2016.1
ECOS NOVA ROMA DE BRAVOS GUERREIROS Os desafios e vitórias de paratletas pernambucanos
A tatuagem e seus sentidos p. 04
Profissões nos games p. 12
O bem da adoção p. 06
E X P E D I E NT E Reportagem Alberto Alves Jonathas Vieira Larissa Leite Sarah Rachel Meneses
CARTA DOS E DITORES Editar as matérias que fariam parte desta terceira edição do Ecos, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Boa Viagem/DeVry, foi um trabalho extremamente prazeroso e, ao mesmo tempo, difícil. A dificuldade é resultante do próprio ofício, muitas vezes injusto, de editar. Pois os repórteres que colaboraram nesta edição muito tinham a dizer; e, quando o material é bom, isso dificulta o trabalho do editor. “Como diminuir este texto aqui? Como fazer aquele lá caber na página? O que cortar?” Uma tarefa por vezes inglória, mas devidamente cumprida, para trazer conteúdo diversificado, produzido por jovens que estão iniciando sua trajetória na carreira e já mostram sua competência. O resultado é um passeio atravessado pelas vozes de estudantes que abordam temas de relevância, em diversas temáticas, com enfoques inovadores.
Projeto Gráfico
Os desafios dos paratletas pernambucanos foram tematizados em reportagem de Alberto Alves, que entrevistou dois desses bravos guerreiros e fez o relato de suas histórias de vida, permeadas por dificuldades e vitórias.
Breno Batista Caio Lira
A repórter Sarah Rachel Meneses investigou o universo do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e os desafios de conviver com ele. Ainda na temática de saúde, ela conversou com nutricionista e pessoas que sofrem de intolerância alimentar, mostrando as principais formas de diagnosticar e tratar essa doença tão comum.
Colaboração Gustavo Militão Felipe Moura Fillipe Vilar Geylla Lira Santos
Edição Cecília Almeida
Coordenação do Curso de Jornalismo
O Role Playing Game (RPG) foi tema de matéria de Jonathas Vieira, que discutiu os usos dessa modalidade de jogos para incrementar as técnicas de ensino. O repórter também produziu reportagem sobre o mercado em expansão dos games eletrônicos, que possui demanda em crescimento para quem deseja trabalhar na área. Além disso, esta edição do jornal laboratório traz outras reportagens, crônicas, resenhas, ilustrações e fotografias, tudo produzido por alunos da Faculdade Boa Viagem. Se a edição é uma tarefa difícil, é porque existe o anseio de que o produto final renda uma leitura prazerosa. Por isso, só tenho a desejar uma boa leitura! Cecília Almeida, professora do curso de Jornalismo da Faculdade Boa Viagem (FBV/DeVry)
Í N D I CE Crônica: Saudade ...................................................................................................03 Minha pele, minha tela ..........................................................................................04 Procura-se um amigo .............................................................................................06 Nova roma de bravos guerreiros ...........................................................................08 Jogos digitais: Fazendo carreira no mundo dos games ........................................12 Alimentação saudável é a cheve para a boa saúde ...............................................14 Alimentos intolerantes ..........................................................................................16
Talita Rampazzo
ISSN 2447-763X
Interpretando a educação ......................................................................................18 Rituais perigosos ...................................................................................................22 Blackface: Alguns artifícios racistas nos cinemas dos EUA e do Brasil .............24 Ilustração: Batman vs Superman ..........................................................................27 Fotografia: Sorrisos ................................................................................................28
CRÔNICA
Saudade Gustavo Militão
Foto: Connor Dunn (Creative Commons) Certa vez, me pediram para escrever sobre saudade. Então, lembrei de uma história. Nada de fábula. Era sobre um velho barbudo, vizinho meu. Bem longe de ser um Papai Noel, frise-se. Numa noite fria de inverno, entre um gole e outro de vinho, sentado na sua cadeira de estimação perto da lareira do seu sobrado, olhava fixamente para a janela. Refletia sobre sua vida, que neste dia lhe era bem mais saudosa do que em todos os outros. Não entendia o porquê. Logo ele, um sujeito tão seco, às vezes até ríspido entre os seus, estava agora tão macambúzio e pensativo. Seu olhar agora estava perdido e marejado. Apenas se deparava com a chuva caindo na rua. E a cada pingo que batia na vidraça, uma sequência de memórias vinha a sua mente... Lembranças da sua mãe, já morta há anos, dos amigos de escola que ganharam o mundo, da primeira namorada que viajou para a Europa, a mando dos pais que reprovavam o namorico... E da ex-companheira, que pediu o divórcio no mês passado, sem maiores explicações. Os goles de vinho seguiam incessantes. Uma sede de fazer inveja a Baco. Até que, num ato de fuga daqueles pensamentos, olhou para a estante e encontrou um livro. Nem parou para verificar a capa e o autor. Abriu numa página perdida já meio amarelada e seu olho imediatamente deparou com um trecho da obra que dizia: “Rebeca, a jovem camponesa do sítio, antes tão alegre e jovial, hoje vive a chorar e andar de cabeça baixa. Eu a entendo e me calo diante de sua saudade. Afinal, não sentimos saudade do que nunca nos pertenceu. E sim daquilo do que um dia fomos, vivemos e sentimos”. Imediatamente, por aquele rosto sério e rugado, correu uma única lágrima. Talvez a única que sua amargura permitiu em muitos anos. Ele então fechou o livro, tomou o último gole e fechou os seus olhos. Para não mais abrir.
Minha pele, minha tela A tatuagem e seus significados para quem tem, para quem faz e para quem estuda o assunto Sarah Rachel Meneses
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Antes, com a função de marcar uma pessoa da tribo, hoje a tatuagem é um símbolo com significado único para a pessoa que a carrega. Porém, não foi apenas o seu significado que mudou com o tempo. Também se revolucionou a forma como é feita e como é vista pela sociedade. Disseminada pelos viajantes, principalmente pelos marinheiros, a tatuagem viajou pelos continentes, e, assim, mais pessoas marcaram suas peles. Porém, nem sempre essa marca foi vista com bons olhos. A imagem negativa veio quando a prática foi adquirida em presídios. Além dos presos, a tatuagem também foi associada a dependentes químicos e pessoas com distúrbios psiquiátricos. De acordo com a professora da Faculdade Boa Viagem/DeVry e doutora em Antropologia, Cecilia Patrício, as pessoas desses locais eram marcadas para mostrar que faziam parte do grupo daquele universo. Por isso, a tatuagem se transformou num tabu. Há pouco tempo, a imagem de pessoas tatuadas foi se alterando. “Hoje, a gente percebe que são estranhos os que não têm tatuagem. É muito comum ter tatuagem e creio que é cada vez mais forte essa tendência”, comentou Patrício. Ela também comparou a sociedade europeia com a brasileira. Segundo ela, a primeira não se preocupa com desenhos e símbolos no corpo, ao contrário do nosso povo. “Ainda é um estigma, principalmente na hora de adquirir um emprego, para o qual você vai ser entrevistado e sua marca vai ser visível”. Áreas com que mais lidam com público, como a saúde e educação infantil, são as que menos aceitam pessoas tatuadas. Mas nem sempre isso é um problema. A estudante de publicidade, Vitoria Cimi, 19 anos, não teve dificuldade em encontrar um trabalho. Ao todo, ela tem 13 tatuagens espalhadas pelo corpo, porém somente duas são visíveis. Quando fez a sua primeira tatuagem, aos 16 anos, Vitoria contou que conversou bastante com seus pais, que também eram tatuados. “Disseram que era algo definitivo, que não era brincadeira. Também falaram que eu devia pensar no local do desenho”, relatou a futura publicitária. Com esses conselhos, Vitoria acabou tatuando o símbolo da paz, no tornozelo. O local do desenho é sempre avaliado. “Pensei quando fiz a primeira, penso até hoje e, se fizer outras, pensarei sempre em lugar escondido, porque ainda existe muito preconceito da sociedade”, falou Vitoria. Ela contou que já ouviu comentários preconceituosos sobre tatuados, como “não ande com gente que tem tatuagem”, sem as pessoas soubessem que ela mesma é tatuada. Há vários motivos para uma pessoa marcar a própria pele. Como hoje, cada desenho tem significado particular para cada pessoa. A professora Patrício afirma que podem haver quatro formas de representação: a de lugar, como era realizada nas tribos de antigamente; lugar especifico, como é feita em gangues ou grupos de presidiários; pertencimento, que é relativo ao lugar de onde a pessoa está ou gostaria de estar; e para esconder alguma marca já existente no corpo, como uma cicatriz. O motivo de Vitoria foi sua família. “Na minha família,
Foto: Chase Elliott Clark (Creative Commons) todo mundo tem tatuagem. Eu sempre tive vontade, porque eu olhava meus pais tatuados e achava muito legal. Achava muito divertido e, quando eu acompanhava eles fazendo as deles, me dava vontade de fazer uma”, recordou a estudante. Com a crescente busca das pessoas, novos tatuadores surgem no mercado, inovando as técnicas e estilos, como Victor Uchôa. Formado em ilustração, Uchôa desenha desde os 4 anos, mas somente há dois anos é que ele entrou no mercado. Antes, ele trabalhava como profissional de callcenter, pois não via como seus desenhos poderiam lhe sustentar. “Eu tinha uma visão um pouco banalizada e marginalizada do desenho, pelo fato de que no Brasil a arte ser muito pouco valorizada”, confessou o tatuador. Foi por meio de um trabalho com seu atual sócio que Uchôa viu as pessoas reconhecerem a ilustração no papel e no corpo como arte, e assim largar seu antigo emprego e investir na carreira de tatuador. Na opinião de Uchôa, o mercado da tatuagem está muito visado. “É um lucro real. Realmente existe um público forte para a tatuagem, e é um produto muito bom de se vender. Mas é arte e saúde, então são duas coisas muito delicadas de se tratar”, contou. Ele também falou sobre o processo profissionalizante para quem deseja se tornar tatuador. Normalmente, de acordo com o tatuador, a pessoa já deve ter uma boa base no desenho e deve fazer cursos de especialização para poder passar a ilustração para o corpo. “Depois disso, você conhece algum tatuador e, de certa forma, acaba te apadrinhado para poder te ensinar
os macetes para poder virar tatuador, como por exemplo, mexer numa máquina”, comentou. Quanto ao processo de fazer uma tatuagem, Uchôa contou que no primeiro momento há uma troca de ideia com as pessoas sobre o desenho e o local desejado. A partir dessa conversa, o profissional vai traçar a ilustração por um certo período, que depende da complexidade e tamanho do desenho. “O ideal é que você dê o espaço para o artista fazer do jeito dele a sua ideia, para poder você ter um trabalho único”, disse. Os locais mais escolhidos para se tatuar são as costas, a perna e o antebraço. Também é discutido o lugar, pois existe a possibilidade de a ilustração não se encaixar na parte do corpo desejado. Normalmente, as pessoas têm mais cuidado durante o tempo de cicatrização, que ocorre nos dias seguintes à tatuagem. Porém, é necessário ter um cuidado com a tatuagem para ela não se desgastar. Cautelas como passar protetor solar; ter ponderação na praia, com a água salgada; e passar hidratante com frequência podem prolongar a duração do desenho na pele. “Você não pode relaxar. Se você é uma pessoa que cuida direitinho da tatuagem, ela vai durar para sempre, do jeito que você fez na pele”, explicou o tatuador. E o que é tatuagem? A Professora Cecília Patrício responde: “É muito mais do que um desenho. Representa todo uma configuração de sociedade e de comportamento, que muitas vezes não é o que a pessoa quer representar, mas é o que está sendo representado”.
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Procura-se um amigo Adoção de animais de rua leva alegria para o lar e diminui população de bichinhos abandonados Larissa Leite Foto: Kitty.green66 (Creative Commons)
A adoção de animais é um ato solidário no quais
emoções e atitudes se completam. O amor e a responsabilidade ganham destaques na lista do perfil do adotante. A extensão dessas características relaciona-se aos cuidados proporcionados pelos tutores como saúde, bem-estar e segurança. Por esses motivos, há necessidades de alimentação adequada, microchipagem, acompanhamento médico veterinário, higiene, vermifugação, castração, vacinação, paciência e carinho para lidar com o pet, assim como ambiente favorável para criá-lo. No Recife, algumas pessoas trabalham em prol da causa dos animais abandonados ou que sofrem de maus tratos. Para reverter esse cenário, os chamados “cuidadores de animais” reúnem força e dedicação em busca de um mesmo objetivo: oferecer melhores condições de vida aos animais, como também minimizar o sofrimento daqueles que estão ao relento ou sem receber condições apropriadas de vida. Ações de adoção de animais são realizadas por algumas pessoas que contribuem com a causa. A ideia é encontrar um tutor que se sensibilize, e possa ajudar a mudar a vida de alguns animais. Esse é o caso das irmãs Giselda e Gislane, que trabalham como babás de animais para arrecadar fundos para promover os eventos de adoção e castrar os animais resgatados. O segundo evento realizado pelas irmãs aconteceu no mês de agosto (22), dentro do estacionamento da Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE). Nele, foram concluídas 25 adoções, entre elas, 14 cães e 11 gatos. Aberto ao público, crianças, jovens e adultos circularam no local. Alguns compareceram ao evento para ver ou brincar, outros sentiram empatia por um gato ou cachorro e viraram tutores. Esse foi o caso da funcionária pública
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Eliene Barros. “É a primeira vez que adoto um animal. Vi na TV uma reportagem sobre o evento e resolvi vir. Olhando os animais, gostei de um cachorrinho e vou levar. Estou feliz porque adotei um animalzinho e ele vai ficar comigo em casa”, comentou Eliene. A maioria dos animais quando são resgatados estão em más condições de saúde. Doenças como sarna e desnutrição são frequentes. Por isso, antes de o animal seguir para a adoção, deverá ser avaliado por um médico veterinário e tratado, se estiver com alguma doença. “Às vezes, resgatamos animais que não conseguem se alimentar ou defecar, ou seja, sem condições de se recuperarem sozinhos. Sentimos a necessidade de ajudá-los com consultas ao veterinário, medicações, exames, e, quando estiverem bem, a gente os disponibiliza para doação”, frisou Gislane. As adoções são realizadas após três etapas: entrevista para cadastro com comprovação de residência, avaliação veterinária e por último, a michochipagem. A primeira fase teve a finalidade de saber onde o animal vai residir, assim como fazer o acompanhamento dos primeiros seis meses da adoção. A segunda teve o objetivo de verificar o estado se saúde dos animais e, por último, realizar o procedimento de implantação de microchip. A castração dos animais deve ser realizada antes de seguirem para os eventos de adoção, pois contribui para o controle populacional. Segundo a veterinária Taciana Cássia, o procedimento é simples e precisa de apenas um dia para o animal se recuperar. Taciana apontou a castração como fator importante para a prevenção de doenças como tumores, diminui o risco da diabetes, se realizada antes do primeiro cio, e incômodo com o sangramento de cada mês. Portanto, de forma geral, minimiza o sofrimento do
animal e do abandono. A causa dos protetores de animais conta com a colaboração de algumas clínicas que realizam a cirurgia de castração a preço de custo. Isso porque são cobrados apenas o material do procedimento cirúrgico e os medicamentos necessários para o pós-cirúrgico. Além desses apoios, o Programa de Extensão da UFPE, Adote um Vira-lata, realiza a cada mês mutirões para castração de aproximadamente 50 animais, pertencentes à comunidade do entorno da Instituição de ensino. O Adote um Vira-lata é coordenado e organizado pela professora de biologia da UFPE, Ariane Guimarães. O programa funciona há oito anos com três frentes: castração, identificação por meio de microchip, educação por guarda responsável e a adoção. Direcionado à sociedade, também realiza a cada mês, eventos de adoção de animais, no Parque de Exposição do Cordeiro, bem como trabalho educativo em escolas, onde são realizadas dinâmicas de temas como zoonose, bem-estar dos animais, guarda responsável etc. “Trabalhamos com alguns abrigos, damos prioridade aos protetores que têm maior número de animais recolhidos das ruas”, pontuou a professora, sobre as adoções realizadas pelo programa. Além dessas ações solidárias, o Centro de Vigilância Ambiental (CVA) é responsável por recolher os animais abandonados nas ruas, geralmente os que causam algum risco à sociedade por motivo de doenças transmissíveis ao homem ou por estado agressivo. No caso de animais de grande porte, a pessoa deverá solicitar o resgate ao CVA por meio dos números 3355.7704 ou 3355.7705. Para as situações de maus tratos, deve-se procurar o serviço da Delegacia de Polícia do Meio Ambiente (DEPOMA), responsável por investigar esse tipo de crime no Estado de Pernambuco.
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Nova Roma de Bravos Guerreiros Os desafios e vitórias de paratletas pernambucanos Por Alberto Alves
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Nos jogos pan-americanos de 2015, realizados em Toronto, Canadá, os atletas pernambucanos ajudaram o Brasil a ganhar várias medalhas e a conseguir o terceiro lugar, perdendo apenas para os Estados Unidos e o Canadá. Ao todo, o Brasil conquistou 161 medalhas, sendo 41 de ouro, 40 de prata e 60 de bronze. Nada menos do que 17 atletas pernambucanos participaram dos jogos. O maior número de atletas do estado que já disputou a competição. Os pernambucanos participaram das seguintes modalidades: pentatlo moderno, com Yane Marques, Larissa Lellys, Priscila Oliveira e Felipe Nascimento; atletismo, com Keila Costa (saltos triplo e em distância), Wagner Domingos (lançamento de martelo), Érica Sena e Cisiane Dutra (marcha atlética) e Ubiratan dos Santos (salto em distância); natação, com Etiene Medeiros e Joanna Maranhão; handebol, com Samira Rocha e Bruno Santana; futebol feminino, com Bárbara (goleira); basquete, com JP Batista; e vôlei, com Jaqueline Carvalho e Dani Lins. Poucos meses depois, o Canadá sediou os jogos parapanamericanos. Neles, a festa pernambucana e brasileira foi muito maior, pois o Brasil conquistou o primeiro lugar. A distância do número de medalhas de ouro foi mais do que o dobro para o segundo colocado, o Canadá. Ao todo, foram 255 medalhas, sendo 109 de ouro, 74 de prata e 74 de bronze. A equipe brasileira contou com a participação de vários pernambucanos. O Basquete em Cadeira de Rodas contou com cinco jogadores: Berg Nascimento, Erick Epaminondas, Luciano Felipe, Sérgio Alexandre e Anderson Ferreira. No Basquete Feminino, Rosália Santos disputou seu quarto Parapan. O Futebol para Cegos contou com a participação de Raimundo Nonato. Em Pernambuco, o Centro Esportivo Santos Dumont, no bairro de Boa Viagem, sempre é lembrado quando se fala em preparação de atletas. Diariamente, várias turmas, em vários turnos, se revezam no treinamento, tanto na natação como no atletismo. Os professores são os maiores incentivadores dos atletas. Foi lá que encontramos Sylvio Ubiratan da Fonseca Jr, 20 anos, natural do Recife. Ele é um paratleta da natação, especializado nos 100m, nado peito. Com 5 anos começou a nadar, aconselhado por um médico por causa de uma deficiência na tireoide, glândula que regula o crescimento. Com 17 anos, começou a competir e conquistou sua primeira medalha nacional. Já foi campeão brasileiro nos Jogos Escolares de 2012 e vice-campeão dos Jogos Escolares de 2013. No Norte-Nordeste, conquistou o terceiro lugar. Ele ocupa o sexto lugar no ranking brasileiro, adulto, na sua modalidade. Cursando Educação Física, o dia se torna cheio de atividades. Natação pela manhã, academia à tarde e estudo à noite. Como objetivos principais no esporte, ele deseja bater o recorde nacional e participar de uma Olimpíada, ganhando
Fotos: Sarah Rachel Meneses
Foto: Ramon Diniz uma medalha. Com os treinos, acredita que em dois anos vai consegui-los. Para ele, ganhar medalhas não deve ser o pensamento principal de um atleta. “Isso não tem nada a ver com evolução. O principal é baixar o tempo a cada prova. Quando o atleta baixa um segundo no seu tempo, o treinamento valeu a pena. Isso faz com que as medalhas venham”, relatou. Sylvio diz ainda que Pernambuco não tem competições estaduais para os paratletas. Se tivesse, o rendimento seria bem melhor. Já Gilberto Silva dos Santos, 52 anos, casado, duas filhas, perdeu as pernas quando tinha 21 anos. Como gostava
de jogar basquete, começou a treinar em cadeira de rodas. No começo, sentiu dificuldades, pois as regras são adaptadas, além do choque entre as cadeiras dos jogadores. Quando um é derrubado, a jogada prossegue e o jogador tem de levantar sozinho. Mas, com treino e dedicação, conseguiu tornar-se destaque na modalidade. Começou na Associação Desportiva para Deficientes de Pernambuco e logo foi para a Seleção Brasileira de Basquete em Cadeira de Rodas. Jogando na posição de armador, acumulou vários títulos e medalhas, destacando uma Copa Sulamericana. Sente orgulho de ter participado da seleção pernambucana que representou o Brasil na Venezuela, onde
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Foto: Ramon Diniz
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O principal é baixar o tempo a cada prova Quando o atleta baixa um segundo no seu tempo, o treinamento valeu a pena. Isso faz com que as medalhas venham
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foi campeão. Gilberto está sempre a mil por hora. Para ele, não existe tempo ruim. Já pulou de avião, usando paraquedas. Segundo ele, sua esposa, de tão nervosa, não quis nem ver, mas ele estava bem tranquilo. Suas filhas estão sempre apoiando. Atualmente, está trabalhando numa empresa, mas continua a competir. Agora, com mais dificuldade, pois muitas vezes não é liberado para participar das competições. E, às vezes, tem de pagar a passagem do próprio salário, para participar de um torneio. As dificuldades na vida de um paratleta são grandes. Certa vez, foi para Curitiba de ônibus (mais de dois dias de viagem). “Curitiba é longe. Você chega lá quebrado. Mas fomos campeões. Jogamos com raiva”, disse. PATROCÍNIO Quando se olha para o salário de alguns jogadores, a tendência é generalizar pensando que todos ganham bastante dinheiro com os esportes. O público esquece que 95% deles ganham apenas o salário mínimo. Nos desportos ainda é pior. A maioria dos atletas não têm salário nem nenhum incentivo. A falta de verba é a grande desculpa do governo para não patrocinar. O bolsa atleta só premia os três que se destacam mais em uma modalidade. Assim mesmo, com um pequeno valor. Às vezes, o atleta recebe a passagem para o local da competição, mas tem que arcar com a alimentação e hospedagem. Em outras, a passagem só é conseguida um dia antes de uma
competição que vai acontecer em outro estado. Isso faz com que eles não tenham um tempo de preparação no local onde será disputado o torneio. Para Kilber Fernando Alves, educador físico e presidente do Conselho Deliberativo da Confederação Brasileira de Basquete em Cadeira de Rodas – CBBC, a falta de patrocínio tem feito com que muitos atletas saiam do estado. “Temos seis atletas da seleção brasileira, mas que não estão mais no estado, pois não temos condições para mantê-los”, afirma. Os atletas e paratletas saem em busca de uma melhor infra-estrutura de treinamento e patrocínio. Vencendo as barreiras que lhes são impostas, como a falta de incentivo e muitas vezes sem ter um lugar ideal para treinar, muitos destes atletas são vencedores só por participarem. Porém, eles almejam muito mais do que isso. Querem ter seus nomes lembrados como exemplos de pessoas que se dedicam e dão certo no que fazem.
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Temos seis atletas da seleção brasileira, mas que não estão mais no estado
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Foto: Ramon Diniz
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Jogos digitais: Fazendo carreira no mundo dos games Conheça mais sobre a área em ascensão dos jogos eletrônicos Jonathas Vieira
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Com mais de 60 anos de história, os jogos eletrônicos passaram por diversas mudanças. Desde o OXO, um jogoda-velha desenvolvido para o computador EDSAC em 1952, até os mais recentes jogos lançados por produtoras bilionárias. Hoje em dia, parte da cultura popular, os jogos digitais não apenas passaram a fazer parte da vida dos consumidores e da indústria cultural, como impactaram o cenário mercadológico. Não é à toa que o mercado de jogos digitais já é mais lucrativo que o do mercado cinematográfico. Segundo a Gartner, empresa de consultoria para desenvolvimento de tecnologia, em 2013 o mercado dos games já movimentava 93 bilhões de dólares e nos últimos dois anos já cresceu mais de 50 bilhões. Em 2015, os jogos produzidos para plataformas mobile já demonstraram um crescimento ainda maior. Tanto desenvolvimento justifica a procura crescente, principalmente dos jovens, em seguir carreira nesse ramo. O coordenador do curso de Jogos Digitais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Bruno Carvalho, diz que já existem cursos técnicos e de nível superior que capacitam profissionais para essa área. Entretanto, alguns desses cursos têm foco especialidades como artes ou programação. “O mercado consumidor é exigente e o aluno também precisa se capacitar ainda mais, apenas o curso universitário não é o bastante”, acrescentou o coordenador. A procura por esse setor, principalmente nas áreas de programação e arte gráfica, não se limita apenas a quem joga videogames. Inclusive, gostar desses jogos não é um pré-requisito na formação do perfil do profissional. A produção de jogos se tornou um mercado sério e atuante no comércio internacional, e isso tem atraído profissionais de outras áreas. Bruno explica: “Houve um crescimento, levando em conta que o número de usuários (jogadores) aumentou. Você tem os jogos casuais, que não existiam quando tínhamos apenas consoles e PC. Agora, você joga até na Smart TV”. Bruno ainda afirmou que, entre os jogadores, o público feminino é o que mais cresce. No último levantamento do Pesquisa Game Brasil, realizada em 2015, 47,1% das mulheres declararam jogar algum tipo de game. Elas representam a maioria dos jogadores de games casuais. Essa expansão tem se destacado também na área mercadológica, onde o conceito de ‘gamificação’, uma estratégia de negócio nascida no mundo dos games, vem se tornando bastante utilizado em todos os tipos de produto. A gamificação surge das mecânicas utilizadas no design de jogos aplicadas em outros contextos, como da publicidade. A Nike, Fiat e Boticário já utilizam essa
Foto: Barbara Dieu (Creative Commons) ferramenta. Tanto profissionais multitarefas quanto os mais qualificados em áreas específicas são bastante requisitados no mercado dos jogos digitais, pois sempre há demanda. No mercado Quem ainda não conhece as funções de quem trabalha com jogos digitais, pode ficar em dúvida sobre onde, exatamente, esse profissional atua. Existem dois papéis mais conhecidos: o programador e o artista gráfico. O primeiro tem a função de programar, ou seja, desenvolver as instruções lógicas que servirão para definir a mecânica do jogo. No Brasil, diversas instituições de ensino já oferecem cursos de capacitação na área, principalmente cursos de nível tecnológico. Mas cursos de nível superior e pósgraduações já são possíveis para quem deseja uma formação diferenciada. O programador utiliza determinadas plataformas para escrever o código base, chamadas linguagens. Dentre elas, as principais são C++ e JAVA. Existem outras linguagens utilizadas para determinados fins e é necessário conhecer todas elas. O curso de Ciências da Computação forma profissionais específicos para essa área, mas há também cursos específicos para programação voltados para a produção de jogos eletrônicos. O responsável pelas cores, formas e identidade visual do jogo é o artista gráfico. Esse, a partir do código desenvolvido pelo programador, produzirá aquilo que podemos ver enquanto jogamos, tudo aquilo que é visível na tela. O artista gráfico cria a textura, as artes conceituais, os leiautes de fase, a animação etc. A arte gráfica também dependerá do público que se deseja alcançar e a experiência visual que se deseja proporcionar. É a arte game que determina a primeira impressão que o jogador terá do produto.
Outros profissionais também são importantes no desenvolvimento dos jogos digitais, como os game designers, os produtores, os sonoplastas, ou designers de áudio, e o testador de jogos. Cada um atua numa etapa determinada da produção ou pré-produção do game. Segundo o site de empregos Catho, o salário mínimo oferecido a um programador com menos experiência é de R$ 3 mil. Para programadores mais experientes, o valor mínimo é de R$ 4 mil. Já de acordo com o site Guia do Estudante, o salário inicial de um artista gráfico, não voltado para jogos digitais, gira em torno dos R$ 2 mil. Esses números são bem inferiores se comparados ao salário dos programadores e artistas gráficos que trabalham nos EUA, que podem beirar os US$ 100.000,00 (cem mil dólares), em reflexo da economia do país e pelo estágio ainda inicial da área de produção de jogos no Brasil. Segundo o coordenador Bruno Carvalho, o Brasil ainda está engatinhando na indústria de games. O mercado interno não tem representatividade se comparado ao americano e europeu. Porém, o país é o terceiro mercado global consumidor de jogos. Bruno alerta para quem deseja seguir carreira na área: “O aluno tem que ver os cursos como um local de capacitação e não apenas de diversão, saber que o curso forma profissionais para desenvolver, e não para jogar”. Para quem quer seguir carreira, dentre as características mais adequadas estão a criatividade e a facilidade para trabalhar em equipe. Além disso, o autodidatismo e a capacidade de inovar e quebrar paradigmas também é muito importante. Falar bem inglês é essencial e conhecer outras línguas é um diferencial notável. Levando em conta os números crescentes de usuários e a capacidade de atingir um público heterogêneo, o mercado dos jogos está no caminho de adquirir grande representatividade no Brasil.
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Alimentação saudável é a chave para a boa saúde A escolha de alimentos nutritivos previne doenças e proporciona energia suficiente para as atividades diárias Larissa Leite
Adquirir hábitos saudáveis nos dias atuais é uma tarefa difícil para quem tem a rotina preenchida com várias atividades e, principalmente, quando a maioria delas são realizadas fora de casa. Dessa maneira, os restaurantes fast foods viram obstáculos para quem deseja ou deve ingerir bons alimentos. A alimentação saudável contribui para o bom funcionamento do corpo e da mente dos seres humanos. A dieta deve ser elaborada a partir da rotina de atividades gerais de cada indivíduo, ou seja, o gasto calórico e a necessidade de reposição de nutrientes. A alimentação balanceada deve ser distribuída em quantidades e tipos adequados para cada pessoa e ser composta por seis a oito refeições que incluem frutas, verduras, legumes, tubérculos e frutas oleaginosas, como castanhas, amêndoas, avelãs, nozes, entre outras. Pessoas que não costumam prestar atenção às escolhas que vão compor seus pratos geralmente ingerem alimentos gordurosos ou que não são suficientes para repor os nutrientes. A importância de ter uma dieta saudável está relacionada ao bem-estar do indivíduo, à boa recuperação dos músculos e à boa imunidade. Também ajuda a prevenir o aparecimento de algumas doenças, como hipertensão, diabetes, problemas cardíacos, gástricos etc. O empresário Sérgio Maia tem 36 anos e está acima do peso porque não dispõe de horário certo para realizar suas refeições. Devido a essa dificuldade, Maia consome qualquer tipo de alimento que estiver mais acessível, como, por exemplo, os que estão disponíveis em postos de gasolina - sanduíches, coxinhas, refrigerantes etc. “Hoje, tento priorizar o café da manhã. Nele, faço uma alimentação balanceada, rica em carboidratos e um pouco de proteína. Dessa forma, consigo fazer um lanche rápido com uma barrinha de cereal até o horário do meu treino de 12h às
Foto: PROJoseph Palatinus (Creative Commons
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14h. Utilizo meu horário de almoço para praticar atividade física”, afirmou. A sociedade está preocupada em produzir mais em termos de trabalho e estudos, mas esses fatores favorecem a falta de disciplina na alimentação. Alguns restaurantes oferecem saladas, comidas orgânicas, que são opções menos gordurosas, ou que podem ajudar a conseguir burlar os déficits alimentares. A dificuldade para manter a dieta aparece quando ofertas mais saborosas e, consequentemente, mais gordurosas, também são colocadas perante as pessoas todos os dias. Existe uma mudança nesse cenário, em que grupos são construídos e se posicionam como parte da sociedade que consome alimentos saudáveis. O motivo é a busca de melhor qualidade de vida, que pode ser atingida por meio dos benefícios que esses alimentos trazem à saúde. Há a construção de novos hábitos. Mas, para isso, é necessário ter acompanhamento de um nutricionista e de um endocrinologista. O nutricionista é responsável por montar um cardápio diário para o paciente, onde sugere vários tipos de alimentos ricos em vitaminas, minerais, carboidratos, proteínas, lipídios etc. “O plano alimentar sem orientação de um profissional é composto por alimentos industrializados ou de restaurantes, portanto acarreta maior consumo de produtos químicos e excesso de calorias e gorduras, mas pobre em vitaminas e minerais. Em longo prazo, após os 40 anos e, de acordo com a genética, isso poderá contribuir para o aparecimento de doenças”, ressaltou a nutricionista Nathalia Melo. Ricardo Pinfildi, 29 anos, é personal trainer de algumas academias renomadas do bairro de Boa Viagem, no Recife (PE). Seu dia começa às 5h e termina aproximadamente às 23h. Antes de sair de casa, a primeira
Foto: Olearys (Creative Commons) tarefa é elaborar seu cronograma alimentar de acordo com suas atividades, com o intuito de conseguir realizar todas as refeições de maneira saudável, de forma que sejam suficientes para suprir suas necessidades. “Calculo o tempo de cada refeição e levo uma lancheira para não parar para comer de garfo e faca”, explicou Pinfildi. O personal é quem monta seu cardápio, isso porque, além da graduação em Educação Física, também possui Pós-graduação em Obesidade e Emagrecimento. “Alimentos como frutas, castanhas, shakes de proteínas, claras de ovo são sempre bem-vindos na minha rotina para que eu não deixe de cumprir nenhuma das etapas da minha alimentação”, pontuou. Além de distribuir os alimentos conforme suas atividades, o professor de educação física também possui acompanhamento de um médico endocrinologista para verificar por meio de exames se existe alguma deficiência de nutrientes. “Ele faz uma série de análises clínicas, hemodinâmicas em mim para verificar as taxas relativas a macro e micronutrientes”, afirmou o Personal. A boa alimentação é dividida entre os macronutrientes e micronutrientes. Os primeiros são responsáveis por fontes alimentares para a produção de energia, compostos por carboidratos, proteínas e glicídios. Os micronutrientes são compostos pelo grupo das vitaminas e dos minerais. Estes são necessários para a manutenção do organismo, embora sejam requeridos em pequenas quantidades, de miligramas a microgramas. Segundo o personal, o déficit de nutrientes pode provocar doenças ou disfunções. Já o excesso pode causar intoxicações. Por esse motivo, a dieta deve estar sempre equilibrada e variada. Portanto, para quem deseja mudar os hábitos alimentares, é necessário procurar bons profissionais e fazer exames regulamente.
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Alimentos Intolerantes Entenda o que é Intolerância Alimentar, como é o diagnóstico e o estilo de vida das pessoas com a doença Sarah Rachel Meneses
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Já imaginou não poder comer uma determinada comida? Para algumas pessoas, uma simples garfada ou mordida pode resultar em um grande mal-estar, como vômito ou problemas respiratórios. E para essas pessoas, aquele alimento está simplesmente eliminado de sua dieta e um novo estilo de vida deverá ser estabelecido. O que as leva a isso? A intolerância alimentar. Considerada uma doença bastante comum, a Intolerância Alimentar é uma reação adversa a um alimento que ocorre quando o corpo do indivíduo não consegue processar esse alimento ou algum dos seus componentes. Seu desenvolvimento pode ser motivado por uma reação tóxica, farmacológica, metabólica, digestiva ou psicológica, mas também há casos em que sua origem é espontânea ou desconhecida. Dependendo do alimento ou de seus ingredientes, o indivíduo pode apresentar náuseas, vômito, diarreia, dor abdominal, anorexia, erupção cutânea, asma brônquica, entre outros. Para ser feito o diagnóstico, é necessária a identificação do alimento especifico ou do ingrediente, uma evidência de que ela provoca uma reação adversa e verificação que essa mesma reação é imune ou não-imune. A nutricionista com Mestrado em Saúde Humana e Meio Ambiente Jordana Silva explicou que a primeira ferramenta para o diagnóstico é a história clínica detalhada, seguida de exames adequados, como o teste cutâneo, o exame sanguíneo e a provocação alimentar. Outro modo de se fazer o diagnóstico é pela Dieta de Eliminação de Alimentos. Nela, as pessoas intolerantes e seus familiares são orientados a evitar os alimentos e ingredientes que causam os efeitos adversos e substitui-los por alimentos adequados para a reposição nutricional e que sejam permitidos em um planejamento das refeições. A suspensão dos alimentos suspeitos ocorre por um período determinado, geralmente de quatro a 12 semanas. Depois desse prazo, eles são reintroduzidos e passam pela fase de provocação alimentar. “Se os sintomas persistirem mesmo evitando-se cuidadosamente os alimentos suspeitos, devem-se considerar outras causas para os sintomas”, observou a nutricionista. Caso o resultado seja positivo no teste cutâneo ou sanguíneo, e os sintomas melhorarem com a Dieta de Eliminação, o alimento deve ser eliminado da dieta até que o médico faça um teste de provocação oral. Este teste comprova ou refuta a relação do sintoma com o alimento. Na hora da substituição dos alimentos, a nutricionista comentou que também podem ser usadas fórmulas elementares, alimentos clínicos ou fórmulas hipoalergênicas para fornecer suporte nutricional adicional à dieta. “Em alguns casos, pode ser possível o paciente ingerir remédios com enzimas que ajudem a digerir os alimentos a que são intolerantes”, esclareceu Silva. Essa é a condição do estudante de Publicidade e Propaganda Matheus Oliveira, de 21 anos, intolerante à lactose.
Ilustração: Daniel Matsuoka (Creative Commons) Com apenas 2 anos de idade, Oliveira apresentava diarreia e vômito quando comia alguma comida com lactose na sua composição. Como sua mãe também tem o mesmo problema, o futuro publicitário não teve dificuldades na hora de adaptação da sua nova dieta. “Eu consigo comer quando eu tomo os remédios”, explicou. Porém, ele sente falta de poder comer o que quer, na hora que quiser. “Quando eu quero comer algo com lactose, eu tenho que tomar a enzima e ela não vende aqui no Brasil. Então, eu tenho que comprar por quantidade e, às vezes, eu tenho medo que acabe. É meio complicado”, revelou. Além da dieta, a pessoa também deve ter cuidado com os rótulos de alimentos industrializados. Na hora de ir ao supermercado, Oliveira comentou que já existem muitos alimentos de qualidade sem lactose em sua composição. “O mercado está bem melhor comparando quando minha mãe descobriu, até mesmo quando eu descobri”, relembrou o estudante. Diagnosticada com doença celíaca em 2012 após uma endoscopia, a advogada Marília Almeida, de 34 anos, apresentava sintomas como enjoos, dores de estômago, dor de cabeça e anemia. Na sua dieta, ela teve que excluir todos os alimentos compostos por glúten. “Minha dieta é composta apenas por alimentos que naturalmente não tem
glúten ou alimentos industrializados sem glúten” explicou. Com essa mudança, ela conseguiu engordar 5kg, algo que não conseguia antes. Mesmo assim, ela sente falta de comidas práticas, como pizza, hambúrguer e pastel. No seu estilo de vida, ela tem a preocupação de saber se o evento ao qual ela vai irá ter comidas adequadas para ela. “Se não possui, ou como antes de ir ou levo algo para comer. Para viajar, sempre levo na mala muitos produtos sem glúten para comer como lanche”, contou. Para Marília, “o mercado brasileiro ainda tem muito a evoluir em relação às facilidades em encontrar produtos e esclarecimento por parte de garçons e funcionários”. Ela contou ainda que em vários países já é possível encontrar marcas de alimentos sem glúten em supermercados e até em farmácias. Sobre os custos, ela comparou: “o preço aqui no Brasil é bem mais caro”. Até agora, não há uma cura para a Intolerância Alimentar, mas Jordana Silva vê uma possibilidade: “Algumas pesquisas têm produzido evidências encorajadoras de que se pode alcançar indução de tolerância oral específica”. Nessa indução, o alimento restrito é introduzido no sistema digestório em quantidades mínimas, e depois em maiores quantidades por um período prolongado. Durante o processo, a pessoa é monitorada cuidadosamente.
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Interpretando a educação O Roleplaying Game na sala de aula Jonathas Vieira
Nesta geração, onde a velocidade de produção e consumo de informação é evidentemente maior que a da geração anterior, a necessidade de nos adaptar é evidente. Adaptar espaços que ainda se mostram conservadores, como no caso da educação. Muitos professores se perguntam como estimular o aprendizado dos jovens e como remodelar o relacionamento entre educador e aluno. O RPG pode propor esse estímulo. RPG, sigla para Role Playing Game, ou jogo de interpretação de personagens, é um jogo narrativo, onde os jogadores interpretam personagens e, juntos, constroem uma aventura. Criado na década de 1970, o RPG surgiu a partir da ideia de Gary Gygax e Dave Arneson de criar um jogo de estratégia que envolvesse a interpretação de personagens. Os dois eram designers de jogos e lançaram o Dungeons & Dragons (D&D) em formato de livro, que precisava apenas de lápis, papel e miniaturas para ser jogado. O jogo de RPG funciona através de parâmetros básicos, ou sistema de regras, e utilizam cálculos prontos e lances de dados para determinar as ações dos jogadores. Os sistemas podem ou não ser seguidos à risca, pois as regras do RPG estão limitadas somente à criatividade dos jogadores, como é explicado na maioria dos livros. A chamada Regra de Ouro é justamente a regra que dá espaço para os jogadores adaptarem o Sistema ao seu modo de jogo. O Sistema é o conjunto de parâmetros básicos disponibilizados no livro Módulo Básico, O Módulo Básico, na maioria das vezes, está associado ao Cenário, que se trata do ambiente onde se desenrolará a história. É o universo do jogo. A história é guiada pelo Narrador, também chamado de Mestre ou GM (sigla em inglês para Game Master), o
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O RPG é um jogo essencialmente interpretativo e narrativo. Esses são os principais pontos que cativam os alunos 18
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Foto: PlaSmart (Creative Commons) Narrador é o jogador responsável por criar a trama e os desafios que os outros jogadores terão que enfrentar. Os demais jogadores assumem o papel de Jogador ou Player e sua participação no jogo é enriquecer e preencher o universo criado pelo Narrador, assim, todos participam de uma produção narrativa própria. “O RPG é um jogo essencialmente interpretativo e narrativo. Acredito que esses são os principais pontos que cativam os alunos, pois com um professor que consegue exercer seu papel de narrador do jogo, a turma é cativada e mais imersa na aventura”, afirmou Pedro Paulo Gomes Soares, aluno do 7º período de Licenciatura Plena em
História da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que estuda o RPG como ferramenta educativa. O RPG tradicional ou de mesa, como é normalmente chamado entre os jogadores, é o jogo presencial, como o jogo de baralho ou dominó, porém em um nível de envolvimento social maior, já que se trata da proposta do jogo a resolução de problemas gerando o desenvolvimento de uma narrativa que só pode se realizar com a participação de todos os envolvidos: narrador e jogadores. Não se joga RPG de mesa sozinho. Além de promover o trabalho em equipe, o RPG possui relevante potencial no desenvolvimento artístico, em virtude de sua proposta narrativa. Em outras palavras, o RPG
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Foto: D30 RPG (Creative Commons) exige que os jogadores pesquisem, obtenham informações e principalmente leiam e escrevam, funções naturalmente atribuídas a um escritor. Sendo assim, o jogo estimula a criação e isso pode ser direcionado pelo educador com o objetivo de obter o melhor aproveitamento. Pedro Gomes avaliou que “o RPG pode ser aplicado no ambiente escolar tanto nas aulas correntes do semestre quanto em contraturnos das escolas integrais, assim como em ambientes fora da educação formal. Independentemente do local, existe a possibilidade de o RPG ser usado como forma de introduzir ou lecionar um conteúdo ou jogar uma aventura sobre determinado conteúdo após sua explanação em aula”, e acrescentou: “Não considero o RPG como uma tomada da aula expositiva, a prática das aulas expositivas dá ao aluno a chance de saber as informações e minúcias de todo o processo de aprendizagem”. “No andar da aventura, os estudantes queriam saber mais sobre o assunto trabalhado, seja para poderem interpretar melhor sua personagem ou para conhecer melhor a temática”, contou Pedro Gomes, sobre sua experiência enquanto bolsista de Iniciação à Docência pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
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(PIBID) de Licenciatura em História da UFRPE. Além de pesquisador, Pedro também é jogador e utiliza o RPG em suas aulas. Ele explicou que a união do jogo com a sua formação lhe garantiu uma experiência única. Levando em conta sua dimensão e capacidade expansiva no que diz respeito à criatividade, o RPG é um jogo barato. Não existe a necessidade de determinada editora lançar um cenário pronto, pois é aconselhável que este seja criado pelo narrador. É necessário apenas dado, papel e caneta, sem limite de jogadores. Isso torna o jogo uma ferramenta viável para ser utilizada com fins pedagógicos. Graças à sua natureza recreativa, o RPG necessita ser moldado pelo professor para ser melhor utilizado no ensino. Já existem projetos desenvolvidos em escolas com resultados expressivos. Como utilizado na Escola Estadual Professor Ernani Rodrigues, na cidade de Assis – SP, e documentado no texto ‘O uso do RPG na escola como possível auxiliar pedagógico’. Quando questionado sobre sua experiência no uso do RPG em aulas, Pedro Gomes contou sobre uma experiência envolvendo o projeto Novo Recife e o Cais
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O RPG pode ser aplicado no ambiente escolar, tanto nas aulas correntes do semestre, quanto em contraturnos das escolas integrais
José Estelita. “Eu e Thulio Francisco, também bolsista de Iniciação à Docência da área de História, elaboramos uma aventura onde conceitos como especulação imobiliária, patrimônio, memória, fonte histórica e direito à cidade foram articulados com o debate em torno da construção da Avenida Dantas Barreto e a demolição da Igreja dos Martírios no Recife de 1973”. Nota-se que, com o uso do RPG, é possível traçar o perfil psicológico do jogador, deixando evidente, por exemplo, os defeitos e qualidades e as tomadas de atitudes em diferentes situações. Graças à possibilidade de o jogador fazer no mundo imaginário aquilo que não pode fazer no mundo real, é possível perceber arquétipos bem definidos, como o jogador mais altruísta e o mais egoísta, entre outras características essenciais na construção da personagem. No RPG, não existem vencedores e, consequentemente, não existem perdedores. Como a diversão não reside na competitividade, os jogadores se sentem parte de um grupo e de uma causa, rompendo inibições e objetivando o sucesso do coletivo. Isso é importante se levarmos em conta o que Vygotsky, pensador influente do início do século XX, falava sobre o potencial
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de uma criança par aprender e atingir o seu completo potencial. Ao que ele chamava Zona de Desenvolvimento Imediato, que seria um processo de aprendizagem com a orientação e colaboração de parceiros a fim de alcançar o conhecimento real e independente. Ainda pensando em Vygotsky, é possível traçar um paralelo com o que o RPG propõe como ferramenta educativa. O obuchenie, como descrito por Marta Kohl de Oliveira, em ‘Vygotsky – Aprendizado e Desenvolvimento: Um Processo Sócio-Histórico’, significaria o processo de ensino-aprendizagem como preceito para redefinir a relação entre quem aprende e quem ensina. O jogo de RPG quebra o relacionamento ‘aluno e mestre’, promovendo uma nova forma de ensino mais efetiva. O RPG já prova há tempos que pode ser utilizado em auxílio de uma melhor aprendizagem. Cabe aos educadores e profissionais da área de educação atentarem para o uso adequado desse jogo e utilizá-lo da melhor forma, a fim do melhor aprofundamento no nível psicológico e de buscar uma melhoria na educação.
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Rituais Perigosos Manias que tomam mais de uma hora por dia e causam sofrimento são um forte indício de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) Sarah Rachel Meneses
Todo mundo tem uma mania. Algumas pessoas não conseguem deixar uma estante de livros desarrumada, outros precisam limpar aquela mancha de ketchup da camiseta e uns necessitam verificar várias vezes a porta antes de sair. Mas, quando esse hábito impede a pessoa de realizar outras atividades cotidianas, essa mania pode ser um sintoma de Transtorno Obsessivo Compulsivo. Mais conhecido pela sua sigla, o TOC é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma das doenças mais debilitantes, devido ao transtorno gerado na vida da pessoa. O distúrbio é a combinação de dois sintomas: a obsessão e a compulsão. A obsessão causa ansiedade e sofrimento ao indivíduo, devido a pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes, indesejados e persistentes. Em reposta a isso, o paciente desenvolve a compulsão, que é a repetição de algum comportamento ou de pensamento. Quem sofre do transtorno sente-se obrigado a realizar tal atividade, pois só assim a ansiedade é aliviada. De acordo com a psicóloga e Doutora em Neurociências e Comportamento Aline Lacerda, a diferença entre mania e TOC é o grau de interferência dos sintomas no cotidiano da pessoa. “Essas obsessões e compulsões podem chegar a durar uma hora ou mais diariamente, trazendo prejuízo no funcionamento profissional, familiar e social do indivíduo”, comentou a psicóloga. As razões para o começo do distúrbio são comumente atribuídas a comportamentos aprendidos de imitação ou por condicionamento, porém isso é variável e individual. Geralmente, o diagnóstico é tardio, pois a pessoa demora a perceber e admitir que está com algum problema. Também há outras questões, apontadas pela pesquisadora Cristiana Machado, da Universidade Federal de Pernambuco: “A pessoa não procura ajuda por vergonha. Muita gente acha que é loucura, por causa da repetição do ato”. O administrador de empresas Caio Manço, 37, só descobriu que sofria do Transtorno Obsessivo Compulsivo aos 25 anos de idade. Ele percebeu a necessidade de procurar ajuda quando passou três horas fazendo o mesmo percurso de carro, preocupado se havia causado algum acidente. Porém, esse era apenas um dos seus rituais. Desde criança, Caio já possuía algumas “manias”. Com 5 anos de idade, ele escovava os dentes muito além do necessário. Na escola, tornou-se perfeccionista. Em razão disso, desejava ser o primeiro da classe, e para isso, fazia várias anotações e sentia-se angustiado por chegar atrasado às aulas. No momento em que começou a trabalhar, o seu ritual passou a ser a checagem. Para ele, a pior fase foi quando começou a dirigir. “O carro me paralisou”, confessou o administrador. Ele sentia-se apreensivo, pensando que teria provocado algum
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Foto: Beijamin Watson (Creative Commons) acidente, e por isso, refazia a trajetória. De acordo com a psicóloga Aline Lacerda, a pessoa precisa procurar ajuda em três situações: ao reparar os sintomas de obsessão/compulsão; quando sentir que esses sintomas fogem do controle; e se perceber que a obsessão/ compulsão está causando sofrimento psíquico e/ou social. Antes do episódio decisivo que o levou a procurar ajuda, Caio já frequentava a psiquiatra devido à depressão e à Síndrome do Pânico. Após o incidente do carro, ele chegou a pensar que estava louco. A partir daí, começou a se abrir com os médicos. Sobre o diagnóstico, ele contou: “Quando fui diagnosticado, achei um barato, porque sabia o que eu tinha. Aceitei muito bem, assim como minha família”. Ao todo, Caio já manteve sete rituais, dos quais três ainda continuam – organização, verificação e pensamentos intrusivos, que são aqueles “invadem” a mente, sem o consentimento da pessoa. Este último ele considera ser o mais debilitante atualmente. Sobre o tratamento, a psicóloga comentou: “Sempre indico, primeiramente, a psicoterapia, de preferência voltada
mais para abordagem Cognitivo Comportamental ou Análise do Comportamento”. Para os casos mais graves, ela sugere ao paciente a procura de um psiquiatra para ser medicado. Hoje, Caio participa da Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo (ASTOC), em São Paulo. Lá, existe um grupo de apoio para pessoas contarem suas experiências, ter suporte social e trocar informações sobre os distúrbios e tratamentos. ”Gosto de ir ao grupo, porque para mim funciona”, compartilhou Caio. Além de frequentar a ASTOC, ele também toma medicamentos e faz terapia. Mesmo com o transtorno, Caio vê o lado positivo da situação: “Tudo o que consegui fazer foi por causa de ser controlador e perfeccionista. O desafio é achar o equilíbrio”. De acordo com a psicóloga, existe cura para o Transtorno Obsessivo Compulsivo. “Com uma boa psicoterapia, com ajuda de psicofármacos ou não, os comportamentos disfuncionais podem ser extintos”.
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RESENHA Blackface: Alguns artifícios racistas nos cinemas dos EUA e do Brasil Fillipe Vilar É comum o uso de estereótipos dentro das artes narrativas. São modelos de fácil reconhecimento por parte do público e de simples construção. Os estereótipos são tão disseminados que são reproduzidos até mesmo sem uma reflexão anterior sobre eles. A mocinha inocente, o herói de moral sólida, o anti-herói sarcástico, o idoso sábio. Todos esses padrões de personagem são facilmente encontrados até hoje dentro dos produtos da indústria cultural e das narrações como um todo. Os modelos de estereótipos raciais variam de país para país, mas em geral seguem um padrão muito parecido no ocidente. No caso dos estereótipos negros, há uma série de categorias que são extremamente comuns dentro das artes narrativas, com pequenas variações: o negro bobo, o negro malandro e preguiçoso, o coadjuvante negro cômico, a ama de leite, a ‘mulata’ sensual, o idoso negro ‘mágico’. O cinema é a maior arte narrativa dos séculos XX e XXI, e desde seus primórdios que os estereótipos negros são peça fundamental de suas obras. O Nascimento de Uma Nação (D. W. Griffith, 1915), por exemplo, filme que inaugura o modelo de longa-metragem como conhecemos, é uma exaltação da Ku Klux Klan - grupo que perseguia e linchava negros nos Estados Unidos. Todos os negros desse filme são homens cruéis, sem educação, e estupradores em potencial. E são atores brancos com os rostos pintados de preto, prática conhecida como blackface. Por muito tempo, o uso do blackface foi extremamente comum no cinema. Em verdade, esse uso nunca morreu completamente. O blackface é uma prática racista muito antiga, que remonta ao teatro de Shakespeare, com Othelo, e que nos Estados Unidos tem uma carga forte de ridicularização da raça negra, graças ao seu uso nos chamados ‘minstrel shows’ do século XIX (imagem ao lado), onde personagens como Jim Crow e Zip Coon mimetizavam de forma ‘humorística’ escravos e negros recém-libertos.
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O Cantor de Jazz (Alan Crosland, 1927), primeiro filme sonoro de todos os tempos, conta a história de um homem branco que quer fazer sucesso como cantor e pinta a face de preto para ‘facilitar’ isso. O uso desse artifício era tão comum que estava presente até em filmes infantis da primeira metade do século passado. A Pequena Rebelde (David Butler, 1935) retrata o período da Guerra Civil Americana. Ambientado no Sul escravista, conta a história da família de uma garotinha, donos de escravos, que têm sua vida completamente mudada com o conflito. Os escravos da fazenda, completamente leais aos seus senhores brancos, têm medo dos soldados do norte abolicionista. A personagem de Shirley Temple (imagem ao lado), em determinada cena, se ‘disfarça de negra’ para se esconder do batalhão que revista a Casa Grande. O cinema, como toda arte, reflete a estrutura social. Frantz Fanon, psiquiatra, filósofo e revolucionário martiniquenho, argumentava que o racismo é, de forma muito profunda, fruto dessa mesma estrutura da sociedade ocidental. Noções como ‘ser humano’, ‘racionalismo’ e ‘indivíduo’ teriam nascido no século XVII, com filósofos como René Descartes e Voltaire - no período da história conhecido como ‘Iluminismo’ -, pouco mais de um século após o início do tráfico negreiro no Atlântico, no século XVI. Todo esse conhecimento conviveu harmoniosamente com a escravidão negra. Mais, serviu de base para o racialismo, a ideologia que elencava os de pele branca como integrantes de uma casta superior. Nessa lógica, tudo o que estivesse ligado à ‘razão’, à ‘ciência’, seria ‘civilizado’ (branco). Penso, logo, sou branco. Ao negro foi relegado o físico, o corpo, a dança, a loucura, o transe religioso. Em consequência disso, o negro - dentro da sociedade eurocêntrica - estaria sempre fadado a uma posição de segundo plano. Mesmo que tente se embranquecer
Foto: Al Jonson usando blackface em O cantor de Jazz
mimetizando comportamentos, cultura, educação e trejeitos dos brancos, nunca seria de fato um membro completo dessa sociedade. Tentando essa adequação, o negro apaga suas origens, sua história e - para Fanon, pior - apaga o próprio corpo. A noção de racionalidade, para os brancos, precisa estar separada do que é apenas físico. A grande missão de uma sociedade em transformação e do negro enquanto agente de sua própria história, para quebrar de vez essas barreiras, seria a não negação de um aspecto em detrimento do outro, dando um fim à dominação do eurocentrismo como premissa civilizatória. Fanon (ao lado) morreu em 1961, aos 36 anos de idade, por consequências de uma leucemia. Sua obra ainda tem importância fundamental nesse debate. Livros como Pele Negra, Máscaras Brancas e Os Condenados da Terra são basilares para a compreensão da estrutura social do racismo. A influência de seu pensamento pode ser sentida nos movimentos anti-coloniais por todo o continente africano, como o da libertação da Argélia, do qual ele participou ativamente. Entender o racismo sob esses conceitos ajuda a perceber
as suas manifestações dentro da arte cinematográfica. Quem é Mammy de ...E O Vento Levou (Victor Fleming, 1939) senão uma personagem desumanizada, entregue de corpo e alma ao mundo branco dos seus senhores, cujas vidas foram destroçadas pelo estouro da Guerra Civil e, por conseguinte, libertação dos escravos? Ao longo da história, o cinema dos EUA começou a questionar essas reproduções. Ainda na década de 1920, os race movies foram uma tentativa de contrapartida negra ao sucesso de O Nascimento de Uma Nação, com filmes que colocassem uma visão mais humanizada e factível do negro. O maior exemplo dessa fase é o filme Within Our Gates (Oscar Micheaux, 1920), que foi feito em resposta ao filme de Griffith. Esses filmes tinham orçamentos muito baixos e sua produção não sobreviveu à crise econômica da Grande Depressão, após o crack da Bolsa em 1929. Em 1971, Melvin Van Peebles lança Sweet Sweetback’s Baadasssss Song, pontapé inicial do movimento conhecido como blaxploitation. Esses filmes exploravam estereótipos negros pejorativos, ressignificando e dando conotações heróicas ou positivas a eles. No entanto, a frequente reprodução de negros em papéis de prostitutas,
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O cinema é a maior arte narrativa dos séculos XX e XXI, e desde seus primórdios que os estereótipos negros são peça fundamental de suas obras.
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traficantes, viciados e bandidos acabou por gerar revolta dos movimentos negros americanos, o que levou ao fim do subgênero na década de 1980. Filmes mais questionadores desse estado de coisas só vieram aparecer um pouco mais tarde, nessa mesma década. Em 1989, Faça a Coisa Certa (Spike Lee) apresentou um retrato menos maniqueísta da questão racial. Ambientando em Bed-Stuy, a trama retrata conflitos entre os afro-americanos e ítalo-americanos que convivem na mesma região. O cinema de Spike Lee é um dos mais contundentes em apontar o racismo estrutural no cinema dos Estados Unidos.
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No Brasil, há certas peculiaridades que precisam ser levadas em consideração. O negro no cinema brasileiro é, em princípio, invisibilizado. No começo do século XX, aparece como pano de fundo em pequenas produções documentais sobre o carnaval, a capoeira e alguns eventos históricos. Um dos poucos exemplos de filmes com personagens centrais negros é A Vida do Cabo João Cândido (Carlos Lambertinni, 1912), que foi rapidamente confiscado pelas autoridades da marinha como ‘subversivo’. Gabriela, Cravo e Canela (Bruno Barreto, 1983) usa a sutileza da ‘morenice’ para apagar a raça negra. ‘Selvagem’, sensual e bestializada, a personagem principal é uma reprodução de fetiche branco pela mulher de pele escura. Nacib, o comerciante turco, faz de Gabriela sua amante, mas sofre pelo comportamento promíscuo dela, em um arroubo de moralismo no mínimo contraditório. Fora o fato da pele ‘cor-de-canela’ ser mais uma tentativa de embranquecimento, ‘eufemizando’ a negritude. Outro artifício notável de apagamento do negro pode ser verificado no filme Quilombo (Cacá Diegues, 1984). Passado no século XVII, Palmares jamais poderia se chamar de ‘quilombo’, pois era habitado por oriundos de um tronco da etnia bantu que não falava o quimbundo, língua de onde essa palavra é originária. Além disso, em dado momento do filme Ganga Zumba incorpora Xangô, orixá de iorubás, que só vieram para o Brasil pelo menos dois séculos depois. Uniformizar e confundir os diversos povos da África que foram sequestrados para o Brasil é um dos artifícios mais brutais da nossa colonização. Os filmes que seguiram a ‘onda’ Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), embora muitas vezes coloquem negros em personagens centrais, acabam por isolar os papéis dos negros a esse campo social restrito, muitas vezes cercados o tempo inteiro pela tragédia humana, ajudando a perpetuar outro estereótipo. Alguns exemplos são Cidade dos Homens (Paulo Morelli, 2007), Verônica (Maurício Farias, 2009) e Última Parada 174 (Bruno Barreto, 2008). O blackface, os estereótipos, as generalizações históricas e a falta de profundidade de personagens negros são apenas uma pequena parte dos artifícios narrativos utilizados no cinema como forma de perpetuar o racismo. Mesmo que muitas vezes não intencionais, essas reproduções fazem parte da estrutura do tecido social e, percebendo-as, estamos dando um passo na luta contra a perpetuação desses valores, tão nocivos. E ainda há muito chão para se percorrer para mudar isso.
I L U ST R A Ç Ã O
Batman vs Superman? Felipe Moura
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F OT O G R A F I A
Sorrisos
Geylla Lira Santos
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