que ele tem ao nascer, eliminando-o ou alterando-o.

21.2.3

Consumação e tentativa

O parto suposto consuma-se no momento em que a mulher se apresenta como mãe, passando as demais pessoas a crer que aquele recém-nascido é seu filho. O registro de filho alheio como próprio consuma-se com a inscrição no registro civil. A supressão e a alteração do estado civil do recém-nascido consumam-se, respectivamente, com a ocultação e com a substituição do menor. A tentativa é admissível em qualquer das modalidades típicas.

21.2.4

Circunstância privilegiadora e perdão judicial

No parágrafo único do art. 242 o legislador construiu uma forma típica privilegiada, aplicável a todas as figuras típicas do caput, cominando pena de detenção, de um a dois anos, “se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza”. Assim, a mulher que dá parto alheio como próprio ou o agente que registra como seu filho de outrem, suprime ou altera o estado civil do recém-nascido, ocultando-o ou substituindo-o, mas age por um motivo nobre, importante, relevante, voltado para o bem do menor, destinado a proporcionar-lhe meios de vida que não teria caso não assim agisse, merecerá reprovação penal menos severa.


4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles A nobreza do motivo deve ter, é óbvio, relação com o interesse do recém-nascido e não com o do agente. Este, para merecer o privilégio, deve ter atuado com vistas na promoção de uma melhoria material, psicológica ou moral do menor. No mesmo artigo está previsto o perdão judicial, também em razão da nobreza do motivo que impeliu o agente a prática do fato típico. Para concedê-lo, deixando de aplicar a pena, o juiz levará em conta também as circunstâncias judiciais do art. 59, a partir das quais poderá entender desnecessária a imposição da pena, tendo em vista os fins de reprovação e prevenção do crime.

21.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, competente o juizado especial apenas no caso de crime privilegiado, caso em que será possível também a suspensão condicional do processo penal. O prazo prescricional da pretensão punitiva, em relação ao crime de registro de filho alheio como próprio, começa a contar da data em que o fato tornou-se conhecido, nos termos do que dispõe o art. 111, inciso IV, do Código Penal.


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