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from Play test #4
O CHAMADO de CTHULHU
por Fábio Corrêa
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O INÍCIO
Provavelmente o conto mais famoso de H. P. Lovecraft, O Chamado de Cthulhu foi publicado pela primeira vez em fevereiro de 1928, na revista pulp Weird Tales. Apesar da história ter sido inicialmente rejeitada pelo editor, acabou publicada depois que Donald Wandrei, escritor amigo de Lovecraft, iniciou um boato de que a história seria vendida para outra revista.
Embora o próprio Lovecraft não considerasse o conto como um de seus trabalhos favoritos, ou mesmo particularmente bem escrito, a história ganhou fama, dando origem ao que hoje conhecemos como Mitos de Cthulhu. O termo foi cunhado por August Derleth, outro escritor e amigo de Lovecraft.
Após a morte do autor, em 1937, Derleth e Wandrei tentaram publicar uma coletânea de contos de Lovecraft, mas como nenhuma editora demonstrou interesse, decidiram fundar a Editora Arkham House com essa finalidade. Derleth foi o primeiro a catalogar lugares, personagens, temas e informações presentes nas obras de Lovecraft, estabelecendo as bases desse universo compartilhado.
Derleth também escreveu obras baseadas no universo de Lovecraft, algumas inclusive aproveitando rascunhos e fragmentos de texto não desenvolvidos pelo autor, sendo publicadas como de autoria conjunta entre Lovecraft e Derleth.
Apesar de alguns críticos desaprovarem essa prática, vislumbrando o uso do nome de Lovecraft para alavancar a carreira de Derleth, é inegável que o trabalho de resgate feito por Derleth e Wandrei, assim como a produção de material novo baseado nos Mitos, salvou Lovecraft da obscuridade, ajudando a popularizar sua obra e permitindo que ela influenciasse, direta e indiretamente, uma série de outros escritores.
AS PRIMEIRAS ADAPTAÇÕES
Podemos considerar que o próprio Derleth foi o primeiro a adaptar a obra de Lovecraft, uma vez que, quando passou a produzir histórias originais, promoveu alterações nos fundamentos estabelecidos por Lovecraft. Além disso, é possível notar um tom mais otimista nas histórias de Derleth, já que por várias vezes o herói consegue sobrepujar as forças malignas, o que quase nunca acontecia nos escritos de Lovecraft.
A partir daí, com o passar do tempo, a obra de Lovecraft começou a exercer influência sobre uma variada gama de artistas, em especial, músicos. Desde o fim dos anos 60 e início dos anos 70 já era possível ver bandas, músicas e álbuns com algum tipo de inspiração ou homenagem aos Mitos de Cthulhu, como por exemplo “Behind the wall of Sleep”, do Black Sabbath. Essa é uma tendência que continua até os dias atuais, com bandas como Metallica, Nox Arcana e muitas outras.
No campo dos RPGs, as referências aos Mitos de Cthulhu começaram na década de 80, com o lançamento do livro Deities & Demigods (1980), um suplemento para D&D publicado pela TSR. Dentre as várias mitologias presentes no livro, os Mitos de Cthulhu também foram explorados, com diversas criaturas presentes nas histórias
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de Lovecraft sendo adaptadas segundo as regras do jogo de fantasia medieval.
A TSR acreditava que esse material era domínio público, desconhecendo que os direitos sobre a obra de Lovecraft pertenciam à editora Arkham House, que inclusive já havia negociado os direitos para adaptação em formato de RPG com outra editora, a Chaosium. Após um acordo legal, a Chaosium aceitou que a TSR continuasse publicando o material, desde que mencionasse a editora detentora dos direitos legais. A TSR preferiu remover os Mitos a partir da segunda edição de Deities & Demigods. Em 1981 a Chaosium finalmente publicou seu RPG de horror baseado nos Mitos, batizado simplesmente como Call of Cthulhu.
CHAMADO DE CTHULHU (CHAOSIUM)
O desenvolvimento de um RPG baseado nos Mitos de Cthulhu pela Chaosium começou na verdade com a ideia de um cenário chamado Dark Worlds, que nunca chegou a ser lançado. A partir daí, a ideia migrou para um suplemento de RuneQuest (cenário de fantasia medieval) baseado nas Dreamlands, ou “Terras do Sonho,” uma dimensão criada por Lovecraft e presente em vários contos, a qual seria acessível apenas através do sono. No fim das contas, o game designer Sandy Petersen acabou criando um cenário totalmente novo, dando origem à primeira edição de Call of Cthulhu, de 1981.
Além de ser considerado o primeiro RPG de horror, Call of Cthulhu (CoC) também inovou em outros aspectos, diferenciando-se de tudo o que já havia sido feito até então. Sandy Petersen (que, anos depois, trabalharia na criação do game Doom), introduziu um conceito de jogo em camadas, ou seja, diversos níveis de pistas
escondidas formavam um grande quebra- -cabeças que poderia levar os jogadores do que inicialmente parecia apenas uma simples e pequena investigação até uma conspiração mundial com dezenas de ramificações.
Outro fator inovador de CoC foi o fato de que, diferente de outros jogos, ele partia do princípio de que os personagens NÃO sobreviveriam no final! E mais, por ser um jogo mais voltado à investigação e estratégia, muitas vezes a melhor opção dos jogadores era simplesmente fugir ou encontrar um forma inteligente de contornar o perigo, ao invés de simplesmente lançar-se em batalhas heróicas, contando com a sorte e o suporte de magias e objetos mágicos poderosos, cena relativamente comum nos RPGs de fantasia medieval.
A ambientação de CoC também favorecia esse tipo de narrativa mais sombria, pois dava preferência a cenários reais das décadas de 20 e 30 do Século XX, período onde ocorrem muitas das histórias escritas por Lovecraft. Além disso, após a queda da bolsa de 1929, iniciou-se o período conhecido como Grande Depressão, marcado por profundas dificuldades econômicas e sociais, gerando uma onda de desesperança mundial, que casa muito bem com o clima proposto pelo jogo.
Por fim, diferente de outros jogos de RPG, os personagens de CoC não “sobem de nível”, ou seja, não ganham novas habilidade, poderes ou mais vitalidade ao longo do tempo. No cenário desesperador criado pela Chaosium, os personagens melhoram suas habilidades (que são medidas
em percentuais) através do uso bem sucedido das mesmas, e devem priorizar a manutenção de sua Sanidade (medida em pontos que diminuem de acordo com circunstâncias de jogo) ou correr o risco de ir parar em algum sanatório!
De uma maneira geral, Call of Cthulhu foi bem recebido pela comunidade de jogadores, embora algumas críticas tenham sido feitas em relação à complexidade das regras, supostamente mais adequadas para aqueles com mais experiência. O fato é que a Chaosium investiu na linha CoC, e continuou inovando na apresentação de seus livros, criando uma identidade própria para a marca.
Em que pese a editora tenha publicado, a partir de 1982, várias campanhas e aventuras- -prontas (um formato popularizado pela linha D&D), a presença de “adereços” e material extra para ajudar na imersão foram o diferencial adotado por Call of Cthulhu. Essa prática existiu desde a primeira campanha, Shadows of Yog-Sothoth, sendo aperfeiçoada com o tempo até atingir seu ápice em aventuras altamente elogiadas pela crítica especializada, como Masks of Nyarlathotep (1984) e Horror on the Orient Express (1991), que contavam com reproduções de recortes de jornal, cartas manuscritas e diversos outros objetos que deveriam ser entregues aos jogadores durante a aventuras, e seriam a representação física das pistas encontradas, ou seja, nada de explicações do mestre ou jogadas de dado… analise e decifre as pistas você mesmo!
Em 1983, foi publicada a segunda edição do jogo, com apenas pequenas alterações nas regras. A terceira edição saiu em 1986, sendo a primeira que apresentou dois livros básicos, um destinado ao Guardião (Mestre) e outro aos Investigadores (Jogadores). Call of Cthulhu aos poucos foi conquistando seu público e se tornando o maior sucesso da editora Chaosium.
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Apesar disso, poucos suplementos eram lançados, com destaque para Cthuhu Now, que trazia regras para jogos ambientados nos dias atuais, Terror Australis, baseado na história e lendas do continente australiano e Cthulhu by Gaslight, que abordava a Era Vitoriana.
O cenário ia sendo atualizado conforme as novas edições eram publicadas, o que ocorreu em 1989 (4ª edição) e 1992 (5ª edição). No que diz respeito às regras, pouca coisa mudava, apenas pequenos ajustes eram feitos, o que também concedeu ao jogo a fama de ser um dos que se manteve mais próximo do seu conceito original.
A partir da década de 90, a Chaosium começou a publicar mais suplementos, inclusive uma série de aventuras conhecidas como Lovecraft County, que detalharam diversos locais presentes na obra do autor, como por exemplo Arkham Unveiled, Return to Dunwich, Miskatonic University, entre outros. Além disso, a editora começou a licenciar o jogo, ou seja, outras editoras poderiam lançar material relacionado a Call of Cthulhu.
Dentre o material publicado por outras editoras, destacamos a linha Delta Green, publicada pela Pagan Publishing, entre 1997 e 2010, e depois pela Arc Games e Pelgrane Press. Nesse cenário, ambientado na década de 90, os Mitos de Cthulhu se tornaram alvo de investigação pela agência governamental secreta Delta Green, que percorre o mundo tentando desvendar os mistérios dos Mitos, além de acrescentar ao caldo uma pitada de conspirações e jogos políticos. O cenário ganhou algumas revisões e vários suplementos além de uma série de romances, publicados entre 1998 e 2018.
Em 1998 foi lançada a edição 5.5 de Call of Cthulhu, que, uma vez mais, apenas
ajustou e reorganizou algumas regras, sem promover mudanças significativas no jogo. O início dos anos 2000, no entanto, voltou a agitar o universo de CoC, inicialmente com a edição comemorativa de vinte anos do jogo, publicada em 2001, com direito a capa dura em couro verde, adotando o visual de livro antigo. Além disso, a partir de 2005, a editora apresentou alguns cenários alternativos como por exemplo Cthulhu Dark Ages, Secrets of Japan e Secrets of Kenya, que expandiram as possibilidades do jogo para diferentes locais e períodos históricos.
Em 2004, Call of Cthulhu chegou à sua 6ª edição, ainda sem grandes alterações nas regras e mecânicas de jogo. Essa versão foi relançada, em 2011, com formato e
acabamento de luxo, para comemorar os trinta anos do jogo. Finalmente, em 2014, após um bem sucedida campanha de financiamento coletivo, foi lançada a 7ª edição, inicialmente em formato digital e a partir de 2016, em formato impresso. Essa foi a primeira edição a fazer uma extensa modificação nas regras e sistema, ao ponto de parte da crítica especializada sugerir que se trata praticamente de um novo jogo, em que pese a Chaosium afirmar que a edição é totalmente compatível com todo o material lançado anteriormente. No Brasil, o material da Chaosium é atualmente publicado pela editora New Order!
O fato é que ao longo das décadas, tanto a obra de Lovecraft quanto o RPG da Chaosium vem exercendo influência e deixando sua marca na cultura nerd em geral, seja através de jogos eletrônicos, card games, jogos de tabuleiro, produções para o cinema, TV e streaming, etc. A seguir listamos apenas alguns dos outros jogos de RPG que abordam de forma mais explícita
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a temática lovecraftiana, mas lembre-se, onde quer que você veja uma citação ao Necronomicon, saiba que a sombra de Lovecraft não está muito distante!
RASTRO DE CTHULHU (PELGRANE PRESS)
Lançado em 2008 pela Pelgrane Press, sob licença da Chaosium, Rastro de Cthulhu é um RPG investigativo ambientado na década de 1930, que aborda todo o universo criado por H. P. Lovecraft. O jogo utiliza o sistema Gumshoe, desenvolvido pela editora, e se concentra mais no aspecto da interpretação das evidências encontradas e na resolução do mistério investigado, tentando não deixar algumas coisas tão dependentes do fator sorte.
Por exemplo, se o personagem está investigando uma determinada cena, e possui uma habilidade relevante para o caso, ele irá encontrar a pista presente no local automaticamente. O desafio vem de juntar todas as pistas e realmente pensar em como elas se encaixam, ao invés de resolver isso com um lance de dados.
Outro diferencial é que o jogo possui dois estilos propostos para a condução das sessões ou campanhas:
O Purista, voltado para o lado mais psicológico e investigativo, focando nos personagens e sua luta quase sempre inútil contra a inevitável insanidade que aflige aqueles que se aprofundam demais nos mistérios do universo.
O Pulp, abordando um tipo de jogo mais voltado para a ação e aventura, mas sem esquecer o clima de terror e desespero que deve sempre pairar sobre os personagens. É possível ainda fazer uma mistura entre os dois estilos, alternando de forma a sempre deixar os personagens incerto de seu futuro.
Rastro de Cthulhu conta com diversos suplementos, entre aventuras, campanhas e expansões de cenário. No Brasil, Rastro de Cthulhu é atualmente publicado pela editora RetroPunk.
CALL OF CTHULHU D20 (WIZARDS OF THE COAST)
Décadas depois de ter introduzido os Mitos de Cthulhu em seus cenários, a franquia Dungeons & Dragons, agora de propriedade da Wizards of the Coast, lançou em 2001 um suplemento específico abordando as criações de Lovecraft. O livro permite tanto a criação de histórias independentes, como também seu uso em qualquer cenário regular de D&D. No entanto, essa linha teve apenas um lançamento, sendo cancelada após o fim do contrato entre a Wizards e a Chaosium. Durante a vigência do contrato, alguns suplementos publicados pela Chaosium traziam regras adaptadas para o Sistema d20. Esse livro não foi lançado no Brasil.