Relatorio final diogo pereira compacto

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A imagem fotográfica como meio para a exposição, interação e interpretação de espaços urbanos e arquiteturas: fundamentos conceituais e possibilidades na web 2.0.

Diogo Augusto Pereira São Paulo, agosto de 2012


Relatório Final de Iniciação Científica, PIBIC Título: A imagem fotográfica como meio para a exposição, interação e interpretação de espaços urbanos e arquiteturas: fundamentos conceituais e possibilidades na web 2.0 Autor: Diogo Augusto Pereira (número USP: 6451488) Professor orientador: Artur Simões Rozestraten São Paulo, 31 de agosto de 2012

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Índice a) Introdução

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b) Revisão Bibliográfica

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c) Descrição dos trabalhos realizados

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I. Pesquisa bibliográfica e anotações II. Reuniões com o professor orientador III. Pesquisa de meios interativos na web 2.0

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d) Resultados obtidos

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I.

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Entre a imagem e a realidade: uma breve reflexão

II. O possível na era digital: caminhos para a interpretação de imagens e arquiteturas 24 III. Introdução do usuário no universo representativo de arquitetura na web 32

e) Considerações finais

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f ) Referências bibliográficas

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a) Introdução O estudo da arquitetura deve ser feito, preferencialmente, in loco, vivenciando diretamente o espaço, percebendo suas estruturas fixas e suas dinâmicas, intuindo suas interações locais e sua inserção na paisagem (ZEVI, Bruno, 1996). Quando esta visita não é possível, as representações entram em cena e desempenham seu papel histórico. Desde a Antiguidade, quem visita um lugar, um edifício ou uma cidade, e se encanta com seu espaço arquitetônico, tenta retê-lo na memória e, para tanto, muitas vezes, elabora representações que procuram recriá- levadas consigo à distância. Assim fizeram, por exemplo, Vitrúvio (8070 a.C.- 15 a.C.) e Pausânias (séc. II) em textos; Villard de Honnecourt (séc. XIII) em desenhos; e tantos outros mestres-de-obras, profissionais construtores, arquitetos e amadores ao longo do tempo com imagens, palavras e modelos. Em meados do séc. XIX, Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879) já percebera que a fotografia trazia uma contribuição indispensável ao registro e documentação da arquitetura e a incluía em seu procedimento metodológico para o levantamento e a restauração do patrimônio arquitetônico medieval francês (VIOLLET-LE-DUC, 2000; LAMERSSCHÜTZE, 2003). Ao longo da segunda metade do séc. XIX, a fotografia viria a assumir definitivamente seu papel documental na história contemporânea. Na última década, a relação entre fotografia digital e Internet trouxe novas possibilidades, questões e desafios para a representação da arquitetura, a cultura visual arquitetônica, e a educação formal das futuras gerações, contexto que conforma a caracterização do problema que move este projeto de pesquisa. É devido a imagem fotográfica que temos acesso ao aspecto de obras como a cidade de Chandigahr na Índia, de Le Corbusier, ou à Assembléia Nacional em Dacca, projeto de Louis Kahn, obras constantes nos livros sobre arquitetura moderna. Seria praticamente impossível sem a fotografia e os desenhos ter conhecimento das importantes arquiteturas que existem pelo mundo. O conhecimento arquitetônico da maioria dos arquitetos contemporâneos formou-se muito mais sobre imagens fotográficas sobre uma base visual do que sobre a experiência sensível direta das arquiteturas, ambientes ou espaços urbanos. E mais, formou-se sobre um conjunto restrito de imagens selecionadas por critérios acadêmicos, ou editoriais, que veio a circular nas publicações e alcançou as faculdades e seus alunos. O processo de construção do conhecimento individual de cada arquiteto, esteve amparado, portanto, em grande parte, em um conjunto de imagens (normalmente restrito à mídia impressa ou a registros pessoais, quanto possíveis) ao qual associam-se interpretações consolidadas da história e da crítica de arquitetura, como conhecimento coletivo. Em outras palavras, alguns poucos autores, com algumas poucas imagens pautaram o conhecimento, a interpretação, e o imaginário de gerações de arquitetos. Na última década, contudo, a relação entre fotografia digital e Internet trouxe novas possibilidades, questões e desafios para a representação da arquitetura, a cultura visual arquitetônica, e a educação formal das futuras gerações, contexto que 4


conforma a caracterização do problema que move este projeto de pesquisa. A iniciativa colaborativa que entre os anos 60 e 80, em outro contexto e com outros recursos técnicos, formou o acervo atual de slides da FAU USP, pode ser hoje reformulada, com o mesmo caráter colaborativo, mas em uma escala muito mais abrangente, por um meio de uma rede social na web 2.0. Tal iniciativa reuniria rapidamente imagens digitais de todos os recantos do país produzidas por arquitetos, estudantes, professores, fotógrafos e pessoas interessadas em arquitetura, conformando uma rede que depois poderia ser ampliada à arquitetura mundial. Disponível online em quaisquer computadores ligados à internet e, também, acessível por dispositivos móveis como smartphones, esse acervo de imagens fotográficas, Arquigrafia-Brasil, possibilitaria ainda maior liberdade de acesso, melhor gerenciamento dos direitos autorais sobre as imagens do que os acervos físicos atuais, e a possibilidade de vivenciar espaços arquitetônicos e seus acervos fotográficos simultaneamente. Por exemplo, um usuário pode fazer um passeio arquitetônico pelo centro de São Paulo visualizando comparativamente antigas fotografias destes mesmos espaços em outros tempos. Como se dariam as interações e analogias que se estabelecem entre imagens fotográficas de arquitetura e a experiência do próprio espaço arquitetônico neste novo contexto? Que novas possibilidades de ensino/aprendizagem se delineam na relação entre imagens digitais e experiência sensível da realidade? Como estas reflexões podem balizar o desenvolvimento do webdesign da rede social Arquigrafia Brasil? Esta pesquisa pauta-se numa reflexão sobre essa relação entre arquitetura e sua imagem e o futuro da imagem fotográfica como representação da arquitetura nos meios digitais e de compartilhamento de arquivos. O texto elaborado durante esse primeiro semestre de iniciação científica entrelaça aspectos históricos ligados à presença da imagem de arquitetura e sua relação com uma interpretação crítica do objeto arquitetônico e do objeto de arte com as possibilidades abertas de interatividade e de acesso a um amplo conteúdo disponível na web 2.0.

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b) Revisão Bibliográfica Esta segunda etapa da pesquisa de iniciação científica está pautada nas relações entre as pessoas e as imagens e representações de arquitetura. Também está mais próxima de um caráter técnico ao introduzir as possibilidades em relação as novas tecnologias digitais. A primeira parte apresentada no relatório parcial de fevereiro é, por outro lado, apoiada nas questões referentes à imagem, seu histórico e sua relação com a arquitetura. Por isso foram fundamentais obras literárias que introduziam esse contexto como, por exemplo, Sobre fotografia (2004) de Susan Sontag ou ainda a Filosofia da Caixa Preta (2002) de Vilém Flusser. Ainda apoiado nas experiências entre imagens e arquitetura obras que trouxessem a imagem de arquitetura como grande protagonistas, como uma maneira de comunicar-se através das imagens, foram essenciais. Obras estas como Kindel: fotografia de arquitectura (2007) e Barcelona Reflecciones (2008). Nesta etapa, sem abandonar a importante discussão levantada no primeiro semestre sobre a imagem e sua relação com a arquitetura, aproxima-se de um viés interpretativo das imagens de arquitetura. O que elas significam, como elas podem interferir na nossa percepção espacial, existiria uma única interpretação para a arquitetura ou infinitas? Esses são os pontos principais dessa nova etapa a serem abordados na pesquisa de iniciação científica. Lidamos, portanto, com as possibilidades interpretativas como uma maneira de qualificar a produção de conhecimento na web 2.0 e também como uma das importantes discussões da rede social Arquigrafia Brasil, que visa mais que ser apenas um repositório de imagens arquitetônicas. Para entender isso certas obras literárias foram impressindíveis para o andamento da pesquisa. Por exemplo, a obra que já era fundamental até aqui, Saber ver a arquitetura (1996) do crítico e arquiteto italiano Bruno Zevi, a obra instigante do historiador da arte alemão Aby Warburg também foi essencial para essa pesquisa, e tem sido balisadora desde os primórdios da discussão da rede social Arquigrafia Brasil sobre as relações entre usuários e imagens. Sobre tudo o projeto de Aby Warburg para uma história imagética da arte, traduzida no seu Atlas Mnemosyne , é bastante relevante para o projeto e é apresentada na obra Aby Warburg, a intelectual biography (2006) do também historiador da arte Ernst Gombrich. Erwin Panofsky e suas formas de interpretação artística, em seu Significado nas artes visuais (1976), ajudaram a introduzir os conceitos da rede social e da web e sua relação com o usuário. Ou seja, podemos perceber a interação entre usuário e imagem como uma leitura interpretativa daquela arquitetura representada através dos significados sugeridos por 6


Panofsky. O livro Image Retrieval: theory and research (2003) da autora norte-americana Corinne Jörgensen foi uma fonte teórica muito interessante, pois seu foco é justamente o acesso à bancos de dados compostos por imagens, sobretudo imagens de arte em acervos institucionais de bibliotecas e museus. Também trata do importante passo de digitalização do acervo e da abertura para a consulta digital, que estabelece parâmetros bastante novos para essas instituições. Corinne Jörgensen apresenta também alguns conceitos quanto a percepção visual do observador e essa relação com o acesso de acervos de imagens. Image Retrieval traz consigo caráteres mais técnicos sobre essa relação ao tratar exemplos estudados sobre acervos de importantes instituições como a Biblioteca do Congresso Norte Americano ou o Museu de Arte da Universidade de Yale. Além das questões de interpretação, percepção e acesso ao acervo, a própria representação da arquitetura também é debatida nesta obra, bem como seus limites e possibilidades na web 2.0. Afinal, ao entrar no espaço da web 2.0 os conceitos e interpretações colocadas perdem os vínculos sólidos estabelecidos em livros e outras mídias impressas e passam para um meio bastante fluído e dinâmico, que pode se alterar profundamente de um dia para o outro. Para tanto a obra do filósofo Henri Bergson que envolvem a possibilidade e a realidade é uma referência importante. As formas de se interpretar a arquitetura e sua relação com o espaço são também a primeira discussão do texto, trazendo referências como as obras de Norberg-Schulz, Heidegger, Rem Koolhaas, Aldo Rossi e as diferentes posições quanto o espaço da arquitetura, a forma de se projetar e o reflexo disso na própria imagem da arquitetura. A partir desse debate inicial é possível caminhar entre as veredas de possibilidades. Outra importante contribuição para a realização da pesquisa de iniciação científica foram os constantes debates levantados pela equipe que compõe os pesquisadores interessados na web 2.0 e engajados na rede social Arquigrafia Brasil, com a experiência adquirida em grupos de pesquisa como o Grupo de Estudos sobre a Imagem de Arquitetura, a participação em congressos e simpósios como o Arquitetura e Documentação em Salvador em 2010 e o SIICUSP no mesmo ano. A participação nas aulas da disciplina optativa do departamento de tecnologia da FAUUSP, sobre Arquitetura e Representação também foi muito interessante para intensificar o debate sobre a representação da arquitetura e os potenciais das diferentes formas de representação, com resultados em trabalhos práticos. Esta presente obra, portanto, não se trata de nenhuma compilação de previsões sobre o futuro, mas sim uma série de caminhos prováveis para a relação entre o usuário da web 2.0 e a arquitetura. Seu resultado é fruto de uma análise de teorias e como elas poderiam ser úteis

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numa escala maior, a escala do universo digital.

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c) Descrição dos Trabalhos realizados Desde o início a pesquisa se pautou num trabalho de discussões com o orientador e demais professores e colegas interessados no assunto da interpretação da imagem e da abertura do conteúdo acadêmico para o mundo digital. Também a leitura de diversos textos já citados foram importantes como referências para as ideias formuladas na pesquisa, em conjunto com as discussões. Outro importante ponto foi acompanhar o desenvolvimento da rede social Arquigrafia, participando desde de as reuniões que definiriam a aparência do site e suas funcionalidades, até as discussões técnicas para o funcionamento da rede social, os testes de usabilidade, em que os usuários eram convidados a testar as funcionalidades e pôr a prova a eficiência das ideias levantadas pela equipe. O acompanhamento de mesas redondas entre os perfis de usuários interessados, muitas vezes sem citar diretamente o projeto da rede social arquigrafia, revelaram um grande interesse, principalmente dos estudantes de arquitetura, pelos conceitos da rede social. Os estudantes mostraram-se bastante familiarizados com as tecnologias digitais e de compartilhamento e são bastante favoráveis a abertura da sua própria produção de representações arquitetônicas, como imagens fotográficas e vídeos, para a rede. Já pontos como direitos de uso de imagem foram levantados por arquitetos e fotógrafos de arquitetura. O contato com uma ampla equipe de professores e profissionais de diversas áreas, Arquitetura e Urbanismo, Ciências da Computação, Direito, Comunicação Social, Design e Webdesign foi bastante pertinente para responder na pesquisa de iniciação científica, como se daria as restrições de uso de imagem num ambiente tão acessado e dinâmico como a internet. E a resposta já estava na internet e já era de conhecimento de parte da equipe multidisciplinar que compõe a rede-social Arquigrafia Brasil, são os Creative Commons, licenças as quais o próprio usuário é capaz de definir na hora de inserir sua própria imagem na rede e já vem sendo utilizada por mecanismos colaborativos, como Wikipedia e Wikimedia, como foi relatado no resultado parcial. Essa etapa do trabalho avança as questões já discutidas no primeiro relatório, relatório parcial, aproximando-se das questões de interpretação da imagem. Por isso minha própria relação com a representação da arquitetura e a produção de imagens, nessa fase da pesquisa, foi bastante importate, tendo feito parte da disciplina do departamento de Tecnologia que faz uma introdução aos conceitos de representação e imagem e instiga os alunos a fazerem sua própria produção. Portanto pude experimentar o contato com o desenho, o croqui, com a imagem

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fotográfica e o vídeo sobre uma mesma obra e perceber as diferenças interpretativas que estas abordagens sugerem. Nos últimos meses também pude contar com a versão beta da rede social Arquigrafia como um parâmetro de testes e avaliação, num momento restrito apenas aos pesquisadores responsáveis, como fase de testes. Apesar da falta de algumas importantes funcionalidades, a rede social trouxe uma importante visão para essa parte da pesquisa e observar seu funcionamento e participar foi como uma breve perspectiva do futuro da imagem de arquitetura na web 2.0, a julgar pelos primeiros resultados e a divulgação bem recebida, a rede social arquigrafia tem grande potencial para abrigar o acervo coletivo de imagens de arquitetura de alunos, professores e acervos institucionais, bem como é uma fonte de imagens interessantes e de bastante qualidade, muitas vezes inéditas, para o meio acadêmico e os demais usuários interessados. I. Pesquisa bibliográfica e anotações A consulta bibliográfica consistiu na busca por autores recomendados pelo orientador e recomendados em obras bibliográficas importantes. Tratam-se de importantes referências teóricas para as ideias e observações levantadas no trabalho. Para isso o conteúdo do acervo da biblioteca da FAUUSP foi muito importante. Praticamente todos os livros consultados estavam presentes no acervo. Alguns foram emprestados pelo professor orientador, como é o caso dos livros Kindel e Barcelona: reflecciones. II. Reuniões com o professor orientador As reuniões foram importantes para acompanhar o andamento da pesquisa, bem como trazer sugestões bibliográficas, debater ideias e apresentar propostas a serem abordadas pela pesquisa. III. Pesquisa de meio interativos na web 2.0 O trabalho consistiu em verificar quais as tecnologias disponíveis na web 2.0. Principalmente em relação ao upload e armazenamento de imagens. Importantes redes sociais dedicadas ao armazenamento e compartilhamento de imagens, por exemplo Flickr, Instagram e os álbuns de imagens do Facebook, possuem um funcionamento interessante e já contam com possibilidades de georreferenciamento, ainda que seus acervos sejam destinados principalmente a pequenos grupos de amigos, ou seja, o conteúdo não é aberto e 10


nem sempre há chances de se ter acesso às fotografias de arquitetura nessas redes sociais. Outra ferramenta muito interessante e que foi abordada no primeiro relatória de iniciação científica são os sites wiki, principalmente a wikipedia e wikimedia. São sites abertos, como a enciclopédia wikipédia, a qual permite que qualquer usuário, mesmo não cadastrado, crie alterações sobre os seus artigos, caso tenham alguma informação interessante a ser acrescentada. O que mantém certa qualidade no conteúdo é a moderação coletiva, os usuários que mais contribuem com a wikipedia tem poder moderador e mesmo usuários não cadastrados podem marcar certos trechos que possuem fontes duvidosas. Os artigos normalmente possuem fontes como livros ou outros artigos na internet. Também é possível recuperar no histórico caso um artigo seja completamente arruinado por um usuário mal intencionado. A wikimedia é um banco de imagens abertas, sob a licença Creative commons, a mesma que vem sendo implementada no Arquigrafia. Já houve contato para a colaboração entre as duas plataformas, isso significa que facilmente as imagens do Arquigrafia poderão ser utilizadas na wikimedia e na wikipedia, como ilustração para artigos por exemplo. IV. Reuniões com a equipe do projeto da rede social Arquigrafia Brasil O acompanhamento da reunião foi interessante para apreender de maneira mais global o funcionamento da web 2.0, as dificuldades e as possibilidades de implantação das ideias. Foram importantes também para ouvir e colocar diversas opiniões sobre a rede social Arquigrafia Brasil. As reuniões também contaram com entrevistas com possíveis perfis de usuários, arquitetos formados, fotógrafos de arquitetura e estudantes de arquitetura. Foi interessante para manter sempre contato com as várias frentes do projeto a equipe da FAUUSP está responsável pelo conceito do site, pelas ideias de funcionalidades e de aparência, também há uma equipe envolvida na digitalização e vinculação do acervo de imagens da faculdade à rede social Arquigrafia. No Instito de Matemática e Estatística (IMEUSP) há a frente de programação e implementação das funcionalidades e pesquisa de software livre. Na Escola de Comunicação e Artes (ECAUSP) a rede social fomenta pesquisas com relação às redes sociais e os testes de usabilidade, realizados com usuários experimentais selecionados in locco ou à distância pela própria internet, como forma de avaliação das possibilidades na web 2.0 e se elas devem ou não ser implementadas para o público em geral.

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d) Resultados obtidos

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I. Entre a imagem e a realidade: uma breve reflexão ...Acordei e disse para mim mesmo: estou na Grécia, onde tudo começou, se é que as coisas, diferentemente dos artigos da enciclopédia sonhada, têm início. Figura 1. Alegoria da arquitetura de Laugier, 1755

É possível imaginar qual teria sido o início da História da Arquitetura? Num relato de sua viagem à Grécia o escritor argentino Jorge Luis Borges, no berço da civilização ocidental, se questiona sobre o início da História da humanidade. Na alegoria fantasiosa de MarcAntoine Laugier (1713 - 1769) datada de 1755 (figura 1), o autor vislumbra o que teria sido o nascimento da arquitetura, desenha o que teria sido a cabana primitiva, a noção primordial de construção e espaço. Percebemos, na imagem, a busca por um marco zero para a história 13


da arquitetura e, ao mesmo tempo, uma ilustração para o conceito vitruviano da cabana primitiva1. As figuras mitológicas evocariam a própria arte da arquitetura, apoiada sobre as ruínas de algum templo grego, e o gênio, responsável por iluminar as mentes dos arquitetos 2. A figura feminina aponta para a cabana primitiva; na forma sugerida por Laugier: uma arquitetura que surge ao acaso. Segundo a gravura, ao se observar a natureza os primeiros arquitetos teriam percebido as formas primordiais da arquitetura ao apenas ajustar os elementos da natureza de uma forma que racionalmente conduziria à cabana primitiva. Cabana essa que assumiria a forma de um frontão grego, que indica a arquitetura helênica como herdeira desse legado histórico. Tal noção nos é implausível, ou até mesmo absurda. Seria como se a ordem, modulação e racionalidade construtiva das já bastante avançadas 1 Na realidade a cabana, ou habitação, primitiva para Vitrúvio era ligada à descoberta do fogo, muito

menos uma especulação formal. Para Vitrúvio o fogo proporcionou a reunião entre as pessoas e a arquitetura seria uma forma de guarnição e proteção. Os homens primitivos vinham ao mundo como animais selvagens, em matas, bosques e cavernas, e passavam a vida alimentando-se de frutos silvestres. Entrementes, em determinado lugar, árvores troncudas, agitadas pelas tempestades e pelos ventos, esboroando seus galhos entre si, alimentavam o fogo, e, aterrorizados pela violência das chamas, eram postos em fuga os que estivessem nas imediações desse lugar. Restabelecida a tranquilidade, aproximavam-se e, como notassem que a tepidez do fogo era agradável ao corpo, lançavam lenha, chamavam outros homens e, por meio de sinais, mostravam-lhes quais poderiam ser suas utilidades. Nessas reuniões de homens, como emitissem ruídos em profusão e variedade, sucedeu pelo uso cotidiano que constituíram as palavras e, depois, designando coisas de uso cada vez mais frequente, começaram daí a falar por acaso estabelecendo então entre si a conversação. Logo por ocasião da descoberta do fogo inicialmente surgiram entre os homens a reunião, a assembléia e a vida em comum, e eles agregavam-se numerosos em um único lugar. E, tendo o privilégio da natureza ante os outros animais de andarem não curvados, mas eretos, passaram a contemplar a grandeza do mundo e do céu. Como vieram a fazer mais facilmente o que quisessem com as mãos e os dedos, começaram nessa congregação, uns, a construir abrigos com folhagens, outros, a abrir covas sob os montes e alguns, imitando os ninhos das andorinas e suas construções, a fazer, com galhos e barro, os lugares aos quais se recolhiam. Observando os abrigos dos outros e acrescentando coisas novas a seus próprios pensamentos, fizeram surgir a cada dia formas aprefeiçoadas de barracos. Visto que os homens são por natureza imitadores e tenham facilidade para aprender, blasonando-se de suas descobertas, exibiam uns aos outros as qualidades de seus edifícios e assim, cultivando o engenho por meio do confronto, buscam diuturnamente o julgamento mais favorável. Primeiramente, erguidos os esteios e interpostas as vergônteas, cobriam as paredes com barro. Outros construíam paredes fazendo secar terra lamacentas ligando-as com peças transversais de madeira e, para evitar a chuva e o calor, cobriam-nas com caniços e folhagens. E depois que, por ocasião do inverno, as coberturas não puderam conter as chuvas,

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(VITRUVIUS, P., 2002) A bem dizer, a gravura de Laugier apresenta não uma, mas duas personificações da arquitetura, cuidadosamente construídas, de maneira a sugerir o desencontro de desejos, intenções e movimentos, a dinâmica conflituosa entre o passado e o futuro da arquitetura...

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técnicas construtivas da arquitetura grega, já estivesse presente na natureza, numa simplória justaposição de troncos em um bosque. Apesar de isentos da representação alegorica os outros desenhos sobre a cabana primitiva apresentam o mesmo pensamento intrínseco, como se a arquitetura tivesse surgido numa sofisticada construção com elementos naturais, que já sugeririam todo o apuro técnico e artístico da Grécia antiga. Essa busca por uma história absoluta, por explicações muitas vezes mirabolantes para o presente, é condizente com a forma de se construir do século XIX e XVIII. Período dos historicismos, dos resgates hitóricos e na construção de uma história da arquitetura. História essa que procurava vislumbrar o espírito de cada período e traduzí-lo no presente. Ao se ter através de textos, imagens, fotografias, um amplo conhecimento apanhado e catalogado de toda a história da arquitetura, julgavam-se os arquitetos como os responsáveis por melhor aplicar esse conhecimento, sendo que toda as novas tecnologias e técnicas eram aplicadas de forma a atualizar as formas historicistas para as possibilidades construtivas do presente. Esse pensamento se resume, por exemplo, na maneira como o arquiteto francês Viollet-le-Duc3 (1814 - 1879) encarava a intervenção em monumentos medievais, alterando seus aspectos com intervenções historicistas. No século XX com as correntes modernas de pensamento tal percepção da arquitetura vai sendo transformada4. O pensamento moderno já não se preocupa com uma abordagem 3 Eugène Viollet-le-Duc certamente é uma figura intrigante nesse cenário em sua obra A teoria da

restauração, Viollet-le-Duc traça um dos primeiros manuais contendo parâmetros intervencionistas. Para o arquiteto o artista contemporâneo do século XIX teria o dereito adquirito pelo seu conhecimento ampliado (advindo de sua época, e da presença do ensino Beaux-Arts, o arquiteto era um entendedor de medievais, devido a um suposto desconhecimento dos artistas da época do melhor potencial da arte medieval, teoricamente dominado pelo século XIX. Tal ponto de vista é conflitante quando vemos em Viollet-le-Duc também a figura de um arquiteto visionário, que pensava novas estruturas e possibilidades juntando seu conhecimento e estudo das construções medievais com o seu conhecimento das possibilidades dos novos materiais implementados pela Revolução Industrial. Seu ponto de vista também sobre a intervenção histórica também é conflitante com outro importante arquiteto e teórico do período John Ruskin, que defendia a presença do tempo e sua ação sobre a obra arquitetônica como um importante valor histórico que não deveria ser abandonado ao se interferir numa obra arquitetônica. Nesse sentido já no século XIX John Ruskin indicava uma importante mundança no reconhecimento da contribuição coletiva e histórica sobre a arquitetura e a arte e do valor da memória coletiva sobre esse assunto. 4 Bruno Zevi, por exemplo, coloca a importância de se analisar toda a história da arquitetura sob uma mesma ótica, ou seja, os critérios que definem a qualidade de uma arquitetura medieval deveriam ser os mesmos que definem a qualidade de uma arquitetura moderna. Propondo o fim das interpretações Quando formos capazes de adotar os mesmos critérios para avaliação para a arquitetura contemporânea e para a que foi edificada nos séculos que nos precederam teremos dado um decisivo passo em frente na senda dessa cultura VI, B., 1996). Posição também defendida por Siegfried Giedion em

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historicista, mas procura buscar na história permanências e continuidades. A visão do passado deixa de ser idealizada, para isso assume-se o entendimento contemporâneo sobre as arquiteturas do passado, ou seja o presente sempre será um elemento importante. Por tanto a história deixa de ser imutável para assumir uma postura dinâmica. lapidada pelo arquiteto, é contraposta, quando observamos os pensamentos do filósofo alemão Martin Heidegger (1889 - 1976). Para Heidegger a ideia de arquitetura primordial se apoia no conceito de lugar. Essa arquitetura surge como a modificação do espaço e a delimintação do espaço, assim como surge também o lugar. A modificação do espaço transforma-o em arquitetura, através do ato de pôr a primeira pedra em contato com a terra5. Observa-se que existe um distanciamento em relação ao primeiro conceito, platônico, de Laugier, da busca de uma arquitetura idealizada. Na ilustração, uma possível aproximação ao conceito de chora proposto por Platão, ou seja, da noção de um espaço absoluto e resoluto. Quando Heidegger através de sua fenomenologia, aponta-nos a noção de lugar, está indicando claramente o espaço sensível, ou o topos presente no pensamento aristotélico6. Sendo assim, na definição de Martin Heidegger nos aproximamos, também, do entendimento da arquitetura como um processo, que teria início no primeiro contato do ser humano com a terra, com o seu lugar. É possível apreender que arquitetura não se trata de uma obra exclusivamente do arquiteto, como se poderia pensar na imagem de Laugier, mas um processo no qual está envolvida no espaço e no tempo. Heidegger mira o momento da transformação do espaço como início da arquitetura. Também apoiando-se na teoria do lugar o autor norueguês Christian Norberg-Schulz (1926 - 2000) retoma o conceito romano de genius loci, o qual seria um espírito desse lugar7. Tal caráter dificilmente é seu livro Tempo, espaço e arquitetura ao indicar que a história da arquitetura sempre é uma construção contemporânea, estamos analisando contextos históricos sob uma ótica moderna. 5 A origem da arquitetura não é a cabana, a caverna ou a mítica 'casa de Adão no paraíso'. Antes que um suporte fosse transformado em coluna, um telhado em frontão e predras amontoadas sobre pedras, o homem pôs uma pedra no chão para reconhecer o lugar no meio do universo desconhecido e, assim, mediu e modificou esse espaço. Como toda medida, esse gesto exigiu uma simplicidade tolta. Desse potno de vista, existem fundamentalmente dois modos de uma pessoa se localizar em relação ao contexto. Os instrumentos do primeiro modo são a imitação mimética, a assmilação orgânica e a complexidade visível. O segundo emprega medidas: distância, definição, rotação, dentro da complexidade 6 No afresco da Escola de Atenas de Rafael Sanzio (1483 - 1520) a figura de Aristóteles aponta para o chão, uma alegoria de seu conceito terreno de topos. Defendido por Heidegger ao indicar que o contato com o chão e o lugar definem a arquitetura. 7 Na Roma antiga, acreditava-se que todo ser 'independente' possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os do nascimento à morte, e determina seu caráter ou

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expresso em imagens presentes em livros e periódicos, pois as obras são analisadas por si mesmas, omitindo a presença do lugar excetuando-se obras cujo uma relação topográfica com o ambiente e o entorno são o partido principal da obra arquitetônica. Segundo o arquiteto e teórico holandes Rem Koolhaas o caráter e a identidade do local tendem a desaparecer na arquitetura contemporânea, estariam dando lugar ao que seria uma cidade genérica, sem história, sem qualquer apego ao lugar, podendo transformar-se livremente. Quando se observa a presença da imagem fotográfica no cotidiano, é possível notar a cada vez mais rarefeita presença do lugar na arquitetura. As imagens afastam-se assim do espaço sensível e aproximam-se do espaço da arquitetura em si mesma, excluindo até mesmo qualquer função ou relação com seus habitantes, reduzindo-a em caráter escultórico. Temos agora como ponto de discussão a pintura do artista veneziano Canaletto (1697 - 1768) (figura 2). Nela o artista revela uma imagem bastante plausível, cujo realismo descartando-se como referência a cidade real de Veneza alcançado através técnica não é posto em dúvida. Poderia se dizer que a imagem do Rialto nada mais faz que representar uma cena cotidiana do que poderia ter sido Veneza. Canaletto vislumbra o que seria o Rialto segundo projeto do arquiteto Andrea Palladio, o qual jamais chegou a construir nas ilhas principais da cidade de Veneza, apenas na Giudecca. Para Aldo Rossi (1931 - 1997), trata-se de uma analogia8 de Veneza. Essa imagem tão realística e desconcertante é o exemplo que Aldo Rossi utiliza ao abordar a sua própria experiência e produção projetual:

essência. -SCHULZ, Christian, ...) 8 O autor cita a obra de Jung em seu texto Uma arquitetura analógica liquei que o pensamento 'lógico' é aquele que expressa em palavras dirigidas ao mundo exterior na forma de discurso. O pensamento 'analógico' é percebido ainda que irreal, é imaginado mesmo que silencioso; não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado, um monólogo interior. O pensamento lógico é um 'pensar em palavras'. O pensamento analógico é arcaico, inexplícito e praticamente inexprimível em

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Figura 2. Pintura de Canaletto, imagem mostra uma provável ponte do Rialto, jamais construída, projeto de Andrea Palladio

Como exemplo disso, penso em um dos estudos que realizamos para a concorrência do Cemitério de Modena. No processo de redesenhar o projeto, colocar os vários elementos e aplicar cores às partes que exigiam destaque, o desenho foi adquirindo tão completa autonomia em relação ao projeto original que se poderia dizer que a concepção inicial era

Esse caminho, descrito por Aldo Rossi, o qual o projeto de arquitetura percorre, não nos parece em nada estranho, temos também a percepção de que entre os conceitos e croquis -se de um mero exercício acadêmico de projeto, há uma sensível diferença. É um percurso que acomoda as ideias e a imaginação no espaço real. Então, não apenas modificamos o espaço, como o espaço e o lugar também são capazes de modificar nossas ideias e estão muito presentes na arquitetura e no processo de produção arquitetônico. Trata-se de uma ideia bastante interessante, rompendo com o conceito básico de que a arquitetura é uma construção do lugar, uma intervenção no espaço. Pois a arquitetura é também uma arte cujo lugar é capaz de modificá-la, ela está enfim, intrinsecamente ligada ao lugar. Essa questão de processo e tempo é discutida pelo filósofo francês Henri Bergson (1859 -1941) na sua obra O pensamento e o movente (2006), em seu ensaio sobre o possível e o real. Para Bergson temos a errada impressão de que as obras acabadas representariam apenas aquilo que estaria na imaginação do artista. Nesse caso, caberia uma revisão crítica sobre o que seria uma representação de arquitetura e até mesmo uma arquitetura. No texto 18


publicado sobre o mesmo tema Artur Rozestraten levanta esse mesmo questionamento: Tenderíamos a acreditar que desenhos, modelos e até mesmo imagens são representações de arquitetura. Mas o que seria esta arquitetura que se está representando? Como pudemos observar na passagem escrita por Aldo Rossi, certamente não é uma representação da ideia inicial presente na mente do arquiteto. Um modelo de arquitetura não representa a ideia inicial do arquiteto, justamente pela falta de relação dessa ideia com o topos, ou lugar sensível, que vai se adquirindo conforme o projeto se desenvolve. Se acreditássemos que um edifício construído pudesse ser a exata ideia inicial e mental do arquiteto, ele não seria uma arquitetura, seria uma representação da mente do arquiteto. Entendemos, a partir daqui, que tudo isso é parte de um processo contínuo e que entre realidade e imagem não há aquela convencionada margem de segurança, que põe esta como mera representação daquela. Uma arquitetura não se transforma em arquitetura apenas quando ela é construída, e aí retomamos o conceito já explicitado de Heidegger, tampouco resume-se no momento em que ela é pensada. Inúmeras obras arquitetônicas existentes apenas como projeto de arquitetura são referências essenciais; como sugeriu Rossi, essas obras são analogias dos lugares reais. Mesmo uma obra construída, não pode ser apreendida de maneira absoluta. Um mesmo edifício proporciona, ao mesmo tempo, distintas experiências, e esse entendimento nos afasta da possibilidade de apreensão absoluta e idealizada da arquitetura e do espaço. Por exemplo, o edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, projeto do arquiteto João Batista Vilanova Artigas. Sua aparência monolítica e sólida no exterior se desfaz quando analisamos o interior fluído, que, também, se decompõe entre a liberdade de seu acesso livre e pilotis e os primeiros pavimentos com grandes planos envidraçados ao espaço de estudos envolvido pelas empenas mas aberto para a iluminação zenital. Uma arquitetura também pode ser experimentada de uma forma diversa dependendo da relação da pessoa com o lugar. Por exemplo, a Acrópole de Atenas é um ponto indispensável para um visitante ocasional, porém muito distante da realidade do cotidiano de um ateniense contemporâneo. A Acrópole assumiria para ele uma função, que no pensamento de Rem Koolhaas é uma identidade visual ou logomarca9, está muito presente na identidade da cidade, mas é um espaço que nunca ou raramente é vivenciado por ele, a cidade de Atenas do ateniense comum é uma cidade completamente oculta para um turista interessado no seu remoto passado histórico. Além dessa questão psicológica quanto a vivência e percepção de uma determinada arquitetura, o fator temporal também é 9

Sometimes an old, singular city, like Barcelona, by oversimplifying its identity, turns Generic. It becomes (KOOLHAAS, Rem)

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fundamental para a apreensão do espaço e é capaz de mudar completamente seu significado. Portanto, a mesma Acrópole do exemplo anterior, certamente exercia um papel muito mais central na vida dos atenienses da antiguidade, comparando-se com a contemporaneidade da cidade. Esse fator pode ser traduzido no pensamento de Walter Benjamin, quando diz estar deformado pelas relações que o cercam10. Relações entre pessoas e o ambiente, o lugar, são sim um fator relevante para dar significado à arquitetura. Mas quantas são as vezes temos a oportunidade de enxergar em imagem as possíveis visões de uma arquitetura, que não seja a famosa imagem de um cartão postal ou de um livro? Figura 3 à esquerda e Figura 4 abaixo. O MuBE no seu tradicional vazio e ocupado pela feira de antiguidades.

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(citação in Aldo Rossi)

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A busca pela realidade absoluta da arquitetura talvez seja um caminho intangível; talvez tal caminho esteja mais próximo da imagem de Lausier, isto é, de uma ilusão. Devemos admitir, portanto, que existam realidades diversas a serem exprimidas por uma única arquitetura. Mas, apesar disso, somos constantemente induzidos a acreditar numa arquitetura absoluta, apresentada de forma narrativa, com um começo e fim digamos, da ideia à obra construída, excluindo o processo de projeto e omitindo-nos as diversas relações entre essa arquitetura e as pessoas. Não percebemos, normalmente, que determinadas arquiteturas podem possuir outros significados e outros valores que aqueles pensados nos rabiscos iniciais do arquiteto. O Museu Brasileiro da Escultura, ou MuBE, de Paulo Mendes da Rocha e suas várias fotografias publicadas em inúmeros livros, ensaios fotográficos e periódicos, certamente não é nestas imagens impressas o mesmo espaço percebido marcado nas imagens recorrentes pelo amplo vazio e desabitado (figura 3) por uma pessoa que o frequenta durante a feira que acontece sob seu vão (figura 4). Para esse indivíduo o espaço desértico em preto e branco é uma analogia do seu espaço da feira. Trata-se certamente de uma obra excelente, e justamente por essa excelência é capaz de transladar-se de seu sentido original e assumir uma vida e identidade próprias. É uma arquitetura pensada justamente para produzir o mais variado tipo de sensações em cada um dos visitantes. Qual seria a forma possível de exprimir, senão todos, a maioria desses olhares existentes sobre uma arquitetura? Nos vemos constantemente presos num caminho que nos leva a ser consumidores acríticos de imagens de arquitetura. Aceitamos, sem pôr nenhuma dúvida, que aquela imagem presente numa revista de arquitetura ou num livro corresponde à realidade do lugar. Mas, e se pudéssemos ver esse edifício através das lentes de uma pessoa que o frequenta diariamente? E se pudéssemos vê-lo sob o olhar de um turista, ou pudéssemo vê-lo como desenho, feito por um estudante de arquitetura interessado em desvendar os processos construtivos do edificio? É possível que, como na passagem de Henri Bergson11, aquela ideia mental, a qual, a princípio, era entendida tal qual a verdade absoluta, 11 Devo, por exemplo, assistir a uma reunião; sei ali quais pessoas ali encontrarei, em volta de que mesa,

em que ordem, para a discussão de que problema. Mas que essas pessoas venham, sentem-se e falem como eu esperava que fizessem, que digam o que eu de fato pensava que diriam: o conjunto dá-me uma impressão única e nova, como se fosse agora desenhado num único traço original por uma mão de artista. Adeus, imagem que eu havia formado dessa reunião, simples justaposição antecipadamente

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desmorone. Com a web 2.0 , as suas ferramentas sociais e de construção coletiva de conhecimento estamos começando a perceber essas novas visões sobre a arquitetura. Podemos entender, através das diversas experiências, o que significa essa arquitetura, os vários olhares de diversas pessoas abrem um leque muito mais amplo para quem deseja pesquisar e estudar tais imagens. Quando comparado esse significado coletivo com os primeiros croquis e memoriais de seus autores perceberíamos que estes seriam analogias do espaço construído, bem como perceberíamos que muitas vezes as imagens das revistas nada mais eram que construções de uma realidade, imagens que buscam retratar uma aparência ideal do edifício, deixando de lado várias outras possibilidades da arquitetura. O que seria, portanto, a imagem, seria ela uma imitação da realidade, seria uma construção da realidade? Mas qual seria então a realidade dessa arquitetura, se ela mesma pode assumir tantas faces? Precisamos desconstruir a ideia de realidade absoluta para poder melhor entender a arquitetura como um fenômeno, uma construção que não é estática, como a única imagem fotográfica que ilustra o livro foleado por décadas, usada e reutilizada durante anos em diversas publicações. A arquitetura não é descritível através de um único texto, como também não é traduzível numa única imagem. O historiador da arte alemão Aby Warburg (1866 1929) comparava um texto teórico ou crítico da arte com uma orquestra sinfônica. O texto sobre a arte estaria para a arte da qual aborda, assim como o folhetim de programação estaria para a orquestra(GOMBRICH, H, 1986). Warburg era um grande defensor do uso das imagens como maneira de se apresentar a história da arte, uma maneira mais próxima de relacionar o espectador e leitor com a própria arte. Cada imagem é representação de uma realidade possível, cada desenho é parte da arquitetura e tem um significado e uma história. Temos, atualmente, a possibilidade de nos aprofundar nessa questão intelectual, de desvendar e revelar novas arquiteturas em lugares que já nos são conhecidos e cotidianos; também de revelar lugares distantes e para muitos, inalcançáveis. O universo digital permite que o mundo seja inteiramente fotografado, desenhado, filmado, modelado por diversas pessoas; permite que essas pessoas divulguem suas ideias sobre essa arquitetura e permite uma construção mais rica e independente; permite afastar-se da tautologia que seu tornou o universo de periódicos, cujas imagens e desenhos visam apenas ilustrar ideias já apresentadas textualmente, incapazes muitas vezes de surpreender e instigar o observador a ver a arquitetura. Provavelmente, por isso Bruno Zevi já citava o vídeo como uma importante forma representativa nos estudos arquitetônicos. Pois o vídeo é uma sucessão de diversas imagens, também é uma reprodução temporal, capaz de adicionar essa escala importante na representação da arquitetura. Esse trabalho se apoia em questões sobre as possibilidades da fotografia da arquitetura como esse meio de difusão de conhecimento, porém reconhece 22


que não cabe a fotografia sozinha o papel de representar uma arquitetura. Ainda mais com as novas possibilidades tecnológicas, devemos pensar numa maneira multirepresentativa de abordar a arquitetura. Precisamos retomar a relação com o desenho técnico, que tem sido cada vez mais reduzido em livros e periódicos, praticamente meros diagramas de cheios e vazios, ignorando o importantíssimo papel que o desenho traz para a arquitetura e sua representação. O vídeo é outra importante forma de se expôr uma obra arquitetônica, tanto que já desde o século XX já era defendido por Bruno Zevi. Hoje a tecnologia de gravação em vídeo está tão difundida quanto a tecnologia fotográfica digital, todo o aparelho fotográfico é capaz também de gravar vídeos em alta resolução de som e imagem. A modelagem também ganha força e na internet, em sites não específicos para a arquitetura, ganha muita força como construção voluntária e coletiva. Estudantes e curiosos criam modelos digitais e os disponibilizam online pela simples vantagem de se distribuir conhecimento e ter acesso a outros modelos de edifícios construídos por outros colegas do mundo virtual. É essa construção que é defendida aqui. E aproximando-se da realidade da web 2.0 com a rede social Arquigrafia, assume-se aqui a fotografia como um ponto de partida para esse universo de representações digitais. Naturalmente a evolução do projeto e a liberdade de trabalho e pesquisa que permitem a plataforma livre e multidisciplinar do Arquigrafia, levarão a novos recursos, capazes de criar um universo virtual para vários vídeos, desenhos e modelos de arquitetura.

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II. O possível na era digital: caminhos para a interpretação de imagens e arquiteturas Figura 5. Platão à esquerda e Aristóteles à direita no afresco a Escola de Atenas, de Rafael.

Platão (428 a.C. - 348 a.C.) e Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C) estabeleceram dois conceitos filosóficos fundamentais para o pensamento da humanidade. Sendo estes, duas formas distintas de se perceber o universo e, sobretudo, o conceito do espaço. O primeiro, norteador de praticamente toda a obra de Platão, é o conceito de chora, no qual o espaço seria abstraido do mundo das ideias, seria um espaço absoluto. Essa presença do espaço num universo ideal é apreendida também no famoso mito da caverna, no qual a realidade só seria alcançavel após se despreender das imagens projetadas na caverna. Já Aristóteles defende o espaço como um conceito sensível, ou topos, voltando seu entedimento do espaço dentro dos limites da percepção terrena sobre o mesmo. Esses pensamentos contraditórios que levariam um entendimento do mundo ora pela via abstrata, fundamentada num universo ideal, ora pela via sensível, alicerçada na observação da natureza, do lugar e dos seus fenômenos, é explicitamente representada por Rafael Sanzio em seu afresco no Vaticano (figura 5): o centro da Escola de Atenas, Platão e Aristóteles, bem como a posição dos demais filósofos e pensadores gregos diante de tais conceitos. 24


Tais perspectivas foram, e continuam sendo, frequentemente confrontadas no decorrer da história, não necessariamente citando a raíz helênica dos problemas apontados. Topos e chora são conceitos latentes em muitas das teorias ocidentais. O autor norueguês Christian Norberg-Schulz, por exemplo, defende em seus textos o conceito de genius locci, em resumo o espírito do lugar, a característica intrínseca ao espaço, uma reflexão aristótelica sobre a relação entre homem e mundo; ao mesmo tempo critica a abstração platônica da arquitetura moderna. Se tomarmos como exemplo o pensamento do arquiteto franco-suíco Le Corbusier em quase toda sua obra e, para nos atermos ainda mais no exemplo, na Ville Radieuse, temos um projeto não apenas de arquitetura mas de cidade moderna que se desdobra totalmente idependente de qualquer referência e posição geográfica. Tal posição construção civil ao redor do planeta, criando edifícios modernos que seguiam um padrão idependente muitas vezes da sua relacão com o espaço. Figura 6. Fotografia da Ville Radieuse de Le Corbusier, a cidade sem lugar.

Nitidamente esse modernismo visa uma situação ideal, que deveria ao mesmo tempo transformar a sociedade, que só funcionaria numa sociedade idealizada para o seu padrão de espaço12. Esse contrapondo não se inicia nas discussões pós-modernistas, tampouco se Henri Bergson no seu ensaio o possível e o real já tratava dessa questão, que na posição dele era um engano. Muitas vezes ao abordar as possibilidades para o futuro, abandona-se uma compreensão do passado e faz-se uma previsão para o que poderia ser o futuro. Para Bergson esse tipo de abordagem só é possível quando encaramos o possível como o não impedimento para que elas aconteçam e que na verdade a possibilidade só é presente quando algo é realizado. Esse pensamento revisa certos conceitos sobre o futuro como algo idealizado e reflete o conjunto de fatores capazes de transformar ideias em 12

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encerra nelas. Camilo Sitte (1843 - 1903), por exemplo, no século XIX se concentra nos estudos das peculiaridades dos espaços das cidades tradicionais para estabelecer sua obra crítica Construção das cidades segundo seus princípios artísticos, que defendia um olhar para as qualidades das características próprias do lugar, ao mesmo tempo que refutava as obras m o urbanismo voltado exclusivamente a um funcionamento pragmático dos eixos cidade de Haussmann ou dos ensanche de Cerdà. Ao mesmo tempo que a obra mais recente do arquiteto e teórico holandês Rem Koolhaas levanta questões sobre o apego aos conceitos de lugar e característica, num olhar sobre a cidade contemporânea, pós-industrial13. Sua obra sobre a cidade genérica é uma discussão fundamental sobre a cidade do século XXI, marcada pelos grandes empreendimentos periféricos, pela negação dos espaços tradicionais, e sobre a arquitetura da era da informação. Arquitetura essa que não suscitaria memória nem caráter, podendo mudar conforme a necessidade, mas que teria uma beleza não reconhecida14.

realidade, sejam elas obras de arte, arquitetura etc. O modernismo proposto na Ville Radieuse abandona esses fatores, que para Bergson são fundamentais, ao se buscar a possibilidade dentro daquilo que já é existente. Exatamente por isso a cidade moderna é uma possibilidade implausível. Brasília é certamente um modelo dessa cidade moderna, mas ainda assim se analisarmos a Brasília que foi possível, veremos que ela adaptou-se a sua condição de cidade real, afastando do pensamento puramente moderno e ao alcançe do arquiteto. O próprio Lúcio Costa admite, ao fazer observações sobre Brasília, que a cidade tomou formas e relações que ele próprio não poderia imaginar. Segundo ele essas relações da cidade real de Brasília são melhores que aquelas imaginadas por ele pelo simples fato de essas se darem no mundo Eu a havia concebido no plano piloto (a Rodoviária) como uma coisa muito civilizada e cosmopolita, com cafés, com a vista livre da esplanada... e eu quando estive nesta última vez... senti e percebi que esta plataforma, ao invés daquele centro cosmopolita que eu havia pensado tinha sido ocupada pela população periférica, dos candangos que trabalharam em Brasília, era um ponto de convergência... havia esse traço de união da população burguesa e burocrata com a população obreira, que vivia na periferia. De modo que eu senti que eles tinham tomado conta e me deu uma impressão muito feliz... Invés de uma coisa requintada e meio artificial o Brasil de verdade... é que tomou conta da área. http://www.brasil.gov.br/audios/brasilia-50-anos ) 13 It is the city withou History. It is big enough for everybody. It is easy. It does not need maintenance. If it gets too small it just expands. If it gets old it just self-destructs and renews. It is equally exciting or unexciting everywhere. It is 'superficial' - like a Hollywood studio lot, it can produce a new identity every Monday morning. 14 in the Generic City individual 'moments' are spaced far apart to create a trance of almost unnoticeable aesthetic experiences: the color variations in the fluorescent lighting of an office building just before sunset, the subtleties of the slightly different whites of an illuminated sign at night. (op. cit)

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Figura 7. Desenho de Leon Krier crticando a cidade moderna e sua transformação no espaço tradicional.

Se propuséssemos, hoje, recriar a viagem feita por Le Corbusier na sua antológica Viagem do Oriente, certamente a nossa experiência seria muito diversa da experiência relatada pelo autor em sua época, nisso estamos falando de cerca de 100 anos de diferença cronológica. Observaríamos certamente aspectos da cidade genérica descrita por Koolhaas se infiltrar e aproximar as nuâncias culturais que tanti fascinaram o autor no início do século XX, por exemplo, a cada nação pela qual passava no curso do Rio Danúbio15. Veríamos pessoas de etnias semelhantes habitantes das cidades globais, que atraem outros povos e outras culturas; também facilitadas pela nova conjuntura européia que permite o livre trânsito e residência de seus habitantes dentre os países signatários da União Européia , veríamo-nas usar as mesmas vestimentas compradas nas grandes lojas e marcas, provavelmente provenientes da Ásia, veríamo-nas utilizando os mesmo aparelhos

15 É junto às exalações fétidas de óleo que se empilham os camponeses com seus inconcebíveis pacotes; homens

rudes, vestidos à moda antiga, eles degustam assim as primícias de uma civilização européia que enche seus olhos de atrativos, que os fascina e que irá transtorná-los. Veremos seus adornos mudar com as fronteiras Áustria, Hungria, Sérvia, Bulgária, Romênia. Dos bordados coloridos da puszta (planície húngara) aos escuros e espessos da Sérvia, do agasalho de pele branca ao de pele negra, das lãs brancas com manchas pretas (LE CORBUSIER, 2007)

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eletrônicos, também de marcas globalizadas, provavelmente produzidos na Ásia, ouviríamos os mesmos sons, músicas populares de origem britânica ou norte-americana, as quais atraem fãs de qualquer lugar do mundo, comeríamos nos mesmos restaurantes, talvez víssemos a arquitetura dos mesmos arquitetos globais, acostumados a espalhar suas construções ao redor do globo, como uma marca assinada. Ainda assim, dentro dessa perspectiva, por de trás dessa cultura genérica, seríamos capazes de distinguir o aspecto do lugar, algo de cultura local e, principalmente, os aspectos ligados ao caráter do lugar, a morfologia de sua cidade tradicional e de seu terreno natural, ainda somos capazes de fazer essa distinção. Mudanças de postura e novas teorias surgem numa velocidade cada vez mais frenética. Correntes de pensamento nascem, florescem, morrem e ressuscitam. O século XX foi exemplo disso, através do movimento moderno e das suas constantes reviravoltas interpretativas. Foi certamente um dos séculos mais instigantes e agitados em todos os aspectos possíveis. É espantoso mirar para o passado e comparar a velocidade de nossas invenções e pensamentos com os acontecimentos em outras épocas. Ver exemplos como dos desenhos rupestres na região de Lascaux na França, iniciados em cerca de 30.000 a.C. é bastante contrastante. Alguns dos desenhos rupestres são datados com diferenças de dezenas de milhares de anos16. Lascaux mostra como o início da relação humana com a imagem e o desenho se deu de maneira muito mais lenta, a humanidade tlevou milênios expressando-se através de representações rupestres, que ainda persistem em algumas tribos remotas.

Figura 7. Pintura rupestre em Lascaux, França

16 Tal informação é obtida pelo documentário Caverna dos sonhos esquecidos do cineasta Werner Herzog.

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Hoje, dentro do espaço de algumas décadas, apenas, surgem novas e aprimoraradas ideias, tecnologias, conceitos de espaços e arquiteturas. É preciso também entender o que significa a passagem recente de um mundo onde o acesso às imagens era restrito apenas àqueles que poderiam comprar revistas, livros, pinturas e esculturas, para um universo onde cada vez mais somos convidados a fotografar, desenhar e filmar aquilo que está à nossa volta. O que isso traz de novo nas discussões sobre espaço, lugar, arquitetura e imagem, e também o que permanece nessas novas formas de interação? Numa analogia à parábola de Zenão sobre a flecha lançada ao alvo, estamos nos comprimindo cada vez mais, em tempos cada vez menores, na decomposição da tragetória da flecha em direção ao alvo. Isto é, cada vez mais rápido nossas ideias estão surgindo, gerando novas arquiteturas e espaços urbanos, contrapondo ideias antigas às novas, sem que muitas vezes as ideias antigas tivesse chance de terem sido desenvolvidas. Atingiremos o alvo ou estaremos cada vez mais comprimidos num espaço platônico-aristotélico? A partir desse cenário a ideia fundamental da pesquisa de iniciação científica as possibilidades intrínsecas aos novos meios de comunicação, proporcionadas pelos novos equipamentos tecnológicos, para o campo da exposição, do ensino e do debate das arquiteturas parece deveras desafiadora. Para explicar o possível, o pensamento do filosofo francês Henri Bergson é fundamental. O ensaio O possível e o Real, no qual Bergson aproxima e debate os dois conceitos, é norteador para essa última etapa da pesquisa de iniciação científica. Afinal, lida-se com a extrema dificuldade de se transformar essas imagens em meios de conhecimentos. Esse conceito é desenvolvido através das teorias sobre a interpretação da imagem, a presença da imagem e da representação das arquiteturas na história. Lida-se também com as tecnologias e com as possibilidades interativas e de divulgação no meio digital. A leitura e a análise dessa realidade geraram propostas para o futuro, tendo o projeto Arquigrafia como balisa para essas possibilidade. Assim, será possível não apenas elaborar mentalmente e dissertativamente tais possibilidades, será possível, também, experimentá-las: tornar o possível algo real. É muito próvavel, que com o avançar da rede social Arquigrafia Brasil, como o objeto concreto das teorias e possibilidades, muitas das hipóteses levantadas aqui caiam por terra e comprovem-se falhas, como elucidou Henri Bergson em seu texto O possível e o Real17. 17 Devo, por exemplo, assistir a uma reunião; sei ali quais pessoas ali encontrarei, em volta de que mesa, em

que ordem, para a discussão de que problema. Mas que essas pessoas venham, sentem-se e falem como eu esperava que fizessem, que digam o que eu de fato pensava que diriam: o conjunto dá-me uma impressão

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Certamente o projeto Arquigrafia, que se encontra em fase de testes no momento desse relatório, irá suscitar novas hipóteses conforme o seu desenvolvimento e sua abertura para os usuários. Se isso acontecer, estará cumprido o papel desse projeto e também dessa pesquisa de iniciação científica. A ideia central é que a nova mídia seja um local para o amplo debate e que a rede social não se encerre em si mesma, mas se abra para outros projetos, para outras pesquisas e também que possa se modificar com o tempo. É provável que o arquiteto italiano Aldo Rossi fosse conhecedor da teoria de Bergson, pois ele percebe os seus projetos arquitetônicos como entidades mutáveis, muito independentes de suas próprias ideias iniciais. Rossi reconhece que a imagem primeira que ele tem do projeto arquitetônico nada mais é do que um análogo daquilo que o projeto se tornaria. Isso pouco difere dessa pesquisa de iniciação científica. Ainda assim, a pesquisa exerce um importante papel, coloca-se aqui as ideias iniciais sobre a representação de arquitetura na web 2.0 e sobre como ela pode transformar o ambiente digital não apenas num repositório para consultas, mas num espaço para o debate e interpretação, qualificando a discussão online, que normalmente é demasiadamente rasa e apoiada numa base pouco consistente de poucas imagens fotográficas. Desde o início da minha participação no projeto Arquigrafia, esta rede social é pensada como um espaço, no qual o usuário é capaz de interagir e ser, além de um mero consumidor de conteúdo, também um fornecedor de material para o debate. A ideia centralizadora é criar um novo meio para se discutir e pensar arquitetura de forma interativa e colaborativa. O projeto Arquigrafia é um experimento que visa articular a vasta produção digital de imagens e representações arquitetônicas em torno de uma produção de conhecimento, hoje salvo poucos exemplos a produção fotográfica de arquitetura na internet é dispersa, e não há uma motivação para que esta gere algum conhecimento. A base para tal conceito colaborativo advém da experiência no campo de fotografias analógicas e slides que se teve em curso na FAUUSP. A produção colaborativa tornou-se fonte de material para diversas aulas e pesquisas, beneficiando os alunos e docentes desta instituição. Com as novas técnicas digitais, atualmente a reprodução de slides tornou-se obsoleta e recorre-se usualmente à internet e aos buscadores de imagens mais convencionais para se obter material visual e representativo da arquitetura em pesquisas e aulas. Com efeito, trocou-se uma técnica ultrapassada por uma nova que permite mais liberdade e facilidade no trabalho com as imagens e sua aplicação em aulas, palestras e pesquisas; no única e nova, como se fosse agora desenhado num único traço original por uma mão de artista. Adeus, imagem que eu havia formado dessa reunião, simples justaposição antecipadamente figurável, de coisas já conhecidas! (BERGSON, Henri, 1993)

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entanto a falta do caráter colaborativo impede que tenhamos acesso a mesma qualidade de imagens, no que diz respeito a quantidade de fontes e originalidade. Geralmente temos acesso às mesmas imagens nos buscadores. Ou seja, acabam se repetindo em aulas, pesquisas e palestras. A internet tende a responder às buscas com as imagens que ilustram revistas e livros, quando muito blogs de arquitetura os quais aproximam-se da produção imagética dos periódicos. É uma produção de imagens muito mais centralizada, se comparado à produção coletiva. A rede social Arquigrafia Brasil pretende ser um espaço que resgate essa produção conjunta de conteúdo para o meio da internet. Numa escala que permite contar com uma colaboração muito maior, os usuários e colaboradores terão acesso a imagens atuais, de novos pontos de vistas e usos, que inspirem seus estudos e os instiguem a produzir mais. Além disso, o Arquigrafia almeja também ser um espaço para universalização de acesso a acervos institucionais, um primeiro passo foi a digitalização do mesmo acervo de slides e imagens de arquitetura da FAUUSP que inspiraram a ideia. Isso significa que com o contínuo processo de digitalização, um acervo que se encontrava defasado e com pouquíssimo uso retoma seu papel inicial de fomentar pesquisas e aulas, moldando-se ao formato dos computadores atuais. Por se tornar um acervo com uma produção quase amadora e colaborativa, o acervo analógico digitalizado serve como base para a rede social e baliza para a produção posterior. Um indicativo para que os alunos munidos de suas câmeras digitais e aparelhos multimídia fotografem a cidade e a arquitetura ao seu redor, e essa produção possa ser utilizada por qualquer usuário interessado por arquitetura. Com o desenvolvimento do projeto e a introdução dos conceitos de software livre, onde a programação do Arquigrafia estaria aberto e disponível para quem desejasse implementar soluções semelhantes, o projeto já sugere ramificações. O Arquigrafia poderia servir de apoio às disciplinas de arquitetura, armazenando, por exemplo, imagens fotografadas e filmadas por alunos, desenhos e fotos de modelos de projetos de alunos, sendo um banco de dados permantente e ao mesmo tempo dinâmico das atividades acadêmicas na FAUUSP e em todas as instituições de ensino que aderirem à proposta.

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III. Introdução do usuário no universo representativo da arquitetura na web A rede social Arquigrafia Brasil limita-se atualmente às imagens do território brasileiro como uma primeira etapa da pesquisa. Adaptar a plataforma a outros idiomas e os termos arquitetônicos denotaria outras variadas pesquisas. Porém conta com a crescente colaboração de acervos institucionais, como as imagens da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Sendo que está mesma instituição já apresenta um site que abre o conteúdo em vídeo produzido pela universidade, o website Intermeios. Seja este conteúdo documental, filmagens de aulas e palestras ou vídeos dos próprios alunos. Além do acesso aos acervos históricos, constituídos sejam por fotos profissionais ou amadoras, somam-se as contínuas contribuições de usuários. Permitindo-se notar as nuâncias que o tempo proporciona à arquitetura e a cidade. Nas formas tradicionais de inserção da imagem de arquitetura é raro poder notar a passagem do tempo nas imagens, as exceções são os textos que visam demonstrar mudanças acentuadas, por exemplo no plano do barão de Haussmann sobre Paris ou na intervenção durante o governo de Mussolini nos arredores da Praça de São Pedro. As ideias presentes na rede social Arquigrafia sobre a representação da imagem e interatividade podem ser abordadas segundo três viéses interpretativos discutidos por Erwin Panofsky (1892 - 1968)18. Portanto, sugerem-se três formas primordiais de navegação e interação entre usuário e as fotografias, vídeos, desenhos, modelos e outras formas representativas que poderiam ser divulgadas na web 2.0. Conforme a navegação do usuário e a sua adaptação as funcionalidades interativas do site, o usuário pode tornar-se um colaborador para as interpretações das imagens. Hoje, ao entrar na rede social Arquigrafia o usuário se depara com um plano de imagens aleatoriamente combinadas (figura 8). São 15 imagens no total, mas a ideia é que se possa fazer desse plano uma espécie de ambiente circular, onde o usuário possa movimentálo e ter acesso a todas as imagens do acervo em combinações aleatórias. Esse tipo de relação convida o usuário a navegar pelas imagens identificando ambientes conhecidos ou de interesse dentro do universo de imagens. Assim, ele teria uma relação de interpretação pré18

Erwin Panofsky's discussion of the question of meaning in art forms the basis for much of the

theoretical work that has been done on the classific 1)

Preiconographical description

2)

Iconographical analysis

3)

( JÖRGENSEN, Corinne, 2003)

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iconográfica, ou seja, estaria acessando as imagens de arquitetura pela qual ele cria um vínculo natural, apenas pelo reconhecimento primário da arquitetura da qual se trata ou por uma afinidade com o aspecto visual apresentado pela arquitetura na representação fotográfica.

Figura 8. Acima Acesso ao arquigrafia e seu painel de imagens. Figura 9 ao lado, Peça do Atlas Mnemosyne de Aby Warburg. Uma possível interpretação da história da arte através da relação entre imagens.

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É possível também que o usuário interaja de maneira iconográfica com as imagens, isto é que navegue pelo site buscando conteúdos formais. Isto é, a partir do momento em que o usuário identifica uma arquitetura ele pode analisá-la e atribuí-la características. Isso se dá, por exemplo, ao se verificar a descrição atribuída a imagem, seu autor, seu período e ao interagir com o conteúdo. Atribuindo novas palavras-chave ou tecer comentários a uma imagem. Dessa forma o usuário também é instigado a buscar outras imagens que possam abalizar suas ideias sobre um determinado edifício ou edifício arquitetônico, assim ele utiliza do buscador e das palavras chaves ou características que descrevem esse conteúdo iconográfico. O buscador funcionaria a partir de características textuais e geraria um novo plano de imagens (figura 10), agora ordenando as imagen em função daquelas características desejadas, sejam ela uma obra específica e suas várias fotos, seja de um determinado autor ou período histórico. Figura 10. Busca de imagens na rede Arquigrafia

Uma outra abordagem no caminho da interpretação e da interação entre usuários seria um instrumento de aproximação iconológica entre o usuário e a imagem. Tal conceito é bastante difícil de ser traduzido em uma linguagem interativa, tanto quanto é difícil ter uma apreensão iconológica da imagem. Utiliza-se várias teorias para moldar uma plataforma onde o usuário fosse capaz de atribuir características àquela arquitetura que ele está observando, sem para isso partir para uma forma textual de interpretação. A teoria de Henrich Wöllflin (1894 - 1945) apresenta um caminho interessante, no 34


qual ele realiza uma análise da história da arte através de pares de características opostas entre as obras. Assim, seria possível analisar, através da história da arte, as características intrínsecas a temas, a artistas e a períodos determinados, não numa catalogação textual, mas como numa conceituação que é capaz de aproximar e afastar obras, temas e autores distintos. Wöllflin usa uma espécie de análise global, como sugeriria posteriormente Zevi (ZEVI, B., 1996), que põe lado a lado artes de diferentes períodos sob uma única ótica interpretativa. Wöllflin, por exemplo, identifica quais são as obras lineares ou pictóricas, quais apresentam uma tendência plana, quais seriam mais profundas. Conceitos fundamentais da história da arte (2006) basicamente interpreta importantes obras artísticas diante dessa dualidade de conceitos antagônicos. Assim as obras apresentam similaridades ou disparidades por características inerentes à sua própria qualidade, não necessariamente se enquadrando em períodos ou autores. Seria possível também realizar isso ao se analisar uma obra arquitetônica? Quais seriam os parâmetros para se avaliar uma obra arquitetônica? Tais parâmetros são fontes de uma pesquisa paralela desenvolvida também a partir das possibilidades da internet e da representação de arquitetura. Mas, é possível cogitar elementos como, por exemplo: a verticalidade e a horizontalidade, a clareza e a obscuridade, a pluralidade e a unidade. O usuário seria capaz de atribuir a uma obra determinadas características, fazendo-o interpretá-la de maneira próxima à iconológica, pois o usuário começaria a dissernir sobre o conteúdo daquela arquitetura representado naquela imagem específica. Deixaria de lado uma imagem idealizado que o levaria a classificar um edifício, por exemplo como o Palácio da Alvorada, como uma arquitetura horizontal. Determinados elementos fotografados poderiam ter características mais verticais, como suas colunas, por exemplo. A essa funcionalidade dá-se o nome de binômios, conceitos antagônicos aos quais se permitiria o usuário trabalhar e colaborar numa interpretação coletiva dessa imagem e arquitetura. Espera-se que tal funcionalidade adicione um caráter instigante e de surpresa na ordenação que as imagens são apresentadas aos usuário. Principalmente pela sua capacidade de organizar as imagens por essas afinidades conceituais. Normalmente, se partíssimos para uma análise iconográfica o usuário simplesmente atribuiria referências textuais à imagem. Exemplificando, a partir do edifício do Museu de Arte de São Paulo, ou MASP, obra da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, traria informações como museu, arquitetura paulista, Lina Bo Bardi. E se pesquisássemos pelo museu encontraríamos todas as suas fotos agrupadas à nossa disposição. No entanto, se classificarmos o MASP como uma arquitetura horizontalizada, clara e uniforme, por exemplo, é possível que essa classificação aproxime as suas imagens à outras representações distintas arquiteturas. Por exemplo, uma fotografia do

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MASP não necessariamente se relacionaria com o próprio museu, seu vão central de paralelípedo amplo e aberto pode ter as mesmas referências de um espaço como o Pelourinho em Salvador, enquanto o pilar do MASP pode ser relacionar à um arranha-céu dado a sua proporção e volume. Partimos então para um caminho incerto, intrigante e dinâmico, onde será possível estabelecer relações subjetivas a partir de caráteres objetivos. Isso também valeria para o edifício da FAU, exemplo citado no começo do texto, uma relação iconológica não traria todas as imagens da FAU agrupadas, mas separaria a FAU a partir das experimentações e das várias realidades que o edifício proporciona. Assim seu acesso e colunatas estaria mais próximo de uma imagem de um claustro da arquitetura colonial ou da arquitetura moderna dos palácios de Brasília, do que de uma imagem do próprio edifício da FAU, porém de seu teto. Deixaremos, então, de procurar por uma arquitetura e arquiteto específico, mas por uma qualidade arquitetônica que independe de época, autor e região. Essas coincidências também estarão abertas para contestações. Uma busca em que se pudesse não digitar, mais escolher as características dentro dos binômios resultaria numa parede inicial de imagens não mais aleatória, mas repleta de interrelações formais, como proporia Aby Warburg no seu Atlas Mnemosyne, onde Warburg buscou construir uma história da arte apoiada nas próprias imagens e o que elas nos podiam revelar de continuidades e permanências19. A seleção dos binômios é bastante complexa e complicada no campo prático, para a implementação no site e a costura de todas essas relações. Necessita de vários testes para se entender quais os conceitos que são válidos ou não, e quais conceitos poderiam ser incluídos na avaliação de arquiteturas. Mas, a partir do momento em que for implementada será a grande diferenciação na experiência do Arquigrafia. O usuário poderá deslizar uma barra entre os conceitos, numa arquitetura que seria, por exemplo, o máximo da verticalidade, um arranha-céu, e a uma arquitetura que traria o máximo da horizontalidade, por exemplo uma imagem do terminal rodoviário de Brasília. Passando também por arquiteturas dúbias, como o Congresso Nacional, que possui a marcante horizontalidade que compõe com o cenário do cerrado e ao mesmo tempo as torres que rompem e demarcam o território, chegando-se num equilíbrio entre as duas forças. Outra característica importante da rede social, e que tem se tornado cada vez mais recorrente na web 2.0, é o georreferenciamento das imagens fotográficas. Ou seja, o usuário é 19 For if the theory of collective mind was found at all acceptable, even personal associations might point to

links in the social Mneme. Moreover, Warburg's philosophy of Mneme appeared to justify the hope that what he called a 'ghost story for the fully grown-up'. For in this philosophy the image fulfilled the same role in the collective mund as the 'engram' fulfilled in the central nervous system of the individual. It represents an 'energy charge' that becomes effective through conta (GOMBRICH, Ernst, 1986)

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capaz de localizar no mapa onde ficam determinadas obras que antes nos eram apresentadas quase sem citar sua localização. Assim o usuário é capaz de perceber as relações da obra com os lugares onde está inserido, com suas obras próximas. Ao associar o georreferencial à aparelhos móveis, como é o caso do aplicativo que vem sendo desenvolvido para a rede social funcionar nos smart phones e tablets com o Android, o usuário poderá comparar a obra real com suas imagens e também contribuir simultaneamente com a rede. As possibilidades de georreferenciamento poderiam trazer a questão do lugar e da relação espacial em que a obra se insere, além de revelar com facilidade a presença de arquiteturas até então desconhecidas seja numa viagem, seja num trajedo cotidiano. Com o georreferenciamento em um estado mais avançado, há a possibilidade de o usuário fazer buscas por arquiteturas através de um mapa que marque as obras fotografadas. Assim, a rede social serviria como uma espécie de guia para um viajante que está numa cidade. Ele poderia ver as obras fotografadas e onde elas se encontram, para então poder experimentar o espaço representado pessoalmente, e, eventualmente, capturar suas próprias imagens sobre o assunto. O projeto vigente da rede social Arquigrafia é na verdade uma síntese, um diálogo entre as tecnologias disponíveis e os conceitos existentes para a interpretação das imagens arquitetônicas e para o estudo da própria arquitetura. Não se pretende revolucionar o entendimento da arquitetura, mas sim torná-lo mais acessível e interativo, permitir novos olhares sobre obras que até então só nos eram apresentadas através de livros ou revistas. Também estabelece uma situação interessante no caráter de preservação do patrimônio, pois será possível, graças a colaboração dos vários usuários, acompanhar as mudanças ocorridas nas obras e até mesmo serviria como denúncia para casos em que o patrimônio se encontre ameaçado ou tenha sido alterado de maneira irregular. As questões que unem a rede social à possibilidades preservacionistas foram levantadas no seminário ArqDoc, Arquitetura e Documentação, em Salvador, 2010. Quando analisamos o atual cenário vemos a difusão dos aplicativos portáteis, tornando-se esses grandes protagonistas na web 2.0. Pois os usuários podem estar conectados em qualquer lugar através de aparelhos como smart phones e tablets. A discussão sobre imagem de arquitetura vem se adaptando em redes sociais genéricas e espalhadas sobre imagens em geral. Blogs tem utilizado, por exemplo, o aplicativo Instagram para divulgar imagens de arquitetura tiradas com smart phones por seus usuários, e assim iniciar discussões a partir dessa imagem. Como se trata de uma tecnologia já em uso e em ascenção e também em fase de

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estudos pela rede social Arquigrafia Brasil, é certamente uma importante frente a ser pesquisada. Parte-se aí não apenas das possibilidades do usuário de utilizar a internet do seu computador para fazer o upload de algumas imagens, trata-se da possibilidade de o usuário subir as suas imagens para a rede social no momento da fotografia, facilitando assim o georreferenciamento, por exemplo, que pode ser emitido pelo próprio aparelho inteligente. O usuário tornaria o Arquigrafia Brasil sua própria base de dados para suas fotos de arquitetura, uma espécie de nuvem, que se refere ao armazenamento de dados pessoais em redes externas ao hardware, como nas redes sociais. A rede social Arquigrafia tem potencial para se tornar um repositório para o usuário de suas próprias imagens de arquitetura substituindo o disco rígido, abrindo assim seu conteúdo para o conteúdo de outros usuários, e vice-versa. A vantagem seria acesso ao mesmo tempo a uma gama muito mais vasta de imagens de arquitetura, proporcionado pela construção coletiva. Outra importante possibilidade para a rede social Arquigrafia é a aplicação de sua interface interativa para as atividades acadêmicas ou para a discussão entre estudantes. Existem vários grupos em redes sociais sobre arquitetura, como o grupo dos estudantes da FAUUSP, usado para difundir os debates em assembléias e aproximar os alunos das questões acadêmicas. Um dos pontos interessantes levantados nesse grupo foi a possibilidade de se disponibilizar online os projetos dos estudantes de arquitetura. O argumento para essa ideia é que normalmente os projetos eram afixados nas paredes debatidos na hora e depois de uma semana já seriam retirados do local, fazendo assim com que esse trabalho se perdesse. Na internet o Arquigrafia poderia ser uma boa plataforma para os alunos manterem seus projetos, com imagens de modelos, desenhos, memorial mantidos como referências para que outros alunos possam olhar mesmo depois de anos. Um modelo parecido de construção de conhecimento digital feito por alunos deu origem ao livro Barcelona: reflecciones. Onde os alunos eram convidados a expor seus trabalhos com imagens críticas sobre a cidade de Barcelona. O Arquigrafia como plataforma livre poderia ser adotado como espaço para exposição de trabalhos de alunos de outras instituições e também gerar plataformas sociais para outras disciplinas universitárias, seu código e funcionalidades estão liberados, pois trata-se de um software livre. Seria interessante se os campos descritivos da imagem não fossem obrigatórios. A imagem poderia ser lançada anonimamente na rede, e assim como funciona a wikipedia, coletivamente poder-se-ia descrevê-la. Afinal, muitas vezes quando fotografamos edifícios interessantes, os quais nos surpreendem durante um passeio pela cidade, não sabemos seu nome, seu autor nem sua data, podemos ter sua localização. Com aparelhos inteligentes o georreferenciamento seria automático. O que ajudaria a dar pistas sobre qual arquitetura é 38


essa.

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e) Considerações Finais Este Relatório Final, bem como o Relatório Parcial, jamais poderia ser uma conclusão definitiva. A pesquisa e os temas aqui debatidos não se encontram finalizados, muito pelo contrário, apenas se iniciaram. Tampouco se trata de um resumo, pois seria difícil resumir uma linha de raciocínio, pesquisa e participação que iniciei desde 2009 e que não se encerra com esta presente obra. Creio que o trabalho feito nos dois relatórios é, na verdade, uma introdução ao mundo das imagens de arquitetura digitais. Também uma análise das questões de imagem e representações na universo digital. Tentei trazer neste relatório um pouco do que foram as diversas discussões e as pesquisas nesses mais de 4 anos de atividas, 2 semestres como bolsista, onde busquei especificamente abordar as possibilidades do mundo digital. Vemo-nos cada vez mais conectados e uma presença cada vez mais intensa da internet no ensino, seja como fonte de pesquisa, seja como forma didática. No entanto, são poucas as oportunidades em que vemos a internet ser aproveitada com todo o seu potencial interativo. Por exemplo, nesse mesmo período em que estive envolvido com o projeto da rede social Arquigrafia Brasil, as vezes que o uso de recursos online foram requisitados por professores em disciplinas da arquitetura e urbanismo, foram apenas para entregas online de trabalhos. Substituiu-se apenas o trabalho impresso e/ou o CD-R por um meio mais cômodo. Perde-se assim uma grande oportunidade intrínseca à internet, o compartilhamento de conteúdo. Normalmente nossas horas de pesquisa, de trabalhos e de dedicação são gastos para se limitarem a um breve contato entre aluno e professor, e após isso ficarem esquecidas. Seria bastante estimulante poder ler trabalhos realizados pelos colegas durante as disciplinas, ter acesso aos projetos feitos por alunos de outros anos que já não estão mais na faculdade, talvez seja essa possibilidade de compartilhamento uma das questões mais interessantes da web 2.0. E que permitiram a mim e aos meus colegas de Arquigrafia a pensar o universo das imagens, a princípio fotográficas, de arquitetura aberto, livre e completamente expansível. Trata-se de uma iniciativa inédita e que vem sido muito bem aceita em todas as oportunidades em que foi exposta. Das que eu pude presenciar o SIICUSP e o ArqDoc. Mas a pesquisa tem sido levada, nas suas várias frentes disciplinares, a seminários, congressos e até mesmo a instituições internacionais que reconhecem o interesse de se abrir o conteúdo institucional, que muitas vezes não é de conhecimento nem dos frequentadores da instituição, tanto como é interessante convidar o público que normalmente só procura imagens na internet como fontes de aprendizado a participar de

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uma construção coletiva desse conhecimento. Tenho disponibilizado meus trabalhos feitos durante a iniciação científica e em materias que tratam de aspectos da imagem para o livre acesso online, na rede social Issuu, dedicada ao compartilhamento de publicações. Algo muito interessante e que deveria ser adotado em larga escala pela universidade. De certa forma já é com o interessante banco de teses da USP, mas tem potencial de abranger toda a produção universitária. A plataforma da rede social Arquigrafia pode ser um importante passo no uso acadêmico de imagens e também da divulgação da produção acadêmica de arquitetura, um espaço também pouco aproveitado na internet e também nas demais mídias. Se um dia o pensamento acadêmico e os projetos acadêmicos já tiveram espaço em publicações e importantes publicações próprias, como exemplo da Revista Caramelo dos alunos da FAUUSP, poderia ser muito bem retomada pelo meio digital. Assim como no início do projeto o Arquigrafia constitui uma iniciativa de recuperar o interessante caráter colaborativo que formaram o acervo de slides da FAUUSP. Apesar de muito festejada a internet ainda tem espaço para ser muito mais interessante do que é hoje, principalmente do ponto de vista acadêmico e como formadora de conhecimento. Como vimos muitas ideias e teorias que já foram implantadas na época impressa podem ganhar outra escala de difusão com a internet. Há muito a ser pesquisado nesse sentido. Creio que, como já foi bastante explicitado no decorrer do texto, haverá muitos outros trabalhos a respeito das possibilidades da arquitetura, suas imagens e seu ensino na internet. A própria rede social Arquigrafia, que foi bastante abordada nesse texto, envolve muitos mais pesquisadores, inclusives na área de graduação. E as possibilidades e análises desta pesquisa vem em boa hora, pois a rede social Arquigrafia deverá estar aberta ao público em pouco tempo, no decorrer deste semestre. Sendo assim, espero que ambos os relatórios realizados durante a iniciação científica tragam algumas referências e balizas para os próximos trabalhos e pesquisas, como uma humilde contribuição para um universo tão vasto. Universo o qual continuarei acompanhando a despeito do término deste presente trabalho.

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