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Escolarização ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
PARTE I TEMPO I - Família, Infância e Escolarização
Assim fui inventando palavras, que, por vezes, realmente existiam.
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Como sabia que algo era real? As pessoas ao meu redor usavam as palavras em suas frases. Portanto, não eram ilusões, eram percepções de uma realidade.
Assim fui entendendo que, quando se fala de culturas, às vezes existem pontos de intersecção; outras vezes, não. E, nesses pontos em que não há intersecção, vive uma riqueza cultural que graciosamente pode desubicar. Desubicarse é essencial para ubicarse.
Não tenho muitas lembranças do meu primeiro colégio. Deve ser porque passei os primeiros anos aprendendo duas linguagens: matemática e português. Imagino como os colegas foram pacientes. Eu não falava nem uma palavra em português, devo ter inventado uma outra língua e aos poucos o idioma foi sendo incorporado como uma entidade que se apossa do corpo e começa a fazer parte da minha identidade. Só lembro de uma Professora, Maria da Graça, que pediu para falar com minha mãe e disse para ela para me tirar do colégio e colocar em outro onde eu fosse realmente aprender. Foi assim que começou a escolha...
Não sei quantas escolas visitamos. Mas o colégio com um tronco embaixo de uma grande árvore e sem grades e muros ... foi amor à primeira vista. Eu realmente queria aprender em um colégio sem muros. O João XXIII era uma dessas contradições deste país. Foi inaugurado no mesmo ano do golpe (1964). Para ver um pouco da história do colégio, é possível acessar o site (https://joaoxxiii.com/historia/ - acesso em: 21/04/2022) ou ler o memorial do professor Luiz Eduardo Achutti.
Assim, fui matriculada em um colégio fundado pela Profa. Zilah Totta. Foi lá que escutei pela primeira vez os nomes Paulo Freire, Piaget… Foi lá que conheci a “tia Té” (Professora da quarta série). Adorava as balas de coco que ela fazia para estimular o aprendizado de matemática.
Lá a gente não deveria decorar, não lembro de ter feito provas. Claro que deveriam ter existido, mas só lembro de provas quando estava no segundo grau (atualmente denominado de Ensino Médio). Foi no colégio que aprendi a tocar o único instrumento no qual tiro algumas notas: a velha e boa flauta doce. Aqui vou abrir um parêntese. Na minha família sempre quiseram que tocássemos algum instrumento. Eu tive aula de piano, órgão, violão, violino, xilofone, até bumbo... só consegui tocar no violão a canção “pra não dizer que não falei das flores” (o que foi muito útil no final da adolescência politizada... mas na realidade só aprendi porque são poucos acordes!). Bem... foi graças à Professora de música do colégio que, pelo menos, alguém da família (da minha geração e das gerações anterio-
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res) tirou algumas notas de algum instrumento. Mas foi graças aos meus colegas que conheci Rita Lee, Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Caetano, Milton, Gilberto Gil, Miucha, Gal, Bethânia, e o balancê, balancê do Nordeste. Mas, principalmente, o Giba-Giba, pai de Edu Nascimento, um dos colegas que tenho o superprazer de, com frequência, ter caminhos interseccionados.
Foi no colégio que conversei pela primeira vez com Moacyr Scliar e pela primeira vez, mas não última, tive o prazer de discutir sobre sua literatura... do “Exército de um Homem Só” ao “Centauro no Jardim”. Muitos anos mais tarde, teria o privilégio de ter longas conversas sobre a beleza e o fardo da Medicina. Mas o meu imenso agradecimento fica para a Judith Scliar, que, com muita paciência, me ajudou a superar conflitos e ver na língua inglesa a oportunidade de conhecer novos mundos. Foi ela que, com sabedoria, me disse que a tradução para o inglês da “Dama das Camélias” era melhor do que a feita para o português. Foi assim que ela me emprestou uma cópia que tinha sobrevivido a uma enchente e eu a devorei, nem percebendo que estava em inglês. Foi fazendo as pazes com esse idioma que conheci Roald Dahl e pude ler, anos mais tarde, para o Guilherme: “Matilda”!
Bem, fechando o parêntese, foi nesse colégio que tive o privilégio de encontrar duas grandes amigas, Beth (Beth Camelier) e Dea (Andrea Lichtenstein), e é de lá que até agora tenho o privilégio de conversar com o Fábio, atualmente Professor de História da Faculdade da UFPEL. Não é raro encontrar meus colegas de João XXIII pelas ruas de Porto Alegre. Esses encontros são caracterizados por uma intimidade da infância, pois, quando você frequenta uma escola pequena que tem no máximo 20 alunos em cada série, sendo duas turmas por turno (manhã e tarde), acaba-se tendo experiências compartilhadas de forma que não se precisa falar diariamente. De um jeito ou de outro, acaba-se sabendo dos problemas, das intrigas, dos vícios, das maldades, das felicidades, das conquistas e dos valores de cada um.
Nessa escola, a maior parte dos trabalhos era feita em grupo, portanto era necessário compartilhar conhecimento. Os professores se orgulhavam de não ser uma escola voltada ao êxito no vestibular. O foco era aprender a ser crítico. E eu só precisava de um pequeno empurrãozinho ...
Foi nos últimos anos que lemos Veias Abertas da América Latina. À época, dividia minhas férias entre Santiago e Quito. Três países que não compartilham fronteiras: Chile, Equador e Brasil. Já durante o período de colégio comecei a me dividir entre ele e minhas atividades extracurriculares. Além de dançar (à época ballet), também comecei a ler com outros grupos o Manifesto, o Capital e o 18 Brumário. Percebi o quanto gostava não só de ler política como de debater sobre o futuro do mundo.
Claro que esse prazer era compartilhado com uns poucos colegas e assim começava a querer ir para um espaço maior, um lugar em que certamente poderíamos criar e nos contrapor a todas as ditaduras. Obviamente esse espaço se chamaria Universidade.