Resenha: O possível e o real Henri Bergson

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AUT 573 Diogo Augusto Pereira 6451488 Professor Dr. Artur Simões Rozestraten

Resenha: O Possível e o Real, Henri Bergson Michelangelo havia dito que a obra de arte já se encontrava dentro de um bloco de mármore. Cabia a ele, o artista, revelar a possibilidade inerente à pedra. Ao se analisar o processo artístico desde ponto de vista temos que a ideia é o motor presente na arte. A ideia surge completa na mente criadora do artista e o processo de criação artística nada mais seria que o processo de representar essa ideia, fazê-la sair pura da mente do artista para o mundo real, para a fruição dos seus espectadores. Talvez pense da mesma forma o arquiteto Vilanova Artigas ao sugerir que a escola de arquitetura será o meio de revelar as catedrais que os alunos tem em seus pensamentos. Sendo assim a arquitetura e a arte não residiria no espaço sensível e real, apenas se representaria aqui a arquitetura que surge no espaço de ideias. O mármore de Michelângelo esconde uma possível obra prima, assim como um pedaço de papel esconderia a possível obra de arquitetura, esperando para habitar o mundo real. Mas não seria tal interpretação apenas um exemplo lúdico? Até que ponto estaríamos omitindo a importância do processo criativo, do esboço, das escolhas, da tentativa e do erro ao considerar a obra de arte como o fruto de uma ideia trazida ao mundo real? Ao se produzir uma obra de arte aquele vislumbre inicial, aquela ideia que surge na mente jamais será o resultado final da obra, por mais completa e resolvida que nos parece na mente, temos que lidar com o processo de execução. E numa interpretação mais aprofundada nossas ideias surgem a partir de exemplos reais, temos em nossas mentes a nossa experiência com o mundo, isto é, como motor das ideias, referências reais estão postas sempre antes da ideia. Desta forma, a arte de Michelângelo não estava dentro da pedra esperando a revelação do artista da possibilidade da pedra. O artista que torna possível, através de seus meios, de seu gênio e de sua criatividade, a transformação da pedra em arte.


Tal ponto de vista é defendido pelo filosofo francês Henri Bergson no seu ensaio O possível e o real no livro Pensamento e o Movente. Bergson ampara-se em exemplos e na retórica para desmistificar a ideia de que a imagem mental e a possibilidade não é aquilo que se desenvolve no mundo real. Como um dos exemplos iniciais, Bergson sugere uma imagem mental de uma simples reunião, para ele seria possível imaginar de forma cristalina o que se passaria em tal encontro. Mas, por mais que se conheça a personalidade dos envolvidos e as circunstâncias do evento, a imagem mental jamais será a reunião real, o fato consumado irá desmentir aquilo que se previa da reunião. Para a arquitetura as questões indagadas por Bergson são bastante pertinentes. Afinal a arquitetura moderna, podendo-se traçar uma balisa desde o Renascimento, retomando pontos da arquitetura vitruviana, se baseia no projeto. O que seria esse ato, esse instrumento de suma importância da arquitetura, se não lançar-se à frente, como o próprio nome já sugere. Lançar-se à diante, projetar-se a frente de que? Do tempo, elemento muito bem grifado por Bergson. O arquiteto projeta tentando imaginar a construção dessa obra, o arquiteto deve prever a execução da obra para garantir que seu pensamento será a obra real. Mesmo sabendo-se, como foi colocado, da dificuldade, para Bergson uma impossibilidade, de se ter daquilo que se concebe no mundo real a imagem que surge na mente, a qual estaria em seu estado puro no mundo das ideias. Bergson inclui o tempo como veículo importante de criação, o tempo é o que impede que as coisas simplesmente surjam imediatamente. E quando lidamos com o tempo, lidamos com o mundo real. Um artista sabe que para executar sua obra – talvez o próprio termo executar esteja demasiadamente atrelado com a ideia posta no início do texto, de que o artista apenas imprime no mundo aquilo que lhe vem a mente – depende de sua técnica, de seus materiais, trabalha com uma limitação imposta pelo mundo real. Agimos como se fosse natural imaginar o que será o futuro. Possibilidade normalmente é colocada a frente da realidade, como se a realidade corresse atrás dessa possibilidade, como se buscássemos respostas para ideias pré-estabelecidas. Bergson considera que o mundo é absolutamente o oposto, é a realidade que torna as coisas possíveis, e muitas vezes nos esquecemos disso. Volto ao exemplo inicial desse texto, foi Michelângelo que tornou possível o David, através de sua técnica, de seu material, do tempo, e não a pedra que revelou o David possível dentro dela. Da mesma forma Bergson exemplifica, Hamlet só foi possível diante da sua figura criadora, Shakespeare. Não foi Shakespeare que revelou a obra diante da sua possibilidade inerente. Quando indagado sobre o futuro da literatura, Bergson respondeu de maneira enfática que se soubesse qual seria a próxima grande obra literária, ele mesmo a escreveria, não divagaria sobre sua possibilidade. Bergson utiliza-se de sua retórica para chegar no seu ponto principal. Muitas vezes ignoramos a realidade, nos sustentado cegamente na imagem, na ideia, na possibilidade. Acreditamos que realmente existam catedrais escondidas em nossas mentes de arquitetos. Bergson reafirma nossas raízes com o tempo e com o passado, reverte o conceito convencional de que a possibilidade seria um avançar no tempo, um olhar para o futuro. O possível é um olhar do presente sobre o passado. Ou seja, aquilo que existe foi possível e o possível mira o existente, nas palavras do próprio autor: “o real que se faz possível, não o possível que se torna real.”. Bergson pode ser demasiado enfático ao defender seu ponto de vista a partir dos exemplos que o convém. Podemos desconfiar da maneira como o filósofo enxerga o processo criativo. Mas seus questionamentos são deveras pertinentes, devemos ao


menos entender que o processo, as referências, a realidade, o tempo e o artista são importantes. Devemos também desconfiar e repensar sobre coisas básicas que às vezes nos são postas sem que possamos refletir sobre elas, afinal o que é projetar, a partir de que momento se concebe uma obra de arte ou uma arquitetura? Ela não seria um fruto contínuo, obra realizada com a escala do tempo? A arquitetura se transforma desde a ideia – que surge a partir da observação da realidade – até sua construção. Um croqui, um desenho técnico, um modelo físico – são coisas que estão ao nosso alcance, bem como o canteiro e a técnica construtiva. A partir de pronta a obra que está no mundo real, toma vida própria, se transforma e transforma o mundo, pois é realidade, é referência, abre a possibilidade.


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