ECOS - #8 - Quem tem medo de economia?

Page 1

ECOS | 1


Í N D I C E 04

COLABORADORES

06

NÃO PRECISA DAR O TROCO EM DÓLAR

07

A FORÇA DO EMPREENDEDORISMO NOS BAIRROS

09

O FUTURO DAS BENESSES FISCAIS

11

FUNDOS CONSTITUCIONAIS PARA SUPERAÇÃO DA DESIGUALDADE INTER-REGIONAL

12

CRIATIVIDADE CONTRA O DESEMPREGO

14

“JEITINHO BRASILEIRO” NA HORA DE TRABALHAR

16

QUANDO O PESADELO MORA EM CASA

18

CHECAR PARA INFORMAR

20

EM DEFESA DA PRIVACIDADE

23

RESENHA: BLADE RUNNER 2049: A EXPANSÃO DE UM UNIVERSO CLÁSSICO

2 | ECOS


CARTA

DOS

EDITORES

Num cenário marcado por memes que atestam o afastamento dos estudos de ciências humanas e exatas, o jornalismo econômico torna-se uma categoria extremamente desafiadora para jovens estudantes da profissão. Para aqueles que são tão afeitos às palavras, os números podem parecer um universo intransponível. A turma de Oficina em Jornalismo de 2018.2 quis ir além de sua zona de conforto, escolhendo justamente a economia como tema dos trabalhos desenvolvidos na primeira unidade. O objetivo era tornar mais palatáveis ao grande público assuntos espinhosos, como fundos constitucionais, empreendedorismo e benefícios fiscais. Alguns dos resultados dessa empreitada estão disponíveis nesta edição, materializados em textos de diversos formatos jornalísticos, como exemplificado pela bem humorada crônica de Ananda Barcellos, que abre esta publicação. Completamos a edição com reportagem de Luísa Beatriz e Daniela Cezias sobre violência doméstica, além de duas contribuições de Gustavo Militão, que debruçou-se sobre fenômenos relacionados à cibercultura: a disseminação de boatos e a ressignificação do conceito de privacidade num contexto permeado pelas redes sociais digitais. Ainda no universo da tecnologia, encerramos com a resenha assinada por Gabriel Luna sobre Blade Runner 2049. Para mim, esta edição tem ainda o sabor agridoce da despedida, que não pode ser descrito por números, nem tampouco por palavras. Ela marca o encerramento de um ciclo junto a uma turma de alunos que tive o prazer de acompanhar de perto, em quase todos os semestres do curso de jornalismo. A qualidade dos trabalhos evidencia o desenvolvimento profissional e pessoal de cada um deles. Não poderia estar mais orgulhosa por ter conduzido este grupo do início ao fim do curso, com a certeza de que aprendi com eles mais do que aprenderam comigo. Deixarão saudades. Cecília Almeida, professora do curso de jornalismo do UniFBV | Wyden e editora do Jornal Ecos

ECOS | 3


COLABORADORES

OPA | Agência experimental UniFBV/ WYDEN

@agenciaopa

Anderson Sena

@dinhosena

Projeto gráfico, capa e Anderson Sena, criativo diagramação. desde criança, cresceu no meio de papéis e lápis de cor. Adora desenhar, assistir séries, filmes, desenhos e jogar vídeo games. Sonha em ser um excelente diretor de arte e ser feliz na profissão.

Roseane Gomes

4 | ECOS

Alef Souza

Ananda Barcellos

Brunna Monteiro

@a.nandab

@brunna_monteiro5

Ananda Barcellos, nascida em 1996, escolheu fazer jornalismo por seu amor pela escrita. Durante o curso além de escritora e fotógrafa, se descobriu defensora dos direitos humanos e hoje quer ajudar a dar voz aos movimentos sociais.

Me chamo Brunna Monteiro, sou formada em rádio e tv e quase uma jornalista, irei fazer o TCC para concluir a graduação. Amo música, fotografia e cachorros. Faço estágio na Tv Clube e sou assessora de um grupo de corrida, à Corpore Sano.

José Bonifácio

Larissa Araujo

@roseanegomes_

@alef_souuza

@josebonifaciolira

@lariaraujo_

Jornalista. Apaixonada por ouvir e contar histórias. Gosta de acompanhar as mudanças que transformam as práticas do jornalismo. Costumeiramente fala sobre gatos ou futebol.

Jornalista em formação, casado, 23 anos, amante do futebol pernambucano e louco para terminar logo a faculdade.

Formado em jornalismo pelo Centro Universitário UniFBV | Wyden. Tenho 20 anos, cresci em Gameleira, Mata Sul do Estado de Pernambuco e aos 9 anos me apaixonei pela comunicação, por intermédio do rádio.

Estudante de Jornalismo, 22 anos, trabalha com assessoria de comunicação, devoradora de livros nas horas vagas.


Adielson de Barros

Daniella Cezias

Luisa Beatriz

Martihene Keila

@son_adiel

@dcezias

@bialim_a

@martihenekeila

21 anos, estudante de jornalismo. Reservado e curioso. Consumo muito de tudo. Espero me tornar um profissional que lute contra as injustiças da sociedade.

Estudante de jornalismo, apaixonada por esportes e TV com muitas expectativas sobre o que reserva o mundo da investigação.

19 anos, estudante do 3 período de jornalismo. Amante dos livros e também de escrever, nas horas vagas adora tocar uma música e conhecer novos lugares.

Contadora de histórias por puro hobby. Detalhista que não gosta de rotinas mas busco em situações comuns algo que seja diferente. Minhas paixões: Ler, escrever, fotografar e, ouvir música enquanto faço qualquer coisa

Natacha Chagas

Gustavo Militão

Gabriel Luna

@natachachagas

@gustavo.militao

@gabriel_luna_

50% jornalista, amante da comunicação. Os desafios do jornalismo e o conhecimento que se passa a adquirir no dia a dia foram as principais características que me fizeram escolher essa profissão. Também sou apaixonada pela leitura.

Jornalista e Publicitário, atualmente colaborador no Torcedores.com e, nas horas vagas, apenas um rapaz latino americano fã de Belchior.

Estudante de jornalismo que se achou no meio audiovisual e desde então gasta suas horas em frente a uma tela com o sonho de conseguir trabalhar no ramo. Apreciador de doce de leite, Twin Peaks e fotografias.

ECOS | 5


NÃO PRECISA DAR O TROCO EM DÓLAR Por: Ananda Barcellos

crônica

Um dia desses, eu estava na parada de ônibus, mexendo no celular (pode parecer estranho para um recifense ler isso, mas era naquele ponto perto da Delegacia de Boa Viagem, então a ilusão de segurança me acolhia em formato de tweets). Eu ia para Piedade e nada do meu ônibus passar. Quando, finalmente, surgiu um Piedade/ Rio Doce. A tarifa era R$1,20 mais cara, mas, como eu era estudante, ia pagar apenas R$0,60 a mais e decidi que valia a pena. Entrei no ônibus ainda meio distraída com o último tweet de Michelle Obama e, antes mesmo de passar pela catraca, duas senhoras subiram atrás de mim e quase me atropelaram. As duas falavam muito rápido e de maneira engraçada, então guardei o celular e decidi prestar atenção. - Dora, estou te falando que o dólar é o nosso melhor caminho. - uma delas falou, passando direto por mim, como se eu nem estivesse ali. - Ué, como assim, Conceição? - É, eu mesma troquei todos os meus reais, a gente tem que economizar antes de completar 60 ela disse isso e estendeu uma nota estranha para o cobrador - Pode dar o troco em real, não precisa ser em dólar - prosseguiu. O cobrador tirou os óculos. - Mas, senhora, aqui tem dois dólares. - disse. - É, isso dá mais de oito reais, meu filho. - A senhora tá tentando pagar a passagem em dólar? Tirei os fones de ouvido para tentar entender melhor o que se passava ali. Antes, eu só queria pagar logo pra poder sentar, agora eu queria ver o desfecho. - Mas a senhora não pode pagar o ônibus em dólar. - Meu querido, eu estava falando para ela agora há pouquinho, o dólar tá valendo muito mais e o real só afunda, vi na televisão. A tal da Dora revirou os olhos e eu segurei a risada, então ela virou para mim e eu pensei : “Ih, lá vem” 6 | ECOS

- Tá achando graça, minha filha? - Me desculpe, dona Dora! - falei, olhando para baixo. Depois percebi que a chamei pelo nome, mas a culpa não era minha se a tal da Conceição explanou. - Que isso, menina! - ela disse, sorrindo - É melhor você sentar aqui mesmo, isso vai demorar. E Conceição continuava com seu debate com o cobrador. - Meu querido, o ônibus era R$2,15 e prometeram que ia continuar assim, isso não dá nem meio dólar e dá pra pagar na nossa moedinha mesmo, aí foi pra R$2,45 e eu já comecei a suar, quando chegou em R$2,80 eu já pensei em trocar tudo para dólar logo que fica mais barato. Agora tá 3,20 e esse aqui ainda é R$4,40! - Mas o dólar é mais caro, senhora. Eu não entendia a razão do cobrador ainda discutir, mas achei engraçado. - É, mas é só uma unidadezinha dessa moeda, enquanto da nossa são mais de quatro! Um absurdo! E o próprio dólar está R$4,34 para turismo, eu pago os centavos que faltarem em real, se você faz tanta questão, agora pegue logo que eu quero sentar. - A senhora vai mesmo pagar em dólar? - Tá aqui as nossas. - falou Dora, finalmente vencida, tirando uma nota de dez reais e dando para o cobrador, que deixou elas passarem. Passei logo atrás e me sentei (no lado do sol, óbvio). Não é que Conceição tinha razão? Era uma lógica meio torta, claro, mas com a passagem tão cara e o dólar tão alto, fez sentido na cabeça dela juntar logo os dois e eu não posso culpá-la. Pouco depois, chegou a minha parada e eu tive que passar por elas para chegar na porta. As duas estavam ainda conversando sobre o bendito dinheiro. Antes de descer, ainda ouvi a última pérola. - Quero nem ver quando for pra pegar o opcional, Conceição. - Eu sei que é mais caro, mas não precisa se preocupar, eu trouxe Euro também.


Foto: joaogbjunior/creativecommons

A FORÇA DO EMPREENDEDORISMO NOS BAIRROS Por: Roseane Gomes e Brunna Monteiro

Com o Brasil em crise, cresceu o número de desempregados e de empresas falidas no país. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), o índice de desemprego foi de 12,7% só no primeiro trimestre de 2018. Mas o fato do de muitas empresas estarem demitindo seus funcionários em vários estados do país não significa que as pessoas estão necessariamente estagnadas. Segundo o Sebrae, 11,1 milhões de empresas foram criadas por necessidade nos últimos 3 anos e meio, no Brasil. Esse percentual mostra que, apesar da insegurança com a crise, o brasileiro ainda acredita na força dos seus próprios negócios. Seja em uma padaria, ou em uma loja multicoisas, o empreendedorismo é uma aposta de muitos brasileiros, que muitas vezes abrem os seus negócios nos bairros onde moram e, assim, movimentam a economia local. Phiedro Davi, 24, e Hector Davi, 17, são exemplos. Eles abriram uma loja de açaí no bairro do Ipsep, onde moram. Com vontade de fazer algo diferente, os dois jovens não quiseram depender de oportunidades no mercado para ganhar dinheiro. “A ideia de abrir o Açaílogia surgiu em 2016. A gente teve essa visão empreendedora de querer colo-

car um negócio, acho que veio de família. Nosso sonho era abrir algo que pudéssemos colocar nossa cara, nosso jeito. Depois de muita pesquisa, chegamos a ideia do açaí por conta do clima do Recife”, comentam. Para abrir o negócio, eles explicaram que pensaram em um produto diferente, que pudesse gerar uma identificação nas pessoas. “Pensamos e preparamos também um ambiente moderno que gerasse um conforto nas pessoas e um atendimento qualificado, que tratasse todos de maneira igualitária”, explicam. Sobre o envolvimento dos moradores do bairro, eles confessam que a interação é algo que os motiva muito. “A gente percebe a receptividade e a fidelização deles também. Isso é legal porque tem gente que vem e traz mais um amigo. As pessoas aqui da redondeza estão falando super bem, isso é muito bacana”. Sobre as dicas para alguém que também quer investir, eles dizem que “para abrir um negócio, o ideal é ter uma ideia definida do que você quer, dividir as tarefas com seus parceiros e acreditar no seu negócio”. Quem também entende de empreendedorismo é Eliane Barbosa, 45. Há mais de dez anos, ela tem uma loja de variedades no bairro onde mora, no Jordão Alto. “Tenho o meu comércio há muito tempo e sou muito satisfeita por isso. Em momentos de crise sempre sei como me livrar e continuar fazendo meus clientes felizes sem alterar os preços”, disse. Por estar há muito tempo no mercado, Eliane conta que já sabe o que seus clientes precisam: “Coloco à venda tudo que eles querem comprar, até fico preocupada quando falta algo que sei que eles costumam adquirir. É uma relação muito boa a que tenho com meus clientes”. Jean Marcio de Mélo, mestre em Econo-

“Como e quando investir? Eis as questões!”

Foto: Roseane Gomes

ECOS | 7


mia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor livro “Como e quando investir? Eis as questões!”, explica como os comércios dos bairros ajudam a movimentar a economia de uma cidade.

Foto: Jean Marcio de Mélo

Ele destaca a possibilidade de atuar em nichos e suprir necessidades muitas vezes de forma pioneira em diversos lugares. “Entre os benefícios, citaria a descentralização de atividades e os ganhos advindos de oferecer produtos e serviços em locais mais distantes do núcleo das

Foto: Roseane Gomes

8 | ECOS

cidades, que antes somente poderiam ser encontrados mediantes deslocamentos às vezes significativos”. Ele também dá algumas dicas para quem quer investir. “Se olharmos para os lados poderemos ver muitas oportunidades. Além da criatividade, do senso de oportunidade e da vontade de trabalhar ou realizar um sonho, organização é essencial. Em sua maioria os negócios não vão à falência porque são ruins, mas sim pela ausência de elementos de gestão financeira e administrativa. Vontade e motivação são fundamentais, mas não são suficientes para garantir a perenidade de um empreendimento”, explica. Atualmente, no Brasil, para abrir um negócio próprio, é preciso seguir alguns passos. Caso seja na forma de MEI – microempreendedor individual - o processo é extremamente simplificado e pode ser feito via internet. Inclusive, há empresas e portais que prestam assessoria neste sentido. Para empreendimentos como microempresas, o processo passa pelos cadastros na junta comercial, Receita e prefeitura, especialmente. Para quem pretende empreender, Mélo recomenda contar com o suporte de um contador e mesmo do SEBRAE. Isso previne pendências e economiza tempo, esforço e despesas em geral, segundo ele.


Foto: Pedrosa_picture/creativecommons

O FUTURO DAS Conceito BENESSES concessão e conta FISCAIS Por: José Bonifácio Lira, Alef Souza e Larissa Araújo

O conceito de incentivo fiscal é simples, no entanto, o seu fazer é considerado complexo. Essas medidas são dadas pelos governos municipais, estaduais e federais e servem para isentar parte dos tributos que, basicamente, deveriam ser pagos por uma empresa. Para poder usufruir do instrumento, os empreendimentos devem se encaixar em critérios pré-estabelecidos nas atuais normas vigentes. O professor e economista Gilmar Amaral classifica os incentivos fiscais como “uma ferramenta governamental para atrair a instalação de empresas em determinado local, ao simplesmente oferecer redução de imposto”. Segundo o economista, a soma dessas isenções vai para a conta do governo em forma de queda de arrecadamento na PIS/COFINS, em esfera federal, e no ICMS, em esfera estadual.

“É um toma lá, dá cá. Com os incentivos dados às empresas, o governo está abdicando de parte da receita, mas está gerando mais emprego, renda e consumo para o seu determinado local. É uma verdadeira ciranda” “É um toma lá, dá cá. Com os incentivos dados às empresas, o governo está abdicando de parte da receita, mas está gerando mais emprego,

renda e consumo para o seu determinado local. É uma verdadeira ciranda”, acrescentou o economista. Embora os fatores de consumo apresentados por Amaral constituam o pontapé inicial para fazer com que a roda da economia gire, o chamado poder de compra, há um custo crescente para a União. Gerar consumo desse modo tem seu preço. Tudo indica que o número de subsídios e desonerações concedidas está extrapolando o limite do governo. No início do ano, o Banco Mundial sugeriu ao Brasil uma revisão no número de benesses concedidas a indústrias que, só em 2015, somaram 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) - a soma de todas as riquezas e bens produzidos pelo país. Em 2019, o governo estima conceder R$ 376 bilhões em incentivos fiscais. Os principais incentivos fiscais em vigor no Brasil, são os incentivo ao desporto; incentivo aos projetos audiovisuais; incentivo aos projetos culturais; incentivo tecnológico; incentivo à inovação e à pesquisa científica. Em regiões portadoras de agências desenvolvmentistas, a prática de conceder benesses fiscais a indústrias é recorrente. No Nordeste, temos a atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que dispõe de quatro modalidades de incentivos: isenção do IRPJ, redução de 75% do IRPJ para novos empreendimentos, reinvestimentos do IRPJ para modernização da empresa e a depreciação acelerada. Segundo o economista e coordenador de incentivos e benefícios fiscais da Sudene, Silvio Carlos, o critério de escolha da empresa que vai receber esses pleitos é referente à capacidade germinativa de novos projetos e geração de empregos. “A gente leva em consideração o futuro da ECOS | 9


empresa, quanto ela ainda pode crescer, em que região ela está inserida e se aquela produção causa algum tipo de benefício para os moradores locais, como geração de emprego e desenvolvimento. A sustentabilidade também é algo decisivo na aprovação do pleito”, completou o profissional. Questionado sobre o papel de agências desenvolvimentistas como intermediárias entre União e empresários para a oferta desses instrumentos de ação, Gilmar Amaral criticou o atual modelo da Sudene: “A Sudene foi extinta no começo dos anos 2000, mas voltou à ativa já no segundo mandato do ex-presidente Lula. Hoje, ela funciona apenas como um cabide de emprego. Acho que ela é importante sim, mas o seu papel deve ser revisto. Deve se tornar mais ativa”, afirmou o economista. Questionado quanto ao futuro desses instrumentos, o economista Gilmar Amaral afirma que a prática não deve acabar: “Incentivar a indústria é incentivar o Brasil. No entanto, há de ser feita uma fiscalização para saber se o imposto

que não é pago por essas empresas está indo para a modernização do ambiente de trabalho. Não adianta o governo isentar e o empresário reter o dinheiro que deixou de pagar de imposto em sua conta bancária. Tem que mostrar serviço”, pontuou. Os incentivos fiscais foram peça chave para uma redução, mesmo que modesta, da desigualdade industrial da região Nordeste em relação a outras regiões mais desenvolvidas, a exemplo do Sudeste. A mais recente prova disso foi a implementação da fábrica da Fiat, no município de Goiana. Os incentivos oferecidos tanto por poderes federais e estaduais foram decisivos para a escolha de Pernambuco como sede da montadora, que hoje gera mais de 13.600 postos de trabalho.

ÁREA DE ATUAÇÃO DA SUDENE

As áreas mostradas pelos círculos compreendem a área de atuação da sudene. Apenas empresas instaladas nessa região podem usufruir dos benefícios. O espaço compreende os estados de Pernambuco, Bahia, Alagoas, Paraíba, Sergipe, Ceará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Norte de Minas Gerais e norte do Espírito Santo.

10 | ECOS


FUNDOS CONSTITUCIONAIS PARA SUPERAÇÃO DA DESIGUALDADE INTER-REGIONAL Por: Adielson Eliel, Luísa Beatriz Lima, Daniela Cezias

Poucas são as pessoas que sabem da existência dos Fundos Constitucionais Financiamento do Centro-Oeste (FCO), do Norte (FNO) e do Nordeste (FNE), que completam 30 anos em 2018. Menos ainda a razão da sua existência ou como obter acesso a eles. Foram aprovados em 1989, pela Lei n. 7.827, que regulamentou o artigo 159 da Constituição Federal, com o objetivo de combater a desigualdade inter-regionais do Brasil. Primeiramente, os fundos de investimentos são uma espécie de aplicação financeira de um conjunto de pessoas (cotistas) cujo dinheiro é investido visando obter lucro. Nos casos dos Fundos Constitucionais, os recursos são captados por meio de uma parcela da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Ou seja, nós somos os cotistas. O Ministério da Integração é quem coordena a iniciativa que busca facilitar o acesso ao crédito para empreendedores, desde o pequeno agricultor familiar a grandes empresas. Assim, a soma total de 3%, oriunda desses tributos, é destinada aos FCO (0,6%), FNO (0,6%) e FNE (1,8%) — região carente historicamente e castigada pelas secas. Os recursos dos Fundos são administrados pelo Banco do Brasil (Centro-Oeste), Banco da Amazônia (Norte) e Banco do Nordeste (Nordeste). Esses bancos têm obrigação legal de distribuir o valor acumulado para as classes produtivas de suas respectivas regiões em forma de financiamento com juros mais abaixo do mercado. Os principais objetivos são contribuir para a redução das desigualdades regionais e erradicar a miséria nas regiões menos favorecidas, quando comparadas às Regiões Sul e Sudeste do Brasil.

FNE E BANCO DO NORDESTE

Criado pela Lei n. 1.649, em 1952, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) atuava, inicialmente, nos territórios brasileiros regularmente atingidos por grandes períodos de estiagem. Com o decreto constitucional de 1988, o BNB passou a administrar o FNE. Com isso, sua área de atuação foi ampliada. Hoje, o Banco está presente em quase 2 mil municípios de todo o Nordeste e também no norte de Minas Gerais e Espírito Santo — locais caracterizados pelo clima semi-árido. O Banco do Nordeste é uma instituição financeira organizada sob a forma de sociedade de economia mista. Sendo assim, 90% pertence ao Governo Federal e o restante em capital aberto — acionistas. “Desde sua criação, o FNE é a nossa principal fonte de recursos. Há tempos somos reconhecidos como o maior banco de desenvolvimento regional da América Latina”, destacou o superintendente do BNB em Pernambuco, Ernesto Cruz. Para distribuir os recursos do FNE, o Banco possui diversas linhas de crédito para atender desde o pequeno agricultor familiar até grandes empresas. Um produto famoso do banco é o microcrédito (termo usado para designar uma variedade de empréstimos cujas características comuns são: pequeno valor; direcionamento a um público restrito, definido por sua baixa renda ou pelo seu ramo de negócios). “O Crediamigo tem mais de 20 anos e, durante esse tempo, já aplicou R$ 50 bilhões. O programa ajudou quase 3 milhões de microempreendedores a conseguir independência financeira com empréstimos de R$ 300,00”, completou Cruz. INVESTIMENTO RECORDE EM 2017

No ano passado, R$ 26.7 bilhões foram financiados com recursos dos Fundos no Brasil — um desempenho histórico. O volume foi 49% maior quando comparado a 2016. Ao todo, mais de 644 mil operações de crédito foram realizadas nas três regiões e, só no Nordeste, foram mais de meio milhão. Isso totaliza cerca de R$ 16 bilhões aplicados, principalmente, nos setores empresarial (R$ 10 bilhões) e rural (R$ 6,1 bilhões).

ECOS | 11


CRIATIVIDADE CONTRA O DESEMPREGO Ambulantes da Estação Joana Bezerra organizam-se para enfrentar os desafios da crise Por: Martihene Keila e Natacha Chagas

A crise econômica do país tem contribuído para o aumento da taxa de desemprego. No Brasil, essa taxa corresponde a 12,07%, segundo a última pesquisa trimestral realizada em abril de 2018, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Com isso, o trabalho autônomo torna-se alternativa para aqueles que precisam de renda. Trabalhador autônomo é toda pessoa física que possui a sua própria atividade econômica, seja ela formal ou informal. Contudo, ao lado dos trabalhadores informais geralmente está o preço baixo e também a forma de negociar sem muitas regras. Espalham-se pelas ruas mais movimentadas do país, nos centros das capitais, nas feiras, nas grandes avenidas, e vendem por um preço que cabe no bolso e é atraente para o cliente. Para todo trabalho ser bem sucedido, é necessária organização, seja nas atividades exercidas por empregados ou por trabalhadores informais. Basta uma observação mais precisa e será possível identificar que o Metroshopping Popular, como é conhecida a Estação Joana Bezerra, é na verdade uma grande empresa, ainda que não formalizada. Segundo o site da Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, a superintendência de 12 | ECOS

Trens Urbanos do Recife - METROREC, que atende diretamente os municípios do Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes, e indiretamente os demais municípios da região metropolitana através dos terminais de ônibus integrados, informa que circulam aproximadamente, cerca de 205 mil pessoas por dia, em uma extensão de 39,5 km. Este número é importante para justificar a quantidade de ambulantes na Estação Joana Bezerra. Nas barracas, que ficam nas calçadas entre o terminal integrado e a estação, é natural ouvir os gritos eufóricos dos vendedores, anunciando os produtos em uma disputa acirrada, para baterem a meta de vendas do dia. “Ei, massa de batata, olha a coxinha...! Coxinha, pastel, enroladinho é um real... Coxinha, é, irmã? Coxinha, é? Venha cá, rapaz! Coxinha, é? Venha cá, venha cá, venha cá, venha!” grita Ester, 18, cuja meta estipulada pela patroa é a venda de 350 coxinhas por dia, por meio do seu trabalho e da colega. Uma dupla para cada barraca, os produtos são os mesmos: coxinha, pastel e enroladinho, dentre outros alimentos. A patroa de Ester precisa pagar o ponto que ocupa. No horário da manhã, esse ponto já é dela, foi comprado por R$3 mil.


Foto: Martihene Keila

Para que continue com o espaço no restante do dia, ela paga o valor de R$100,00 por cada tarde que precisar. À noite, outra pessoa aluga. O verdadeiro dono do ponto não foi localizado. Não se sabe como a calçada foi adquirida, mas é lá onde muitos recifenses desempregados têm encontrado o meio de tirar o sustento. Ambulantes vendem alimentos nas grades que cercam a Estação Joana Bezerra. A atividade é organizada e os camelôs que vendem diretamente para passageiros contam até com fornecedores. Por fora das subidas que levam às paradas dos vagões, encontra-se outra categoria de trabalhadores informais, que vendem para os próprios ambulantes. O comerciante Marcos, 29, é um deles. Ele trabalha atrás das grades fornecendo pipoca e outros alimentos para os ambulantes internos. Os ambulantes internos compram as mercadorias de Marcos e outros fornecedores em pequenas quantidades, várias vezes no mesmo dia. Cada camelô, como são conhecidos, monta a sua estratégia. Esta pode ser a caracterização, o grito ou o produto interessante, que só ele tem. Ganha o que for mais simpático e com discurso envolvente. Com o aumento de concorrentes entre si, a criatividade que já era característica tor-

nou-se fundamental. “Eu divulgo assim: ‘ó o carregador, o fone de ouvido, carregador, fone portátil universal, venha, cá, minha bença! Venha cá!’”. Explicou o comerciante Leandro, 27, vendedor de acessórios para celular na Estação Joana Bezerra. Não há regras para os produtos oferecidos nem para a forma de anunciar. Na estação, vendese de tudo um pouco: alimentos para o passatempo da viagem, como pipoca, biscoito, água mineral; linguiças, salames, macaxeira, bananas; pomadas para dor de cabeça; acessórios eletrônicos. A música também faz parte do comércio, seja ela ao vivo, cantada por algum artista dentro do vagão, ou gravada, em CD. O calor dos vagões é combatido com o famoso “Cremosinho” dos recifenses, sorvete bastante procurado. Na intenção de suavizar a concorrência, os camelôs dividem-se em categorias de mercadorias. Cada vagão tem um ambulante que vende pipoca e salgadinho, outro que vende o sorvete Cremosinho, outro que vende acessórios para celular, outro que vende salame, outro que vende água mineral etc. Na parada de cada estação, troca-se de vagão. Assim, todos se ajudam e driblam os desafios do trabalho informal, na crise econômica que atinge o país. ECOS | 13


“JEITINHO BRASILEIRO” NA HORA DE TRABALHAR As estratégias dos ambulantes para driblar represálias do governo

Por: Martihene Keila

Na reportagem anterior, você conheceu um pouco sobre o os ambulantes que trabalham no Terminal Integrado e Estação Joana Bezerra. No entanto, a Prefeitura do Recife proíbe o trabalho informal. Mas, apesar do combate da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), espalhando agentes de segurança e colocando placas que sinalizam a proibição do comércio dentro das estações, é visível o crescimento de pessoas que se arriscam a vender dentro dos vagões. “Já perdi mercadoria duas vezes e a sensação foi horrível. Estamos lutando para sobreviver, vem um, leva a mercadoria e a gente fica sem nada. Tem que lutar de novo para conseguir os produtos e vender”, declarou o comerciante informal Leandro, 27, relembrando experiências recentes que viveu nos vagões da companhia de trens. “Eles são trabalhadores. Tem muito pai de família que precisa desse trabalho para sustentar os seus filhos, a gente entende, mas precisamos cumprir a ordem”, afirmou um agente da CBTU que trabalha na Estação Joana Bezerra e preferiu não se identificar. Os agentes da BBC Vigilância e Serviços, empresa terceirizada para manter a ordem do local, não apreendem, por enquanto, as mercadorias dos vendedores que trabalham atrás das 14 | ECOS

grades, do lado de fora da estação. “Vocês nem precisam perguntar se sofremos repressão da segurança. Não temos mercadoria apreendida, trabalhamos do lado de fora. Os que sofrem são os que trabalham dentro, coitados!”, exclamou Marcos, 29.

Trecho da passagem que liga Estação ao Terminal Integrado Joana Bezerra (Foto: Martihene Keila)

Segundo ele, os ambulantes que trabalham dentro da estação são os que mais sofrem represálias. Alguns, com uma boa conversa, conseguem, na “camaradagem” exercer o trabalho até determinado tempo. É o caso de Henrique, 39, que vende salada de frutas na esquina da passarela que leva as pessoas até os vagões. Ele informa que o trabalho é mais arriscado porque corre o risco de ter seu material apreendido, mas conseguiu


Foto: Martihene Keila

certa liberdade para vender ali, das 8h às 14h. Passando desse horário, o produto é apreendido. Henrique afirma nunca ter presenciado uma apreensão de mercadoria, mas sabe que é uma situação recorrente dentro dos trens. “Está sempre acontecendo, porque estão indo de encontro à autoridade. Eles [os agentes] dizem uma coisa e a turma faz outra”, comenta.

Ambulantes dentro do metrô (Foto: Martihene Keila)

Nos trilhos do trem e na pista dos ônibus, são jogados os produtos dos ambulantes que desobedecem. Com frequência, passageiros se deparam com situações comoventes. “É complicado, pois acho que é um trabalho digno. É a alternativa que eles acharam para não tomar outra atitude nem padecer de necessidade”, comentou a designer de interiores Tatiana Rocha, 24, que

costuma frequentar o Terminal Integrado e Estação Joana Bezerra. A técnica de farmácia Ana Paula Lima, 22, revolta-se com a situação: “eu vi muita coisa desnecessária com o pessoal. Eles abrem a sacola de pipocas e jogam tudo na linha do metrô. É humilhante, constrangedor e desnecessário. Chega a ser desumano. A maioria está ali para conseguir o sustento”. Para evitar situações como essas, os ambulantes criaram estratégias criativas. Guardam as mercadorias em mochilas e sacolas, que se confundem com bolsas de passageiros. Além disso, criaram um código de alerta para sinalizar quando um agente está rondando nas proximidades. Ao escutar o código, o espaço é esvaziado e os ambulantes se escondem ou vão para o outro lado da via. Os passageiros ajudam e, quando os agentes vão embora, logo tudo se normaliza. “A gente sempre fica sabendo, porque um vai passando pra o outro: ‘tá chegando!’ Aí antes de eles chegarem, a gente já vai embora. Quando eles chegam, não estamos mais ali. Quando vão embora, a gente volta de novo”, explicou Leandro.

ECOS | 15


Foto: Alexas_Fotos/Creative Commons

QUANDO O PESADELO MORA EM CASA Apesar da Maria da Penha, os casos de mulheres que convivem com o sofrimento e a violência de seus companheiros ainda estão longe de ser coisa do passado.

Por: Luísa Beatriz e Daniela Cezias

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, que administra a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, a lei Maria da Penha, que já está sendo executada há 12 anos, já registra mais de 72 mil denúncias. Apesar do aumento da notificação desses casos, muitas mulheres ainda sofrem caladas. Segundo a psicóloga e especialista em neuropsicologia Maria Fabiana Nunes da Silva, o ato de esconder a agressão se dá por diversos motivos. Entre eles, o receio de como isso pode repercutir na sociedade e/ou a reação do companheiro. “O medo do julgamento e de como ele irá agir ao saber que a companheira prestou queixa tomam conta da vítima e não as leva a ir fazer a denúncia”, pontuou. O caso de Maria de Lourdes, 67, não foi diferente. Ela casou-se aos 15 anos com Antônio Francelino de Lima e, a princípio sem perceber, passou a conviver com um marido ciumento e violento. “Ele se apresentava como uma pessoa de família, trabalhador e bastante carinhoso”, relatou. Para Maria de Lourdes, ela estava num relacionamento perfeito.

“Ele era amoroso, me dava flores e me levava para passear”, narrou. Mas, com o tempo, isso mudou. A pessoa que demonstrava ser bastante afetuosa começou a deixar explícito seu lado agressivo. De acordo com Maria Fabiana, no início a agressão não é perceptível. Ela começa com algo sutil, como a proibição de usar alguns tipos de roupas, sair com amigos e até de socializar com a família. “Muitas dessas vítimas sofrem sem perceber. O ciúme excessivo também é um tipo de agressão”, ressaltou a psicóloga. Proibições, agressões físicas e psicológicas entraram na rotina da vítima, que perdurou durante 37 anos. As agressões começaram quando ele foi buscá-la no trabalho e a viu conversando com um amigo. O lado ciumento aflorou: “No momento, não falou nada, mas quando estávamos a sós, ele gritava”. Não parou por aí. A partir desse momento, Antônio ia todos os dias buscar Lourdes para ir para casa. Lourdes se deparou com uma série de interdições. Ele a impedia de ir na casa de amigas e de familiares. Também a proibia de usar calças

“Muitas dessas vítimas sofrem sem perceber.O ciúme excessivo também é um tipo de agressão”

16 | ECOS


jeans: “um dia, eu fui visitar minha mãe de calça jeans. Quando cheguei em casa, ele já tinha chegado do trabalho”. Neste dia, a agressão tornou-se física. “Ele me bateu pela primeira vez”, relatou. Segundo o relato da vítima, o marido tirou o cinto da calça jeans e começou a agredi-la: “foi tão forte que eu gritava”. No caso da violência doméstica, a decisão da denúncia é sempre mais difícil, pois a vítima, além do vínculo emocional, muitas vezes também depende financeiramente do agressor. Maria de Lourdes explica que nunca tentou denunciá-lo, pois não teria como sustentar seus filhos caso formalizasse a denúncia. “Às vezes, eu até pensava em prestar queixa, mas como antigamente não tinha essa lei Maria da Penha e eu não tinha nenhuma renda, se eu denunciasse iria ser apenas uma mulher sem ter como cuidar dos meus quatro filhos. Pensei neles e continuei”, contou, emocionada. Grande parte da sociedade enxerga o casamento como o sinal de sucesso da vida social de uma mulher. O medo do que a sociedade vai pensar também é um empecilho para quem sofre dentro de casa. No caso de Lourdes, havia o agravante da profissão do marido, que era um radialista conhecido no município pernambucano do Cabo de Santo Agostinho, onde residiam: “como ele era bastante influente, eu tinha medo do que a sociedade ia pensar de mim, por ser uma cidade pequena”, complementou. O sofrimento de Maria de Lourdes encerrou quando o marido faleceu, aos 59 anos, de infarto. MARIA DA PENHA: UMA HISTÓRIA, UMA LEI, UM LEGADO Ainda inexistente quando Maria de Lourdes mais precisou, a Lei Maria da Penha surgiu a partir do momento em que percebeu-se que havia a necessidade de punição mais rigorosa contra a violência física ou psicológica cometida contra a mulher. Possui esse nome em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi casada por 23 anos e agredida durante seis. Após sofrer uma tentativa de homicídio - com um tiro de espingarda enquanto dormia -, recorreu à delegacia em busca de proteção contra Marcos Antonio Herredia Viveiros, seu marido. Depois de tê-la deixado paraplégica, ele ainda tentou matála eletrocutada.

Desde 2006, quando a lei passou a vigorar, o governo disponibiliza o número 180 para que qualquer pessoa possa denunciar gratuitamente 24 horas por dia, sem burocracia, qualquer dia da semana. Segundo a delegada da Mulher do Cabo de Santo Agostinho, Angela Patrícia Fernandes, só no ato da denúncia os órgãos responsáveis podem tomar as providências cabíveis: “a denúncia é de suma importância para que possamos identificar os casos e atuar ativamente no combate à violência contra a mulher”, destacou. A delegada ainda informou que a queixa não precisa ser feita exclusivamente nas Delegacias de Defesa da Mulher: “os distritos policiais podem receber a queixa e transferir para as delegacias especializadas”, orientou. Além disso, qualquer pessoa pode prestar a queixa, não apenas a vítima, com garantia de proteção à identidade. Há casos em que a mulher decide retirar a queixa, muitas vezes por medo, mas a delegada explicou que, uma vez feita, a queixa não pode ser retirada. No caso de lesão corporal, uma ação pública e incondicionada é registrada independente do desejo da vítima de denunciar o agressor. “A mulher que denuncia é uma mulher protegida”, declarou Angela. Nas delegacias da mulher, além de realizar denúncia, a vítima ainda pode receber acompanhamento semanal gratuito de 40 minutos. As mulheres contam com o suporte de uma equipe multidisciplinar de profissionais que têm o objetivo de acolher as vítimas de violência doméstica. Segundo dados do Observatório da Mulher Contra a Violência, no ano de 2016, foram abertos 2.790 inquéritos policiais relativos à violência doméstica em Pernambuco, o que representa uma taxa de 56,8 inquéritos a cada 100 mil mulheres. O relatório “Panorama da Violência contra a Mulher no Brasil”, publicado pelo Observatório em 2018, analisa que a taxa abaixo de 100 pode ser sinal de pouca procura, ou pouco acesso, às instituições de segurança pública. O relatório ainda menciona que nenhum indicador é totalmente adequado para mensurar os níveis de violência contra mulheres em cada estado, especialmente devido à suspeita de altos índices de subnotificação.

ECOS | 17


CHECAR PARA

INFORMAR Com o aumento do fluxo de fake news, cresce o número de agências especializadas na verificação de notícias, na luta de preservar o trabalho de apuração jornalística Por: Gustavo Militão

A popularização da internet e das redes sociais revolucionou a maneira de nos comunicarmos. Distâncias reduzidas, maior facilidade de acesso ao conhecimento, além de uma série de outras comodidades. Acompanhando este crescimento notável, os efeitos colaterais vieram na mesma proporção, principalmente no que se refere à disseminação da informação. O jornalismo atual convive com uma “erva daninha”, que parece desafiar todos os limites e coloca em xeque o trabalho de centenas de veículos e profissionais: a fabricação de inverdades, os boatos produzidos para parecer uma notícia verdadeira - que o senso comum acostumou-se a chamar de fake news. Não é nada incomum nos depararmos com pessoas próximas nos perguntando se certas informações são verdadeiras. Desde boatos sobre vacinas distribuídas pelo governo para matar pessoas idosas até a imagem de uma suposta nova nota de 50 reais com o rosto de uma cantora pop. Mas a quantidade de pessoas que não desconfia do que lê na internet - e ainda compartilha - fez com que a disseminação desses conteúdos fosse encarada como um problema contemporâneo. Este fenômeno já influenciou resultados de eleições e referendos ao redor do mundo. Em março de 2018, uma pesquisa conduzida pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos EUA, constatou que uma notícia falsa se espalha por meio das redes sociais digitais numa velocidade 70% maior do que uma notícia verdadeira. De acordo com a mesma pesquisa, notícias falsas que abordam temas relacionados a política são as mais propícias a se espalharem (cerca de três 18 | ECOS

vezes mais rápido do que uma notícia verídica do mesmo tema). Informações ligadas a desastres naturais, lendas urbanas e terrorismo também têm um alto índice de disseminação. Isso ocorre, em grande parte, porque esses tipos de notícias estão construídas em cima de uma narrativa emocional, despertando sentimentos como a raiva, comoção, curiosidade, asco, entre outras reações. EM CENA, O FACT-CHECKING No intuito de combater e educar as pessoas dos malefícios provocados pelas fake news, cresceu a importância do chamado fact-checking, ou, simplesmente, a checagem de fatos. Trata-se de um método que verifica notícias ou declarações dadas por pessoas públicas, e que são publicadas em veículos de relevância. Embora a apuração seja um dos pilares essenciais do jornalismo e que é feita desde que a profissão existe, o fact-checking é um método relativamente novo. Começou a ser implementado em 1991, pelo jornalista da rede de TV americana CNN, Brooks Jackson. Tudo o que era falado pelos principais candidatos à presidência dos EUA naquele ano (o democrata Bill Clinton e o republicano George Bush, que tentava a reeleição) era verificado por Jackson. Foi apenas em 2003, com a criação nos Estados Unidos do site Factcheck.org, do Annenberg Public Policy Center na Universidade da Pensilvânia, que o procedimento começou a decolar no mundo do jornalismo. O site, criado pelo próprio Jackson, é considerado o pioneiro em checagem no meio digital. Imediatamente, outros grandes jornais, como o The New York Times, passaram a adotar a prática. Então começaram a surgir agências especializadas somente em checagem de informações publicadas em meios de grande circulação. Na América do Sul, o site argentino Chequeado, em 2010, foi o pioneiro a realizar este tipo de trabalho. No Brasil, a primeira agência especializada exclusivamente em checagem de fatos foi a Agência Lupa, fundada em novembro de 2015. Atualmente, apenas três agências de checagem de notícias no Brasil (Lupa, Aosfatos. org e Truco) estão certificadas para fazer este tipo de trabalho, seguindo as premissas estabelecidas pela Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN).


Em 2016, o órgão criou um selo internacional para regular estas agências, através de uma espécie de “cartilha”, que busca orientar estes grupos para vigilância de aspectos como a transparência de métodos, o compromisso com a honestidade e a correção. O Marco Zero Conteúdo, coletivo pernambucano de jornalismo investigativo focado na produção de matérias independentes e de interesse público, é um dos parceiros da Agência Lupa no estado desde 2016. Sérgio Buarque, jornalista e editor do projeto Truco em Pernambuco (vinculado à Agência Pública), contou que a parceria surgiu nas eleições municipais daquele ano, quando Recife foi uma das cinco capitais brasileiras escolhidas para receber o projeto (junto com Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo). “Este projeto traz dois benefícios diretos: O primeiro é o de fiscalizar os candidatos, fazendo com que eles tenham mais cuidado com o seu discurso, pois anteriormente o candidato falava qualquer coisa e ficava por isso mesmo. Já o segundo é que a própria mídia não se preocupava em checar o declaratório. Agora o jornalista se preocupa mais em checar e publicar os dados corretos”, apontou Buarque. Em 2018, durante as eleições estaduais o Truco repetiu o projeto em Pernambuco. Foram 32 checagens feitas num período de 60 dias, analisando declarações dadas pelos seis candidatos a governador sobre 12 temas diferentes. Destas, apenas dez foram classificadas como verdadeiras.

do para o futuro, prevejo um aperfeiçoamento do processo da checagem”, avaliou. Entretanto, ele analisou que o grande desafio para o fact-checking, além de romper a “bolha” e chegar a todo eleitorado, é fazer deste processo um instrumento de educação a sociedade. “Mesmo as checagens tendo boa audiência quando publicadas, elas não são consumidas por quem acessa a notícia falsa. Isso passa por um processo de educação, que deveria vir desde a escola, de conhecer a cultura da mídia, saber interpretar um texto. Isso ajudará a contribuir para o debate público”, refletiu Buarque. Para a jornalista professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Adriana Santana, a checagem de informações é extremamente necessária atualmente, devido ao enorme fluxo de informações que estão circulando entre a população. “É uma preocupação antiga dos veículos de comunicação. Tanto para trazer mais qualidade às informações como para dar mais segurança, para que elas não sejam contestadas. A preocupação com a checagem é muito grande, até para a sobrevivência dos próprios veículos”, salientou a professora. Outra função da checagem deve ser o viés educativo junto a sociedade, fazendo que as pessoas se acostumem a buscar de onde vem a informação antes de replicarem e usarem em seu benefício. “Quem não tem informação, muitas vezes, não tem instrumento de luta. Não tem como cobrar e nem como garantir que seus direitos sejam assegurados”, esclareceu Santana. Atualmente existem no mundo mais de 140 agências apenas voltadas ao fact-checking, espalhadas por 57 países. A tendência é de crescimento ainda maior dessas plataformas, tornando-se uma valiosa ferramenta de auxílio ao jornalismo. Também contribuem no combate contra as fake news. “A tendência natural é que o trabalho dessas agências vai aumentar mais, com essa profusão de informações e meios de veiculação”, analisou a professora.

“Quem não tem informação, muitas vezes, não tem instrumento de luta. Não tem como cobrar e nem como garantir que seus direitos sejam assegurados”,

OS IMPACTOS FUTUROS NO JORNALISMO Segundo o editor, o processo de fact-checking vem mostrando evolução e, para as próximas eleições, passará por mais ajustes e melhorias. “Em 2016, era tudo novidade, era necessário explicar aos assessores dos candidatos o que era checagem, o que era o projeto do Truco em si... já nestas últimas eleições virou uma grande ‘moda’. O processo ficou muito mais naturalizado. Olhan-

ECOS | 19


EM DEFESA DA PRIVACIDADE Em dias onde o privado se torna cada vez mais “público”, a sociedade busca ferramentas para proteger sua intimidade dentro e fora do ambiente virtual. Por: Gustavo Militão

Você acha que a sua intimidade está garantida no seu dia a dia? Suas informações na internet estão devidamente seguras? E, apenas ocasionalmente, é que você busca saber onde estão os seus dados na rede? Se você respondeu “sim” para todas estas perguntas, é hora de repensar se você está mesmo cuidando de sua privacidade. A privacidade é um direito garantido pela Constituição Federal no seu Artigo V - que fala sobre os direitos e garantias fundamentais das pessoas. O inciso X diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Todavia, com o crescimento das redes sociais digitais e o constante monitoramento de dados feito por elas de seus usuários, o ditado que diz que a nossa vida “é um livro aberto” nunca foi tão real. Redes sociais digitais “escancaram” a intimidade Segundo a empresa Gemalto, uma das referências em segurança digital no mundo, 291 informações pessoais vazavam a cada segundo do primeiro semestre deste ano. Num relatório produzido pela empresa, foi constatado que, só no primeiro semestre de 2018, 945 violações de dados foram registradas em todo o planeta, vitimando 4,5 bilhões de registros -- 25 milhões a cada dia. Centenas de informações pessoais sendo expostas, como senhas de cartões de crédi20 | ECOS

to ou números de documentação pessoal. Um aumento de ocorrências de 133% em relação ao mesmo período em 2017. A fraqueza de segurança de informações das redes sociais, em especial o Facebook, contribuiu significativamente para o número de invasões. Basta lembrar de escândalos recentes, como o caso da Cambridge Analytica, que teve acesso às informações de milhares de pessoas nas eleições norte americanas de 2016 e no referendo pela votação do Brexit, para manipulação de conteúdo. O funcionário público Tarciso Lira, 20 anos, apesar de não ter uma grande preocupação em controlar a privacidade dos seus dados, tenta se proteger da maneira que pode. Ele reconhece que navegar em redes sociais pode colocar em risco sua privacidade e interferir em decisões. “Através dos nossos acessos, do que curtimos ou comentamos, conseguem criar um perfil de acordo com o nosso comportamento e muitas vezes isso é revertido contra a gente, nos influenciando a algo”, diz.


A definição e a garantia não se alteram quando falamos do meio virtual. Todavia, a exposição na Internet é um fenômeno de difícil combate e a privacidade acaba não existindo na prática. “Os próprios usuários autorizam o uso de seus dados, toda vez que concordam com os termos de uso para utilizar um aplicativo ou sites que pedem cadastros, termos que quase ninguém lê. Ao dar ok, o usuário afirma que leu e concorda com eles”, alerta a advogada. Na Internet, também acontece a invasão da privacidade sem permissão. Um exemplo é quando você pesquisa por um determinado produto ou serviço e percebe que posteriormente são oferecidas outras opções do conteúdo pesquisado. Ali está acontecendo uma clara invasão de privacidade. “A diferença entre a invasão de privacidade virtual é que o usuário muitas vezes perde o controle e não sendo capaz de manter realmente de maneira privada suas informações e pesquisas”, clarifica Ana. MARCO CIVIL DA INTERNET

Foto: TheDigitalArtist/creativecommons

A dinâmica das conexões em sociedade mudou profundamente o significado de “privacidade” entre as pessoas. Uma delas foi a estudante Adriana Venâncio, 32 anos. “Eu mudei meu pensamento com a internet, pois hoje em dia a privacidade é mínima e preciso estar atenta para saber controlar a situação”, afirma a estudante, que, ao mesmo tempo confessa não tomar muitos cuidados para preservar suas informações pessoais. Como o direito define o limite do que é privacidade? A advogada Ana Paula Moraes Canto de Lima, especialista em Direito da Internet e Presidente da Comissão de Crimes Cibernéticos da Academia Brasileira de Ciências Criminais e da Comissão de Direito da Tecnologia e da Informação (OAB/Jaboatão dos Guararapes-PE), define que a privacidade pode ser considerada um direito universal, que tem como objetivo resguardar a dignidade e intimidade da pessoa humana. “É um princípio norteador do ordenamento jurídico, a proteção à privacidade está resguardada na nossa Constituição Federal”, explica Ana.

Aprovado em 2014 e mais conhecido como a “Constituição da Internet”, o Marco Civil da Internet traz em diversas passagens o cuidado com a proteção à intimidade e a privacidade dos usuários. Por exemplo, o artigo 7° diz que é direito do usuário a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. “Ainda determina que em casos de coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de dados pessoais, as informações devem ser claras e completas sobre o fato, e somente poderão ser utilizados para finalidades que justifiquem sua coleta”, esclarece Ana Paula. O artigo 10º do Marco Civil diz que a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, bem como os dados pessoais e o conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. Por fim, no artigo 11° está definido que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de dados pessoais deverão respeitar a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações. ECOS | 21


Entretanto, o Marco Civil da Internet ainda contém falhas. “A legislação ainda parece insuficiente face às frequentes violações às quais o usuário está exposto”, diz a advogada. Para solucionar este problema, foi sancionada este ano a LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados, lei nº 13.709, que trata especificamente da proteção e tratamento dos dados pessoais, alterando o Marco Civil da Internet. A lei passa a vigorar a partir de 2020. Em casos de violação de privacidade sem autorização prévia, as reações sobre o que se deve fazer variam. “Eu faria uma denúncia na polícia para descobrir quem está me causando este transtorno”, diz Adriana. “Iria primeiro denunciar a exposição e depois entrar as com medidas judiciais cabíveis”, conta Tarcísio. Muitas pessoas, entretanto, ainda desconhecem quais são as leis que atuam na preservação da privacidade, especialmente na Internet.

“Se a violação estiver em um site, é necessário mandar uma solicitação de remoção através do formulário no próprio site, muitos já contêm essa ferramenta. É necessário informar com detalhes onde está o conteúdo que está violando a privacidade ou intimidade do usuário, enviando o link para possibilitar a localização. Caso o site ainda não possua a ferramenta para essa finalidade, ou não atenda ao apelo do usuário, será preciso pedir processualmente a remoção do conteúdo”, orienta Ana Paula. Como estamos conectados todo o tempo, falar sobre privacidade pode parecer algo obsoleto daqui a alguns anos. Entretanto, cabe às pessoas se protegerem e ficarem informadas de seus direitos. Afinal de contas, nossa vida não é e não deve se tornar um grande Big Brother.

LEIS QUE TRATAM SOBRE A QUESTÃO DE PRIVACIDADE

Há uma vasta legislação sobre o tema privacidade. A começar de documentos internacionais que fundamentam tal proteção, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a Convenção Pan-americana dos Direitos do Homem (1959), a Conferência Nórdica sobre o Direito à Intimidade (1967), entre outros. No Brasil, a Constituição Federal, em seu art. 5.º, inciso X, a Lei 12.737/12, conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, criminaliza a invasão de dispositivo informático. O Marco Civil da Internet - Lei 12.965/14, o Código Civil de 2002, e em breve a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP) também tratam do tema. Dependendo de qual a intimidade/privacidade que está sendo violada, como nos casos de pornografia de vingança e compartilhamento indevido de nudes, ainda pode-se contar com o Código Penal, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre outros.

22 | ECOS


RESENHA

BLADE RUNNER 2049: A EXPANSÃO DE UM UNIVERSO CLÁSSICO Por: Gabriel Luna

Falar de Blade Runner é sempre uma tarefa que caminha para uma reflexão sobre o que é ser humano, do que nos torna humanos e de que a humanidade, ao longo da sua história, evoluiu à base de mão de obra escrava. O longa de 1982 dirigido por Ridley Scott, baseado no livro “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, de Philip K. Dick, trazia uma ambientação futurista distópica. Passava-se no ano de 2019, quando a empresa Tyrell Corporation conseguiu construir seres mais fortes e inteligentes para trabalharem nas colônias espaciais da Terra. Os replicantes - nome dos seres sintéticos - rebelaram-se e logo foram considerados uma ameaça, sendo necessária sua “aposentadoria”, por meio dos Blade Runners. Em 2017, 35 anos após o filme original, o universo de Blade Runner é mais uma vez visitado nos cinemas, em Blade Runner 2049. A decisão de fazer uma continuação de um filme que é único, que fecha bem toda a sua proposta e que não era pedida pelos fãs, certamente foi uma jogada arriscada, tanto do estúdio, quanto do diretor Denis Villeneuve. Mas, para a nossa sorte, Blade Runner 2049 é a sequência tardia que expande e o universo e faz jus à sua existência. Em 2049, a Tyrell Corporation foi comprada por Niander Wallace (Jared Leto), que conseguiu produzir um novo tipo de replicantes, mais obedientes. Alguns servem para caçar os antigos replicantes que ainda estão foragidos. K (Ryan Gosling) é um policial Blade Runner que acaba se envolvendo em uma trama que remete aos acontecimentos do primeiro filme. Denis Villeneuve já provou ser um diretor de assinatura e que sabe trabalhar muito bem a temática de ficção científica - prova disso é o excelente “A Chegada”. Mas neste filme, ele conse-

guiu fazer uma coisa extremamente difícil, que é trazer a atmosfera de um clássico conceituado, ao mesmo tempo em que ele encaixa elementos novos e autorais, sem que o estilo original seja perdido. Tudo que fez Blade Runner ser reconhecido está no filme, seja pelo estilo cyberpunk, a atmosfera noir e investigativa, os silêncios contemplativos, as reflexões filosóficas. Villeneuve respeita todos esses elementos sem ficar limitado a eles. A evolução dentro da história é perceptível e dentro do filme somos apresentados a um mundo que, no original, ficava limitado apenas a Los Angeles. Desde seu primeiro momento, que faz uma clara referência a cena inicial do clássico de 82, temos um ambiente isolado, calmo, longe de toda a confusão estética e visual de uma cidade super populosa. Algo semelhante a uma fazenda, revelando o que existe fora da cidade e deixando brechas para teorias. A construção dos personagens também é aprofundada, talvez até mais que no primeiro filme. São diversos os momentos em que ele constrói seus personagens dentro das questões problematizadas pelo roteiro. É o caso de Joi (Ana de Armas), uma inteligência artifical que quer se sentir como uma humana, ou pelo fato dos replicantes serem chamados de “sem peles” pela sociedade. Muitos dos elementos narrativos são complementados pela excelente fotografia de Roger Deakins que, ao mesmo tempo, consegue ser extremamente artística e contemplativa, mas também é pessoal, inclusiva e, em alguns momentos, intimidadora. A trilha sonora comandada por Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch é uma perfeita saudação à marcante trilha sonora do Vangelis, emanando tudo aquilo que é Blade Runner. Toda a atmosfera se completa com a trilha. Só assim o filme tem sua composição fechada e o universo fica muito mais real dentro de sua proposta. Blade Runner 2049 é um filme filosófico, contemplativo, instigante e que homenageia o original, mas sem ficar preso pelo mesmo. Expandindo um universo que até então era contido e trazendo um novo olhar para o clássico de 82, o trabalho de Villeneuve é digno e as duas horas e quarenta minutos de filme parecem ainda deixar espaço para mais.

ECOS | 23


PAULO AUGUSTO

@pauloaugustodg

Grafismos

Um jovem de 20 anos que sempre busca dar o seu melhor em tudo que faz, buscando sempre adquirir novos conhecimentos e habilidades.

24 | ECOS


NICOLE MARIA CARDOSO @nicolemariac_

Fotografia

18 anos, cursando 2 período de publicidade e propaganda. Apaixonada por redação e marketing digital.

ECOS | 25


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.