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História da Cronobiologia ����������������������������������������������������������������������������������������������

PARTE IV TEMPO VII - Geração do Conhecimento

Como a Cronobiologia é uma área da ciência relativamente nova, há uma série de desafios para quem trabalha nela. Mas também há o lado gratificante. Entre os pontos gratificantes está o fato de poder conviver com alguns pioneiros na área. Conhecê-los e trocar ideias sobre a ciência e sobre a vida tem compensado os desafios.

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Por outro lado, por se tratar de uma área pouco conhecida, existe a necessidade de aprender um conjunto de conceitos e de termos que, para alguém da área da saúde, não são muito usuais. Assim, a partir da história da área, comentarei os principais conceitos necessários para introduzir a produção do nosso Laboratório.

A maioria dos livros sobre Cronobiologia inicia relatando o experimento de Mairan. Portanto, aqui não serei diferente. A esse estudo, realizado em 1729 pelo astrônomo Jean-Jacques d’Ortous de Mairan, é atribuído o início do estudo dos ritmos biológicos. Mairan observou uma planta chamada mimosa pudica, que abre suas folhas com o aparecimento da luz do sol e as fecha com a escuridão. A partir dessa observação, ele decidiu retirar uma das variáveis, colocando a planta em uma caixa escura. Contrariando as hipóteses de que a planta fecha as folhas para sempre ou as deixa abertas para sempre, a mimosa continuou abrindo e fechando as folhas. Em seu artigo, Mairan faz várias deduções, mas atualmente o experimento se tornou importante por demonstrar a persistência do ritmo. Além de Mairan, Carl von Linne, no mesmo século (1707-1778) construía o “floral clock” indicando a preditibilidade do abrir e fechar das pétalas de várias espécies de plantas de acordo com a estação do ano.

Surgia a pergunta: a característica de se sincronizar ao meio poderia ser hereditária e espécie-específica? Um dos primeiros estudos que demonstrou a característica da matéria viva de ter um sistema temporizador foi o de Erwin Bünning, segundo o qual o ritmo poderia ser uma característica hereditária em feijões. E, obviamente, como na época a questão da adaptação como forma de evolução era muito forte, Bünning conclui que essa característica promove uma melhor adaptação ao ambiente.

Um outro nome importante para a área é Candole, que demonstrou que o ritmo foliar da mimosa pudica, quando em condições constantes (escuro ou claro constantes), variava entre 22 e 23 horas. Ou seja, para apresentar o ritmo de 24 horas, os seres vivos se encarrilham ao ritmo claro/escuro do ambiente que os circunda. Portanto, além de o ritmo persistir, ele pode ser encarrilhado pelo meio externo. Com o passar dos anos, se observou que o mais potente ritmo externo, com poder de encarrilhar e imprimir um ritmo ao organismo vivo, é o claro-escuro. Se o claro-escuro tem a capacidade de imprimir na matéria viva um ritmo, a matéria viva deve ter um sistema que responde a esse estímulo.

Foi em 1959 que Franz Halberg cunhou o termo circadian (Latin: circa = about; dies = day) para se referir às mudanças geradas endogenamente que mostravam uma variação de ritmos com um período

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de aproximadamente 24 horas. Para ser um ritmo circadiano, a característica de se manter mesmo na ausência do input ambiental era necessária.

Os trabalhos seminais de Pittendrigh demonstram, em diversos níveis de complexidade (drosófilas a mamíferos), que os seres vivos apresentam um programa temporizador em nível celular cuja percepção pode se dar pela observação de ritmos como atividade e repouso, temperatura, eclosão dos ovos da drosófila. Esses ritmos se encontram sincronizados ou encarrilhados a ciclos ambientais. Pittendrigh resumiu as características de um ritmo circadiano no que conhecemos como as generalizações de Pittendrigh. A quarta generalização é particularmente importante por trazer a clara noção de que um ritmo circadiano deve frequentemente ser uma oscilação autossustentável. Outra generalização (XII) que se torna importante para a compreensão dos trabalhos realizados por nós é a de que o período de um ritmo em condições de livre curso (free running) é dependente da intensidade de luz. Assim, vários estudos de Pittendrigh descrevem a Curva de Fase Resposta (CFR) da atividade de diversas espécies ao estímulo fótico, mostrando a capacidade de atrasar ou adiantar a fase do ritmo, dependendo do horário em que o estímulo é aplicado. Além do horário em que o estímulo ocorre, um período pode variar conforme o histórico de exposição à luz experienciado antes de ser realizado o experimento em que é colocado em condições de claro ou escuro constante (Pittendrigh e Daan, 1976). Ou seja, o histórico de exposição à luz interferiria na expressão do ritmo quando colocado em alguma situação sem ter indicações temporais.

A XII generalização está relacionada à regra de Aschoff, que descreve que o animal noturno apresentará um período maior quando estiver em livre curso (free running) sob luz constante do que em escuro constante. O oposto será observado nos animais diurnos. E aos ciclos ambientais que têm a capacidade de sincronizar os ritmos biológicos, Aschoff cunhou com o nome de zeitgeber (“doador de tempo” no Alemão). Os zeitgebers são categorizados como fóticos e não fóticos e/ou sociais. Os estudos de Aschoff e de Pittendrigh têm-nos inspirado na elaboração de nossos estudos epidemiológicos. Assim como Aschoff encontrou, na existência de Bunkers da Segunda Guerra Mundial, uma possibilidade de montar Laboratórios para estudar o ritmo biológico de seres humanos em condições constantes, nós temos observado as diferentes organizações sociais para testar hipóteses relacionadas a zeitgeber fótico e social. Logo, fica clara nossa relação com o Prof. Till Roenneberg, que trabalhou com Aschoff, pois ele compreende o conceito de laboratório natural ou estudos em real life.

Foi buscando por metodologias simples a serem utilizadas em estudos populacionais que chegamos ao Prof. Roenneberg. Ele também estava desenvolvendo estudos em populações (na Alemanha e na Itália) na ideia de testar os conceitos de disrupção de ritmo. E nós estávamos desenvolvendo um estudo no interior do Rio Grande do Sul (Vale do Taquari) em cidades de imigração alemã e italiana. Foi assim que surgiu nossa primeira colaboração com a Ludwig Maximilian Universität (LMU) em 2008 e nosso primeiro edital PROBRAL (CAPES/DAAD).

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Nesse estudo, observamos que na mesma região, comparando as pessoas que moram no “campo” e na “cidade”, a diferença de comportamento relacionado ao sono já é considerável. Sendo que as pessoas da cidade apresentam uma fase mais atrasada de sono e uma menor exposição à luz solar do que aquelas que têm sua moradia no campo. Aqui vale a consideração de que, quando falamos de cidade, nos referimos a pequenas aglomerações ao redor de uma praça, igreja, um prédio da prefeitura. Não estamos falando de cidades industrializadas ou capitais ou metrópoles.

Parte dos resultados foram publicados no artigo:

A partir do estudo realizado no Vale do Taquari, surgiram outras inquietações, pois víamos que a pequena organização social trazida por uma tênue urbanização já mudava os padrões de sono. Portanto, seria possível que isso fosse relacionado a essa estrutura ou pelo fato de o sinal fótico ter sido modificado?

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Assim, naquela época eu fazia aulas de Alemão com o César, casado com a Mari (neta de líder quilombola). Em uma de nossas conversas, comentei sobre o estudo realizado em colaboração com a Alemanha e a questão relativa à influência da iluminação artificial. Esse é um daqueles momentos em que a sincronia parece magia. Ele imediatamente comentou sobre as comunidades quilombolas e me apresentou a Mari. Um mundo inteiro se revelou. Como eu não enxergava que havia, aproximadamente, 300 quilombos espalhados pelo estado? Assim, desenhamos o projeto que denominamos de Projeto Quilombo, e, em todos os nossos artigos publicados relacionados ao projeto, há agradecimentos a Mari.

No projeto, em colaboração com as comunidades quilombolas e com a LMU, comparamos comunidades com diferentes históricos de acesso à eletricidade:

Pilz LK, Levandovski R, Oliveira MAB, Hidalgo MP, Roenneberg T. Sleep and light exposure across different levels of urbanisation in Brazilian communities. Sci Rep. 2018 Jul 30;8(1):11389. doi: 10.1038/s41598-01829494-4.

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Fotografias do acervo do Professor Luiz Eduardo Achutti relacionadas ao projeto de extensão “Estudo Cronobiológico e Fotoetnográfico de uma Comunidade Quilombola em Gravataí - Rio Grande do Sul - Brasil”

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Essa contribuição do nosso Laboratório foi também incluída em uma rede internacional sob o nome de The Human Sleep Project e foi comentário na revista Nature:

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E assim nosso Laboratório vai entrando para a história da Cronobiologia.

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