AUH 5700 Metodologia científica aplicada à arquitetura e ao urbanismo
Resenha sobre o texto “El pensamiento de Galileo y sus relaciones com la Antigüedad y el Renacimeniento” in “Figuras e ideas de la filosofía del Renacimiento” de Rodolfo Mondolfo.
Diogo Augusto Mondini Pereira
São Paulo, abril de 2017
Figura 1 – A adoração dos reis magos – ca. 1305 - afresco de Giotto (1267 – 1337) – Capella degli Scrovegni – Na imagem o pintor italiano do nebuloso período de transição entre Idade Média e Renascimento pinta um cometa, como a estrela do mito do novo testamento, que guiara os reis magos ao local de nascimento de Jesus Cristo.
Por milênios a humanidade procurou na observação dos céus explicações para os fenômenos terrenos. Nos padrões encontrados nos movimentos dos astros, se estabeleceram a passagem das estações, os períodos de inundação ou de seca. Encontraram-se nesta associação supostas mensagens de divindades ou as próprias divindades. Os ciclos do sol e da lua desenvolveram os primeiros calendários. Não era de se estranhar que perturbações na abóbada celeste, tais quais eclipses solares ou lunares e a passagem de cometas, fossem interpretadas como mensagens de divindades ou presságios de eventos fortuitos ou trágicos. Uma importante ruptura nesta leitura dos céus se deu na Grécia clássica. O filósofo Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) propunha uma leitura desmitologizante do céu. Em um modelo, mais tarde aprimorado por Ptolomeu (90 – 168), no qual a Terra era uma esfera circundada por outras esferas, que a orbitavam, isto é, o Sol, a Lua e os planetas visíveis a olho nu como Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, envolta numa esfera mais externa, as estrelas fixas na abóbada celeste, Aristóteles procurava encontrar o sentido natural de ser destes entes celestes à parte de explicações divinas.
Tal modelo permaneceu válido por quase dois mil anos – tendo, é claro, passado pelo grande retrocesso da leitura medieval da terra achatada, talvez uma forma mais literal de traduzir os cânones católicos de céu e inferno – sendo revisto no auge do renascimento. Nicolau Copérnico (1473 – 1543) apresenta os primeiros modelos e cálculos matemáticos sugerindo o sol como centro do universo, modelo no qual a Terra seria mais uma das esferas a revolver ao redor da sol. Giordano Bruno (1548 – 1600) expande os limites da leitura de Copérnico, no qual o universo seria infinito e as estrelas seriam tais quais o sol, circundadas por outros planetas ad infinitum. Nesta transição entre o pensamento científico da antiguidade e o pensamento científico do renascimento, o físico italiano Galileu Galilei (1564 – 1642) tem um papel central. Em seu texto “El pensamiento de Galileo y sus relaciones com la antigüedad y el renacimiento” Rodolfo Mondolfo (1877 – 1976) classifica a visão galileana de método científico como chave de uma importante mudança para a ciência, um divisor de águas entre uma ciência antiga e a ciência moderna. Certamente havia na física aristotélica, tal qual na astronomia, uma experiência sensível capaz de “comprová-la”. Aristóteles dizia que para manter um objeto ou algo em movimento era necessária a constante aplicação de alguma força externa, algo observável na experiência de mundo e com a tecnologia à disposição do estagirata e tantos outros filósofos e cientistas posteriores. Ao mesmo tempo, a observação de que a pedra cai e o fogo sobe, pois aquela pertence à terra e este ao céu, era visível empiricamente e fazia seu sentido dentro da teoria construída por Aristóteles. Para Galileu a simples experiência empírica pouco tinha a dizer, citado na frase célebre reproduzida no texto de Mondolfo “porque mil frente a la infinidad es como cero”. Com isso, o físico pisano rechaçava a experiência despretensiosa da antiguidade. De repente, tudo aquilo que era tido como segura base da milenar física aristótelica poderia ser simplesmente desmanchado com algumas observações mais criteriosas em campo. Sobre a inércia, ao verificar a ação do atrito como força a estancar e dissipar o movimento, sendo que quanto menor o atrito, maior o movimento, foi possível a dedução que ao eliminar o atrito, o movimento de um corpo seria indefinido. Tal qual a percepção sobre a gravidade: um peso de ferro cai, de fato, mais rápido que uma pena. Porém a afirmativa da massa proporcional ao tempo de caída se desfaz da mesma forma quando submetidos à experiência pesos de ferro de diferentes massas. A base metodológica que levou Galileu a conceber suas leis da física, válidas até hoje, se dava por uma fusão intrínsica entre observação, experimentação e teorização. Galileu procurava a razão de ser dos fenômenos, para revisar o empirismo
ingênuo, que guiava então, inclusive, os primeiros teóricos do renascimento. Sem dúvida, Galileu Galilei foi uma figura que trouxe descobertas e teorias brilhantes no campo da astronomia e da física. Porém não é pelas descobertas em si que Rodolfo Mondolfo posiciona o papel transformador de Galileu, senão por como tais descobertas foram feitas. Como descrito no início desta resenha, a filosofia clássica teve um importante papel em desmitologizar o entendimento dos fenômenos naturais. Não era mais Apolo com sua carruagem a trazer o sol todas as manhãs, mas sim era o sol um corpo celeste, uma entidade da natureza, neste ponto estavam certos os gregos. Porém, como dito por Mondolfo, um certo desprezo pela experiência, o trabalho manual de campo que dela advinha, fazia com que os gregos se apoiassem quase que exclusivamente nos raciocínios teóricos, entendendo-os como verdades absolutas. Em boa parte a ciência grega permaneceu milhares de anos como uma ideia válida e amplamente difundida sobre o entendimento do universo, do mundo e da matéria, sob bases frágeis, a ser desmontada com a simples aplicação de um método mais criterioso com uma análise mais cuidadosa dos resultados e a teoria por trás dos fenômenos. Diante disto, é espetacular o salto qualitativo promovido por Galileu com seu método, mesmo que muitas de suas ideias já tenham sido superadas ou atualizadas, a ver, por exemplo: as órbitas não sendo circunferências perfeitas – sendo, porém, elípticas; ou Saturno, não sendo, como bem citou Mondolfo, um planeta trigêmeo, porém, sendo um planeta circulado por um imenso anel de poeira. É justamente esta velocidade vertiginosa do avanço da ciência, seu legado. Em quase 500 anos desde seus escritos e experiências, o avanço tecnológico e teórico é imensamente maior do que o próprio salto feito nos dois mil anos que o separavam da ciência da antiguidade. Telescópios, hoje, detectam os exoplanteas previstos por Giordano Bruno, analisando, inclusive, através da interferência no espectro de luz que causam nas estrela as quais orbitam, a composição de suas atmosferas. Sabe-se, porém, que o universo não é infinito como previra Bruno. Pela teoria do Big Bang, deduz-se que o universo se expande, por tanto possui um limite – o limiar em expansão, fato comprovado em observações feitas pelo telescópio Hubble, derrubando, inclusive, a constante cosmológica introduzida por Albert Einstein (1879 – 1955) em sua célebre teoria da relatividade – constante introduzida justamente para que o universo não se apresentasse como entidade em expansão, porém como infinito e estacionário, pondo uma certa fé na ideia de Giordano Bruno.
Junto com seu método, Galileu parecia crente no avanço que significaria, sua forma de construir conhecimento, precisamente por não pretender um conhecimento canônico, mas sim um conhecimento em aberto, em constante transformação, cujas experiências posteriores, refutações ou acréscimos apenas haveriam de agregar valor ao conhecimento científico como um todo. Dizia neste sentido a frase que fecha o texto de Rodolfo Mondolfo: “Decir que las opiniones más antiguas e inveteradas son las mejores no es probable, porque asi como en un hombre particular parecen las últimas determinaciones ser las más prudentes, y com los años acrecentarse el juicio, asi de la universalidade de los hombres parece razonable que las últimas determinaciones sean las más verdaderas”.