VOLUME 03 - 66

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66 FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS

_____________________________ 66.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O art. 293 do Código Penal, com a redação da Lei n° 11.035, de 22 de dezembro de 2004, contém a seguinte norma incriminadora: “Falsificar, fabricando-os ou alterando-os: I – selo destinado a controle tributário, papel selado ou qualquer papel de emissão legal destinado à arrecadação de tributo; II – papel de crédito público que não seja moeda de curso legal; III – vale postal; IV – cautela de penhor, caderneta de depósito de caixa econômica ou de outro estabelecimento mantido por entidade de direito público; V – talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo à arrecadação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável; VI – bilhete, passe ou conhecimento de empresa de transporte administrada pela União, por Estado ou por Município: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. O art. 36 da Lei n° 6.538/78 – que dispõe sobre os serviços postais – derrogou e substituiu integralmente o inciso III do art. 293, com a seguinte redação: “Falsificar,

fabricando

ou

adulterando,

selo,

outra

fórmula

de

franqueamento ou vale-postal: Pena – reclusão, até 8 (oito) anos, e pagamento de 5 (cinco) a 15 (quinze) dias-multa. Incorre nas mesmas penas quem importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda, fornece, utiliza ou restitui à circulação, selo, outra fórmula de franqueamento ou vale-postal falsificados”. O bem jurídico protegido é, uma vez mais, a fé pública, a confiança que as pessoas


2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles depositam nos títulos e papéis públicos. Sujeito ativo é qualquer pessoa que realizar uma das condutas descritas na norma. Sujeito passivo é o Estado.

66.2 TIPICIDADE O caput do art. 293 contém a figura típica básica. O § 1° descreve outras condutas equiparadas. O § 2° tipifica a supressão de sinais indicativos da inutilização desses papéis públicos. O § 3°, o uso de papéis públicos inutilizados. O § 4° descreve a restituição à circulação de papéis públicos falsificados ou alterados. Finalmente, o § 5° contém norma explicativa.

66.2.1

Forma típica básica

66.2.1.1 Conduta, elementos objetivos e normativos A conduta típica fundamental é falsificar, que significa imitar, fraudar, por meio de fabricação ou alteração. Fabricar é criar, elaborar, manufaturar. Alterar é modificar o conteúdo. Os objetos materiais sobre os quais recai a falsificação são os descritos nos incisos I a VI do art. 293. O inciso I refere-se ao selo destinado ao controle tributário, ao papel selado e a qualquer outro papel público que venha a ser emitido por força de lei e com o fim de servir à arrecadação de tributos. Inclui-se, aí, a estampilha, que é o selo utilizado como instrumento de prova do pagamento de determinados impostos ou taxas devidos à União, Distrito Federal, Estados e Municípios. O Poder Judiciário também a utiliza. Não quer o inciso I referir-se ao selo ou outra fórmula de franqueamento postal. Selo postal é a estampilha postal, adesiva ou fixa, bem como a estampa produzida por meio de máquina de franquear correspondência, destinadas a comprovar o pagamento da prestação de um serviço postal. Fórmula de franqueamento postal é a representação material, o documento representativo do pagamento da tarifa ou do prêmio relativo a um objeto postal. Não são objeto do crime do art. 293 do CP, mas de tipos da Lei n° 6.538/78. No inciso II a norma contempla, como objeto material, o papel de crédito público. Trata-se do título representativo da dívida pública, federal, estadual ou municipal, como as apólices, debêntures, obrigações, letras e notas do Tesouro etc.


Falsificação de Papéis Públicos - 3 O inciso III refere-se ao vale postal; todavia, foi o dispositivo revogado pelo art. 36 da Lei nº 6.538/78. Vale postal é o título emitido pelo Correio à vista de um depósito de quantia para pagamento na mesma ou em outra unidade postal (art. 47 da Lei nº 6.538/78). No inciso IV a norma trata da cautela de penhor. É um título de crédito que pode ser endossado, em branco ou em preto. Endosso é a transferência do direito contido no título. Em branco, ao portador. Em preto, à pessoa determinada. O penhor é o contrato celebrado entre o particular e a Caixa Econômica Federal, através do qual, mediante a entrega de jóias, recebe aquele uma importância em dinheiro, obrigando-se a pagá-la no prazo estabelecido e reavendo as jóias empenhadas. Caderneta de depósito é o documento no qual o estabelecimento de crédito anota a movimentação da conta corrente da pessoa que nele confiou seu dinheiro. Cuida a norma apenas de caderneta de depósito emitida pela Caixa Econômica Federal ou outra instituição financeira mantida por ente público, União, Estados e Municípios. O inciso V refere-se a documentos relativos à arrecadação de rendas públicas. Talão é um documento de quitação, composto de uma parte destacável de outra, que é denominada “canhoto”, a qual contém as mesmas informações da primeira. Recibo é o documento escrito representativo do recebimento de coisa ou valor. Guia é o documento expedido por órgão público arrecadador, cuja finalidade é o recolhimento ou o depósito de valores. Alvará é o expedido por autoridade pública autorizando o recolhimento ou o depósito de caução. Qualquer outro documento que sirva de instrumento para a arrecadação de rendas públicas ou para o depósito de caução perante órgão público também será objeto material do crime. Por fim, no inciso VI, estão definidos como objeto material do crime o bilhete de transporte em empresa administrada pela União, Estados e Municípios, o passe, que também permite o acesso do usuário ao serviço de transporte público, e o conhecimento, que é documento que comprova a entrega de coisa a ser transportada por empresa transportadora administrada pelo poder público. A falsificação deve ser idônea. A fabricação ou a alteração deve resultar num documento apto a iludir, a enganar outras pessoas. A falsificação grosseira, que pode ser detectada sem muito esforço, não permite o reconhecimento da tipicidade.


4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

66.2.1.2

Elemento subjetivo

O crime é doloso. Dolo é a consciência e a vontade de realizar o tipo. Assim, estando o agente consciente de que fabrica ou altera qualquer dos objetos materiais referidos na norma incriminadora e atua com a vontade livre de falsificá-lo, age dolosamente, reconhecida, por isso, a tipicidade do fato.

66.2.1.3

Consumação e tentativa

A consumação acontece no momento em que o objeto material é falsificado, por fabricação ou por sua alteração. Não há necessidade de qualquer outra conseqüência ou dano decorrente da falsidade. A tentativa é possível quando, iniciada a fabricação ou alteração, não chega o objeto a ser falsificado por circunstâncias alheias à vontade do agente.

66.2.2

Figuras típicas equiparadas

Dispõe o § 1° do art. 293, com a redação da Lei n° 11.035, de 22.12.2004: “Incorre na mesma pena quem: I – usa, guarda, possui ou detém qualquer dos papéis falsificados a que se refere este artigo; II – importa, exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda, fornece ou restitui à circulação selo falsificado destinado a controle tributário; III – importa, exporta, adquire, vende, expõe a venda, mantém em depósito, guarda, troca, cede, empresta, fornece, porta ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou mercadoria: a) em que tenha sido aplicado selo que se destine a controle tributário, falsificado; b) sem selo oficial, nos casos em que a legislação tributária determina a obrigatoriedade de sua aplicação.”

São várias as formas equiparadas. No inciso I está incriminado o uso, a guarda, a posse e a detenção dos papéis falsificados referidos no caput do art. 293. Usar significa utilizar. Fazer uso. De qualquer


Falsificação de Papéis Públicos - 5 modo. O agente faz uso do papel falsificado apresentando-o como verdadeiro, emprestando, vendendo, com ele fazendo prova, enfim, servindo-se dele das mais variadas maneiras possíveis. Guardar é manter em depósito. Possuir é estar na posse. Deter é ter consigo. No inciso II a norma incrimina a importação, exportação, aquisição, venda, troca, cessão, empréstimo, guarda, fornecimento e a restituição à circulação de selo falsificado destinado a controle tributário. Importar é fazer ingressar no Brasil. Exportar é fazer sair do território nacional. Adquirir é obter de qualquer forma. Vender é alienar onerosamente. Trocar é permutar. Ceder é transferir para outra pessoa. Emprestar é entregar para alguém que assume a obrigação de devolver. Guardar é ficar com a coisa em depósito. Fornecer é entregar, a qualquer título. Restituir à circulação é fazer circular novamente. No inciso III, além das mesmas condutas descritas no inciso II, a norma incrimina ainda a exposição à venda, o depósito e a utilização, por qualquer forma, em proveito próprio ou alheio, no exercício da atividade comercial, de produto ou mercadoria na qual tenha sido aplicado selo de controle tributário falsificado ou sem o selo exigido pela legislação tributária. Expor à venda é oferecer, mostrar para vender, exibir, deixar à mostra do consumidor. Depositar é guardar, estocar ou armazenar. Utilizar em proveito próprio ou alheio no exercício da atividade comercial ou industrial é dar à coisa, qualquer destino com finalidade lucrativa, na atividade da empresa. Equipara-se à atividade comercial, para os fins do que está previsto no inciso III, qualquer forma de comércio, irregular ou clandestino, inclusive o que é exercido em vias, praças ou logradouros públicos e residências (art. 293, § 5°). Se quem pratica qualquer dessas condutas definidas nos incisos I ao III é o próprio agente da falsificação, seu autor ou o dela partícipe, não será incriminado uma segunda fez, pois sua conduta será post factum impunível. Assim, incidirá na incriminação a pessoa que não seja agente da falsificação do papel. Só cometerá o crime se o agente agir dolosamente. Deve saber que o papel é falsificado e, com vontade livre, realizar a conduta descrita no tipo. Se não sabe da falsidade, não há tipicidade, por inexistência de dolo, excluído por erro de tipo, já que não existe modalidade culposa prevista em lei.

66.2.3

Supressão de sinais indicativos de inutilização de papéis

públicos


6 – Direito Penal III – Ney Moura Teles No § 2º do art. 293 está o seguinte tipo: “suprimir, em qualquer desses papéis, quando legítimos, com o fim de torná-los novamente utilizáveis, carimbo ou sinal indicativo de sua inutilização”. A pena: reclusão de um a quatro anos, e multa.

66.2.3.1

Conduta e elementos do tipo

Os papéis mencionados nos incisos I a VI do art. 293, quando verdadeiros, legítimos, são utilizados para os fins a que se destinam e, exaurindo-se sua função, tendo servido para o objetivo com que foram criados, não podem mais ser utilizados. Em decorrência disso, são marcados, por carimbo ou qualquer outro sinal, tornando-se, a partir daí, inutilizáveis. Há conduta típica quando o agente suprime o sinal ou o carimbo que indica sua inutilização. Suprimir é, de qualquer modo, eliminar a prova de que o papel já foi utilizado e não mais o pode ser. É remover a tinta do carimbo, raspá-la ou fazer desaparecer a marca representativa de sua inutilização. Desse modo, pretende o agente fazer crer que o papel ainda pode ser utilizado porque fez desaparecer o carimbo ou o sinal de sua inutilização. É crime doloso. O agente deve estar consciente de que aquele sinal ou carimbo é indicativo da inutilização do objeto material e suprimi-lo com vontade livre e para tornar o papel novamente utilizável, que é o fim especial, o segundo elemento subjetivo do tipo.

66.2.3.2

Consumação e tentativa

Consuma-se no momento em que o sinal ou o carimbo é suprimido, quando o agente consegue fazer com que ele desapareça do papel verdadeiro já utilizado. Não exige o tipo que o agente dele faça novo uso. A tentativa é possível.

66.2.4

Uso de papel público inutilizado

O § 3º do art. 293 pune com reclusão de um a quatro anos e multa “quem usa, depois de alterado, qualquer dos papéis a que se refere o parágrafo anterior”.

66.2.4.1

Conduta e elementos do tipo


Falsificação de Papéis Públicos - 7 A conduta incriminada é usar qualquer dos papéis públicos legítimos que foram inutilizados, mas que tiveram suprimido o carimbo ou o sinal indicativo de sua inutilização pelo agente do crime definido no § 2º do art. 293. Usar significa conferir ao papel qualquer utilidade, empregá-lo na realização de qualquer fato jurídico, dá-lo, emprestá-lo, enfim, fazer uso dele, de qualquer modo. É crime que será realizado por outra pessoa, porque se é o próprio agente da supressão do sinal indicativo que faz uso do papel, estará realizando post factum impunível. É indispensável que a conduta seja dolosa. O agente deve ter conhecimento de que o papel teve o sinal indicativo de sua inutilização suprimido por outra pessoa, agindo livremente na certeza de que se trata de um papel que fora, anteriormente, inutilizado. O dolo é o de usar o papel, sem qualquer outra finalidade especial.

66.2.4.2

Consumação e tentativa

Consuma-se no momento em que o agente o utiliza, não sendo possível reconhecer a tentativa, uma vez que já no início da execução do procedimento típico de uso, o crime estará consumado.

66.2.5

Circulação de papel falsificado ou alterado

A última das normas incriminadoras do art. 293 contém um tipo privilegiado de crime, assim descrito, no § 4º: “Quem usa ou restitui à circulação, embora recebido de boa-fé, qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem este artigo e o seu § 2º, depois de conhecer a falsidade ou alteração, incorre na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.”

66.2.5.1

Conduta e elementos do tipo

As condutas incriminadas são: usar ou restituir à circulação. Usar é utilizar, de qualquer modo. Restituir à circulação é fazer circular novamente, passando à frente, às mãos de outra pessoa.


8 – Direito Penal III – Ney Moura Teles O objeto material do crime é qualquer dos papéis mencionados nos incisos I a VI do caput do artigo falsificados ou que tiveram suprimido o sinal indicativo de sua inutilização. Para realizar o tipo do § 4º, é indispensável que o agente tenha recebido um desses papéis – falsificado ou com o sinal indicativo de inutilização suprimido – de boa-fé. Isto é, recebeu-o na certeza de que se tratava de um papel verdadeiro e utilizável. É preciso que, após tê-lo recebido de boa-fé, o agente tome conhecimento de que se trata de um papel falsificado ou verdadeiro, porém, inutilizado e com o sinal indicativo de inutilização suprimido, ou seja, alterado. E, por fim, sabendo da falsidade ou da alteração do papel, o agente o utiliza ou o restitui à circulação dolosamente, com vontade livre de realizar a conduta, sem qualquer outra finalidade especial.

66.2.5.2

Consumação e tentativa

A consumação acontece no exato momento em que o agente utiliza o papel, ou no momento em que o restitui à circulação, o que se faz quando o papel é entregue a outra pessoa. A devolução do papel à pessoa que o entregara ao agente não constitui crime, pois não há, nessa conduta, qualquer uso ou restituição à circulação. É possível a tentativa de restituição, não a de utilizar, por impossibilidade de fracionamento dessa conduta.

66.2.6

Aumento de pena

A pena será aumentada de um sexto se o agente do crime é funcionário público e se tiver realizado a conduta prevalecendo-se do cargo que ocupa. É a norma do art. 295 do Código Penal que determina o aumento.

66.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Tratando-se de supressão de sinal indicativo de inutilização, de uso de papel público inutilizado e de circulação de papel falsificado ou inutilizado, é possível a suspensão condicional do processo penal. A competência, para o tipo privilegiado, do § 4º do art. 293, é do juizado especial criminal. Havendo lesão a interesse da União, a competência será da Justiça Federal.


Falsificação de Papéis Públicos - 9


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