felipe pacheco
Formando atletas e sonhos a trajet贸ria do centro esportivo ubaense
felipe pacheco
Formando atletas e sonhos a trajet贸ria do centro esportivo ubaense
Agradeço a Deus por ter guiado o meu caminho até este momento especial, principalmente, na reta final, quando as dificuldades pareciam se multiplicar. Aos familiares, além do agradecimento, fica o meu carinho e afeto. Ainda mais especial é a gratidão aos meus avós, Waldyr e Therezinha, que não pouparam esforços para que eu realizasse esse sonho. À minha doce Caroline, presente que Viçosa me deu. Pelo amor, amizade, companheirismo, lealdade e compreensão. Pelo incentivo e os puxões de orelhas dados quando parecia que já não havia solução. Aos professores que, ao longo da graduação, contribuíram para o que sou hoje, compartilhando sabedoria e ensinamentos. Em especial, agradeço ao meu orientador, Joaquim Sucena Lannes, que contribuiu muito para a realização deste trabalho. Fica também minha gratidão à professora Mariana Procópio e ao jornalista Diego Alves, que aceitaram o convite de participar da minha banca. Aos amigos, o meu muito obrigado, tanto os que ficaram em Ubá, os que surgiram Viçosa, e àqueles do ‘Na Área’. Aos profissionais do Centro Esportivo Ubaense, que abriram as portas do clube para a realização do trabalho; aos atletas, por dividirem comigo suas histórias e sonhos, deixo a torcida pelo sucesso de cada um; e aos profissionais que estão inseridos no mercado e se mostraram solícitos a contribuírem com este documento.
Livro-reportagem produzido no semestre 2014/2 como exigência para a conclusão do curso de graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa
AUTOR
FelIpe Pacheco PROFESSOR-ORIENTADOR
Joaquim Sucena Lannes REVISÃO
CAROLINE BACELAR capa
Ian Quintão Rodrigues DIAGRAMAÇãO
Diogo Rodrigues
índice 8 INTRODUÇÃO 12 Ubá - do polo moveleiro aos filhos ilustres 18 O Esporte na cidade de Ubá 34 Uma escola de futebol para jovens atletas a proposta do Centro Esportivo Ubaense 46 projeto para formar craques 62 rotina de treinos e aprendizados para conquistar um lugar ao sol 74 No CEU, futebol vai além do resultado 86 Os obstáculos rumo à vitória 102 oLHANDO PARA A FRENTE, O JOGO NÃO TERMINOU 112 Sonhos que seguem o rumo da realidade 128 Da arquibancada, o 12º jogador
crédito das fotografias 1 2 3 4
felipe pacheco arquivo pessoal arquivo ubaense e.c. reprodução internet
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introdução
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les não são todos, mas certamente se constituem em muitos. Meninos que crescem carregando no seu imaginário a fantasia de, quem sabe um dia, se tornarem conhecidos jogadores de futebol. Assim como esses garotos que correm, chutam, tocam
e passam a bola, aqueles que fazem de tudo em busca de realizar o sonho de vestir a camisa de um grande clube, o Centro Esportivo Ubaense (CEU) engatinha na sua missão: tornar-se uma referência na formação de atletas para o esporte, alimentando muitos destes sonhos. Fundado há pouco mais de quatro anos, o Ubaense é a idealização do sonho de Paulo Roberto Paschoalino, empresário da cidade de Ubá. Ele, que praticou o futebol pelo Industrial Futebol Clube, um dos times mais tradicionais do município, conseguiu consolidar a proposta de criar um centro para a formação de jogadores de futebol em sua “casa”, fazendo com que muitos garotos tenham a oportunidade de alimentar esse desejo, antes reprimido pela ausência de um projeto audacioso como este. É claro que antes da consolidação atual, se transformando em um dos nomes fortes no cenário da revelação de jogadores, o CEU passou por várias etapas, como da seleção de um corpo técnico, da escolha dos primeiros jogadores. Vieram os treinos, jogos, campeonatos, as primeiras saídas de atletas. Chegar aos mais de 30 garotos inseridos no mundo do futebol, espalhados por grandes clubes de todo país, como Atlético Mineiro (MG), Botafogo (RJ), Cruzeiro (MG) e Internacional (RS), não foi algo que aconteceu da noite pro dia. A Universidade Federal de Viçosa, a partir de seu curso de Educação Física e do Grupo de Estudos em Futebol (GEF), também tem sua parcela no desenvolvimento desta idealização vencedora. O projeto técnico que
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Ubaense abre as portas para que garotos tenham a oportunidade de jogar por uma vaga no concorrido mercado do futebol
norteia todo o trabalho desenvolvido pelo Centro Esportivo Ubaense veio de pesquisas e estudos dos então alunos José Carlos Freitas e Matheus Ornelas de Souza - hoje incorporados ao Cruzeiro Esporte Clube e Clube de Regatas Flamengo, respectivamente -, orientados pelo Professor Próspero Paoli. Além disso, o CEU se beneficiou do trabalho de vários profissionais oriundos da UFV, ou como estagiários ou contratados após a conclusão de seus cursos. Ele foi ainda tema de diversos estudos e pesquisas, tanto do GEF e do Núcleo de Pesquisa em Futebol (NUPEF) quanto dos próprios estudantes, sendo objeto central de alguns Trabalhos de Conclusão
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de Curso de graduandos em Educação Física. Além de servir como campo para estes futuros profissionais, o Ubaense também possibilitou a inserção de alguns deles no mercado do futebol, como os exemplos já citados de José Carlos e Matheus. Um projeto novo e ambicioso, que colocou a cidade de Ubá no mapa da formação de jogadores de futebol no Brasil. Como os próprios envolvidos nesta idealização ressaltarão ao longo deste trabalho, o Centro Esportivo Ubaense trabalha com objetivos em longo prazo. Por isso, não se espante se, daqui dois ou três anos, ouvir falar de nomes como Andinho, Gabriel Lopes ou Santana. Esses garotos serão frutos de um trabalho que já deu certo. Serão os frutos do Centro Esportivo Ubaense.
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Ubรก - do polo moveleiro aos filhos ilustres
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Fundação: 03 de julho de 1857 Gentílico: Ubaense Estado da Federação: Minas Gerais Mesorregião: Zona da Mata Área: 407.452 km² (IBGE/2010) População: 101.519 hab. (IBGE/2010) Altitude média: 338 metros IDH: 0,724 (PNUD/2013) PIB per capita: 13.564,99 (IBGE/2010)
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município de Ubá localiza-se ao sudeste do estado de Minas Gerais, na mesorregião da Zona da Mata. Conhecida como “Cidade Carinho”, ocupa uma posição de destaque em sua microrregião e proximidades como um dos principais po-
los moveleiros mineiros, por conta da força econômica e dos movimentos gerados no local. O farto crescimento da Manga-Ubá, fruto difundido nacionalmente, pelos campos ubaenses também torna a cidade conhecida.
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Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) dão conta de que a população ubaense é composta de 101.519 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico 2010, que estima em 109.779 habitantes para o ano de 2014. As pequenas canoas indígenas dos que supostamente habitavam a região remetem ao significado da palavra “Ubá” em tupi-guarani. A existência de tribos na área onde se localiza o município encontra divergências nos registros históricos. Enquanto fontes falam da habitação destes no território, outras publicações tratam o fato como inverídico. Existe ainda explicação mais científica para o nome: no Rio Ubá, que divide a cidade ao meio, crescem gramas características pelo seu formato de folhas estreitas, longilíneas e flexíveis. Estas, também, carregam a denominação do município. Ao final do século XVIII, várias famílias desamparadas após a decadência das atividades mineradoras – antes tão fluentes em Ouro Preto, Mariana e Guarapiranga –, encontraram na região da bacia do Rio Pomba a esperança para recuperar prestígio. Na nova casa, as terras eram férteis e prósperas para o desenvolvimento da agricultura. Foi então que, em 1805, o capitão Mor Antônio Januário Carneiro chegou às imediações. Principal responsável por povoar aquela terra, foi ele quem liderou um pedido para a construção de uma capela – exigência feita pelo Vaticano para a povoação em países colonizados. Os operários necessários para a elevação da Igreja foram trazidos pelo capitão Mor, que deu a eles pequenos pedaços de terra para que por lá ficassem. Ao mesmo tempo, as primeiras famílias começaram a ocupar a localidade, compondo tal povoação. Não são encontrados registros ofi-
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ciais que ilustram o término da construção da capela. O que se sabe é que em 1923 ela já estava pronta, sob a devoção de São Januário – santo do dia do nascimento de Antônio Januário. Em 07 de abril de 1841, o povoado foi elevado à condição de Paróquia de São Januário de Ubá. Com o desenvolver das atividades de seus habitantes, Ubá foi designada Vila, em 12 de maio de 1854 e, posteriormente, considerada cidade, em 03 de julho de 1857. Segundo principal município da região da Zona da Mata, Ubá tem sua economia movimentada, principalmente, pela ação das indústrias e do comércio. Não à toa, é o maior polo moveleiro do estado de Minas Gerais e terceiro do país. O setor é o de maior destaque em razão do desenvolvimento de pequenas marcenarias instaladas no local para suprir as necessidades da população, há mais de oito décadas. São mais de 500 estabelecimentos industriais – de pequeno, médio e grande porte –, que geram mais de 20 mil empregos para a população da região. Além da indústria moveleira, a Cidade Carinho detém um centro comercial de destaque com grande variedade de lojas de eletroeletrônicos, vestuários, calçados, entre outros. Estes setores atendem e prestam serviços aos municípios que integram as microrregiões de Viçosa e Cataguases. A esfera das confecções também possui papel importante para a economia ubaense. No âmbito agropecuário, além da criação de galináceos, Ubá é conhecida nacionalmente pelo fornecimento da “Manga-Ubá”, como já mencionado, um fruto que cresce em abundância na região e que, em 2003, foi declarado Patrimônio Natural da cidade. Interiorana e de médio porte, Ubá foi berço de nomes que, de alguma forma, se tornaram conhecidos nacional e, até mesmo, mundialmente. O
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maior expoente dessa lista de filhos ilustres é o grande compositor Ary Barroso. Foi no interior de Minas onde ele iniciou sua trajetória musical. Aos 17 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a estudar Direito, porém sem abandonar o viés artístico. Músico de renome consagrado por “Aquarela do Brasil” e tantas outras composições de sucesso, Barroso também se destacou como locutor esportivo - trajetória que será brevemente lembrada no próximo capítulo. Além do músico, outros nomes saíram de Ubá para serem reconhecidos fora das Minas Gerais: na política, Camilo Soares de Moura foi presidente – nomenclatura utilizada à época – do Mato Grosso, enquanto Levindo Ozanam Coelho governou o estado mineiro; na literatura, tivemos Antônio Olinto, que escreveu poesias, romances, entre outras obras, enquanto Ascânio Lopes Quatorzevoltas gravou seu nome no modernismo estadual. No meio artístico, despontaram ainda o cantor Nelson Ned, o ator Mauro Mendonça e o modelo Evandro Soldati, estes mais contemporâneos.
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Um dos principais polos moveleiros de Minas Gerais, Ubá pode se tornar referência na formação de jogadores por meio da proposta do CEU
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O Esporte na cidade de Ubรก
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brasileiro precisa de ídolos!”. Tal sentença pode ser dita após qualquer derrota, qualquer momento no qual os problemas cotidianos se tornem mais palpáveis. É uma afirmação que deixa evidente a necessi-
dade do povo em ter como espelho figuras, públicas ou não, que os fortaleçam para enfrentar o turbilhão causado pela rotina diária. Tomando como exemplo Ayrton Senna, Giba e Pelé que, cada um à sua maneira, contribuiram para elevar e tornar conhecido o nome do Brasil e a referência que sua população tem do seu país. Estes certamente influenciaram, cada um à sua forma, gerações de brasileiros que os tem como imagem a ser seguida. Por outro lado, ídolos podem ser criados e desfeitos da noite para o dia. É aí que surge a figura do “anti-ídolo”, que por intermédio de um deslize pode deixar de carregar a admiração de milhares de pessoas com relação ao seu nome. Independente da nomenclatura, ambos fazem parte de uma fábrica de idolatria, na qual muitos surgem a partir da adoração de uma já formulada imagem heroica. No esporte, a efemeridade do ídolo é acentuada a cada partida, na qual renovamos nossos objetos de admiração. Se referir à prática de esportes em Ubá significa remeter ao amadorismo. A condição se faz semelhante desde o futebol – o carro-chefe, algo natural pela sua força no cenário esportivo brasileiro – até as modalidades de menor apelo, como o taekwondo e o tênis de mesa. Mesmo com um investimento limitado, alguns ubaenses já se destacaram em competições pelas quais disputaram. Principalmente os jovens, que carregam consigo a esperança de, um dia, levar e representar o nome da Cidade Carinho em competições importantes. Pessoas simples, que se inspiram nos ídolos e se fazem de tal para o orgulho e admiração de seus contemporâneos.
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A Associação dos Empregados no Comércio de Ubá, por exemplo, tem papel fundamental no desenvolvimento do tênis de mesa da cidade. Há mais de uma década, o local é referência na prática da modalidade. O grande responsável por coordenar este projeto é o treinador e diretor José Dias de Oliveira, ex-atleta do Clube de Regatas Vasco da Gama. Parte da juventude ubaense teve a oportunidade, por meio desta iniciativa, de conhecer e praticar o esporte neste espaço. Com muito treino e dedicação, alguns se tornaram mesatenistas de destaque. O resultado do trabalho pode ser visto a partir das boas colocações conquistadas em competições que contam com os jogadores locais. Nas lutas, o município também é bem representado por jovens talentos e tem em Thayná Malta a sua grande esperança. Atleta do Tabajara Esporte Clube, a garota de 17 anos já levou o nome de Ubá a competições nacionais e internacionais de taekwondo. Porém, um de seus maiores feitos atingidos até o momento é o de representar não só sua cidade, como também o seu país. A jovem menina integra a Seleção Brasileira Juvenil de Taekwondo desde 2011. Entre outras premiações, é dona de uma medalha de bronze no Pan-Americano Juvenil da modalidade, disputado em 2013 na cidade de Querétaro, no México. O Karatê também é destaque recente no cenário ubaense. O Projeto Karatê Cidadão chegou a ser apontado pela Federação Mineira de Karatê (FMK) como um dos maiores na modalidade dentro do estado de Minas Gerais – afirmação dada por João Carlos de Godoi, presidente da FMK, ao site da Prefeitura Municipal de Ubá. Por meio deste, aproximadamente 300 crianças e jovens de diferentes bairros do município tiveram a oportunidade de conhecer e desenvolver suas habilidades nos tatames. O sucesso
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dessa ação social pôde ser comprovado pelos seus 19 atletas que integraram a Seleção Mineira da categoria. Porém, mais que formar esportistas, o Karatê Cidadão tem a missão de desenvolver a disciplina e a responsabilidade nos jovens, fazendo com que eles adquiram ciência do seu papel perante a sociedade. Em outros pisos, outras quadras, a projeção esportiva ubaense é menor. Mas não por isso fica longe de alcançar resultados expressivos no âmbito regional. O tênis, por exemplo, é um esporte que atrai jovens e adultos da cidade e que teve o seu impulso com a efervescência vivida no país pela ascensão de Gustavo Kuerten, o Guga, no fim da década de 90. Muitos garotos, inclusive, ainda são atraídos pelo esporte. Prova é que as quadras do Tabajara e do Mangueiras Country Club vivem movimentadas pelo vai-evem da bola amarela. Percorrer a história do esporte ubaense passa, novamente, pelo filho ilustre do município, Ary Barroso. Mesmo tendo vivido apenas sua juventude na Zona da Mata mineira, o músico e compositor teve importante contribuição no cenário esportivo nacional. Em meados dos anos 40, já residente no Rio de Janeiro, ele se tornou locutor esportivo. Torcedor confesso do Clube de Regatas do Flamengo, Ary ficou marcado por deixar evidente sua preferência pelo time rubro-negro nas narrações, utilizando de termos como “inimigo” para se referir aos rivais e por comemorar exaltadamente os gols do clube, ao passo que a narração dos tentos adversários se tornava muito menos efusiva. No que toca ao momento do gol, o mais esperado do futebol, Ary também foi marcante ao inovar com o soar de uma gaita logo após o balançar das redes pelo Rio afora. Ele também teve papel importante para a
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construção do estádio do Maracanã, visando a disputa da Copa do Mundo de 1950, a primeira realizada no Brasil. À época, Ary foi incisivo ao responder um questionamento analógico às recentes polêmicas relacionadas ao alto investimento gasto com a Copa de 2014, a segunda realizada no país. Indagado pelo jornalista e político Carlos Frederico Werneck de Lacerda sobre a construção do “Maraca” ao invés do investimento em setores úteis à população, o compositor foi curto e grosso. Quem conta o episódio é o jornalista e radialista ubaense Carlos Roberto Sodré, conhecedor da história do filho ilustre da cidade. - Ary Barroso foi um dos maiores responsáveis pela construção do Maracanã. Carlos Lacerda, que era contrário ao fato, questionou Ary: ‘Porque construir um estádio quando há muita gente precisando de hospitais, remédios, de casa, moradia?’ E o Ary Barroso respondeu: ‘Vá dizer isso para quem gosta de futebol. Responda isso a eles’ - conta. Antes de conhecermos um pouco sobre a história do futebol no município, outras duas personalidades merecem ser lembradas ao se falar da prática esportiva em Ubá. O primeiro deles é Eugênio Maciel German. Importante enxadrista brasileiro, ele foi pioneiro, em 1952, ao receber o título de Mestre Internacional de Xadrez nos Jogos Olímpicos de Helsinque, na Finlândia. Aprendeu a praticar o jogo de tabuleiro ainda na Zona da Mata mineira, mas foi em Belo Horizonte, para onde se mudou com o objetivo de seguir com os estudos, que alavancou a carreira. Conquistou em duas oportunidades (1951 e 1972) o Campeonato Brasileiro, competição que disputou por cinco vezes. Para se ter uma ideia de sua força na modalidade, sua pior colocação foi um quinto lugar, em 1950. Ainda representou o Brasil em outros dois ciclos olímpicos.
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Pista de skate construída em Ubá possibilita que novos esportistas sejam descobertos no município
Também é natural da cidade o skatista Edgard Pereira, o popular Vovô. São poucas as informações encontradas em relação ao tempo em que ele morou em Ubá, mas as atuações sobre o skate são enfáticas. Especialista no skate vertical, modalidade disputada no halfpipe (rampa côncava em forma da letra “U”), Vovô é bicampeão brasileiro na categoria amadora. O esportista também acumula boas participações nos XGames: foi quarto colocado em 2005, novamente no skate vertical, quinto colocado em 2009 e medalhista de bronze em 2011, na categoria Big Air. Além disso, Edgard foi o quarto brasileiro a conseguir acertar um looping, manobra em que o skatista completa um giro de 360º sobre a superfície determinada. Durante a realização deste trabalho, maiores pesquisas a respeito da
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relação do atleta com sua cidade natal foram feitas, mas os dados obtidos foram escassos. Porém, esse fato não diminui o feito de mais um ubaense ocupar um lugar de destaque dentro do esporte nacional, ainda que o skate continue sendo interpretado como uma modalidade periférica em relação a outras praticadas em solo brasileiro. Assim, retornamos aos ídolos remetidos no início. Esses desbravadores do esporte ubaense poderiam ser meros cidadãos que seguem sua busca motivados por suas figuras inspiradoras. Mas escolheram, ao mesmo tempo, servir de inspiração. Não é qualquer um que peita a escassez de oportunidades, dribla os poucos investimentos e transforma as adversidades em vitória. Eles fazem parte do ciclo da idolatria, buscando um norte e sendo molde dentro de um universo acostumado com as barreiras impostas no cotidiano. Futebol ubaense: do apogeu à crise, a dicotomia entre a prata da casa e os jogadores renomados Ao longo dos anos, o futebol ubaense carregou consigo a possibilidade evidente de transformar jovens em craques. Não, não era uma certeza de que dali sairia um Cristiano Ronaldo, um Messi, um Ronaldo ou um Vampeta – ainda que houvesse uma pequena possibilidade. Mas sim um jogador que defendesse a camisa de sua agremiação e fizesse a massa local pular, comemorar no estádio cheio de familiares, amigos e amantes do futebol. Um craque do Aymorés, do Bandeirante, do Industrial, que pegasse a bola, “costurasse” a zaga adversária – quem sabe do Itararé, o rival proveniente da cidade vizinha, Tocantins – e balançasse as redes, dando um título de Regional para a sua equipe.
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Ubá poderia proporcionar isso ao jogador local. E até o fez, por um tempo. Mas o amadorismo foi relegado, trocado pelo profissionalismo. Algo natural e, óbvio, que só tende a agregar valores e qualidades. Sim, mas apenas para quando se tem uma estrutura viável para que a presença destes jogadores não ofusque os filhos da cidade e nem leve ao patamar que ocupa hoje: o de decadência. Antes de apresentarmos o futebol pelos gramados de Ubá, merece destaque o rolar da bola dentro das quadras. O futebol de salão da cidade surfou onda parecida, ficando na crista do esporte na região. No início dos anos 2000, o esporte viveu seu auge no município. O motor para a consolidação do futsal como um dos esportes de maior destaque por lá foi a Copa Panorama de Futsal – competição organizada pela então TV Panorama, à época, afiliada da Rede Globo e sediada na cidade de Juiz de Fora (MG). A seleção ubaense foi o grande bicho-papão deste torneio desde a sua criação, conquistando oito troféus em dez ocasiões. Muito dessa hegemonia se deu por conta da participação de jogadores profissionais na seleção de Ubá. Com o apoio da Prefeitura Municipal, o Clube Praça de Esportes, representante do município, recebia jogadores federados em ligas renomadas, como a mineira – contando com jogadores de equipes da capital Belo Horizonte – e a carioca – atletas ligados ao Vasco da Gama (RJ) são exemplos dos que vestiram o vermelho, azul e branco. Medalhões como Vander Carioca, atleta com passagens de sucesso pelo próprio Vasco, Flamengo (RJ), Atlético Mineiro (MG) e Seleção Brasileira, participaram desse momento vitorioso do time de Ubá. Ele fez parte da etapa de consolidação do nome da cidade no futebol de salão da região. Quando conquistou em 2001 o tricampeonato do time, o jogador disse:
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- É a decisão mais importante da minha vida. Eu já participei de decisão de Mundial, de Brasileiro, mas sem dúvidas, essa é a mais importante e uma das mais quentes que eu já participei. A entrega de jogadores como Vander, Taffarel (goleiro do futsal) e outros nomes badalados que passaram pela cidade tem a sua explicação na torcida. A população local abraçou sua seleção, sendo um dos fatores de desequilíbrio em favor do município. Todo jogo era festa e até mesmo nas finais disputadas em Juiz de Fora, em muitas das ocasiões, a massa ubaense se fazia presente, seja por cidadãos comuns ou pelos “Pitbulls”, como ficou conhecida a torcida. Os ídolos locais também tiveram a sua oportunidade. Pituxa talvez tenha sido a grande referência entre os nomes naturais da cidade que puderam construir sua história paralela ao sucesso da equipe de futsal. Mas não foi o único. Quem acompanhou pôde ver Marquinhos, Ricardinho, Marcelinho, e também nomes mais novos, como Vinícius, Filipin, Pablo e Darlan. Cidadãos comuns, cidadãos de Ubá. Conhecidos de fulano ou beltrano. Mas que por vezes se transformavam em heróis para aqueles que iam à quadra da Praça de Esportes e apoiavam a seleção municipal em busca de mais um título. Porém, o auge passou. Os investimentos diminuíram – quando não cessaram – e a cidade teve que se contentar em entrar com equipes formadas essencialmente por pratas da casa, jogadores locais. Para uma equipe e uma torcida acostumadas a conquistar títulos com jogadores de ponta no elenco, passar por uma entressafra foi algo inimaginável. Mas não foi o fim. Ubá voltou a vencer. Ubá detém a hegemonia. E Ubá continua a criar os seus heróis tão iguais a qualquer cidadão que por lá passa, por lá reside.
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Das quadras para os gramados, a questão dos ídolos (profissional e amador) volta a aparecer. Mas antes voltamos à gênese, para situar a afirmação do esporte no local. Os registros do pontapé inicial do soccer no município são escassos. Muitas das informações se baseiam no registro informal, nas conversas – sejam elas de pai para filho, conversas saudosistas ou papos de botequim. Uma das raras obras que podem ilustrar e nortear o desenvolvimento do futebol ubaense com grande competência é o livro A História do Futebol de Ubá. Escrito por Joarez de Freitas, o documento remonta um pouco do percurso inicial da atividade no solo da Cidade Carinho. O aparecimento deste esporte no município não foi diferente dos relatos que contam a chegada ao nosso país. Pessoas de classes mais altas se constituem maioria entre os participantes. O futebol é elitizado e tratado como uma questão de status para aqueles que praticam. Senhores de renome eram quem detinham o controle do esporte. A fundação do primeiro time municipal, contada no livro já citado, demonstra a cena social à época, dando destaque às pessoas envolvidas. No momento descrito a seguir, nascia um dos mais tradicionais da cidade, o Sport Club Aymorés. “Em uma reunião na casa de D. Rosária Jório Defilippo, situada à praça das Mercês em Ubá, onde há pouco tempo, residiu o Sr. Antônio Simões, em 17 de maio de 1926, participaram com a finalidade de fundar o primeiro clube de futebol de Ubá, os senhores: - José de Oliveira Baltar (Quita Baltar), Domiciano Moreira, Antônio Ferreira de Andrade, Antônio Andrade, Raphael Defilippo, Antenor Brum, Manoel Ribeiro de Almeida, Manoel Rodrigues Ferreira da Costa, Miguel Januzzi, Lauro Baltar, Abelardo Gomes,
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Foto registra os primeiros jogos disputados no estádio do Aymorés
Job Gomes Pereira, Otávio Gomes, Francisco Martins da Costa, Gil Martins, Antônio Defilippo e outros. O clube deveria chamar-se Santa Cruz, mas na reuniã foi proposto por Luiz Feinstein, devido a uma marca de fósforo, grande uso na época, o nome de Aymorés.” A primeira partida oficial que se tem registro no município tinha o esquadrão aymoreíno entre os envolvidos. Nem dois meses havia transcorrido de sua fundação e o time azul e branco alinhava-se em seu campo para enfrentar os adversários do Batista de Almeida Foot-Ball, clube da cidade de Visconde do Rio Branco. O comemorado acontecimento deixou à mostra, mais uma vez, o caráter elitista que predominava no futebol: pre-
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sença da Banda 22 de Maio (uma das mais tradicionais de Ubá) à beira do gramado, bênçãos do padre e “apadrinhamento” por parte de grandes personalidades locais. Sem falar no baile realizado após a partida, que comemorou a primeira vitória de um clube ubaense: 2 a 1 em favor do Aymorés. Nos anos seguintes, pequenos times surgem na cidade, porém sem conseguir a proeza de fazer frente ao Aymorés. Foram os casos do Fluminense F.C., Flamengo F.C., Santa Cruz F.C., Ubaense F.C., Vasquinho F.C., dentre outros. A existência dos mesmos tampouco acompanhou o desenvolver do futebol de Ubá e tais clubes foram extintos no decorrer do tempo. Apenas a partir da década de 50, o Aymorés vê surgir os seus grandes rivais, Bandeirante e Industrial. Constam alguns registros que a Associação Atlética Bandeirante já havia disputado jogos antes do início da década. Mas o sacramentar de sua fundação veio acontecer apenas em 1951. O “Periquito”, como é conhecido, se estabeleceu com as cores vermelha e branca, distantes do Alviverde que marca o time nos dias atuais. Foi um dos clubes de destaque nas ligas regionais e se tornou, ao longo dos anos, um dos grandes rivais do Aymorés. Já o Industrial Futebol Clube foi fundado apenas em 1963 mas, assim como os adversários, se transformou rapidamente em uma das referências na cidade. É conhecido até os dias atuais no futebol ubaense pela valorização da prata da casa, dando espaço para jogadores locais – entre eles Paulo Paschoalino, figura principal para a existência do Centro Esportivo Ubaense. Esse status foi alcançado pela atuação de Maurício Singulani, um dos fundadores do clube, à frente do Alvinegro. Ele presidiu o Industrial – e mesmo quando esteve fora de qualquer cargo na equipe, nunca se afastou do estádio Francisco Parma – com uma política de valorização do
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futebol da casa. À medida em que o número de clubes crescia – além destes, equipes de menor apelo como A.A. Vila Casal, São Domingos F.C., Olaria F.C. e Bonsucesso F.C. – o surgimento de competições tornava-se uma consequência inevitável. Existentes desde o aparecimento das primeiras agremiações, elas ocorriam de modo mais corriqueiro e ganhavam o respaldo de Ligas responsáveis pela organização das mesmas. No início da década de 50, as de cunho amador se espalhavam pela cidade, mas foi em 1954, com o surgimento da Liga Atlética Ubaense (LAU) – reconhecida pela Federação Mineira de Futebol – que o futebol municipal ganhou impulso, levando inclusive ao desaparecimento das ligas secundárias. Paralelo à organização das ligas, o futebol vivia os seus anos de ouro no meio rural. Desde o início dos anos 40, com o crescimento do município e a ocupação das zonas rurais, novos clubes surgiam e faziam o esporte crescer neste âmbito. Os campeonatos eram organizados não por ligas, mas pelos meios de comunicação – com grande destaque para o rádio. Times como Pires da Luz, Pedra Noventa, Azulão e Ponte Preta se destacavam e sobrevivem até hoje. O jornalista Carlos Sodré relembra os tempos áureos do futebol rural, por meio da sua vivência deste período e pelo contato com outras pessoas que presenciaram o momento. - Talvez até 1970 tenha prevalecido o futebol no meio rural. Eram muitos campeonatos, os campos ficavam cheios e um alto número de clubes participando dos certames. Eram 30, em algumas ocasiões mais que isso – conta o comunicador. Voltando ao futebol da LAU, o cenário viveu na década de 80 um período de ouro. Descritos pelo mesmo Sodré como “os campeonatos de
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futebol que encantaram a todo mundo”, os torneios eram disputados pelas equipes de Ubá e região com extrema intensidade. Estádios ficavam abarrotados de jovens, adultos, senhores, senhoras. Pessoas que iam para a arquibancada por motivos que vão além do apoio à camisa que torciam. A presença de vários nomes da cidade fazia com que o pai, a mãe, os amigos, a namorada, se fizessem presentes para apoiar também o jogador, o “seu” atleta que estava a serviço do clube. Todo esse glamour relacionado a prática futebolística na cidade, ao mesmo tempo em que representou um período de glórias, se transformou no início do declínio do futebol de Ubá, que hoje, no século XXI, parece fadado aos seus últimos dias, com os estádios cheios e os atletas da casa participando ativamente deste momento. O futebol amador da Cidade Carinho passou então por um processo de “profissionalização”. Os dirigentes começaram a apostar em nomes ligados aos clubes de todo o Brasil para defenderem as cores das agremiações ubaenses nestes campeonatos. Jogadores de equipes de menor expressão passaram a desembarcar na cidade. Do Rio de Janeiro, vieram nomes de Madureira, Bangu, Olaria; de Minas Gerais, integrantes de Tupi, Nacional, Vila Nova, para reforçar as equipes que disputavam a Liga. A prática não era uma exclusividade dos times de Ubá. Inscritas nos campeonatos da LAU, times de Rio Pomba, Guidoval, Visconde do Rio Branco, Muriaé, entre outros municípios, recorriam ao mesmo método. Sodré lembrou o Cruzeiro Futebol Clube de Guidoval, “campeão em 1990 com uma equipe quase 100% profissional,” que mesclava nomes vindos de equipes menores com outros mais reconhecidos, exemplo de Palhinha, ex-jogador do Cruzeiro Esporte Clube, de Belo Horizonte. Ele ilustra aquele que pode ser considerado o maior pecado dos
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times da região: a busca por jogadores de renome. O ex-goleiro do Botafogo (RJ) Wagner, o tetracampeão mundial Viola, o “fanfarrão” Túlio Maravilha e o jovem Edmundo em início de carreira, todos eles se mesclam aos exemplos mais recentes, como Sorato, Fábio Luciano, Djalminha, Renato Abreu. Em comum, além da idolatria conquistada nos clubes por onde passaram, a breve passagem, resumida à um ou dois jogos, pelos quadros de Aymorés, Itararé, Nacional, Diamantense, entre outros clubes. Obviamente, a presença destes profissionais atraia o público, que enxia os estádios para ver de perto aquele campeão brasileiro, o artilheiro da Seleção, o ídolo do seu time. Mas junto do bônus, vem o ônus. O ex-atacante Viola, com passagens por Corinthians (SP), Palmeiras (SP), Seleção Brasileira, foi convidado por três vezes para jogar na região. Por partida, recebia um valor próximo dos cinco mil reais. Um dinheiro que, no fim das contas, fazia falta aos clubes, que não possuíam voluptuosas fontes de renda. Com isso, acabaram contraindo dívidas e sofrendo com rombos impróprios para equipes com poucas fontes de recurso. Para Carlos Sodré, outro efeito negativo à vinda destes figurões foi o abandono e desinteresse dos atletas locais. - Eu vi e ouvi de muitas pessoas o seguinte: ‘Eu vou treinar para quê? Por que eu vou lá no campo participar de uma semana de treinamento?’. Veja que esses treinos aconteciam, acontecem ainda, no final da tarde, quando o cara saía da indústria moveleira, da construção civil, do escritório, da padaria, do açougue, todos cansados. O cara saía do comércio e ia treinar. Mas treinar pra que, se quem ia jogar era o Viola? – indaga o jornalista, sacramentando esse como o marco da decadência do futebol local. A prática, que se tornou comum entre os adultos, acabou se dissemi-
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nando também nas categorias de base. Historicamente, as equipes infantis, juvenis e de outras divisões também ficaram marcadas por disputas belíssimas entre os clubes da cidade e com os jogadores de Ubá. Mas a sede por conquistas falou mais alto e levou os dirigentes a procurarem, também entre os mais jovens, jogadores que se formavam em grandes centros. A novidade chegou em 2010, há quatro anos. O Centro Esportivo Ubaense surgiu como uma opção para que jovens da cidade tivessem onde jogar e pudessem se formar jogadores. Mas a premissa principal do CEU difere dos clubes que por anos foram soberanos em Ubá. Não mais se pagava para treinar, para jogar. Agora, para integrar o time, primeiro era necessário mostrar que o garoto tem talento para isso. Uma alternativa que limita, restringe quem terá o seu lugar ao sol. Mas, uma luz no fim do túnel, de uma cidade que um dia foi celeiro de “craques anônimos”, e que hoje busca soluções para ter um futebol forte e dominante na região, como fora outrora.
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Uma escola de futebol para jovens atletas - a proposta do Centro Esportivo Ubaense
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A
paixão pelo futebol pode nascer de diversas maneiras em uma criança. E a figura paterna costuma ser a principal fonte inspiradora para tal. Seja pela primeira bola ganha, a primeira camisa de clube (ela, geralmente, também dá início ao
lado torcedor), a estreia no estádio, e as tardes e noites passadas em frente à televisão para acompanhar o futebol. Para torcer, comemorar as vitórias e lamentar as derrotas, chorar com títulos e decepções, para descobrir ídolos e fazer deles inspiração. Esta trajetória desperta diferentes sensações e vontades nas milhares de crianças espalhadas pelo Brasil e, porque não, do mundo. Alguns deixam a paixão restrita ao sentimento de torcedor, outros assumem profissões nas quais possam mergulhar neste universo – que o digam os jornalistas esportivos. Mas existem também aqueles que, por um dom natural ou pela prática ganha após muitos treinamentos, vão além e arriscam um pouco mais: correm atrás do sonho de se tornar um jogador de futebol. Pode ser o João, que deu os primeiros chutes na bola aos quatro anos de idade. Pode ser o Rodrigo, que aos sete descobriu que goleiro também é uma posição de destaque e passou a ensaiar as pontes que um dia demonstraria em campo. Quem sabe o Lucas, de nove anos, que começou a frequentar a escolinha de sua cidade e vê as chances aumentarem. Há chances de ser o Wellington, de 13 anos, que encarou a concorrência e fez aquele treino brilhante na peneira do grande clube do estado. Ou o Paulo, de 20 e poucos anos, que chegou ao futebol sim: não está atuando pelo Flamengo (RJ) ou pelo Corinthians (SP), mas sim no tradicional clube do seu município. Mesmo sendo fruto de nossa imaginação, as histórias que acabamos
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de contar mostram que o futebol proporciona esse tipo de fenômeno em que você não é o único responsável pela sua trajetória. O tal do fator sorte é um agente preponderante. Ele é determinante para dizer aonde você pode jogar. Afinal de contas, o que mais define os percalços que o garoto encontrará pelo caminho, as oportunidades que ele terá, se será titular ou não, se a lesão vai ser séria ou necessitará apenas de algumas seções de fisioterapia? É a sorte, a mesma que coloca uma centena de meninos de extrema habilidade lutando por um espaço e doze “pernas-de-pau” jogando por metade das vagas no time. Claro, ser bom nesse esporte pode fazer a sorte jogar ao lado. E saber a prática não é apenas chutar bem, ter a criatividade, ser um driblador nato. É ter também inteligência, leitura de jogo, interpretar bem a tática do adversário e da própria equipe. Voltemos ao Paulo, o rapaz que teve sua oportunidade no futebol por um clube de sua cidade. Em sua história real, ele foi além de representar a camisa do Industrial Futebol Clube. Mas antes de ver sua vida ligada novamente ao esporte, Paulo cresceu e foi além. Tornou-se presidente da Paropas, empresa de Ubá que se destaca na produção de colchões e móveis. Deixou de ser simplesmente Paulo, passou a atender por nome e sobrenome: Paulo Roberto Paschoalino. Consolidado, optou por se permitir sonhar. E por que não transformar o sonho em realidade? Foi essa a premissa fundamental para o nascimento do Centro Esportivo Ubaense. - Eu cheguei a chutar uma bola na minha adolescência, gosto muito de futebol, e sempre sonhei ter um envolvimento no esporte. Tão logo comecei a ir parando de jogar, eu comecei a pensar em construir um centro de treinamentos. É uma coisa que seria um sonho mesmo fazer, ter um CT para a formação de jogadores – lembra o presidente do Ubaense, em meio
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aos compromissos diários com clube e empresa. Por sinal, estas duas palavras, clube e empresa, podem ser utilizadas para definir o que é esta novidade que chegou à Cidade Carinho em meados de 2010. Por não possuir um sistema verticalizado, que se inicia nas categorias de base e termina em uma equipe profissional, o CEU não tem a necessidade de revelar talentos para alimentar categorias superiores. Por isso, os garotos que chegam lá treinam, aprimoram e se desenvolvem com uma finalidade maior: serem inseridos no grande mercado do futebol, onde darão continuidade ao objetivo de alcançarem o profissionalismo. Mas dizer que o Ubaense se resume a um “clube-empresa” é definição errada. O clube nasceu com uma missão essencial: detectar, selecionar, formar e inserir jovens atletas no mercado do futebol, respeitando as condições motoras, cognitivas e psicológicas do garoto. Em suma, uma equipe de formação de jogadores, que facilita e auxilia o trabalho do desenvolvimento de futuros talentos. O sonho de Paulo começou a se tornar realidade no ano de 2008. E para tal, era necessária a tomada de uma primeira decisão. Onde instalar uma estrutura que fosse capaz de atender com excelência a ideia de ser um importante local para trabalhar os futuros atletas? Mais ainda, como seriam essas instalações? Para se tornar referência, era claro que um trabalho grandioso deveria ser feito. Algo que não seria comportado em qualquer localidade. Por isso, o presidente do CEU abriu mão de um terreno na região central e não importou em se afastar da alma da cidade de Ubá. - Eu tinha um terreno de apenas 15 mil metros quadrados em uma área central do município. Quer dizer, era possível construir um campo, talvez. Em um ambiente mais afastado, seria possível a instalação de uma
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estrutura maior. Então eu procurei estabelecer perto de um anel viário, afinal de contas, onde estamos localizados é um local que comporta um anel viário, muito por conta das indústrias próximas. Mas, se você analisar que nós estamos há três quilômetros, três a cinco quilômetros do centro da cidade, é muito pouco – justifica o presidente. Foram dois anos e meio dedicados à construção do espaço físico que hoje abriga o Centro Esportivo Ubaense. Durante este tempo, Paschoalino fez uso de possibilidades enquanto presidente da Paropas para ajudar no andamento das obras, sem misturar em demasia os assuntos do clube com os da empresa. Um exemplo foi o processo de desaterro da área onde o CEU está instalado, feito com unidades vinculadas à empresa. Depois, deu-se início à construção de uma estrutura digna de qualquer clube de relevância no cenário futebolístico brasileiro. Espaço físico de qualidade: um aliado para atingir as metas A importância das estruturas físicas para os clubes de futebol, principalmente no Brasil, é um tema que costuma ser levado à tona nas discussões acerca dos resultados obtidos e da formação e preparação de uma equipe. São contáveis os casos de times de expressão que penam pela falta de um espaço próprio onde possam desenvolver as atividades nas mais diversas esferas que envolvem seus quadros, desde o campo administrativo até o esportivo. Mais que isso, os exemplos de agremiações que mantém Centros de Treinamentos possíveis de servir como espelho são poucos. O São Paulo (SP), com o CT de Cotia e o Reffis (estrutura de excelência no que se refere à reabilitação esportiva); Atlético Mineiro (MG) com a Cidade do Galo; Cruzeiro (MG) e a Toca da Raposa (I e II); e o Atlético Paranaense
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(PR), dono do CT do Caju, são grandes referências no que tange à gestão e trabalho, seja este voltado para os profissionais ou para as categorias de base. No interior de Minas Gerais, sem possuir uma equipe profissional que necessite de preparação e resultados imediatos, o Centro Esportivo Ubaense teve a preocupação de não conduzir a formação de jovens atletas sem cercá-los de uma estrutura de qualidade. Portanto, não é nenhum absurdo dizer que o espaço físico levantado para abrigar o CEU é capaz, sim, de deixar muito clube renomado de “queixo caído”. São cem mil metros
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Projeto gráfico mostra a proposta de Paulo Paschoalino para o Centro Ubaense. Apenas o campo ao lado do principal não foi concluído
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quadrados de área contemplada, onde se distribui um espaço que permite a gestão quase que total da célula administrativa e, também, os locais voltados para as diversas atividades desenvolvidas para o processo de formação de atletas. Em meio à um terreno recoberto por terra e grama, cresceram ambientes que auxiliaram em todo o trabalho feito até hoje pelo Ubaense. Os garotos têm dois campos de tamanho oficial (102m x 70m) à disposição: um deles é coberto por uma grama do tipo “Esmeralda”, mais macias e resistentes, de enraizamento fácil, onde acontecem os jogos oficiais e alguns treinos leves; o outro é de grama “Batatais”, mais baixa, de resistência ainda maior e crescimento rápido, destinado para a maior parte dos treinos das equipes. Além destes, um espaço gramado é reservado para o treinamento dos goleiros e, ainda, um paredão onde são realizados exercícios de fundamentos. O espaço do CEU conta também com três campos de dimensões menores, nos padrões society – um revestido por gramado sintético e os outros dois com a grama “Batatais”, natural. Sob a arquibancada que cerca a lateral do campo principal funciona um laboratório de força, destinado para fortalecimento e recuperação do atleta, e três vestiários. Há ainda um espaço de refeições, rouparia e lavanderia, e também um salão de festas: o Espaço Ubaense. Por fim, a infraestrutura do local abriga o Complexo Administrativo, no qual os profissionais gerem os assuntos pertinentes ao dia-a-dia do clube. Nele, além de uma recepção, se encontram salas para a Presidência, Gerência, Captação e Comissões Técnicas. A comparação com a estrutura de alguns dos grandes clubes nacionais já dá a dimensão da grandeza deste projeto. Mas ela se torna ain-
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da mais ímpar se colocada frente a frente com as escolinhas de futebol presentes na cidade. Estes locais contam, em sua integridade, com apenas um campo destinado para os treinamentos, no máximo dois vestiários e o setor administrativo. Muito pouco para quem recebe um número maior de atletas do que o Centro Esportivo Ubaense, espalhados em quantidade ainda mais distinta de categorias. Talvez isso sirva para exemplificar o porquê do sucesso imediato do trabalho desenvolvido por Paulo Paschoalino, enquanto as agremiações de Ubá seguem tentando sobreviver com rendas inferiores e trabalho mais restrito. De um terreno vazio foi possível a construção de uma estrutura condizente com a missão proposta quando da idealização do Centro Esportivo Ubaense. Tudo aquilo que havia ganhado forma permitiria aos futuros profissionais a execução de um trabalho de qualidade e o desenvolvimento gradual dos potenciais técnicos, táticos e físicos dos jovens que por lá estivessem destinados a passar. Era hora de soar o apito e dar início a essa longa partida que é jogada pelo Ubaense desde o início da década. Bola rolando para um projeto promissor Mais de dois anos. Esse foi o tempo que se passou desde o início das obras para a construção até a inauguração, de forma efetiva, do Centro Esportivo Ubaense. Antes de apresentar a infraestrutura completamente acabada, o local ainda recebeu eventos esporádicos abertos a clubes da cidade e da região. Após o dia 3 de setembro de 2010, a data da fundação, o CEU pôde ser apresentado oficialmente à comunidade e começar a galgar seu espaço no cenário esportivo, ao menos no que tange os centros formadores.
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Aliado à infraestrutura, o corpo profissional que integra este trabalho foi pensado para alcançar uma plena execução, avaliação e controle dos conteúdos e metodologias propostos para a formação. Eles se dividem entre os cargos técnicos e administrativos. O conjunto formado por estes profissionais, juntamente com a estrutura concebida e a metodologia de trabalho, acabam transformando o Ubaense também em campo de pesquisa, estudos e estágios para estudantes da área da Educação Física, especialmente aqueles que buscam uma inserção maior no mundo do futebol e, até mesmo, da formação de atletas. Isso torna a agremiação um centro de referência para os graduandos da cidade e da região. - Nós temos utilizado muito lá como campo de estágio, tendo vários acadêmicos nossos, inclusive, os que já formaram e trabalharam ou trabalham lá. Então é um campo de estágio, e é campo de pesquisa, afinal, por meio do Ubaense nós já escrevemos cinco artigos, construímos quatro Trabalhos de Conclusão de Curso aqui na Universidade (Federal de Viçosa, UFV) – atesta o professor Próspero Brum Paoli, docente da UFV e do Núcleo de Pesquisas em Futebol (NUPEF) e que possui relacionamento estreito com o trabalho desenvolvido pelo CEU. Atualmente, o Ubaense conta com três categorias diferentes de atletas: jogadores sub-11, sub-12 e sub-13. A escolha por trabalhar com jovens nesta faixa etária foi determinada, entre outros motivos, por estudos relacionados à formação de atletas no futebol, material inserido no projeto que pauta o processo realizado pelo CEU. Esta fase é indicada como o período ideal para a formação de uma base ampla das movimentações e do desenvolvimento das capacidades motoras e coordenativas. A fixação dos ensinamentos táticos e técni-
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cos também encontra, neste período, um momento importante para sua concretização. Além das divisões acima citadas, existe também o chamado Grupo Especial, no qual está inserido um menor número de garotos com idade acima dos 14 anos. A permanência destes meninos, mesmo após estourar a faixa etária considerada ideal pelo clube, tem uma explicação: na avaliação dos profissionais que trabalham no projeto, estes são jovens de bom potencial que, por alguma razão, acabaram tendo problemas no processo de inserção no mercado, por motivos que vão de lesões a dificuldades de adaptação em uma nova realidade, clube ou cidade. A formação das equipes e escolha dos atletas que terão a oportunidade de batalhar por um futuro melhor dentro do futebol por meio do trabalho desenvolvido em Ubá se dá por diferentes vias de acesso. A principal delas passa pelo trabalho do Departamento de Captação de Atletas, constituído por alguns dos profissionais que integram a equipe. Eles são responsáveis por detectar e observar potenciais jogadores em competições e também as seletivas organizadas pelo Ubaense. Estes processos seletivos se assemelham às peneiradas, práticas difundidas por todo o país para a seleção de garotos por parte dos clubes. Centenas de jovens literalmente jogam a sorte, uns contra os outros. Ao mesmo tempo em que se enfrentam com a ideia na cabeça de que precisam ser melhores que aqueles outros que dividem o campo, seja no mesmo time ou não, eles acabam por enxergar no outro, no mesmo rapaz tido como “rival”, um aliado para alcançar um lugar ao sol. No caso das “peneiras ubaenses”, apenas um dia. Alguns jogos, poucas horas deixando a sorte na ponta das chuteiras – e de pés ainda maduros. E no fim, dos mais
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Ao mesmo tempo, companheiros e rivais: garotos que participam do processo de seleção sabem que a concorrência é alta, portanto fazem de tudo para impressionar os observadores
de cem jovens, uma certeza: muitos sairão dali frustrados com (mais) uma oportunidade desperdiçada. Poderão ser cinquenta, setenta ou oitenta, a quantidade dos que comemoram sempre será muito menor – aumentando a responsabilidade de convencer após sobreviver ao vestibular do futebol. A Captação do clube também fica responsável por organizar observações técnicas longe da Cidade Carinho – o que fez expandir a marca Centro Esportivo Ubaense, tornando-o conhecido em outras localidades. Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia são alguns dos estados com municípios contemplados e que contém representantes neste processo. Os torneios e amistosos também constituem uma oportunidade de aplicar essa
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metodologia de detecção de talento. Além destes, outros meios possíveis para a chegada de um garoto ao CEU são as indicações e parcerias, não formalizadas, com clubes e agentes que conseguiram estabelecer uma relação próxima com o projeto. Acabam sendo excludentes destas vias de acesso as contratações e as franquias, uma vez que estas não existem em outras cidades. Para realizar um trabalho que seja marcado pela qualidade, é imprescindível aliar fatores que, quando somados, sejam capazes de atingir um grau próximo da excelência. No processo de formação de jogadores, o sucesso vai além de ter uma matéria-prima (os futuros atletas) talentosa e de grande quilate. A importância de se ter uma estrutura adequada, que ofereça condições para que os meninos libertem seu potencial, somada à presença de profissionais que tenham um respaldo para trabalhar e lapidar os jovens talentos é fundamental. Agregar estes pontos é crucial para que a vitória do Centro Esportivo Ubaense venha com mais facilidade. Vitória esta que vai muito além dos três pontos. Porém, para que esta engrenagem esteja completa falta ainda uma peça, decisiva, que pode fazer todo um trabalho cair por terra. Afinal de contas, transformar uma criança com potencial em um futuro atleta não é tarefa que deve ser feita de qualquer maneira.
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projeto para formar craques
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eonardo, mas pode chamar de “Leozinho”, tem 11 anos. Quando ganhou do pai a primeira bola, acompanhado daquela camisa alvinegra, não teve dúvidas quanto ao que queria ser no futuro: um jogador de futebol. Que criança, nessas
circunstâncias, não desejaria o mesmo no ato dos presentes ganhos? Aos cinco, o Leozinho dava os primeiros chutes, ainda dentro de casa. A pontaria estava calibrada, eram copos, vasos e vidraças quebradas. Foi para a rua, junto dos coleguinhas, e começava a mostrar desenvoltura. A mesma facilidade que tinha para driblar o adversário possuía, para voltar sem o “tampão do dedo”. Na Educação Física, era o primeiro a ser escolhido, quando não, o responsável por escolher o seu time. A técnica crescia, o potencial era grande. Foi para a escolinha, afinal de contas, os pais sabiam que o futuro do garoto poderia ser com a amarelinha da Seleção. Mas o Leonardo estagnou. Ao invés de receber, pagava para jogar. Assim como ele, havia quase uma centena de garotos. Altos e baixos, gordos e magros, fortes e frágeis. Habilidosos e pernas de pau. Ali, todo mundo tinha oportunidade, ninguém era diferente um do outro. Treinar fundamentos, muito pouco; tática, que nada. Um exercício físico para esticar a musculatura, dois toques de um lado para o outro, chutou ao gol. Bora para o coletivo, dividido por categoria. Os mais novos primeiro, vinham divididos em cinco times, cada um tinha dez minutos para jogar. A situação se repetia com os mais velhos. E assim iam embora três horas do que era para ser uma aula de futebol. O Leozinho vai para casa, à espera do próximo treino, à espera de que seu sonho possa se transformar, um dia, em realidade.
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Esta é uma história fictícia, mas que pode muito bem se fazer verdadeira nos quatro cantos do país. Assim como Leozinho, são muitos os meninos que esperam ascender no meio do futebol, mas acabam tendo que se contentar com a prática na forma de lazer. Muito por conta da maneira como as escolinhas de futebol trabalham, ou não, estes meninos para que eles possam ter um futuro. Fatores citados anteriormente, como o oferecimento de uma estrutura de qualidade, que possibilite que estes novos talentos possam ser lapidados, e também a presença de profissionais gabaritados, são fundamentais para que esse florescimento aconteça. Ademais, se tornar uma referência na formação de jogadores de futebol passa por outro fator chave: a existência de um projeto que sirva para nortear tudo aquilo que será desenvolvido dentro do clube, que determine o que será trabalhado com e para os atletas, e que indique o caminho a ser seguido pelo coletivo como um todo. Desde os jogadores, passando por funcionários, treinadores e corpo gestor. Pode não parecer nada, mas ser guiado por um Projeto Técnico de Formação traz um diferencial, que é um privilegio do Centro Esportivo Ubaense. - Tudo o que é feito dentro do Centro Esportivo Ubaense é baseado em um projeto técnico. Entra treinador, sai treinador, entra e sai preparador físico, entra treinador de goleiros, sai treinador de goleiros. Qualquer que seja a função do profissional que estiver dentro do CEU, ela será baseada nesse projeto técnico. Claro que, de certa forma, ele tem liberdade para executar aquilo da forma que acredita que seja mais conveniente. Mas sempre respeitando essas diretrizes técnicas – explica Wellington Salles, treinador e gerente técnico-científico por mais de dois anos.
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Proximidade com a UFV rende projeto e bons profissionais Antes mesmo de ser inaugurado oficialmente, o Centro Esportivo Ubaense, por meio do presidente Paulo Roberto Paschoalino, tinha uma questão central a ser resolvida: quem seriam as pessoas responsáveis por dar vida ao trabalho e, mais ainda, de que forma ele seria desenvolvido para que não se tornasse apenas mais uma escola de futebol para garotos? Como atingir o diferencial? Eram questões cruciais que o gestor do CEU teria em mãos para resolver. De que maneira aquele espaço, com uma infraestrutura grande e ideal para o desenvolvimento de um bom trabalho, viria a se tornar um celeiro de jovens craques? A possibilidade de resolver estas questões, a solução para tal, se encontrava há pouco mais de 60 quilômetros de distância da Cidade Cari-
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Jogadores treinam no campo da Universidade Federal de Viçosa. Proximidade com instituição foi essencial na implantação deste trabalho
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nho. O município de Viçosa, quase vizinho dos ubaenses, se destaca, nitidamente, por abrigar uma das mais conceituadas instituições de ensino do país, a Universidade Federal de Viçosa (UFV). E dentro desse universo acadêmico, a Faculdade de Educação Física é tida como uma das melhores do país e, mais ainda, conta com um grupo de estudos no futebol, além, é claro, de especialistas no setor. Unir o útil ao agradável era a tarefa que Paulo tinha para seguir rumo à concretização do seu sonho. Por uma dessas coincidências da vida, a UFV acabou indo até o CEU. Não necessariamente a Universidade, mas sim pessoas que faziam parte deste meio e que seriam importantes nos primeiros passos dados pelo Ubaense. Os responsáveis por esse intermédio foram os então graduandos em Educação Física Matheus Ornelas de Souza e José Carlos Freitas. Durante o período em que estudaram na UFV, eles participaram do projeto Viçosa Esporte e Lazer (VEL), voltado para o desenvolvimento e ensino do futebol para crianças do município viçosense e região. O contato inicial se deu por conta de uma partida pelo Campeonato Mineiro de divisões de base. - Nós estávamos ainda estudando, no último período, e inseridos num projeto de futebol em Viçosa. Tudo isso junto com o professor Próspero Brum Paoli. Nós fomos jogar em Ubá, disputando o Campeonato Mineiro por esse projeto, e descobrimos que o Centro de Treinamento estava sendo construído pelo Paulo. Porém, ele ainda não sabia muito bem que direcionamento iria dar para a construção – conta Matheus Ornelas, que hoje é gerente de captação nas categorias de base do Cruzeiro Esporte Clube. O professor Próspero Paoli reitera o fato, lembrando que apenas um campo estava finalizado em meio a toda aquela estrutura. Ele também des-
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taca que foi a curiosidade dos graduandos que possibilitou esta aproximação entre clube e Universidade. - Quem ficou conhecendo primeiro lá foi o José Carlos e o Matheus, eles foram jogar lá com o Viçosa Esporte e Lazer, o Alexandre Lemos era o treinador. O Zé trabalhava como supervisor do VEL, e eles foram jogar lá num sábado. O CT só tinha um campo, ainda estava começando. Diante disso, despertou neles um interesse por aquilo e foi quando houve um contato com o Paulo Paschoalino – completa Próspero Paoli. Com as duas partes interessadas no mesmo ideal de trabalho, o contato inicial aconteceu de maneira extremamente positiva. O desenvolvimento de uma proposta que norteasse os treinamentos e a gestão esportiva do CEU era essencial para que, no futuro, esse centro de formação de atletas rendesse frutos. Também seria uma oportunidade de unir o útil ao agradável: por um lado, Paulo Paschoalino, ainda sem um rumo certo para dar continuidade ao trabalho, poderia conduzir o Ubaense com o respaldo de um projeto desenvolvido por alunos de uma das mais conceituadas Universidades no que tange a formação do jogador de futebol; na outra via, José Carlos e Matheus teriam a oportunidade de encabeçar um trabalho com grandes possibilidades de lhes render reconhecimento na área. Juntos, os graduandos começaram a trabalhar em cima de um projeto técnico que pudesse funcionar como “guia” no desenvolvimento dos atletas, a partir do momento em que o Ubaense começasse suas atividades efetivamente. A orientação do trabalho desenvolvido pelos jovens foi feita por um especialista na área do futebol, o professor Próspero Paoli - graduado em Educação Física e com especialização em Educação Física e Desporto Escolar pela UFV, mestre em Educação Física (treinamento es-
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portivo) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor em Educação Física e Cultura pela Universidade Gama Filho, atualmente docente da Universidade Federal de Viçosa. Carregando toda essa bagagem na área, além de uma inserção forte no meio do futebol, Paoli seria figura essencial para a consolidação e desenvolvimento deste projeto. - O Próspero é uma pessoa muito séria. E os meninos que vieram com ele também se mostraram. Essa foi uma oportunidade muito grande para todos, eu fiquei muito feliz a partir do momento em que eu vi a pessoa do Próspero, sabendo que eu poderia realmente confiar nele e no trabalho que seria realizado com os profissionais por ele indicados – admite o presidente do CEU, Paulo Roberto Paschoalino, que nos dias de hoje vê a consolidação deste bom trabalho que se projetava. A base do conteúdo apresentado saiu de pesquisas e discussões realizadas pelo GEF, Grupo de Estudos em Futebol, coordenado pelo professor Próspero. O grupo se reunia duas vezes por semana, buscando debater e problematizar as ideias essenciais para que o Ubaense pudesse dar o pontapé inicial e se tornasse uma referência na formação de atletas. Matheus relembrou este momento crucial para que o trabalho tivesse prosseguimento. - Nós já integrávamos um grupo coordenado pelo Próspero, que existe até hoje, chamado Grupo de Estudos em Futebol. Nos reuníamos duas vezes por semana e lá as pessoas apresentavam ideias relacionadas ao esporte e que eram discutidas. E aí, dentro do GEF, nós começamos a elaborar o projeto, em que cada um ficou incumbido de realizar uma determinada tarefa. Decorrido um mês de reuniões e discussões, propostas e alterações,
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Matheus e José Carlos, juntamente com o GEF conceberam um projeto técnico a ser apresentado. Em agosto, eles voltaram a se encontrar com Paulo e fizeram a primeira mostra do trabalho desenvolvido. De acordo com o empresário, houve um primeiro encontro, no qual ele tomou conhecimento da proposta de trabalho. Novas reuniões tiveram que acontecer até que o acordo fosse fechado. A partir daí, Paulo teve finalmente a confiança de que poderia deslanchar com aquilo que ele havia sonhado. A importância de um projeto técnico na formação do atleta Mas o que havia de especial neste projeto técnico? O que credenciava a estas ideias a autoridade de ser o rumo para que o futuro de vários jovens fosse trabalhado, fosse colocado em jogo? Primeiramente, é importante deixar claro que por esta concepção, todo o trabalho, desde a gestão administrativa até a aplicação das teorias e da prática do futebol, estava integrado e contemplado na busca por um ideal de excelência. Além do mais, são poucos os clubes profissionais no país que possuem algo parecido – entre os que detém a proposta, segundo Paoli, destacam-se Botafogo (RJ), Fluminense (RJ) e Internacional (RS), além dos que trabalham em cima da concepção, como Coritiba (PR), Cruzeiro (MG) e São Paulo (SP). Visão de quem tem propriedade e conhecimento de causa no assunto. - Esse é um projeto técnico de formação. A concepção total do projeto trabalha desde a gestão do braço administrativo, passando pelo braço da captação, pela parte técnica em si, os conteúdos a serem trabalhos por categoria, as idades a serem trabalhadas e desenvolvidas lá, e também a inserção desses atletas no mercado. E raros são os clubes, e eu estou falando dos grandes, que contam com um projeto técnico de formação, com um
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modelo de jogo explícito, com suas fases defensivas e ofensivas (aspectos trabalhados dentro do projeto, e esta questão dos conteúdos – ressalta Próspero Paoli. É dentro do projeto que constam as diretrizes principais que orientam as atividades do CEU. São cinco as etapas propostas no trabalho: a primeira, de estruturação, ocorreu justamente no momento em que o plano foi concebido por Matheus e José Carlos, sob a coordenação de Próspero Paoli; logo em seguida, veio a fase de implantação, atingida em agosto de 2010, com a chegada de uma equipe responsável pela condução dos trabalhos; na etapa de desenvolvimento, constam as atividades realizadas pelo Ubaense, com o exercício dos treinamentos, a disputa de amistosos e competições e a exposição e inserção dos atletas no mercado; a quarta fase, da consolidação, é aquela que é vivida no presente momento pelo clube, na qual o trabalho vem sendo reconhecido e os atletas vão construindo um fluxo de entradas e saídas; por fim, vem o crescimento sustentado, último ponto deste projeto, a ambição máxima do Centro Esportivo Ubaense, em que os atletas começarão a gerar lucros que possibilitem que a estrutura se mantenha financeiramente a partir da “mão-de-obra” que saiu dos campos de Ubá. Este desenho também direciona os gastos financeiros e a logística, inerentes ao trabalho desenvolvido pelo Ubaense, que são chamados eixos operacionais. Como ressalta o educador físico Wellington Salles, que integrou o clube enquanto estudante e após formado, “toda ação praticada gera uma despesa e uma forma de ser praticada, desde a manutenção das estruturas até o monitoramento e sustentação dos atletas no mercado.” Diante disso, o documento prevê como o céu deverá custear e executar operações
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Jogadores próximos, marcação forte: frutos de um modelo de jogo seguido à risca pelo Centro Esportivo Ubaense
relacionadas à manutenção da estrutura física, recursos humanos, equipamentos e materiais (profissionais, cuidados com equipamentos, uniformes e bolas; captação de atletas), planejar a forma como ela acontecerá, custear a viagem para observações técnicas, juntamente com as despesas para tal; manutenção da logística, treinos e competições (como horários, transporte para os treinos e jogos, roupeiro; inserções de atletas no mercado), viagens, exames, hospedagem, custeio quando o clube interessado não oferece nenhum tipo de auxílio; e, por fim, monitoramento e manutenção de atletas no mercado (apoio ao atleta com moradia, adaptação, auxílio em caso de necessidade de materiais). - Somando tudo, são “N” fatores que vão interferir e tudo isso aqui precisa ser norteado por esses eixos pra gente saber onde que esses re-
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cursos estão sendo empregados para termos um certo controle. Assim, é possível definir quanto que é necessário para cada um desses eixos, ou seja, o custo do Centro Esportivo Ubaense se baseia dentro desses eixos operacionais aqui – explica Wellington. Por fim, em termos práticos, a presença do projeto técnico garantia ao futuro celeiro de talentos no futebol a possibilidade de pautar as práticas do dia-a-dia em cima de um modelo de jogo. Nos treinamentos, mais que desenvolver o futebol do atleta, seria trabalhada a aplicabilidade de concepções fundamentais para a proposta tática sugerida pelos treinadores, quaisquer sejam as categorias, algo que, segundo Paoli, passou a ser muito mais discutido no futebol nacional após a Copa do Mundo de 2014, mais especificamente seguido à eliminação da Seleção Brasileira pela Alemanha. Para o professor, moldar as categorias de base a partir de um padrão é um diferencial na formação de novos jogadores de futebol. - É sim um diferencial, porque é o seguinte: qual que é a importância de um projeto técnico de formação? Que você garanta a aplicação de conteúdos por categoria. Você garante o planejamento dos micros, dos mesos e dos macro ciclos. E acima de tudo também, o seguinte, é a proposta do modelo de jogo. O Ubaense hoje tem um modelo de jogo que foi concebido por essa equipe, com suas fases defensivas e ofensivas, e é a partir daí que eles trabalham os conteúdos do dia-a-dia dos treinamentos. Início do desenvolvimento do trabalho Com um projeto em mãos que fosse direcionar o caminho do Centro Esportivo Ubaense, Paulo Paschoalino estava, enfim, pronto para colocar o seu sonho nos trilhos e torná-lo uma realidade. Um longo caminho que vi-
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ria pela frente, mas que tinha subsídios suficientes para se configurarem em uma aposta de sucesso. Os passos que se seguiam seriam (e foram) dados se aproveitando de uma parceria bem sucedida que começava a ser construída com o curso de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa e o professor Próspero Paoli. Além de orientar o trabalho que serviu de base para o CEU, Próspero influenciou diretamente em outras nuances fundamentais para o início da trajetória do clube. E tudo isso unicamente pelo apoio ao futebol e a vontade de vê-lo se desenvolver cada vez mais. Sem ligação oficial com o Ubaense, o docente se tornou uma espécie de consultor para os profissionais que viriam a integrar o corpo técnico e administrativo do clube. E uma de suas primeiras contribuições foi, justamente, na indicação de nomes que pudessem integrar o quadro profissional da equipe. A bem da verdade, mais que uma indicação, uma aprovação, já que todos eles estiveram envolvidos, direta ou indiretamente com a concepção do projeto técnico. Nomes como os já citados Matheus Ornelas e José Carlos Freitas, Alexandre Lemos, Ramon Lima e Murilo Balbino constituem parte dos 11 treinadores indicados para fazer parte deste novo trabalho. Lá, além de exercerem os trabalhos relacionados ao futebol nas mais distintas esferas, ora na função de treinador, ora auxiliar, preparação física e cargos administrativos, estes jovens tiveram a oportunidade de colocar em prática todo o conhecimento adquirido pelos anos de UFV e GEF. E, o mais importante, sem a pressão de erros ou acertos. - A passagem pelo Ubaense me serviu de experiência prática, pois fui contratado logo após me graduar em Educação Física pela UFV. Deste modo, o CEU me proporcionou colocar em prática os conceitos apren-
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didos, na Universidade, dentro do mercado de trabalho. Além disso, por meio do Centro pude fazer contato com profissionais de outros clubes – relata Murilo Balbino, hoje observador técnico no Coritiba Foot Ball Club. Matheus Ornelas também assegura a importância que o Centro Esportivo Ubaense teve para ele, funcionando como uma espécie de laboratório. Lá foi o lugar em que as experiências tinham espaço no trabalho por ele desenvolvido. - No CEU eu pude experimentar, tive a oportunidade de errar, tive a oportunidade de testar coisas que eu tinha, ideias que tinha na cabeça, e que aqui no Cruzeiro eu não posso em função do resultado imediato que a gente tem que dar – complementa. Definidos os nomes que iriam integrar a equipe, o Centro Esportivo Ubaense, ainda contando com a chancela de Próspero Paoli, passou a operacionalizar suas ações para o início das atividades. Durante um mês, todo o planejamento foi traçado para o momento em que chegassem os primeiros atletas, incluindo as metodologias de treinamento, os conteúdos a serem trabalhados por categoria, a forma de avaliação dos garotos. Na sequência, os profissionais começaram a busca pelos meninos que participariam do marco inicial do Ubaense. Para formar o seu primeiro elenco, estes mesmos profissionais participaram da divulgação da proposta de trabalho tida pelo Centro. Na cidade de Ubá, além de cartazes e a apresentação por meio da mídia local, o contato direto se deu por encontros nas escolas locais. Fora dos limites da Cidade Carinho, foram feitas visitas aos municípios vizinhos, foco principal do CEU, além de observações técnicas que abrangiam cidades mais distantes. Principalmente no interior do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
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Durante as visitas, os garotos com bom potencial eram agendados para comparecer à primeira seletiva, que ocorreu em outubro de 2010, a maior já promovida pelo clube, contando com a presença de 857 jovens que sonhavam com um futuro no futebol. Este alto número de candidatos é facilmente explicado. Por meio desta peneira, os times foram formados, o que demandou um número maior de participantes. Daí em diante, a quantidade de jovens avaliados caiu gradualmente, já que as avaliações seguintes foram para preencher vagas pontuais – a não ser que aparecesse um talento inegável. Esse monte volta a aumentar apenas depois que o atleta termine o seu ciclo dentro do CEU, passando por todas as categorias e sendo inserido no mercado ou ganhando a negativa que nenhum deles espera receber. Concomitantemente a todo esse trabalho, Próspero Paoli ainda deu mais uma contribuição para que o Ubaense pudesse atingir, com êxito, sua missão de inserir seus jogadores no mercado do futebol. Junto ao presidente Paulo e os responsáveis pela elaboração do projeto, Matheus e José Carlos, ele visitou muitos dos grandes clubes do futebol brasileiro (principalmente no eixo Sul-Sudeste) para apresentar esta nova estrutura no mercado de formação. Cooperação que facilitou a inclusão dos primeiros nomes nas grandes equipes do país – não à toa, o CEU tem, hoje, atletas espalhados por Atlético Mineiro (MG), Botafogo (RJ), Cruzeiro (MG), Internacional (RS), Palmeiras (SP), entre outras equipes, fora as que já tiveram atletas, Coritiba (PR), Flamengo (RJ) e Fluminense (RJ). A pedra fundamental, portanto, já estava fixada. Estrutura, profissionais, apoio, projeto, atletas. Tudo estava à disposição do Centro Esportivo Ubaense para que o sonho pudesse ser levado adiante. Era a vez de nomes
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recém lançados no mercado, de jovens em busca de um objetivo em comum e de um presidente com a vontade de possibilitar às futuras gerações alcançarem lugares maiores de onde ele chegou. Claro, passando por uma outra realidade, uma forma distinta de galgar o seu lugar ao sol, tendo um apoio maior do que aquele que ele tivera.
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rotina de treinos e aprendizados para conquistar um lugar ao sol
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á, treino é jogo e jogo é treino. É tudo para valer. Quem quer ser jogador de futebol tem que suar a camiseta (ou o colete) e absorver tudo aquilo que o “professor” ensina. Absorver e desenvolver. Atenção e dedicação são fundamentais para quem entra
em campo cinco vezes por semana almejando a realização de um sonho. E a idade pede isso. Afinal de contas, são garotos, meninos que vivem o seu momento de aprendizado. Contudo, não se deve esquecer que estes atletas ainda não os são completamente. Ainda são jovens que podem encarar tudo aquilo como uma simples “pelada”, que chegam na cara do goleiro, dão um toquinho para encobrir e, ao invés de correr para a torcida, tiram “sarro” do colega e se vangloriam pelo lindo gol marcado. É dessa forma que o Centro Esportivo Ubaense trabalha, desde a chegada de suas primeiras equipes de formação. A atenção e dedicação dos garotos aos ensinamentos passados são imprescindíveis à quem deseja chegar um dia em um grande clube. Caminhando junto está a disciplina, peça chave para a formação do atleta e também do cidadão. E quem é responsável pela evolução dos garotos tem tal consciência. Portanto, executa um trabalho baseado em tais premissas. Não tem descanso para quem quer brilhar nos gramados do Brasil e até mundo afora. Mas quem disse que eles querem pausa?! A rotina do atleta do Ubaense, independente de classe social ou qualquer outro diferenciador, é basicamente a mesma. Escola, treinos, diversão, aprendizado, todos estes aspectos fazem parte do universo dos postulantes ao estrelato futebolístico. O estudo é exigência fundamental. De segunda à sexta-feira, eles devem não só frequentar a escola, mas ter um bom rendimento escolar. A consciência de que lá é a base para tudo não foge aos responsáveis pelo
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CEU. Formar o atleta é o objetivo principal, e não há quem vá de encontro com tal premissa. Mas da presidência aos atletas, há o consentimento de que formar bons cidadãos também é um papel de importância do clube. - O objetivo principal é a formação de atletas, mas a partir do momento que nós pegamos o candidato para desenvolvimento, acabamos interferindo na vida social dele. Ou seja, no que diz respeito a formação dos estudos, a parte social, ele tem as opções de lazer que nós podemos oferecer, tem alimentação, os aspectos fisiológicos, cognitivos. Então nós englobamos tudo, participando da formação de vida dele. O menino acaba passando mais tempo conosco do que com a família, o que aumenta ainda mais a nossa responsabilidade – explica Wellington Salles, educador físico que trabalhou por mais de dois anos no clube, além de participar do processo de estruturação enquanto ainda era graduando do curso de Educação Física, pela Universidade Federal de Viçosa. Indiretamente, os profissionais acabam por assumir um papel familiar. Ainda no caso dos estudos, uma maneira de incentivar o empenho dentro da sala de aula é repreender os deslizes. E do modo que nenhum garoto acostumado à prática diária do futebol gostaria: ficar sem jogar. Notas ruins valem a ausência nos treinos. Por isso, estes casos acabam sendo raridades. Perder uma semana de treinos, bola rolando, oportunidade de evoluir? Não, muito obrigado! A figura familiar não se restringe a cobrança escolar. Vai além, inclui também preocupação com o dia-a-dia, com o emocional, o psicológico, a vivência dos jovens tanto no clube quanto no seu íntimo. E isso cria aproximações, laços. Emiliano Magalhães Ribeiro ocupa, entre outras funções, o cargo de auxiliar técnico das diversas categorias do Ubaense. Acostumado
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com o mundo do futebol, tendo passado, como jogador, pelas categorias de base do Cruzeiro Esporte Clube e por pequenos times do interior mineiro, além de ter trabalhado como treinador em time homônimo da cidade de Guidoval, ele busca passar o conhecimento adquirido para a meninada. Sabe, também, que deve estar sempre atento ao que os atletas fazem, dentro e fora do projeto. - A gente observa o comportamento deles no cotidiano. Existe uma cobrança dos treinadores, em questões de horário, da postura do garoto. E isso, com certeza, ajuda muito na formação de valores. Pode acontecer do menino fazer alguma coisa de errado durante o dia-a-dia, e isso vai passar para os treinadores – explica o tímido, porém afetivo Emiliano, com muito conhecimento de causa, já que o filho Hugo Sanches percorre o mesmo caminho, sendo atualmente jogador do Cruzeiro (MG). A rotina de Emiliano e dos outros profissionais exige deles a presença em tempo integral no centro de treinamentos. Pela manhã, a ocupação principal é com os assuntos internos, a parte administrativa, obviamente, cada um com seus afazeres. Além disso, faz parte do processo programar junto com os outros treinadores o que será ensinado aos garotos, no dia, na semana ou no mês. O trabalho integrado dos técnicos é de extrema importância para que a aplicação e o ensino ocorram de forma coordenada. Os treinos acontecem na parte da tarde. Durante quatro dias por semana, obrigatoriamente, os atletas se dedicam exaustivamente a aprimorarem seu jogo, a aprenderem e desenvolverem ainda mais aquilo que vem de infância, da prática do futebol de forma lúdica. Com sol ou chuva, calor ou frio, lá estão eles com as chuteiras nos pés. Corre, para a frente e para trás, de um lado para o outro; salta cone, dribla o obstáculo, mantém
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o controle da “redonda”; toca, recebe, finta, cara-a-cara, bola na rede. É o que eles gostam de fazer, e eles não se cansam. Quando terminam, sentam atentos e escutam tudo o que o treinador tem para dizer. Recolhem materiais, vão para os vestiários conversando e brincando uns com os outros. Todos prontos para voltar no dia seguinte e recomeçar tudo novamente. E o fim de semana, tempo sagrado do futebol? Por mais contraditório que pareça, ele não é voltado integralmente para as atividades. No Ubaense, é momento de descanso. Os sábados são exceção, quando os garotos se dividem entre treinamentos e jogos, sejam eles para valer ou não. As partidas costumam ter caráter de amistoso, principalmente em épocas de preparação para competições disputadas pelo CEU, como é costume nos meses de setembro e outubro, quando a equipe sub-13 se prepara para o Circuito Base Forte, promovido pelo Cruzeiro Esporte Clube. Jogos de campeonato, é para valer, e os períodos se transformam numa verdadeira tarde de domingo, tal como partida de Maracanã, de decisão de título. Quando os meninos não estão nas dependências do clube, cumprindo suas atividades práticas, o futebol continua sendo parte do viver deles, seja no videogame ou em brincadeiras com os amigos. No lazer, essa é a atividade preferida de muitos deles. O descanso, tempo com a família e com os amigos também é algo que alguns priorizam. E, claro, mais uma vez, a preocupação com os estudos. Afinal de contas, educação vai além da escola. Enfatizando isso, o Centro Esportivo Ubaense vai atingindo seu objetivo, de conscientizar jovens garotos de que o mundo vai além das quatro linhas, de uma rede balançando, de um encontro que dure 90 minutos.
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Da teoria à prática, os treinamentos no Ubaense - O processo de treinamento aqui no Ubaense é baseado em estudos científicos e nas grandes escolas de formação, não só do Brasil, como também do mundo. E tem toda uma base científica em qualquer coisa, tanto na maturação dos participantes, quanto na parte motora, na psicológica e na tática. Sobre tudo que nós fazemos aqui, existem estudos que pautam este trabalho – relata o jovem Mateus Pinto Lima. Ele tem propriedade para fazer tal afirmação. Não é apenas um dos treinadores que fazem parte do projeto. Natural de Ubá, o jovem de 23 anos teve a oportunidade de acompanhar muito do processo de estruturação do Ubaense durante sua graduação, pela Universidade Federal de Viçosa. Para concluir a formação em Educação Física, estudou a metodologia conduzida pelo Centro e, hoje, se tornou parte dela. Com base na ciência, Mateus e os outros profissionais (os que passaram e os que vivem este sistema) dão seguimento à um trabalho de formação que vai além de dividir dois times e corrigir possíveis erros em um jogo. Ministrar treinos táticos e técnicos, finalizações, ataque contra defesa ou coletivo, tudo isso faz, sim, parte do processo, mas tem nos estudos a razão pela qual são aplicados aos garotos. As teses, dissertações e trabalhos de estudiosos como Alcides José Scaglia, Pablo Juan Greco, Tudor Bompa e até mesmo do já citado Próspero Paoli servem de instrução para que o Centro Esportivo Ubaense consiga atingir o seu objetivo principal: detectar, selecionar, formar e inserir atletas no mercado do futebol, em condições motoras, cognitivas e emocionais, com responsabilidade social. Além do mais, estes e outros nomes são fontes de inspiração para as diretrizes expostas no projeto técnico de for-
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mação que pauta o trabalho lá desenvolvido. Baseado nesses estudos, tomou-se como pilar que as atividades diárias realizadas com os garotos devem contemplar três bases de treinamento. Estes embasamentos serão cruciais para que os treinadores busquem desenvolver as características pretendidas (condições motoras, cognitivas e emocionais) nos futuros jogadores. Eles contemplam as partes tática, técnica e física. No aspecto técnico, o foco é o desenvolvimento das capacidades motoras e coordenativas do atleta. As práticas aplicadas priorizam os movimentos, em um período que os jovens começam a passar por uma fase de evolução corporal. É nesse momento também que são iniciados os trabalhos de fixação e aperfeiçoamento das técnicas ligadas ao futebol. Em relação à parte tática, é nesta etapa que se dá início ao aprimoramento dos processos cognitivos. Os atletas têm contato com exercícios que exigem a compreensão de situações simples de jogo, iniciando a evolução da inteligência do menino para a prática do esporte. Por fim, as estruturas corporais, fisiológicas e psicológicas são focadas nas dimensões físicas, explorando mais uma vez o instante em que jovens atletas começam a sofrer com novas adaptações de seu corpo, com o aumento de força, tamanho e mudanças de hábito. Tudo o que é trabalhado pelo Centro Esportivo Ubaense busca atingir e evoluir os aspectos citados, mas tendo ainda em consideração a idade dos garotos. O respeito à essência deles, de serem apenas adolescentes, deve ser levado em conta no ensinamento. Por isso, não é incomum para quem acompanha o cotidiano da equipe presenciar treinos que se iniciem com uma brincadeira de queimada, ou mesmo um jogo de vôlei com adap-
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Futebol com as mãos? Não, apenas uma brincadeira de queimada, que também faz parte dos treinos. A presença do lúdico é vista como essencial pelo CEU na formação de seus atletas
tações ao universo vivido pelo CEU. Modificações que incluem práticas do futebol nestas modalidades. É a presença do lúdico, essencial para que crianças e adolescentes não sejam tratados apenas como adultos. Assim, aliando a recreação com o futebol, os profissionais chegam a resultados positivos, com os conteúdos sendo transmitidos de maneira mais leve. Além do mais, esta é uma forma na qual o jovem pode expressar todo o conteúdo adquirido antes de chegar aos campos de Ubá. - A modalidade esportiva coletiva é priorizada pelo trabalho coletivo, pela capacidade de comunicação, de conviver com pessoas que tem criação totalmente diferente da dela. Nós separamos sempre uma sessão
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de treino na qual damos liberdade para o atleta brincar. Assim, ele pode expressar toda aquela bagagem motora que tem, o conhecimento que ele tem com as coisas. O menino pode, então, criar regras para o jogo, trabalhar em conjunto para criar aquilo, usar a criatividade. É um estimulo ao desenvolvimento da criança mesmo, tudo que nós pudermos estimular com relação ao desenvolvimento de forma positiva, nós vamos fazer – salienta Wellington Sales, explicitando a importância das práticas alternativas dentro do trabalho do CEU. Diante destas perspectivas, os treinadores desenvolvem todos os conteúdos que serão trabalhados, respeitando os mesos, micros e macrociclos propostos. Em campo, o que pode ser visto é aplicação e dedicação de ambos os lados: dos treinadores e também dos garotos. Os primeiros se responsabilizam por planejarem atividades voltadas para a formação integral dos atletas. São propostos exercícios em campo reduzido, visando aumentar a participação individual de cada um; situações reais de jogo, que familiarizam e aumentam a vivência deles com o mundo que os espera (e que eles esperam); interrupções pontuais, para que seja possível corrigir, explicar e conduzir o jogador ao acerto. Da parte dos jovens há uma entrega inigualável, que mais parece final de Copa do Mundo. É goleiro que comanda a área como se fosse um gigante, ao melhor estilo Taffarel; é o cobrador de falta que ensaia, joga uma, duas, vinte vezes a bola no ataque para atingir o seu máximo potencial; é a vibração (exposta em cada vitória da defesa, em cada jogada que deu certo) a vontade de fazer certo, a atenção sobrepondo a decepção com o erro. Novamente, há de se lembrar que são pequenos em busca de um sonho, e que retirar o máximo da pressão, por mais puxado que sejam os treinos, é primordial. E aí, a
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experiência de quem vivenciou o futebol é gol a favor. - A gente que tem experiência com o futebol, tem dia que conversamos muito com eles, deixando-os bem tranquilos. Promovemos algumas brincadeiras antes dos treinos, para dar uma relaxada. Conversamos e brincamos. A gente deixa eles bem à vontade para não ficar aquela rotina maçante do dia-a-dia – explica Emiliano, com um sorriso no rosto, que deixa claro o apreço que tem por cada um que por ali passa. Trabalho bem feito é trabalho reconhecido O fruto de todo este trabalho desenvolvido pelo Centro Esportivo Ubaense vai além de resultados ou metas atingidas. Ele se dá, também, pelo reconhecimento ao desenvolvimento de uma concepção que muito se discute no atual momento do futebol brasileiro, pós Copa do Mundo de 2014. Quando o tema trabalho das categorias de base passou a ser assunto obrigatório, seja transcrito nas páginas de uma revista, no olhar opinativo de uma coluna de jornal, na reportagem de um programa de televisão ou, até mesmo, nas famosas “discussões de boteco”. Um sentimento aflora em quem conhece muito do futebol e também acompanha de perto a proposta do clube de Ubá: de que o que é feito no CEU segue um caminho certo. - Eu acredito que o Ubaense pode ser visto como um modelo sim. Acredito que muitas das coisas, das ideias que foram implantadas no projeto, são ideias que hoje, depois dos 7 a 1 que o Brasil sofreu contra a Alemanha (na semifinal da Copa do Mundo de 2014), os especialistas estão discutindo. É aquilo que em Ubá já se faz, desde o início. Apresentando um modelo de jogo, projeto técnico de formação, os treinamentos, planejamento dos treinos baseados em cima de conteúdo, das fases do modelo
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de jogo, em cima dos princípios de jogo - opina Próspero Paoli. Para quem já está inserido no mercado do futebol brasileiro, o Ubaense é visto além de uma referência. Para Matheus Ornelas, gerente de captação do Cruzeiro Esporte Clube, a agremiação da Zona da Mata mineira é um modelo de formação dos jogadores do futebol. E esse fator o transforma em importante aliado dos grandes clubes, já que as crianças têm um desenvolvimento ainda melhor quando passam pelo CEU, se preparando para chegarem quase prontas ao mundo da bola. - São poucos locais que tem um projeto igual ao que nós fizemos no Ubaense, que é um projeto que contém os objetivos, os conteúdos a serem trabalhados por categoria, as metas. São poucos os locais. Eu acredito que o Centro já é uma referência. Acredito sim, porque muitas pessoas buscam lá primeiro antes de enviar o garoto para os clubes. Elas sabem que os atletas muitas vezes, antes de entrar em uma grande equipe, carecem de algumas condições técnicas, táticas e físicas, que ainda não estão no caminho pronto para serem direcionadas ao mercado. E estas pessoas acabam identificando no Ubaense um local ideal para seguir a preparação desses jogadores antes de enviá-los para os grandes clubes. Então, não tenha dúvidas, eu vejo o projeto como uma referência – afirma Matheus, que é responsável pela captação em um dos clubes de excelência em relação às categorias de base, e que possui um relacionamento estreito com o Centro Esportivo Ubaense. E não é apenas dentro das quatro linhas do campo que a proposta do CEU é merecedora de elogios. Antes de atingir as metas traçadas, há um outro caminho a ser trilhado. Um percurso que muitas vezes é ignorado por quem realiza trabalhos da mesma natureza que o Ubaense. Não basta ensinar e desenvolver possíveis craques, revelar um futuro Messi, Kaká ou
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Hernane. Há uma preocupação extra em preparar futuros cidadãos para a vida. Ensinar os fundamentos, posicionamento, tática, futebol, tudo isso não é mero detalhe. Não são práticas isoladas. A percepção do papel do garoto, do homem de amanhã, para a família, para o país, para a sociedade não só serve de instrução, para que eles não venham se tornar atletas deslumbrados, mas sim seres conscientes do que a vida pode lhes oferecer. Trabalho reconhecido dentro e fora do CEU, conforme pôde ser constatado durante a realização deste trabalho. - Eu acho que o Ubaense tem que fazer o social, porque a nossa responsabilidade é muito grande, com aquilo que falamos e fazemos. As duas coisas têm que caminhar juntas. Se o CEU realmente estiver prestando esse serviço, de formar cidadãos primeiro e depois apostando no atleta, eu acredito que ele vá dar uma grande contribuição para a sociedade, haja vista que nós temos hoje um grande problema: Ubá, Viçosa e qualquer outra cidade da região são muito parecidos no que tange a violência. O jovem acaba imerso nesse mundo. Então, pensando nessa recuperação do jovem é que eu aposto que se o Centro Esportivo Ubaense estiver trilhando esse caminho, pode ser uma grande saída – opina o jornalista Carlos Roberto Sodré. Ele acredita que o papel social admitido pelo Ubaense na cidade de Ubá, e que acaba se estendendo para a região, vem sendo de suma importância na vida de garotos que podem vir a ser parte do futuro futebol brasileiro.
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No CEU, futebol vai alĂŠm do resultado
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futebol é assim, em campo são 11 contra 11, batalhando e se digladiando pelo gol. A bola na rede é o momento principal, que levanta multidões e mexe com a emoção das torcidas. Mas tudo que vemos dentro das quatro linhas é apenas fru-
to de algo muito maior, mais complexo: o resultado. Indo mais a fundo, é a vitória que interessa. Ela é a força motriz do meio futebolístico. Ao vencedor, os três pontos, a sobreposição, o título. É pelo triunfo que se separam os grandes dos pequenos, os melhores dos piores, por uma fase ou em um contexto histórico. Oposta a vitória, está a derrota. É claro, a máxima do esporte é que um terá que ganhar e o outro, que perder, se não em um jogo, ao longo de um campeonato. A ausência do resultado traz consequências. A cobrança é maior, mudam-se treinadores, jogadores e, por vezes, até o presidente. O revés traz a inferioridade, a queda. Em um contexto em que o futebol significa dinheiro, investimento, nem podemos imaginar as cifras que a ausência da vitória pode custar. Mas será que essa perseguição desenfreada pelo placar favorável é a única coisa que interessa no esporte? Para os dirigentes do Centro Esportivo Ubaense, o resultado não é a meta, o objetivo principal. Pelo contrário, é consequência. Placares favoráveis, títulos e as primeiras colocações são mecanismos que apenas indicam sucesso naquele que é o objetivo maior almejado pelo clube. Para se atingir uma formação de qualidade, é preciso ser eficaz no desenvolvimento de jovens jogadores, ainda diamantes brutos, em garotos de qualidade que irão ingressar no mercado do futebol inicialmente lapidados por este processo. - O resultado principal que nós alcançamos é a quantidade de atletas
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que já estão inseridos no mercado. Em todos os grandes clubes do Brasil, você pega clubes como o Coritiba (PR), o Cruzeiro (MG), o Atlético Mineiro (MG), o Palmeiras (SP), tem algum atleta do CEU no elenco. Existem os resultados secundários também, que são as competições que nós já conquistamos. Mas aqui falamos que a competição não é fim, ela é um meio. Nós nos utilizamos das competições como aprendizado para o garoto. Mas resultado principal, sem dúvida, é a inserção de muitos deles no mercado – declara Mateus Lima, atual treinador da equipe sub-13, última categoria existente dentro do processo de formação do Centro Esportivo Ubaense, o limite para os garotos que pretendem se inserir no futebol (excetuando os de 14 anos que, como já mencionado, integram o chamado Grupo Especial). Mercado aberto para a cidade de Ubá Ao longo dos quatro anos de trabalhos realizados pelo Centro Esportivo Ubaense, mais de 30 atletas já foram inseridos nos principais clubes do país. Essas inserções significam sonhos que começaram a se tornar realidade, graças a um trabalho desenvolvido de forma correta e gradativa, respeitando as especificidades de cada um. O que atletas como Gabriel Lopes, Yago Oliveira, João Vitor Moura, Marcos Santana e outros jovens que tiveram o futebol como meta um dia se concretizou. Pelo esforço deles, que treinaram com dedicação e vontade até conquistarem a primeira vitória, mas também pelo trabalho desenvolvido no projeto Ubaense. Se um dia eles não imaginaram vestir a camisa de um Cruzeiro (MG), um Internacional (RS), ou um Palmeiras (SP), hoje eles o fazem com orgulho. Estes são alguns dos grandes clubes brasileiros nos quais se encon-
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tram atletas oriundos da equipe de Ubá. Junto a eles, o América Mineiro (MG), o Atlético Mineiro (MG), o Fluminense (RJ), a Ponte Preta (SP), são times que apostaram no trabalho encabeçado por Paulo Paschoalino e também contam com jogadores do CEU. Até mesmo o modesto Red Bull Brasil (SP), clube recém promovido à elite do futebol paulista, já contou com uma das revelações do Centro. A visibilidade que estas equipes possuem no cenário futebolístico brasileiro serve para dar um respaldo ainda maior às atividades executadas pelo Ubaense. A credibilidade dada à proposta do Centro Esportivo
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Visão de futuro: não só os treinadores do Ubaense, mas também profissionais de grandes clubes enxergam nesses atletas características para se tornarem bons jogadores
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aumenta ainda mais com a visão que os profissionais que trabalham nestes grandes clubes detêm sobre os jovens oriundos da Cidade Carinho. - O Paulo, por meio do Centro Esportivo Ubaense, faz um trabalho de excelência. Eles possuem uma estrutura muito boa. Nele foi montado um suporte para captação e formação de jogadores. O CEU se cercou de pessoas competentes nesse processo, nessa didática de trabalhar. Lá é desenvolvido um trabalho muito bom, tanto que eles colocaram atletas nos grandes clubes do país – destaca o dirigente do Atlético Mineiro (MG), André Figueiredo, que desempenha a função de Gerente Geral do Departamento de Base do Alvinegro de Belo Horizonte. Na visão do dirigente atleticano e de outros profissionais de grandes clubes do Brasil, não apenas a metodologia aplicada pelos profissionais e a infraestrutura de excelência chamam a atenção. Os atletas que saem do Ubaense e chegam em um destes clubes chamam a atenção por certos aspectos. A principal característica apontada, sem dúvidas, é a inteligência para jogar, fruto de um trabalho que privilegia não só os fundamentos, mas também um modelo de jogo, sistematizado em cima de um padrão. - Sem dúvida, o que nós notamos em um atleta vindo do CEU é a capacidade técnica muito elevada. Além disso, eles são jogadores que, apesar da pouca idade, já tem conceitos bem claros de jogo, compreendem bem o futebol em sua pluralidade – analisa Ramon Cardoso Lima, supervisor de captação e treinador nas categorias de base da Associação Atlético Ponte Preta, e que fez parte de uma das primeiras levas de profissionais a integrar a comissão do Centro Esportivo Ubaense. Mesmo nos clubes que não contam com garotos do time de Ubá, existe um sentimento de que o Centro é responsável por formar atletas que
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podem se tornar jogadores de alto nível. O que aumenta o desejo de poder contar, em breve, com uma das promessas formadas na Zona da Mata de Minas Gerais. - Quando avaliamos um atleta do Ubaense, o que desperta a nossa atenção é a capacidade técnica, coordenativa e o entendimento de jogo aprimorado que estes meninos possuem. Nós do Coritiba (PR) temos um relacionamento estreito com o projeto, apesar de não termos no momento nenhum atleta do CEU em nossos elencos. Mas, esperamos em breve ter jogadores oriundos de lá, pois são jovens que qualificam muito os grupos – afirma Murilo Balbino, outro profissional com passagem pela equipe de Ubá, e que hoje é observador técnico do Coritiba Foot Ball Club. Certamente, todo o processo de formação conduzido nos campos e instalações do Ubaense são primordiais para que a agremiação seja bem vista pelos grandes nomes e clubes do país. Ele é considerado tão importante quanto os resultados, para que estes garotos se desenvolvam a ponto de se transformarem em parâmetro na visão de dirigentes importantes do cenário nacional. Como é frisado pelos treinadores do time de Ubá, as competições acabam sendo um meio, uma forma de colocar em prática o aprendizado. Não há a pressão pelo resultado imediato, pelas conquistas, para agradar a torcida. Sem isso, é possível que os treinos priorizem a filosofia de jogo, o aprendizado constante e a evolução das técnicas, táticas e da inteligência do jogador. Claro, sem deixar de levar em consideração o aspecto físico, também. - Não tendo essa pressão por resultados, o imediatismo pelo placar favorável (até mesmo a instabilidade que acaba sendo uma consequência dessa pressão), os profissionais lá podem desenvolver o trabalho e, princi-
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palmente, focar em cima dos conteúdos. A categoria de formação de base deveria priorizar a essência, trabalhar em cima dos conceitos. A categoria de base e a categoria profissional, hoje, já trabalham em cima de resultados, é a competição que acaba regulando isso aí. Agora, a categoria de formação não, o que tem que regular aí são os conteúdos. E, nisso tudo aí, está a importância do modelo de jogo – explica Próspero Paoli, que tem como grande exemplo de trabalho de formação as famosas canteras do Barcelona (ESP), a categoria de base do clube catalão, conhecidas por comandar um trabalho de excelência desde as camadas mais jovens até o time principal, seguindo uma mesma proposta de jogo. Paoli complementa: - A equipe do Barcelona, do profissional até a categoria sub-7, joga no mesmo modelo de jogo. É uma proposta idêntica, que o sub-7 joga, o sub-11, o sub-15, e o profissional do clube joga. É o modelo de jogo. Lá foi tranquilo de implantar essa metodologia, por quê? Continuidade do trabalho do treinador, da equipe de cima, esse modelo de jogo é concebido pelo clube. Dessa maneira, fica fácil. Trabalho mostrado em campo reflete na inserção também de profissionais Ainda que a essência do trabalho não se resuma apenas aos resultados, eles acabam vindo. É o fruto do que é aplicado diariamente por treinadores e atletas. Em esfera regional, estadual, nacional, o Ubaense foi capaz de chegar aos títulos e boas colocações em quatro anos de existência. Nas competições mais próximas, a superioridade do CEU é imensa, com conquistas de títulos em torneios organizados nas cidades próximas,
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como Cataguases, Muriaé e Tocantins. Essa superioridade regional se explica pelo poder de realizar uma boa captação, extraindo os grandes talentos das cidades mais próximas e levando-os a vestir a camisa do time de Ubá. Assim, concorrer com a agremiação se torna tarefa ingrata. Em âmbito nacional, o Espírito Santo é o estado que oferece competições que agradam aos responsáveis por planejar a gestão do Ubaense. Além da chance de colocar em prática o projeto de formação, são torneios que oportunizam a observação de jovens revelações e o contato com a base de outras grandes equipes brasileiras. As Copas Guri e Gazetinha são exemplos de desafios em que o Centro se fez presente e obteve boas participações. Um título, um segundo lugar conquistado ou mesmo eliminações nas fases finais, estas colocações fazem parte do rol de bons momentos obtidos pela equipe. Mas, sem sombra de dúvidas, uma das competições que mais agrada e agrega para o CEU é o Circuito Base Forte, promovido pelo Cruzeiro (MG). Por esse torneio, o time celeste de Belo Horizonte tem a oportunidade de observar jovens talentos de todo o Brasil. E o Ubaense é presença garantida, creditada por boas participações, inclusive com títulos nas edições de 2011 e 2012. O time belo-horizontino, aliás, é o que possui mais atletas advindos de Ubá. São sete jovens que possuem alguma ligação com o projeto, incluindo o profissional Alisson, além de quatro outros em processo de monitoramento. - Normalmente os garotos de Ubá vem aqui no Circuito Base Forte, e nós costumamos marcar de um a dois amistosos por ano. Como eles trocam muito os atletas, então nós queremos vê-los mais vezes. Os jogadores do CEU têm uma capacidade técnica melhor, porque eles fazem a seleção
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Ubaense vem à campo! Jogadores se preparam para confronto no Circuito Base Forte, organizado na Toca da Raposa
da região. Então, teoricamente, eles mandam os melhores da região da Zona da Mata pra gente. Além do trabalho que é feito, a chance de acerto é muito grande, porque poucas pessoas fazem isso – explica o Gerente de Captação do Cruzeiro (MG), Matheus Ornelas. O Ubaense também sedia a sua própria competição, utilizando-a como momento de testar os seus jogadores e apresentá-los aos observadores dos clubes brasileiros. A Copa CEU é tradicionalmente disputada na metade do ano e conta com a participação de clubes de expressão do país. Oportunidade para que eles venham até a cidade de Ubá e possam conhecer de perto os detalhes do trabalho que é realizado pelo Centro. Além, é claro, de colocarem seus talentos à prova e lutar por mais uma taça.
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Nos torneios disputados pelo Ubaense, chama a atenção ainda o desempenho apresentado pelos atletas diante de equipes de renome do futebol brasileiro, como Atlético Mineiro (MG), Bahia (BA), Cruzeiro (MG) e Flamengo (RJ). Todas estas equipes já ficaram frente a frente aos garotos do CEU. A tendência de resultados favoráveis aos grandes, por razões óbvias de uma captação maior, infraestrutura de grandeza e, até mesmo, a pressão da camisa é grande. Porém, o Centro prova que tamanho pode não ser documento e, mesmo quando derrotado, vende caro estes desafios. - Costumam ser sempre jogos dificílimos, ainda mais nas categorias que não são tão vivenciadas com isso. Normalmente no primeiro jogo eles sentem mais. Categoria mais nova é assim. Sempre que nós vamos jogar, tem essa pressão de ‘a gente vai jogar contra o Flamengo, a gente vai jogar contra o Atlético (MG).’ Isso influencia os meninos. Mas quando passa essa etapa, os jogos já começam a ficar mais difíceis. Um dos últimos que nós tivemos aqui, foi contra o Atlético. Foram dois jogos muito bons. O primeiro, com a categoria sub-12, que estava com o Léo (Leonardo Cherede, profissional com passagem pelo clube), na etapa inicial, os meninos sentiram muito, depois já melhorou. Já com a categoria mais velha, foi pau a pau o jogo inteiro. Normalmente são partidas muito parelhas. O que prova, também, o trabalho realizado aqui no CEU é que quase sempre tem garotos nesses amistosos que despertam o interesse dos grandes clubes – explica Mateus Lima, responsável por treinar a categoria sub-13 e que recentemente disputou o VI Circuito Base Forte (outubro de 2014), sendo eliminado na fase de quartas de final. Se o trabalho com resultados não é o essencial para os garotos, ele se torna um dos meios de promoção dos profissionais que trabalham no
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Centro Esportivo Ubaense. As realizações alcançadas por eles, sejam com as conquistas ou com o simples ensinamento passado aos atletas, rendem também a ascensão na carreira. Pelo que foi apurado neste trabalho, isso é fruto do relacionamento estreito obtido pelo CEU e os grandes clubes, ao longo de quatro anos. Além disso, também pesa a competência demonstrada por eles ao longo dos anos de graduação e do período de tempo em que exerceram suas funções na cidade de Ubá. - Daquela equipe que começou o trabalho lá em 2010, todos saíram. Apenas dois (o Renan e o Cleitinho) acabaram deixando o mundo do futebol. Todos os demais estão no mercado hoje. Diante disso, o Ubaense acaba sendo como campo de pesquisa para a área e como um campo de estágio para nós, de inserção dos nossos alunos no mercado de trabalho. Trata-se de uma escola de muita importância – afirma Paoli, reforçando a magnitude da presença do projeto ubaense localizado em um município próximo à Universidade Federal de Viçosa.
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Os obstáculos rumo à vitória
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o futebol brasileiro, até mesmo os grandes clubes se acostumaram a conviver com os problemas. Ou, ao menos, aceitaram que eles existem quando se é responsável por gerir algo da magnitude que possui uma equipe inserida nesse
cenário. Falta de água, de luz, endividamento com atletas e funcionários, pressão da torcida, demissões e contratações. Cobrança. Situações adversas para gestões que angariam milhões de reais em renda, das mais diversas formas. Entre elas, cotas de televisão, patrocinadores, bilheteria, empréstimos, etc. Mesmo aquelas agremiações ditas menores não têm vida fácil. Se não convivem com o aperto por parte do torcedor, elas sobrevivem de investimentos menores. Apesar de contarem com uma infraestrutura supostamente inferior, pecam por não conseguirem montar grandes elencos. Como já falado neste trabalho, o resultado é que regula o sucesso no futebol, melhorando até mesmo a saúde financeira de equipes. Contraditório, mas é a situação vivida pelos pequenos: menor quantidade de recursos, resultados intermediários, estagnação financeira e de status, isto quando não se depara com a queda como a consequência. O Centro Esportivo Ubaense, mesmo que não vivencie o cotidiano do profissionalismo, também passa por suas dificuldades para contornar as adversidades que surgem. Ainda que seja um projeto recente, voltado exclusivamente para formar atletas (e não com a obrigatoriedade de competir em alto nível), sofre das dificuldades inerentes a qualquer iniciativa que ambicione crescer no meio e galgar posições de sucesso. Gerir desde os aspectos administrativos aos técnicos, se inserir entre o público a que se pretende atingir, ser lembrado e conquistar mercado, estas são metas que devem ser
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alcançadas para impulsionar e fazer crescer toda a estrutura planejada. - Nós temos um desafio de sempre encontrar o nosso produto, que são os atletas. E nós fazemos isso por meio de seletivas, viagens e observações técnicas. Também precisamos estreitar nossas parcerias e mantê-las. Manter os treinos, a qualidade destas atividades, manter uma equipe qualificada. E tudo isso para dar condições para que o atleta possa trabalhar em um bom nível a fim de ser inserido no mercado. E aí, nós temos a obrigação de encontrar um clube no qual esse atleta se encaixe, que o perfil dele se assemelhe. Para tudo isso, é fundamental que nós sempre mantenhamos uma boa rede de relacionamentos – destaca Leôncio Pacheco, gerente administrativo do Ubaense. Parcialmente, este caminho já vem sendo traçado e atingido com êxito. Como foi apresentado no decorrer deste livro, a representatividade que o Ubaense já conquistou entre equipes renomadas do país expressa a dedicação dos que estão envolvidos no projeto para driblar as barreiras que surgem. Obstáculos que são como rivais dos pequenos garotos do CEU, que devem ser driblados e vencidos para se chegar ao caminho da vitória. Gestão administrativa: trabalho muito além da presidência A rotina de Paulo Paschoalino, o presidente do Centro Esportivo Ubaense, não deve ser das mais fáceis. Algo que contraria a imagem passada ao observar o homem sentado por trás de sua cadeira, em uma belíssima sala na sede da Paropas. Se hoje ele tem condições de desfrutar de uma vida luxuosa, deve-se muito ao seu esforço e também ao crescimento do empreendimento moveleiro. O caminho do Ubaense acaba se ligando ao da empresa. E administrar
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estas duas empreitadas, sozinho, consome tempo. Por um lado, dedicação à indústria moveleira, que necessita de alguém que comande as distribuições e vendas, a logística de operação da empresa, acerto de contratos. Oposto, no meio esportivo, estão as tarefas de estabelecer contatos diários com empresário que oferecem seus talentos brutos, decidir o futuro de adolescentes, comunicação constante com clubes, verificar se os garotos que um dia foram do CEU se encontram em boa posição no mundo do futebol. Seria muito querer obter sucesso nas duas frentes sem nenhum auxílio. Por isso, era necessário apoio em um dos lados, e Paulo soube direcionar um caminho ao Centro. - Logo no início, eu tive um certo trabalho nessa questão. Mas hoje não, consegui me reunir com o próprio Próspero (dentro daquilo que ele pode nos atender), com o Leôncio e o Emiliano, que também nos dão um grande apoio com o conhecimento que ele tem desse universo do futebol. Agora, esse menino, o Leôncio, caiu do céu. Essa é a verdade. É uma pessoa de minha inteira confiança, e lá no Ubaense ele não é um braço pra mim não, ele na verdade é tudo ali – admite Paulo, certificando a importância de contar com alguém que assuma os encargos em seu nome. Os elogios à Leôncio Pacheco são justificáveis. Além de assumir as funções de treinador em diferentes categorias do Centro, ele é responsável por monitorar os atletas que são inseridos nos grandes clubes. Sua trajetória se ligou à do Ubaense quando ele ainda tentava transformar um sonho em realidade. Jogando nas categorias de base do América Mineiro (MG), conheceu Paulo Paschoalino, mas sem estabelecer vínculos. Depois, ao se desligar do clube de Belo Horizonte, voltou para Ubá e logo foi convidado pelo presidente para assumir um cargo no CEU. A princípio, houve uma
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Leôncio observa o desempenho do time. Treinador, gerente administrativo e apaixonado pelo esporte, no Ubaense ele joga em todas as posições
negativa. Mas, pelas palavras do próprio treinador, “a paixão pelo futebol falou mais alto”, fazendo com que ele voltasse atrás e ingressasse no projeto no ano de 2011. No início, o trabalho de gerenciar a esfera administrativa do clube foi dividido com José Cantelli, funcionário de confiança de Paulo, mas que também racionava as atenções com a Paropas. Este ficava responsável pela parte mais estrutural, enquanto Leôncio ficava com os encargos burocráticos. À medida em que o novo profissional ia se consolidando na função, as responsabilidades aumentavam. Com elas, a presença dentro do Ubaense se tornava mais constante. Seu horário dentro do CT coincide com o fun-
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cionamento do mesmo: entra às oito horas da manhã para sair às seis da tarde. Mas a dedicação ao clube, relata Leôncio, é em tempo integral. - Meu dia começa às sete horas da manhã e termina às dez e meia da noite. Eu não posso desligar o meu telefone. Os meninos que estão no clube, aqueles que querem vir para cá, os parceiros, as mães de atletas, todos eles me ligam. E até mesmo para controlar a manutenção da estrutura física, eu preciso me fazer presente todo esse tempo. Então, meu dia acaba sendo muito corrido, é muito dinâmico – admite o profissional, pouco tempo após atender a ligação de um parceiro e conversar com um pai de atleta, tudo isso no decorrer de uma partida. No Centro Esportivo Ubaense, Leôncio assume as “dores de cabeça” inerentes a quem se responsabiliza por ser o cérebro gestor de uma grande empresa. Delega funções, se pendura ao telefone, lê e assina, esbraveja se algo foge ao controle. Mas convive com a sensação de que seu trabalho, somado ao de todos os outros funcionários, é vital para o andamento do projeto. Tem o aval de Paulo em suas decisões, e escuta com a atenção de um novato quando o responsável por todo esse processo acredita que outras soluções poderiam ser tomadas. E dessa forma, Paschoalino encontrou a oportunidade necessária de conciliar melhor a presidência das duas frentes, sem gerar prejuízos a um dos lados. - Muitas das vezes eu era muito ativo dentro do clube, hoje eu chego a passar 15 dias sem ir ao Ubaense. Eu recebo os relatórios do Leôncio, e confio neste trabalho que está sendo feito por ele e pelos outros profissionais que lá estão. Eles me posicionam em relação a tudo que acontece lá. Hoje eu posso dizer que não tenho praticamente trabalho nenhum com o Centro Esportivo Ubaense – conta Paschoalino.
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Injusto é dizer que as funções administrativas ficam restritas apenas a Leôncio, Cantelli ou Paulo. Quem começa a trabalhar no CEU sabe que, além de entrar em campo para comandar os treinamentos, terá que participar de alguma forma da gestão da agremiação fora dos gramados. Por exemplo, o auxiliar técnico Emiliano Ribeiro. No dia-a-dia, ele apoia todas as categorias, comandando atividades juntamente com os técnicos. Mas não deixa de lado a função que lhe cabe, que é de gerenciar a captação de jogadores. Definir datas para seleção, agendar viagens com o intuito de observar novos atletas e participar da escolha destes, todas são funções dele dentro do Ubaense. Tarefas que são cumpridas na parte da manhã, quando toda a equipe técnica do Centro se reúne e divide os encargos, pensando sempre no bom andamento das atividades, sem trazer prejuízos nos aspectos dentro e fora de campo. Assim, o projeto vai se mostrando uma jogada de sucesso, sem acumular problemas estruturais, indo contra os insucessos que podem ser verificados no futebol brasileiro. Uma das tarefas inerentes ao processo de gestão do clube é a captação de recursos, essencial para a continuidade desta realização. Como um trabalho desenvolvido a longo prazo, no qual os atletas só se tornarão rentáveis a partir da assinatura de seus primeiros contratos, algo que tende a acontecer quando eles chegam aos 17 anos, é preciso que o Ubaense tenha finanças destinadas para a manutenção de sua estrutura. Quando Paschoalino deu vazão ao sonho, tudo isso foi levado em conta, e é por esse motivo que o clube vem se mantendo ainda sem os retornos esperados. A questão financeira se fez presente antes mesmo de se imaginar o local pronto. Como construir campos, arquibancada, vestiários e setor administrativo sem verba? Como deixar todas essas instalações em níveis que
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permitissem aos jovens ter a oportunidade de trabalhar em boas condições para subir degraus no mundo do futebol? Paulo pensou nisso. Sem contar com nenhum investidor, fez de si próprio o investidor, além do idealizador. Fácil para quem tem uma empresa consolidada no cenário regional. Mas ele buscou resolver tudo sem afetar o patrimônio da Paropas, ao menos de forma direta. E assim acontece até os dias de hoje. - A manutenção da estrutura do clube, por enquanto, vem do meu salário. A verdade é essa. Eu nunca sacrifiquei a empresa, sempre fiz isso com recursos próprios. E hoje eu mantenho aquilo lá com o meu salário. Eu retiro parte dele para dar seguimento ao trabalho que nós realizamos – afirma o empresário, não sem antes mostrar que o Ubaense também sofre uma influência dos fatores econômicos diários. - Infelizmente eu tive que reduzir o custo lá também, de pessoas, e equipes. Hoje, inclusive na empresa (Paropas), que está há 35 anos no mercado, nós passamos por uma contenção, o mercado hoje está muito arrochado – explica. A consequência deste momento de instabilidade financeira se mostrou nas reduções sofridas pelo Centro Esportivo Ubaense. O corpo profissional, excluindo os funcionários encarregados de tarefas não ligadas diretamente ao futebol, que chegou a contar com 11 pessoas no início de suas atividades, caiu para um número de aproximadamente cinco. Um outro efeito que pôde ser notado foi na diminuição de equipes. Quando começou a operar na área futebolística, o CEU teve times sub-17 e sub-15 que até mesmo chegaram a disputar o Campeonato Mineiro das categorias. Os altos custos, porém, inviabilizaram a manutenção de outros plantéis. Fator que, de certa forma, foi positivo para o Centro, fazendo com que ele focasse
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o trabalho no seu objetivo principal, o de formar e inserir jovens atletas no mercado, em condições motoras, cognitivas e emocionais. - Os clubes de futebol estão se desenvolvendo e aperfeiçoando o processo de captação. Isso os leva a encontrar o talento já nos primeiros anos da adolescência, quando o atleta, geralmente, ainda não tem vínculo com empresários ou clubes formadores. Esse fator facilita a negociação para os grandes clubes. Percebendo isso, eu acredito que o Ubaense chegou à conclusão que o percentual de atletas inseridos no mercado acima dos 15 anos era muito baixo. Investir no trabalho com os jovens de até 14 anos passou a ser mais interessante, pois são eles que os clubes procuram – opina Wellington Sales, profissional com passagem pelo CEU. Para amenizar o peso dos custos no bolso do chefe e conquistar novas fontes de renda enquanto o aguardado retorno não vem, o Ubaense buscou meios alternativos de fazer a economia interna girar. Uma destas possibilidades se beneficiou daquilo que eles têm de melhor para ensinar, o futebol. No turno da manhã, foi criada uma escolinha que atende crianças a partir dos seis anos. Ela mescla um modelo parecido com as escolinhas de futebol tradicionais, presentes em qualquer cidade interiorana, com a metodologia concebida para servir de guia no processo de formação das equipes que o clube mantém. Funcionam duas vezes por semana, e os garotos pagam uma taxa mensal que auxilia na cobertura dos custos do empreendimento, principalmente em relação à manutenção de instalações e materiais. Outra maneira encontrada pela administração para catalisar recursos é o aluguel do espaço físico para eventos. Festas de formatura, churrascos, confraternizações das mais diversas. Até mesmo a “peladinha” do final de
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semana da comunidade tem o seu lugar. Fruto de uma grandiosa estrutura que pode, sim, gerar receitas. Os campos de society ficam disponíveis para o aluguel. Anexo à eles, um espaço com bar é uma pedida para turmas de amigos que gostam não só da “boleiragem” como de curtir a “resenha” após o futebol. O salão de festas, porém, é o mais procurado para grandes celebrações, sendo considerada a alternativa mais rentável para que o clube fortaleça o seu caixa enquanto espera os primeiros prodígios do projeto vingarem nos gramados do Brasil afora. Alojamento: problema que trouxe benefícios para a cidade de Ubá Imagine a sensação pela qual passa um garoto de 11 anos, que sai do interior do seu estado, enfrenta e vence a tradicional peneirada e, assim, conquista uma disputada vaga em um clube de futebol do Brasil. Felicidade. Sentimento este que pode ir embora com a simples notícia de que o futuro pode estar ameaçado caso os pais não tenham condições de se mudarem para a cidade sede da equipe na qual foi aprovada. Frustração. Essa é uma realidade aparentemente fictícia, mas que pode ocorrer hoje, amanhã ou depois. Pode ser em um Corinthians (SP), um América Mineiro (MG), ou simplesmente no Centro Esportivo Ubaense. Pois a regra é clara. O Ministério Público proíbe aos clubes o alojamento de adolescentes com menos de 14 anos. Entre os argumentos utilizados, estão “a ausência do convívio familiar como prejudicial ao garoto e a existência de instalações em condições insalubres e inadequadas para recebê-los”, Lei Federal, cujo não cumprimento pode acarretar em sanções pesadas aos que tentam burlá-la. Tal determinação foi de encontro às expectativas do CEU quando a
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aprovação de jogadores apenas da região deixou de ser uma máxima para a agremiação. Eles ainda são minoria no clube, porém, pouco mais de 10% do quadro de atletas atual é nascido em cidades distantes mais de 100 quilômetros de Ubá. A solução natural, os alojamentos, estava prevista por Paulo Paschoalino quando o presidente colocou o seu sonho no papel e, posteriormente, nas obras. Mas lei é lei, e o mandatário não teve dúvidas. - Nós temos esta dificuldade, mas não há outra maneira. Nós não podemos alojar os garotos por eles serem menores, é uma questão de Ministério Público. Nos resta acatar – sintetiza Paulo. Fim da linha para uma criança que tem por meta os gramados do futebol? Hora de acordar de um sonho, cair na realidade e buscar um novo caminho para a vida, ou mesmo novas alternativas no futebol? Esse poderia ser o enredo de muitas das histórias que passam por esse percalço. Mas no Ubaense, muitos garotos tiveram a oportunidade de continuar sonhando e viver tal verdade. Duas vias de acesso, duas maneiras de continuar trilhando um caminho rumo ao antes ilusório mercado do futebol. Aos pais que tem a possibilidade, começar uma nova vida na Cidade Carinho. Aos filhos que não tiveram tal sorte, uma nova família que não abre mão de cobrar dos novos pupilos. Esta segunda alternativa, apesar de mais incomum, possibilitou que muitos jovens não fossem obrigados a desistir de batalhar para ser jogador de futebol. Algumas famílias do município, solidárias às crianças, ofereciam aos pais a responsabilidade de cuidar dos filhos recém saídos de casa como se fossem seus. Assumiam as obrigações básicas, contribuíam na inserção do garoto ao novo ambiente e davam todo suporte para que o contato familiar não se perdesse, tanto com os pais biológicos quanto com
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os pais “postiços”. Duas das promessas que saíram dos campos de Ubá para o Atlético Mineiro (MG) tiveram a oportunidade de serem apadrinhados juntos. E juntos eles seguem hoje, no clube de Belo Horizonte, agora alojados da maneira como as regras permitem. - Nós chegamos ao Atlético juntos. Graças a Deus, nós construímos uma amizade muito forte, muito boa, que vem desde os tempos do Ubaense. Moramos juntos em um sítio, o Paulão e a Tereza nos apadrinharam e foram muito importantes para a gente neste tempo. Lá nós tínhamos opção de lazer, escola próxima, não nos faltava nada – lembra, com alegria, Marcos Santana Dias, o “Santana”, fato este confirmado por Anderson Domingos Correa, o “Andinho”. Ambos atletas da categoria juvenil do Atlético Mineiro. Aos que não viveram o mesmo que a dupla, além de outros atletas que também tiveram a oportunidade de serem apadrinhados por moradores locais, se mudar com a família foi uma novidade para todos e um recomeço. Tudo novo, vida nova. Emprego, escola, amizades, costumes, vizinhança. Muito para realizar a vontade de um filho, que ainda se configura em uma incerteza? Talvez sim, mas há coisas que os pais fazem sem precisar de explicação. Mas, além da felicidade de ver um filho realizar um sonho, em ter aquela que pode ser a chance de sua vida, o que mais faria com que os pais encarassem esse soprar de ventos tão repentino? A resposta se encontra na cidade, até mesmo na região, polo moveleiro do estado, que cresce diária e gradativamente por conta da expansão do setor. A oferta de empregos se torna um atrativo, permitindo até mesmo que muitos núcleos familiares recomecem com a oportunidade de melhorarem de vida. Para o presiden-
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te do Ubaense, que pode falar com propriedade de causa por administrar uma das fortes indústrias da região, este atrativo de Ubá e região faz com que muitos pais e mães abracem a causa dos filhos sem medo de arriscar. - Isso acontece e continua acontecendo. É algo que eu acho muito interessante, porque o garoto, como não pode ser alojado, vem e fica, e muitas famílias também se mudam para a cidade. Graças à Deus a nossa região é um polo moveleiro, então não faltam empregos. As pessoas vêm e conseguem trabalhar com facilidade. Temos vários garotos hoje no Centro Esportivo Ubaense que as famílias deles moram aqui na cidade. Para eles, é a união do útil com o agradável – explica Paschoalino. Em uma via de mão dupla, se o município de Ubá propícia ao seu clube mais novo reter alguns atletas por meio dos empregos gerados na Cidade Carinho, aos familiares nada mais justo que o CEU estender as mãos ao ambiente que o cerca. É essa a proposta que os dirigentes afirmam ter, afinal de contas, não há porque virar as costas para a cidade. Porém, de concreto ainda não há nenhuma proposta que aproxime os habitantes do CT, reduzindo este contato à óbvia presença de pais e familiares de atletas que têm conhecimento do trabalho realizado pelo projeto. Mas nada que impeça uma aproximação maior com o público ubaense. - O Centro de Treinamentos é um espaço que pode ser utilizado pela população de um modo geral. Mas isso ainda acontece de maneira muito reduzida. É importante estar dizendo isso porque nós nunca privamos ninguém de estabelecer um contato, nunca aconteceu de dizer que isso aqui é meu e ninguém entra aqui. Nada disso existe. O CEU está aberto para as pessoas e as entidades que quiserem. Este espaço é liberado – afirma o presidente do Centro Esportivo Ubaense.
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Possibilidades existem. Uma aproximação entre diretoria e poder público pode viabilizar maneiras para que este contato com as pessoas se torne maior e, assim, a cidade abrace cada vez mais o CEU. Com um amplo espaço, sua exploração pode se tornar uma questão de tempo. Enquanto isso, a estrutura é utilizada, como já citado anteriormente, em eventos particulares. Mas ainda uma outra aproximação se faz necessária na consolidação da agremiação. Rivalidades existem sempre que organizações com o mesmo propósito vão competir por algo em comum. No futebol, elas estão presentes até mesmo de maneira inadequada, gerando violência entre torcidas. Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco da Gama no Rio de Janeiro. Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo no estado paulista. Exemplos não faltam da rivalidade clubista, que encontrou em Ubá uma nova vertente. Se a chegada do clube mais novo não despertou ódio nos concorrentes, deixou-os ressabiados com a possibilidade de que seus jogadores fossem tentados por uma realidade nova e diferente. Há na cidade quem diga que dentro de alguns clubes essa rivalidade foi alimentada e a aproximação com o Centro Esportivo Ubaense não é das tarefas mais fáceis. Para quem administra o CEU, essa sensação não deveria existir por parte das agremiações municipais. - Em quase todas as cidades existe uma rivalidade por parte dos clubes. Nós procuramos ter um bom relacionamento com todos. Lógico que levamos uma ligeira vantagem quando disputamos um torneio, por exemplo, por termos uma captação melhor. Então, até por isso a gente evita entrar em campeonatos da cidade. Os próprios atletas destes clubes acabam tendo um interesse muito grande em estar com a gente. Às vezes, acham que nós
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viemos para tomar jogadores e não é nada disso. Por isso que é necessário que nós tenhamos um bom relacionamento, e as pessoas entenderem que somos apenas mais um na cidade – comenta o presidente do Ubaense. Leôncio Pacheco, que vivencia o dia-a-dia do Centro com maior intensidade e acaba tendo um contato mais próximo com estes clubes e outras instituições da cidade, reforça a opinião de Paschoalino. - A gente tenta deixar isso sempre claro: nós não somos concorrentes. O trabalho que realizamos aqui no Ubaense é totalmente diferente do que é feito nas escolinhas da cidade. O nosso objetivo é a formação do atleta, e não angariar recursos com mensalidades ou ganhar títulos. Temos em vista formar jogadores, por isso não vejo grandes problemas com os outros times do município. Independente do tipo de relação ou sentimento que exista entre o CEU e as equipes mais antigas de Ubá, a presença de uma nova estrutura, um novo clube com a capacidade já apresentada pelo Ubaense, é vista como positiva para fortalecer o futebol local. O jornalista Carlos Sodré acredita que a presença de um time com o porte do Centro deve ser aproveitada para unir forças em prol da melhoria conjunta do esporte bretão que há muito não vive momentos de auge na Cidade Carinho. - O Centro Esportivo Ubaense não vai absorver toda a mão de obra, todo atleta que vai aparecer em Ubá e nas cidades que compõem a microrregião. Ele não vai aspirar todos esses atletas. Portanto, fica claro que o CEU tem como participar ativamente no processo de ressurgimento, de fortalecimento do futebol local. Vejo no incentivo à própria prática de campeonatos, com a participação de atletas aqui da cidade e microrregião, uma alternativa. O Ubaense tem estrutura e capacidade para promover
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isso, ele pode dar a sua contribuição sim.
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Olhando para a frente, o jogo n達o terminou
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clube foi estruturado. As metas foram cumpridas. Não apenas os jogadores, mas também os profissionais estão inseridos no grande mercado do futebol. Dentro de campo, a equipe apresenta uma proposta de jogo. Com a bola, toques
rápidos, objetividade, busca incessante pelo gol, porém, sem verticalizar a forma de jogar. Cadência na hora certa, com os zagueiros, até o goleiro, participando ativamente. Sem a redonda, marcação forte e leal, recomposição rápida para não deixar o companheiro sobrecarregado, pressão no adversário para se recuperar rapidamente e voltar ao ataque. Vendo assim, é de se supor que o Centro Esportivo Ubaense logrou com êxito seus objetivos e que, agora, é hora de colher os frutos e seguir realizando um trabalho de sucesso. Em partes, uma verdade. Paulo Paschoalino conseguiu, enfim, realizar o seu sonho e tornar realidade o de muitas crianças. Mas, por que estagnar se é possível chegar muito além do que se foi? É por isso que o CEU não para e, dia após dia, segue desenvolvendo o projeto para expandir seus horizontes, conquistar novos e positivos resultados (não apenas dentro de campo, mas fora dele também) e se tornar uma referência na formação de atletas do futebol. No Ubaense, nenhum profissional aponta um modelo a ser seguido. Mas todos trabalham com base em propostas de sucesso. O já citado trabalho realizado pelas categorias do Futbol Club Barcelona, da Espanha, é uma fórmula de sucesso, mas que tem como fim o aproveitamento do maior número possível dos garotos das canteras (como são chamadas as divisões de base do clube catalão) em seu time profissional. No Brasil, um caso de sucesso entre os clubes formadores é o Fragata Futebol Clube, do Rio Grande do Sul, lembrado pelo coordenador técnico da escola de formação
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do Botafogo (RJ), Eduardo Oliveira. O time gaúcho é comandado por Emerson Rosa, ex-volante com passagens pela Roma (ITA), Real Madrid (ESP) e Seleção Brasileira. A equipe realiza um trabalho exclusivamente voltado ao desenvolvimento de jogadores em três categorias (sub-14, sub-15 e sub-17). Fundada em 2011, a agremiação do Rio Grande do Sul já inseriu cerca de 90 garotos no mercado, consolidando-se em um projeto de sucesso. Com uma metodologia parecida com a utilizada pelo Centro Esportivo Ubaense, podemos pensar que qualquer semelhança com o trabalho do interior mineiro é mera coincidência. Mas não se trata de obras do acaso, mas sim de um novo modelo de revelar bons atletas para o futebol. E é seguindo esse modelo que os dirigentes do Centro Esportivo Ubaense esperam crescer ainda mais. Se hoje mais de 30 atletas oriundos do projeto já estão no mercado, a expectativa é aumentar ainda mais este número nos próximos anos. A expansão da marca CEU é mais que um desejo dos profissionais, é um objetivo. E se o sonho de estabelecer um local para formar atletas saiu do papel, por que não sonhar com atingir o mercado internacional com o “‘produto’” que sai do Ubaense? - O nosso plano é expandir nossa marca, tanto no mercado nacional quanto no internacional. Como podemos fazer isso? Aumentando a nossa área de captação e o nosso raio de extensão no que diz respeito à inserção do atleta. Porque, dentro do Ubaense, o trabalho que nós fazemos, a metodologia que nós utilizamos, nos dá respaldo para ambicionar estas possíveis consequências – garante o gerente administrativo Leôncio Pacheco. Mas, para conquistar todo este espaço é preciso que os retornos financeiros comecem a entrar em caixa. Para isso, o Ubaense espera que os
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jovens que estão dentro deste mercado possam obter sucesso. Contra isso, joga a incerteza de que eles irão, de fato, vingar dentro de seus clubes, ou mesmo em outras portas que venham a se abrir futuramente. O futebol é assim: ingrato e incerto. Alguns fatores podem interferir no processo de formação, este que não se restringe à proposta do Centro, e de consolidação do garoto como atleta. Aspectos físicos e psicológicos se entrelaçam e impedem que seja proferida qualquer previsão futura sobre a vida e a carreira deles. Desta forma, recorrer a alternativas que permitam a continuidade do trabalho desenvolvido pelo CT, em caso de retorno abaixo do esperado, seria algo efetivo para que os planos dos dirigentes não sejam afetados. Uma dessas possibilidades seria o firmamento de parcerias com instituições que funcionem como suporte para a continuidade do projeto Ubaense. Atualmente, o CEU não possui nenhum vínculo oficial de parceria com qualquer organização, seja ela do futebol ou não. Os compromissos mais próximos disso foram estabelecidos em prol do bem estar dos garotos. De acordo com Wellington Salles, foi por meio destas relações que os atletas tiveram a oportunidade de realizar trabalhos fisioterápicos, quando necessário, dentro da UNIPAC (Universidade Presidente Antônio Carlos). Também, eles tinham consultas exclusivas com um médico da cidade que visitava o centro de treinamentos semanalmente para atender os casos necessários, uma prática que já não acontece com a mesma frequência. O estabelecimento de relações estreitas com os clubes também é tido pelos profissionais do Centro como uma parceria sem vínculos oficiais. Estas acontecem por duas vias: tanto a afinidade com os clubes que levam atletas para Ubá quanto a sociedade com os principais clubes que recebem
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nomes são vistas com ótimos olhos dentro do clube. Ainda assim, quem trabalha lá vê a oficialização de alianças como um caminho positivo que o Ubaense deveria seguir. - Eu acredito que seria importante algum tipo de patrocínio, de proximidade, com algumas empresas que já estão abertas para trabalhos como o nosso, ou em outras áreas. Por exemplo, a RedBull é uma dessas empresas que investe no futebol, investe nas categorias de base. Normalmente eles injetam dinheiro em um clube, em alguma estrutura, para mais tarde terem um retorno. Eu acho que seria importante ter algum tipo de parceria nesse sentido. Mas, no momento, nós temos alguns projetos em vista, alguns parceiros que estamos estudando possibilidades de estabelecer relações– opina Matheus Lima, favorável a uma aproximação com capital externo para o crescimento do Ubaense. Entre as propostas que vêm sendo estudadas pelo staff da equipe, há uma possibilidade de aproximação com o Instituto Telê Santana. Comandado pelo filho do ex-treinador da Seleção Brasileira, Renê Santana, a fundação tem uma proposta básica que se assemelha ao que é desenvolvido em Ubá. O projeto forma atletas e cidadãos em Minas Gerais e também no Rio de Janeiro. Em setembro, as partes tiveram um encontro na Zona da Mata mineira para discutir possíveis maneiras de que estes dois projetos possam estreitar os laços e mostrar ainda mais que o futebol brasileiro não está perdido, contrariando a visão pessimista que perdura após o Mundial de 2014. - O básico da formação de jogadores no Brasil precisa ser reestruturado. Deve haver um foco maior na educação. Como é educativa a instrução do jogador tática e tecnicamente dentro do campo, é importante abranger,
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e isso não pode ser separado, a educação, que tem que vir como um todo. A formação está diretamente ligada à educação do cidadão. Eu conheci e fiquei muito orgulhoso de existir um centro de formação como o do Ubaense, que tem essa preocupação voltada para formar cidadãos. Esse grande trabalho do CEU precisa agora ser conhecido e proliferado. É um projeto que precisa ser conhecido além das divisas do estado, até mesmo do país. É exatamente com o intuito de aperfeiçoar isso que foi idealizado aqui em Ubá que nós, do Instituto Telê Santana, trazemos ideias que podem melhorar o reconhecimento desse trabalho – declarou o filho de Telê, Renê Santana, grande responsável por propagar via instituto uma filosofia defendida pelo pai que conquistou o mundo com um futebol envolvente. Quem sabe seja isso que o Centro Esportivo Ubaense possa resgatar, assim como o Instituto Telê Santana. Para o presidente, futuro do Ubaense pode ser ainda maior Se a perspectiva de expandir o trabalho já realizado é a meta de quem doa suor e tempo diários ao Centro Esportivo Ubaense, para o presidente é permitido sonhar. Se o sonho de estruturar um clube de formação se tornou realidade, por que não tentar a sorte novamente e ver se é possível que o raio caia duas vezes no mesmo lugar? Por isso, Paulo tenta driblar as dificuldades no caminho e acredita que o CEU pode, um dia, se transformar em uma equipe profissional, quem sabe ganhar notoriedade no futebol brasileiro. - Eu gostaria muito de um dia ter um time profissional aqui no Centro Esportivo Ubaense. Eu acredito que se tudo correr bem, nos próximos quatro ou cinco anos, isso pode acontecer – imagina o presidente da agremiação.
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Não adianta passar o carro na frente dos bois. Atropelar etapas, queimar barreiras, é um perigo que se corre ao sonhar algo tão grandioso. Por isso, o próprio mandatário admite que este crescimento pode passar, primeiramente, pela reativação das equipes sub-15 e sub-17, que ficaram ao longo do caminho pelos altos custos de manutenção e menor retorno em relação às classes mais novas. Uma possível profissionalização do futebol na equipe do Ubaense traria benefícios não só para a estrutura, mas também na forma de retorno financeiro. - Imagine a situação com uma equipe profissional, nós teríamos o jogador e poderíamos registrá-lo no próprio clube. Não teria aquela coisa de “fatiar” o atleta, que ficar dando porcentagem aos clubes. Por exemplo, na formação, hoje nós não temos o direito na formação do garoto. A gente forma o atleta, entrega para outro clube e ele passa a ser o formador. Então o ideal seria a profissionalização, disputando lá em cima, como acontece hoje com a Tombense (MG). A nossa vontade é essa, só que no momento é apenas uma vontade – exemplifica Paulo Paschoalino, que tem no clube mineiro da cidade de Tombos, comandado pelo empresário Eduardo Uram, um exemplo a ser alcançado. Com os pés no chão, o gerente administrativo Leôncio Pacheco reconhece a vontade do presidente em manter um time além das categorias de base. Porém, ele frisa o objetivo principal do clube para defender uma concentração na proposta de trabalho estabelecida e seguida pelo Centro. - É o sonho do presidente ter uma categoria mais velha, ter uma equipe júnior. Porém, nós sempre lembramos ele do foco do nosso trabalho, que é a inserção do atleta. Daqui uns dez anos, quando os atletas que já saíram e aqueles que vão sair estiverem dando um retorno, aí sim seria
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algo a se pensar. Mas por enquanto devemos nos preocupar em expandir a marca do Centro Esportivo Ubaense – relata o profissional. Ainda entre os sonhos de Paulo Paschoalino consta a expansão da estrutura física do clube. Mesmo possuindo uma área de excelência que permite aos profissionais e aos atletas um bom nível de treinamento, ele acredita que a entrada dos ganhos financeiros possibilitará também um crescimento do ambiente. Com “um espaço preparado para a construção de mais um campo e a ideia de no futuro fazer um hotel”, a intenção é que o CEU se torne uma opção de preparação para os grandes clubes brasileiros em pré-temporada ou períodos específicos de treinamento. Ao longo de quatro anos, a equipe profissional do Tupi (MG) já utilizou das instalações para se preparar para as competições que disputou no ano de 2012. O Cruzeiro (MG), com sua equipe sub-17, também passou pelo Ubaense, realizando treinos antes de disputar a Copa do Brasil da categoria. Levar as grandes equipes para dentro do CT seria uma outra possibilidade de fazer o capital girar e trazer novas realizações para o projeto. Também no que diz respeito ao aspecto financeiro, outra alternativa para que o Ubaense siga trilhando seus caminhos, com a possibilidade de realizar suas pretensões, vem de uma determinação da FIFA feita em 2014. Ao decretar o fim da atividade dos agentes de jogadores no meio, a entidade maior do futebol fortalece os clubes formadores de atletas. Exatamente o trabalho que é realizado pelo CEU. O mecanismo prevê que em três anos os empresários não tenham mais participação nas negociações de contrato dos atletas, algo muito comum e que fortalece essas figuras. Com essa exigência, quem sairá ganhando serão os clubes, que terão o valor quase que integral do passe. No caso dos atletas que assinam seus primeiros contra-
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tos, será o clube formador quem receberá o valor das negociações. - Os clubes de futebol sairão muito fortalecidos após a adoção dessa medida, até mesmo deixando de passar por uma série de dificuldades que eles enfrentam atualmente. Você vê que os clubes hoje não são donos de praticamente nada dos jogadores, eles apenas repartem o atleta. Assim, uma parte mínima acaba ficando para as agremiações enquanto o restante está nas mãos dos grandes empresários. Portanto, a partir do momento que essa nova lei for efetivada, eu acredito muito que as equipes serão valorizadas – afirma o presidente do Ubaense. É por meio dos investimentos, das parcerias e do retorno financeiro que o CEU terá a oportunidade de ir além da consolidação no mercado. Dessa forma, a agremiação será capaz de, cada vez mais, mostrar a que veio e continuar demonstrando aos garotos que vestem a camisa vermelha e branca que os sonhos devem, de fato, ser sonhados. E, juntos, clube e meninos vão sonhando e vendo tudo se transformar em realidade com o esforço e o trabalho realizados no dia-a-dia.
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Sonhos que seguem o rumo da realidade
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em uns que escolhem Vasco da Gama (RJ), outros Flamengo (RJ). Tem quem queira o poderoso Real Madrid (ESP), os que sonham com o Manchester United (ING) ou aqueles que ficam com os olhos brilhando quando se fala do Barcelona (ESP).
Seleção Brasileira para eles é unanimidade, todos querem que a amarelinha seja o auge de uma carreira vitoriosa. Clubes como os citados fazem parte do imaginário de qualquer criança que sonhe em se tornar um jogador de futebol. Para os jovens candidatos, idealizar aonde querem chegar é uma prática frequente e cheia de fantasia. E o Centro Esportivo Ubaense tem permitido a eles se imaginarem defendendo fortes equipes no Brasil e no exterior. Como já mencionado, o Ubaense foi responsável pela alocação de mais de 30 atletas no mercado do futebol. Não adianta procurar na escalação das equipes profissionais, eles ainda não serão encontrados. Quase todos sequer assinaram o primeiro contrato profissional por não terem atingido a idade para isso. Desfilam suas habilidades e mostram os talentos ainda nas categorias de base, em equipes juvenis ou menos que isso. O momento de brilhar ainda não chegou para eles, mas para o torcedor mais atento, que seja aficionado por todas as esferas de seu clube desde as categorias de base, alguns destes nomes já podem ser conhecidos. Neste caso, é necessário ainda mencionar dois jogadores especiais que possuem uma ligação indireta com o Centro Esportivo Ubaense. Ambos pertencem ao Cruzeiro Esporte Clube. O meia Alisson, que no ano de 2014 já mostrou todo o seu potencial na equipe principal, sendo inclusive titular em importantes partidas, não passou pelo processo de formação do CEU. Porém, é empresariado pelo presidente do clube e pode ser a primei-
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ra promessa a gerar retornos para o time de Ubá. O jogador, que já tem passagens pelas Seleções Brasileiras de base, conheceu Paulo na Cidade Carinho quando jogava por uma das equipes do município. Acabou estabelecendo uma amizade e sendo o primeiro “gol” marcado por Paschoalino nessa aventura no universo do futebol. O outro nome que passa por situação semelhante a de Alisson é Hugo Sanches. Natural de Guidoval, município vizinho de Ubá, ele é filho do auxiliar técnico do Ubaense, Emiliano Magalhães Ribeiro. Hugo começou a jogar em sua terra natal. Observado por Paulo, também foi levado à Toca da Raposa para realizar um teste, no qual foi aprovado. Assim como Alisson, é agenciado pelo presidente do Centro e pode se transformar em retorno financeiro para o clube. Na base do time Celeste, Hugo conquistou importantes títulos, como a Copa do Brasil sub-17 e o Campeonato Brasileiro sub-20. Até mesmo mudou de posição, saindo da lateral direita e se tornando atacante. Aos 20 anos, ele foi emprestado pelo Cruzeiro (MG) em setembro de 2014 ao BEC Tero, da Tailândia, clube onde se encontra atualmente. A intenção da equipe belo-horizontina é dar experiência ao atleta para que ele possa brigar por uma vaga na equipe principal. Sobre o CEU, Hugo faz considerações baseadas no contato que tem com os garotos que saíram de lá e se encontram hoje na Toca da Raposa. Ele acredita que essa é uma nova oportunidade para que os garotos consigam entrar no mercado mais preparados para os desafios do futebol. - Eu vejo que o Ubaense foi o ponto de partida para os garotos que saíram de lá e estão aqui no Cruzeiro hoje. É um trabalho de formação que serve para ingressar na categoria de base de um grande clube. É onde eles serão instruídos, vão desenvolver os fundamentos, a parte tática, técnica.
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Acho importante também o trabalho que é feito pensando no cidadão, no ser humano, onde eles vão aprender a respeitar os treinadores, saber lidar com os profissionais – pondera o jogador ao observar os exemplos que estão próximos e com passagens pelos campos de Ubá. O futuro que o Ubaense espera ver brilhar Salvo os casos citados, as promessas que saíram dos campos do Centro ainda correm atrás do seu lugar. Não só correm, mas driblam as adversidades, tentam sair da marcação de quem tem o mesmo objetivo para, no fim, concluirem com maestria e correrem para o abraço, celebrando enfim a realização de um sonho. Afinal, todos eles sonharam um dia ter essa oportunidade, e hoje eles estão mais próximos de atingir aquilo que imaginaram quando criança. Os profissionais do Centro Esportivo Ubaense acreditam ser difícil apontar a rota final destes garotos. Afinal de contas, eles não só buscam um espaço nos clubes onde estão como também dão sequência ao processo de formação que foi iniciado na Zona da Mata mineira. Cada um tem sua história, um destino. E o caminho deles não será o mesmo. Os fatores externos também influenciarão no resultado final. Mas, ainda assim, com todos estes componentes em campo e conhecendo os atletas que de lá saíram, os profissionais que participaram deste processo de formação conduzido pelo CEU arriscam apostar no principal nome da primeira leva de nomes inseridos no mercado. - O futebol é muito imprevisível. Os garotos ainda são novos, é complicado falar em quem é o principal porque tudo pode mudar e, até mesmo, um jogador o qual nós não víamos futuro pode dar certo. Mas eu
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Gabriel Lopes, a maior esperança do CEU, agora no Internacional (RS), já teve a oportunidade de disputar campeonatos no exterior e enfrentar equipes renomadas com o Arsenal (ING)
acredito que um dos destaques saídos aqui do Ubaense pode ser o Gabriel Lopes, que está no Internacional (RS) – avisa Matheus Lima, destacando ainda as dificuldades da carreira de jogador de futebol. Quem compartilha da mesma opinião é Wellington Salles, que integrou a equipe de profissionais por mais de um ano e também manifesta sua visão. - Se for falar dos que passaram pelo processo de formação, posso citar dois nomes os quais eu realmente aposto neles. E um desses meninos é o Gabriel Lopes, que está no Internacional de Porto Alegre.
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Gabriel Lopes. Desse jeito mesmo, apenas nome e sobrenome. Natural de Ubá, ele pode se tornar o primeiro da cidade a ter uma vida longa e próspera no futebol. O sonho começou aos oito anos, idade com a qual começou a praticar de fato a modalidade. Passou por uma das escolinhas da cidade. Mas, em 2010 ele foi respirar novos ares em busca de realizar o seu sonho. A história é contada pelo próprio camisa 9 do Internacional (RS). - Eu fiquei sabendo do Centro Esportivo Ubaense por meio das notícias que se falavam em Ubá, do novo centro de treinamento que estava sendo construído lá. Aí, eu fui participar da primeira peneira realizada por eles e acabei sendo aprovado. Foi quando eu comecei minha trajetória no clube – lembra o garoto, que percorreu todas as categorias do Centro. Antes de ir para o Inter, Gabriel também foi aprovado em testes no Cruzeiro (MG) e realizou avaliações no Atlético Mineiro (MG) e Fluminense (RJ). Ao contrário de muitos postulantes no futebol, ele não se mostrou feliz no novo clube e retornou para Ubá. O destino foi Porto Alegre, onde vestiu a camisa do Colorado. Lá, o atacante tem se destacado há dois anos. Já fez gol no clássico Gre-Nal, teve a oportunidade de ir para o exterior e enfrentar adversários conhecidos mundialmente. Metas atingidas que ele credita também ao Centro Esportivo Ubaense. - Quase tudo que eu aprendi foi no CEU. Lá eu tinha uma rotina de treinos diária, da mesma forma como acontece aqui no Inter (RS). A diferença é que as vezes nós temos duas sessões de atividades aqui. A forma como os treinamentos são conduzidos também é muito parecida, isso até facilitou a minha adaptação. A diferença é que aqui eu sou muito mais cobrado – conta o garoto, que espera ainda crescer naquele clube antes de ganhar o mundo com o seu futebol.
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Além de Gabriel, o zagueiro Murillo Carvalho completa a lista de atletas do Ubaense no Internacional (RS). Por serem de categorias diferentes, eles não têm muito contato no clube gaúcho. Situação diferente da vivida por Ânderson e Marcos, conhecidos como Andinho e Santana. A sintonia parece marcar a trajetória da dupla. Ambos nasceram no Espírito Santo, mas em municípios diferentes. Foram aprovados na equipe de Ubá, moraram juntos na cidade e, também unidos, se transferiram para o Atlético Mineiro (MG). Para completar, atuam na mesma categoria, o juvenil do Alvinegro de Belo Horizonte. Na capital de Minas Gerais, eles estão há dois anos e meio morando juntos no alojamento do clube. Ali, eles treinam, se alimentam, realizam os trabalhos físicos e passam o tempo. Apenas os estudos não são realizados na Cidade do Galo. De acordo com a dupla, o fato de serem alojados constitui a única diferença entre a rotina no clube grande e no Ubaense. No que diz respeito aos treinos, ambos concordam ao dizer que é muito parecido. Mais ainda, seguem o mesmo pensamento que foi adotado por Gabriel, do Internacional (RS), ao ressaltar que a metodologia aplicada é bem parecida, o que muda é a cobrança. - O que nós sentimos de diferença é que aqui é tudo mais intenso, você passa a ser mais observado, tem mais gente lhe acompanhando. O resultado tem que ser mais imediato, por isso existe essa cobrança – afirma Santana, que recebeu a pronta concordância de Andinho, provando que a parceria entre ambos é afinada. Para o volante Marcos Santana, a passagem pelo Centro Esportivo Ubaense foi de extrema importância no seu processo de formação. Não só no que diz respeito aos aspectos de campo, ele também teve a possibilidade
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de amadurecer. E, com todos os ensinamentos adquiridos no CEU, agora ele vai em busca de conquistar o seu espaço dentro do Galo. - Durante os sete meses que fiquei no Ubaense pude desenvolver mais o meu futebol, aprendendo novas técnicas e ampliando a minha visão do jogo em si. Percebo que melhorei muito com os treinamentos de lá. A relação com os treinadores era muito boa, eles estavam sempre motivando a gente, brincavam, e isso fazia com que a gente se sentisse mais estimulado. Além disso, morando longe de casa tive a oportunidade de amadurecer mais cedo, porque dá saudade da família, dos amigos e a gente tem que aprender a se virar quase que sozinho. Então, certamente que isso ajuda muito. Agora, eu estou aqui no Atlético (MG) e tenho como objetivo chegar na equipe profissional. Se não der aqui, paciência, eu vou buscar espaço em outro lugar para quem sabe um dia ter a oportunidade de jogar na Europa – conta o volante, adotando um tom e uma postura que não transparece o adolescente que ele ainda é. Andinho tem um sentimento de reconhecimento grande pelo clube que o deu a maior chance de sua vida. Assim como o seu companheiro, ele destaca os aprendizados que adquiriu no tempo que passou em Ubá. Mas guarda uma gratidão especial às pessoas com quem trabalhou que não deixaram o atacante desistir de realizar o seu grande sonho. - Eu nunca imaginei que ia acontecer tudo tão rápido, chegar ao Ubaense, começar a jogar e marcar gols. Pra você ter uma ideia eu marquei cinco gols nos meus primeiros cinco jogos. Isto me deixou muito feliz. Tudo graças ao bom ambiente que tinha lá, com os companheiros e os profissionais. Tem um em especial que me ajudou bastante, o Rafael Martins, eu nem sei se ele ainda está lá. Ele vinha conversar comigo quando eu
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estava triste. Me ajudou bastante. Inclusive quando eu cheguei a pensar em ir embora. Era muito tempo sem ver minha família, bateu uma saudade e eu tive essa vontade. Mas graças a ele, que conversou comigo, com minha mãe, e ao Santana, que também conversou bastante comigo, não desisti e hoje estou aqui – relembra o jogador. Exemplos como os de Santana, Gabriel Lopes, Andinho, e também os de Yago Oliveira e Alex Oliveira (jovens de 14 anos que estão na Ponte Preta-SP), João Vitor Moura (16 anos, zagueiro do Botafogo-RJ) e os outros atletas que estão espalhados por agremiações brasileiras servem como incentivo para os jovens que ainda hoje pertencem ao Ubaense e seguem trabalhando para ter uma história parecida. A confiança por parte do Centro não falta a eles. Algo que os motiva ainda mais a continuar trabalhando com afinco rumo ao objetivo em comum que é tornar-se um jogador reconhecido no mercado futebolístico. Yuri Carvalho é um dos atletas que ainda faz parte do Centro Esportivo Ubaense e que vive a expectativa de ter um destino parecido ao dos ex-companheiros. Aos 13 anos, ele é um dos principais destaques da sua categoria, que recentemente chegou até as quartas de final do Circuito Base Forte, competição promovida pelo Cruzeiro (MG). Não só as atuações na competição, mas também a regularidade apresentada nos jogos da equipe sub-13 o colocou na alça de mira do time Celeste. E a continuidade dessa história já tem rota traçada. O camisa 7 é esperado na Toca da Raposa no início de 2015 para seguir seu enredo dentro dos gramados. - Eu vim pro Ubaense, onde eu tive uma preparação diferente da que eu tinha anteriormente. Aqui eu pude evoluir o meu futebol, me adaptei rápido mesmo com essa base de time grande e agora eu espero colher
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os frutos. O Cruzeiro (MG) já vem me observando há algum tempo e segundo eles, em março do próximo ano vou me apresentar à equipe. Mas, enquanto isso vou seguir dando o melhor aqui no CEU – explica um dos craques da equipe, que também realizou testes no Grêmio (RS), mas não permaneceu lá por conta da distância entre Ubá e Porto Alegre. Já para o menino Pedro Henrique Avancini a distância não foi problema. Aos 12 anos ele saiu de Aracruz, no Espírito Santo, para vestir a camisa do Ubaense e ter a oportunidade de ingressar em uma grande equipe do futebol. Ou melhor, uma segunda chance. Pedrinho, como é chamado por todos, passou em duas avaliações no Flamengo e foi para o Rio de Janeiro.
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Pedrinho (esq.) e Yuri (dir., de vermelho) ainda estão no Ubaense, mas já chamam atenção de treinadores e clubes de expressão
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Porém, o desânimo causado pela saudade de casa acabou impedindo que essa oportunidade tivesse seguimento. Agora, um dos destaques da equipe sub-12 garante que vai até o fim para se tornar jogador. - No começo eu tive um pouco de dificuldade para me adaptar a Ubá. Senti muita saudade da minha família, mãe, pai e das minhas irmãs. Mas a minha mãe conversou comigo para não ficar assim, e acabei me acostumando. Agora espero seguir em frente, dar orgulho para os meus pais, quem sabe poder dar uma vida melhor para eles – conta o jovem em meio a brincadeiras com a bola, no gramado principal do Centro Esportivo Ubaense. Pedrinho, Yuri, Goldeson, Renan, Gregório, Ramon, entre outros. Todos esses jovens sonhadores esperam estar, em um futuro bem próximo, mostrando trabalho no mercado do futebol. Uma exclusividade que não se restringe aos atletas que saem deste projeto. Pelo sucesso dos garotos, profissionais também cavam sua vaga no mercado O objetivo principal já ficou claro. Inserir atletas no mercado, é essa a preocupação do Centro Esportivo Ubaense. Mas o trabalho de formação, os resultados conquistados e os jovens alocados no mercado futebolístico trazem uma consequência para aqueles que são responsáveis por fazê-los deixarem de ser apenas meninos correndo atrás de uma bola. Para os profissionais do CEU, o sucesso de um trabalho bem feito pode também significar uma vaga em uma equipe de expressão brasileira. Assim, da mesma forma que os jovens que sonham com uma oportunidade neste ou naquele clube, da noite para o dia os técnicos também podem ganhar a oportuni-
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dade de brilhar em uma agremiação conhecida nacionalmente. O gerente de captação do Cruzeiro (MG), Matheus Ornelas, é um dos principais exemplos de sucesso profissional que se aproveitou do bom trabalho realizado no Centro Esportivo Ubaense. Responsável por desenvolver o projeto técnico no qual se baseiam as metodologias aplicadas no CEU, ele permaneceu por dois anos e meio na cidade de Ubá. Lá ocupou as funções de preparador físico, coordenador administrativo, técnico-científico, da captação, além de treinador. Os serviços prestados no Ubaense o levaram para equipe cruzeirense. Antes de se tornar o nome responsável por organizar as observações técnicas e chegadas de atletas no time Celeste, Matheus foi preparador físico da equipe sub-14. Para ele, muito do que foi feito na agremiação da Zona da Mata o acompanha até hoje em sua trajetória profissional. - No Ubaense eu pude experimentar várias nuances dentro da minha profissão. E de lá eu carrego comigo a organização. É um clube muito organizado, e essa organização eu consegui trazer pra cá. Além disso, até hoje algumas ideias que eu consegui implantar no Centro, eu tenho a oportunidade de fazer aqui. São estratégias que deram certo durante a passagem que experimentei lá e vi que funcionaram. Hoje eu consigo transferir tudo isso aqui para o Cruzeiro (MG) – admite o profissional que há mais de um ano faz parte do quadro cruzeirense. De Viçosa para Campinas, com uma parada em Ubá. Essa foi a trajetória de Ramon Cardoso Lima, que atualmente acumula uma série de funções na Associação Atlética Ponte Preta (SP): treinador da categoria pré-infantil, auxiliar técnico das categorias infantil e juvenil, supervisor de captação e analista de desempenho. O elevado número de cargos suge-
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re uma credibilidade ao profissional, adquirida com o trabalho realizado dentro do Centro Esportivo Ubaense. Foram três anos dentro da escola de formação, ocupando as tarefas de treinador em diferentes categorias além das obrigações administrativas que, segundo ele, “foram importantíssimas para o crescimento profissional e pessoal”. Ramon destaca que a qualidade do trabalho realizado pelo Ubaense é apresentada pelos números que o clube já alcançou e pelos atletas que foram destinados ao mercado. Na sua atual agremiação, três nomes são provenientes do projeto e as qualidades apresentadas por eles, como a capacidade técnica elevada e conceitos e compreensão de jogos claros, são fatores que despertam a atenção pela forma como são desenvolvidas. Acima de tudo, ele também deixa evidente a importância do Centro no seu crescimento profissional. - A passagem pelo CEU foi essencial em minha carreira, me abriu portas assim que saí da faculdade, me possibilitando diversas experiências e troca de ideias em uma intensidade muito grande. Lá eu aprendi a lidar com diferentes situações, algo que chamávamos de habilidade contextual. Aprendi com os erros e com acertos, a planejar bem tudo que faço, ser flexível quando preciso, ser humilde, persistente e sempre muito bem organizado. De um modo geral eu avalio como uma experiência única e muito rica em todos os sentidos – conta o viçosense. A colocação de integrantes do corpo técnico no mercado do futebol também serve de motivação para que futuros profissionais da Educação Física queiram fazer parte do projeto conduzido pelo Centro Esportivo Ubaense. Entre os graduandos da área que estudam próximo à região, a opinião geral é a de que o local é atrativo para aqueles que pensam em se-
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guir carreira trabalhando nesse esporte. Como o professor Próspero Paoli, citado anteriormente neste trabalho, já ressaltou, o CEU é “muito utilizado como campo de estágio e de pesquisas” para os graduandos da Universidade Federal de Viçosa dentro da área esportiva e acadêmica. Os próprios grupos que pesquisam e estudam o futebol, alocados na mesma instituição também ganham com a proximidade do Centro de Treinamentos, assim como acrescentam ao trabalho realizado. Basta lembrar que o projeto técnico de formação adotado pelo Ubaense foi elaborado a partir de discussões elaboradas nestes encontros. Se para aqueles que não nasceram em Ubá o Centro já se constitui numa via qualitativa para aumentar o conhecimento, para os naturais do município isso não poderia ser diferente. Alguns graduandos em Educação Física da FAGOC (Faculdade Governador Ozanam Coelho), instituição de ensino localizada na Cidade Carinho, procuram o projeto como forma de aprender com a proposta ali difundida. Junior Rodrigues é um deles. Aos 25 anos, com o título de licenciatura em Educação Física e concluindo o bacharelado, ele acumula duas passagens no centro de formação na forma de estágio. Lá, teve a oportunidade de acompanhar os treinos, realizar observações técnicas, conhecer e desenvolver a metodologia aplicada pelo Ubaense. Assim, assimilando conhecimentos em diferentes áreas, Junior se vê atualmente carregando uma bagagem que espera aplicar no mercado de trabalho “quando as oportunidades aparecerem”. - Eu tive uma passagem com a primeira turma de profissionais, quando inaugurou o Centro Esportivo Ubaense. Nessa época, tudo aquilo que eu conhecia na parte teórica (livros, vídeos e o aprendizado da faculdade), consegui encontrar dentro deste trabalho. Eram coisas que, anteriormente, eu não
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tinha a oportunidade de presenciar em outros lugares. Agora nesta segunda passagem eu venho me aprimorando. Claro que estudando e trabalhando há alguns anos no meio do futebol a gente acaba conhecendo conteúdos novos. E isso, em relação ao conhecimento adquirido aqui, eu só tenho a agradecer ao Ubaense pelo aprendizado que tive – explica Junior, em meio as observações realizadas durante uma partida da equipe sub-15 do CEU, que terminou com incríveis 15 a 0 sobre o time da cidade de Itabira. Junior é apenas um dos exemplos de garotos da cidade de Ubá que, quando mais novo, quis ser um jogador de futebol. Porém, diversos fatores impediram que ele pudesse dar grandes saltos neste meio. Hoje, ele tem a oportunidade de enriquecer o conhecimento e, quem sabe, ganhar um espaço nesse universo de outra forma. Como Matheus Ornelas, como Ramon Lima, Murilo Balbino e outros profissionais. Muitos outros garotos, a “nova geração” de Ubá, têm a oportunidade que ele não teve: de treinar sob o respaldo de um projeto que dê a eles uma perspectiva de futuro. Dizer que todos os meninos que vestiram, ou vestirão, a camisa do Ubaense são destinados ao sucesso é algo pretencioso. Eles terão muita “lenha para queimar”, seja em Ubá, em Belo Horizonte, Rio de Janeiro ou qualquer outro lugar onde o futebol é praticado. Estas etapas pelas quais eles passam são apenas preparatórias. O futuro dependerá não só, mas principalmente deles. São estes garotos que irão a campo com a camisa que for e mostrarão tudo aquilo que construíram e desenvolveram ao longo da juventude. A certeza é que hoje o Centro Esportivo Ubaense permite a eles que não apenas sonhem com o futebol. Mas que, além de sonhar, vivenciem, aprendam e joguem por aquilo que querem conquistar na vida. Se nem tudo der certo, todavia, os integrantes do CEU acreditam que lá de
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tudo é feito para preparar garotos além do atleta. Preparar homens para uma vida de vitórias, mas também derrotas. E assim seguirá o trabalho da equipe, com planos e metas, mas acima de tudo, uma proposta, um projeto que permita que as crianças de hoje sonhem sem medo de onde poderão chegar, de quando irão acordar. Porque o Centro Esportivo Ubaense estará lá, preparando homens, atletas e fabricando sonhos.
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Da arquibancada, o 12ยบ jogador
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asci em Ubá. Lá fui criança e ganhei minha primeira bola de futebol, além da primeira camisa do clube do coração. Foi na Cidade Carinho onde aprendi a gostar do esporte, ao ponto de querer me tornar parte deste mundo. Mas nunca
fui um exímio praticante, não só do futebol. Ao longo da minha infância e adolescência, pratiquei tênis, vôlei, basquete e tênis de mesa. Acho que nem na bolinha de gude me encontrei. Por sorte, acredito eu, vi no jornalismo esportivo a possibilidade de realizar o meu sonho. Retornando à minha infância, aos 10 anos “vendi” ao meu avô a ideia de me colocar em uma das escolinhas de futebol da cidade. Ganhei a primeira chuteira, fui ansioso com meu material e me deparei com outras muitas crianças “iguais” a mim. Não me recordo bem, mas não é absurdo dizer que éramos mais de 50 garotos. Todos sob a coordenação de apenas duas pessoas responsáveis por conduzir o treino. Fundamentos e coletivos predominavam. Como toda escola, a meta consistia em ensinar a prática do futebol. Simples e objetivo. Talvez, aquele que se destacasse poderia ganhar uma oportunidade a mais de se desenvolver e certamente não fui um desses para saber. O contato com amigos que frequentaram outras dessas escolinhas, mostrou-me, com o passar dos anos, que tal prática não era uma exclusividade de um único clube ubaense. Dessa forma, muitos jovens do município com potencial para se tornarem de fato jogadores foram minados por essa “concorrência” para jogar por 20 breves minutos. E assim, não tiveram a chance de tentar a sorte, de buscar realizar o sonho comum. O primeiro contato com o Centro Esportivo Ubaense aconteceu aos 19 anos. Eu fazia parte do Tiro de Guerra, turma de 2009. Participando
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de uma campanha de vacinação para animais, ficamos responsáveis por cobrir uma das zonas rurais da cidade. Nela se encontrava um grande terreno onde começava a ser construída toda a estrutura que, hoje, é o que apresentamos neste livro. A bem da verdade, não me lembro com precisão em qual passo se encontravam as obras do clube. Aquilo aguçou minha curiosidade e me fez querer conhecer um pouco mais desta nova proposta. A inauguração do espaço, em setembro de 2010, facilitaria este contato. Sempre tive o desejo de conhecer o local, mas nunca me movi para isto. Ubá havia se tornado minha casa temporária, enquanto Viçosa era o meu novo lar durante os anos de graduação no curso de Comunicação Social/Jornalismo. Fora da terra natal, restringi-me às notícias sobre o CEU que saíam nos jornais da cidade (Folha do Povo e O Noticiário), todas lidas com bastante atenção. Admitia para mim mesmo, porém, que deveria mudar esse panorama. A mudança de ventos veio com a tomada de uma decisão importante. Queria eu que a conclusão do meu curso se desse por um trabalho relacionado ao jornalismo esportivo. Uni o útil ao agradável e decidi por fazer do Ubaense a minha carta de despedida da Universidade, meu passaporte para o mundo profissional. O formato estava definido, seria por meio de um documentário audiovisual que mostraria meu trabalho e o do Centro. Antes disso, ainda assinei uma matéria para a edição esportiva do jornal -laboratório OutrOlhar, mostrando de maneira mais simples o trabalho de formação lá desenvolvido. E veio a mudança. Ao sentir que o formato audiovisual exige um trabalho em equipe, optei por escrever um livro-reportagem. Escrever. Outro motivo que me trouxe ao jornalismo. Sempre gostei da escrita, do jornalis-
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mo impresso, algo aprendido com meu avô. Nas segundas e quintas-feiras era tradição ter em mãos o diário Lance!. Era a minha praia, e seria assim. Voltando ao trabalho, foi um período longo e difícil. De perdas, de recomeços, mas com um final. E é este livro que marca o término desta etapa. Um fim cheio de aprendizados e de orgulho. Ver minha cidade natal abrigar um clube que possui requisitos para se tornar uma referência na formação de jogadores de futebol é algo de se admirar. Foi por este trabalho que finalmente tive a oportunidade de conhecer a fundo o que o Ubaense proporcionou ao longo desses quatro anos. O sonho de vários daqueles garotos esteve à minha frente durante as pesquisas e entrevistas para a produção deste livro, e foi impossível não remeter aos tempos passados quando vi vários amigos terem suas chances reduzidas. Agora é diferente. O trabalho que vejo o Centro Esportivo Ubaense realizando preza pelo ensino do futebol em sua essência. Não é apenas dividir a turma em duas filas, os jogadores saem tabelando e batem para o gol. Não se restringe aos exercícios físicos em volta do campo – esses, a bem da verdade, são os que menos acontecem dentro do CEU. Os treinadores buscam desenvolver os garotos dentro das potencialidades que eles apresentam. Para um zagueiro, os treinos vão muito além de defender, cabecear e marcar. Ensina-se o posicionamento correto, o toque de bola, a inteligência para construir o jogo desde o campo de defesa. O atacante não tem apenas que saber driblar, chutar, guardar o gol. Tem que saber criar situações para receber a bola, tem que se antecipar às decisões de seu marcador e também tem que marcar. Com a realização de um trabalho desta natureza, as perspectivas de futuro para as crianças e jovens da cidade que tem o futebol como meta
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são outras. E não só da cidade, como ficou registrado. É um trabalho que vai além da região, vai além das fronteiras estaduais. E esta proposta não fica restrita apenas ao jogador. Quem trabalha dentro do Ubaense sabe que esses meninos virarão homens e que, fora de campo, eles também deverão estar preparados para fazer o certo. Para driblar, para defender, quem sabe para atacar. Conheci histórias, relembrei algumas outras e pude ver no empenho, nos gestos e na alegria daqueles atletas a vontade de alcançar o sonho de algumas crianças. Crianças que eles nem bem deixaram de ser. O futebol brasileiro vive um momento de crise de identidade. E, talvez, a salvação possa estar na estruturação dos clubes da forma como é feita no Ubaense. Com um plano gestor que não permita o clube dar um passo maior do que se pode. É muito fácil explanar sobre uma agremiação que não tem a obrigação de conquistar resultados imediatos dentro de campo. Mas pode servir de aprendizado para que, até mesmo os grandes clubes conquistem os resultados sem denegrir outras áreas. Também é de se ressaltar o trabalho realizado com base em um projeto técnico de formação. Um guia para que os meninos que estão na idade de aprender não sejam trabalhados como robôs que devem ir a campo conquistar os três pontos ou aquele que vai como se tivesse indo para uma “pelada”. Não é tarefa fácil formar jogadores, e ela se torna ainda mais ingrata sem um projeto que dê rumos certos a essa proposta. Em apenas quatro anos, o Ubaense conquistou tudo isso que mostramos ao longo deste trabalho. O Centro se consolidou por meio de uma proposta com objetivos claros, bem definidos, e os seguiu à risca para chegar aonde chegou. Hoje, é visto pelos grandes clubes do futebol brasileiro como uma equipe de formação de qualidade. Prever o futuro é algo incerto
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até mesmo para os videntes, quem dirá pra mim. Mas, por tudo que acompanhei ao longo desta pesquisa, fico com a sensação de que seguindo por este caminho vitorioso, o CEU poderá ir muito além do que se planeja. E, assim, tem tudo para deixa o nome de Ubá marcado como referência na formação de bons jogadores de futebol. É necessário deixar claro que a produção deste trabalho não esgota, e nem tem a pretensão de esgotar, futuros estudos sobre o projeto desenvolvido por este clube voltado para o desenvolvimento de atletas. Formando atletas e sonhos – A trajetória do Centro Esportivo Ubaense se constitui em apenas um recorte dos primeiros anos de existência dessa proposta que mostra ter muito caminho a percorrer, muitos jogadores a formar, muitos sonhos a realizar. Ao fim desta experiência, fica o desejo de que esses meninos tenham sorte e competência para chegar lá e valorizar ainda mais o que é feito na Cidade Carinho. Que Ubá passe a ser reconhecida também como a cidade do futebol, como referência na formação de novos talentos. Vida longa aos presentes e futuros Gabriel, Pedrinho, Santana, Yago, Ramon, Lucas, Junior, Paulo. E que este belo projeto desenvolvido pelo presidente Paulo Roberto Paschoalino siga cumprindo sua missão com êxito, como vem fazendo até este momento. Vida longa ao Centro Esportivo Ubaense.
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Formando atletas e sonhos – a trajetória do Centro Esportivo Ubaense é um livro reportagem que narra o caminho percorrido por esta proposta voltada para a formação de jogadores de futebol. Ao longo de seus quatro anos de existência, o CEU possibilitou que mais de 30 garotos que sonhavam em ter uma vida de atleta pudessem ser inseridos no mercado, chegando inclusive aos grandes clubes do Brasil, como Cruzeiro (MG) e Internacional (RS). Um trabalho que se torna ainda mais respeitado pelo seu desenvolvimento baseado em um projeto técnico de formação, metodologia que vem sendo adotada também pelas equipes de ponta. Apresentamos o percurso, os desafios, obstáculos e tarefas enfrentadas nessa difícil missão de formar jogadores e construir sonhos de que vêm desde a infância.