EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH

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EVANGELHO DE

JUDAS IZRAHIAH

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Mattoso

Evangelho de Judas Izrahiah

EVANGELHOMattoso,CATALOGRÁFICAGlaucoDEJUDASIZRAHIAH/Glauco

Mattoso

© Glauco Mattoso, 2022

São Paulo: Casa de Ferreiro, 2022 82p., 21 x 21cm ISBN: 1.Poesia978-85-98271-28-4BrasileiraI.Autor. II. Título.

FICHA

Concepção:CapaLucioProjetoLucioRevisãoMedeirosgráficoMedeirosGlauco

Execução: Lucio Medeiros

B869.1

NOTA INTRODUCTORIA

A partir de 2021, ja encerrada a phase sonnettistica e publicados varios volumes de odes, rhapsodias, balladas, infinitilhos e outros moldes experimentaes, porem rhymados, passei a compor em formato monostrophico, no verso branco, mantendo o metro decasyllabo. O processo creativo tornou-se mais pausado e, um anno depois, sahiu o primeiro volume de poemas nesse novo padrão, PRANTO EM PRETO E BRANCO, seguido de VENENOSAS FOFOCAS, BAMBOS DITHYRAMBOS, VIDA QUE CEGUE e outros. A actual proposta esthetica, embora apparentemente livre de admarras estrophicas e rhymaticas, implica um regramento não menos rigoroso na comparação com o sonnetto, pois, alem do rhythmo heroico, ou seja, jambico-dipeonico, prioriza a synalepha em detrimento da synerese intervocabular, ou, por outras palavras, a crase em detrimento do diphthongo. Ao leitor a impressão será de versilibrismo cadenciado, mas estichologicamente se mantem um criterio technico uniforme. Outra characteristica desta nova phase é o ineditismo de cada volume, ou seja, nenhum destes poemas foi reapproveitado em collectaneas thematicas,

ao contrario do que occorria com os milhares de sonnettos, mottes glosados, madrigaes e demais generos que anteriormente practiquei. Appenas os casos que compõem o cyclo intitulado "Evangelho de Judas Izrahiah" (composto entre abril e maio de 2022) integram o presente volume. Cabe exclarescer que o nome Izrahiah significa, segundo fontes biblicas, a claridade do Senhor. Como leitura analoga, suggiro os livros INCONFESSIONARIO DO PADRE FEIJÓ, ESTUDOS BIBLICOS, HISTORIA DA CEGUEIRA e O POETA PECCAMINOSO.

PREAMBULO DE DIEGO TARDIVO (*)

É justamente por conhescer os evangelhos (ja os li duas vezes) que lhe digo que o seu proprio evangelho ficou paradoxalmente fiel a elles, com a differença de que seu evangelho pode ser descripto como um "antievangelho" e seu Christo, um "antichristo", dada sua impiedade. O que compta mesmo é o resultado final, e si nos evangelhos os cegos eram tractados com misericordia, no seu proprio evangelho nem Christo tem misericordia delles, dahi eu descrever seu livro como antievangelho e seu Christo como "antichristo".

Sim, seu evangelho ficou impeccavel. Tomara que saia em livro physico, pois assim ganho um exemplar. (risos) Do que você tem me mandado, é sua producção mais requinctada. Outros retrabalharam os evangelhos dessa forma prophana, como Martin Scorsese em A ULTIMA TEMPTAÇÃO DE CHRISTO e Saramago em EVANGELHO SEGUNDO JESUS CHRISTO. Mas em nenhuma dessas reelaborações Jesus é descripto como algoz, e o Jesus de seu livro é bem impiedoso com os ceguetas. Achei interessante sua inversão da piedade de Christo, elaborando um evangelho que o appresenta de uma maneira como os christãos siquer ousam imaginar. Na Edade Media você seria queimado por publicar semelhante obra. (risos)

Seu evangelho tambem me lembrou um discurso do conferencista atheu Sam Harris. Elle nos diz que, si nosso filhinho é curado de uma febre, dizemos que Deus é maravilhoso. Mas si esse mesmo filhinho ficar cego devido a um glaucoma, dizemos que Deus é mysterioso. Elle nos exhorta a ver que o tanto de bem que é feito em nossa vida não é feito na vida de outrem, e conclue que Deus deixaria com inveja o mais ambicioso psychopatha, pois, visitando o soffrimento de seus filhos, nada pode ou nada faz, sendo, portanto, impotente ou malevolo. Tambem salienta coisas obvias. Tendo Deus creado o isolamento cultural dos hindus e sua ignorancia da revelação e creado tambem a punição por essa ignorancia, logo, Deus pune suas proprias acções no lombo dos outros. Si isso não é sadismo, meu caro cego, não sei mais o que é. Quanto a mim, fico com a formidavel phrase de Henry Miller: "Si Deus não é amor, não vale a pena que exsista."

Ja eu tenho uma abbordagem mais complexa. No mesmo instante em que uma mãe exsulta de alegria porque seu filho foi curado do cancer, uma outra mãe, em algum outro logar, cae em pranto porque seu filho perdeu a battalha para o cancer. Fico imaginando Deus a murmurar "mamãe mandou eu excolher esse

(*) Diego Tardivo, ficcionista e poeta, é portador de transtornos mentaes. Dahi a lucidez ainda maior da sua analyse.

daqui..." (risos) O pensamento religioso, a saber, o pensamento magico e delirante, não faz sentido. Eschizophrenicos tomam antipsychoticos para não pensarem exactamente da mesma forma.

PROLOGO [9000]

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O Verbo, no principio, por si só bastava-se e bastava aos que entendiam. De Deus nos veiu o Verbo, com a Coisa. A Coisa que foi feita não se fez direito, donde, em tudo, ser preciso que luz mais luminosa nós tivessemos. Dahi ter vindo o Christo, para a luz ser vista, com a adjuda de Jesus. Porem, alguns mais cegos não terão poder de ver, e estão ja condemnados, a menos que em Jesus a sua fé colloquem. Assim mesmo, raramente um cego terá a graça que Jesus concede, com a cura, a quem tem fé, pois devem esses cegos padescer agruras, neste mundo, semelhantes às penas dum inferno tenebroso, eis que isto significa que peccaram ou foram peccadores os seus paes.

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Soldados conduziram um dos cegos, ainda não curados por Jesus, ao pateo. Rodearam-no, despiram-no e, delle excarnescendo, começaram a golpes desferir-lhe de flagello. Fizeram que dobrasse seus joelhos perante toda a roda, assim dizendo: "Na tua terra somos reis, ó cego!" Cuspiam-lhe no rosto, usavam sua ja muda bocca para alli gozar. Depois de satisfeitos, o levaram do pateo para a praça, aonde iria mais gente excarnescer desse infeliz.

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Jesus de Nazareth lhe perguntou: {Que queres?} "Quero ver!", respondeu elle. Jesus lhe perguntou: {Em mim tens fé?}

O cego disse: "Quando puder ver, terei!" Então Jesus não o curou, dizendo: {Te faltou fé! Não verás!}

Então os que isto viram rodearam o cego, que, expancado, de joelhos ficou, a receber em sua bocca o gozo dos que enxergam e em Jesus, felizes, depositam sua fé.

Jesus, com seus discipulos, estava sahindo da cidade e encontrou, pelo caminho, um homem cego que pedia esmollas. Quando ouviu que era Jesus, gritou: "Tem pena, filho de David!"

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Discipulos indagam de Jesus ao verem no caminho um cego: "Mestre, um homem fica cego, ou nasce cego, por seus proprios peccados, ou por causa dos paes, que ja peccavam?" Jesus disse: {Nem isto, nem aquillo. Um cego serve só para nelle vermos si tem fé, si Deus se manifesta nelle.} Então, Jesus cuspiu na terra, com saliva fez lama, que, exfregada pelo rosto do cego, o sujou todo. Jesus disse: {Lavar-te vae ao tanque. Si tiveres fé, podes te curar dessa cegueira.}

O cego se lavou, mas retornou ainda cego. O povo decidiu, então, punil-o, para que não mais peccasse. Elles urinam na poeira e fazem uma lama, que, exfregada no rosto do descrente, de licção lhe serve, eis que Jesus não prega à toa.

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Trouxeram a Jesus um cego, o qual seria peccador. De pé puzeram o cego bem no meio dessa roda. Disseram a Jesus: "Mestre, este cego peccou, por isso cego ficou. Elle meresce, pois, que seja appedrejado. Que dizes tu?" Jesus, que se inclinava e em terra algo graphava com o dedo, ergueu-se e respondeu: {Quem, dentre vós, jamais peccou, primeira pedra attire.}

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De novo se inclinou para no chão graphar com o seu dedo. Os phariseus sahiram um por um. Jesus se ergueu e viu que só restava aquelle cego, ja todo, sem perdão, appedrejado, depois pisoteado, mas com vida. Jesus lhe perguntou: {Te condemnaram? Então tambem eu, cego, te condemno. Retira-te daqui, pois, e não voltes.}

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Jesus então fallou ao phariseu: {Quem é que me mais ama? Tu, que não beijaste minha face nem ungiste com oleo minha testa suarenta, ou este pobre cego, que me beija e lava com a lingua a poeirenta camada de meus sujos pés?} Voltando-se Jesus para ao ceguinho dirigir-se, lhe disse: {Tua fé não te salvou, mas podes te tornar um bom escravo do meu amphitryão, que é phariseu.}

Jesus dum phariseu estava à mesa e, delle por traz, veiu pelo chão um cego, que, lembrado duma cura na qual Jesus fizera da saliva mixtura com poeira do chão, poz-se, tambem, a lhe lamber os pés sagrados, lavando com saliva aquelle pó.

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Descia certo cego para a proxima cidade, sem um guia, quando foi por uns salteadores despojado, surrado sem perdão e, meio morto, deixado no caminho. Por alli passando, um phariseu o viu e foi-se. Tambem um sacerdote viu o cego, passando sem parar. Emfim, chegou um bom samaritano, que do cego sentiu dó, que levou-o para ser curado no mais proximo hospedeiro, pagando umas despesas de estadia. Fallou ao hospedeiro: "Cuida delle. Depois te pagarei novas despesas." Seguiu sua viagem esse bom irmão. Mas, ao invés de dar ao cego a adjuda promettida, aquelle mau e perfido hospedeiro delle fez escravo para a sua diversão, abusos commettendo bem peores que tudo o que fizeram os bandidos.

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Um cego, que dez drachmas ja junctara, perdeu uma moeda. A casa toda varreu, sem encontral-a. Conclamou, então, os seus amigos e vizinhos, pedindo-lhes adjuda, até que foi achada aquella drachma. Alegremente, o cego lhes fallou: "Regozijae-vos commigo!" Riram-se elles, pois estavam as drachmas, todas ellas, ja nas mãos daquelles que, entre si, compartilhavam a somma que depois o cego, sem adjuda, tentaria, à toa, achar.

Um homem rico tinha vida farta. À sua porta havia certo cego mendigo, que vivia das migalhas do rico. Os dois morreram. Foi o cego ao Hades, donde pôde ver o rico feliz, com Abrahão, no Céu. E disse o cego: "Que tu peças a Abrahão que tenha piedade de mim rogo-te." o rico respondeu: {Não. Tu meresces ahi ficar. No maximo, ver podes a minha salvação, pois fé mantive na Lei e nos Prophetas. Tu, que não soubeste crer que irias enxergar, terás que padescer ahi, me vendo.}

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Naquelle tempo, disse Jesus: {Si algum de vós tiver um servo cego, iria aggradescer por ser submisso tal cego, por ser util e cumprir as vossas ordens? Não, pelo contrario. Por certo ordenarieis que esse cego cumprisse novas ordens, cada vez mais duras, pois ao cego caberá dizer que inutil é, mesmo que cumpra aquillo que mandado lhe foi. Vós sabeis que, sendo cego, um homem não teria a pretensão de recusar-se jamais a fazer tudo o que mandasseis.}

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(10) [8989]

O dono se vingou, mactando-os todos.}

Depois Jesus contou esta parabola: {Um homem arrendou a plantação e, quando da colheita, mandou, para cobrar dos lavradores sua quota, um servo que, expancado pelos taes, voltou sem um vintem. Então mandou um outro de seus servos, que voltou, alem de ser surrado, com vergonha do torpe e infame estupro que soffreu. Então pensou o dono: "Si meu filho alli for enviado, os homens não farão isso com elle." Mas fizeram e, maus que eram demais, sua visão tiraram, para abuso mais completo.

Aquelles que Jesus ouviam, sem saber o que pensar, lhe perguntaram: "Mas como Deus permitte tal desfecho?" Jesus lhes explicou: {A pedra mais pesada será tanto mais pesada em cada queda sobre quem carrega tal peso, ou seja, pouca não exsiste desgraça. A peorar tudo só tende.}

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Vos digo que tenhaes misericordia, pois esse cão não pode entender tudo. Agora vos indago: Tereis vós a mesma piedade do ceguinho que implora por esmollas e vos enche a sancta paciencia com seus rogos?

Vos digo que tal pena não precisa ninguem ter, pois o cego bem entende a sua condição de soffredor e sabe que terá de supportar abusos da mais torpe natureza. Portanto, um viralatta, que não pecca, mais vale que esse pobre peccador.}

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Naquelle tempo, disse-lhes Jesus: {Tereis vós piedade do cachorro ja cego, que não pode defender-se, siquer fugir daquelles que maus sejam?

Os outros dois, num tacito conluio, roubaram do cegueta as moedinhas e cada qual ficou, então, com duas. Sem nada, a protestar ficou o cego, e tanto protestou, que foi surrado e estupro oral soffreu dos dois mendigos.

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Pergunto-vos: De facto, merescia o cego uma dobrada charidade? Por certo, não. Mas elle merescia ficar sem sua parte? Tambem não. Vos digo que, dos males, o menor. Melhor não reclamar da nossa sorte si sorte 'inda peor for imminente, sabendo-se que é muito vulneravel aquelle que em cegueira mergulhou.}

(12) [8996]

Jesus, naquelle tempo, lhes fallou: {Trez pobres esmollavam pela praça sem nada conseguir, um delles cego. Um rico deu a cada a moedinha pedida, mas ao cego duas deu, dizendo: "Mais está necessitado."

(13) [8997]

Jesus aos seus fallou, naquelle tempo: {Curado será aquelle que tem fé. Será, qualquer que seja a sua chaga, curado pela sua fé, vos digo.} Chegou-se, então, a Christo um alleijado e logo caminhou sem as muletas. Depois veiu um leproso, um canceroso, um surdo, um syphilitico, um eunucho e todos se curaram, dando graças. Emfim, chegou o cego mais sem sorte daquelle logarejo, o qual pediu: "Senhor, tem piedade! Perdi minha visão, depois de estar accostumado à luz do Sol, às cores, às bellezas do mundo! Como posso viver cego?" Jesus lhe respondeu: {Tu deverás passar ainda pela mais atroz das trevas até nova vinda a mim. Mas posso nem estar mais por aqui. Bom tempo terás para accostumar-te.}

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Então Jesus fallou aos seus e disse: {Aquelle que peccou terá perdão total, desde que esteja arrependido e seja, a seus irmãos, um bemfeitor.} Trouxeram-lhe, então, uma peccadora que disse: "Sou, pois, util ao prazer dos homens! Sou mais util que este cego!" Então foi perdoada. Mas o cego, que vinha seu perdão pedir, fallou: "Mas usam minha bocca, Mestre, para o mesmo prazer que ella proporciona!" Jesus, comtudo, não o perdoou, dizendo: {O que tu fazes é forçado, emquanto que excolheu a peccadora fazer o que tem feito. Podes ir.}

Jesus o perdoou. Então um cego tambem quiz implorar pelo perdão, porem lhe deu Jesus esta resposta: {Aquelle não revida a violencia, embora tenha forças para tal.

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Tu soffres, mas não podes reagir. Excolha não tens. Como queres ter o mesmo perdão? Nunca meresceste siquer a compaixão de quem te estupra.}

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Um joven, que perdão vinha pedir, fallou: "Pequei, sim, contra a castidade, mas nunca aggredi, quando me expancaram!"

Assim Jesus fallou aos seus: {Vós não deveis retribuir a violencia soffrida, mas soffrel-a novamente, si vosso oppressor isso desejar.}

Naquelles tempos, ora, accontesceu que estava pretendendo um phariseu testar alguns poderes de Jesus. Fallou o phariseu: "Mestre, sustento um cego, dou-lhe casa, dou comida, mas elle em nada serve-me. Será que, pela charidade, irei ao Céu?" Jesus lhe respondeu: {Irás, por certo.} Mas esse phariseu, que maltractava o cego, que estuprava a sua bocca, suppoz que dom nenhum tinha Jesus e expoz toda a verdade para, à frente do publico, o levar, pois, ao descredito. Mas disse-lhe Jesus: {Ainda assim irás ao Céu. Me testas? Todo cego meresce ser tractado como o tractas. Ao menos util é para algo, ou seja, talvez o proprio cego tambem possa um dia accalentar tal esperança.}

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Jesus cita Moysés quando da Lei nos falla, mas adduz maior clareza. Assim, quando um discipulo lhe pede conselhos a proposito do roubo, responde cada coisa a cada caso. No caso, perguntado foi: "Roubar moedas dum ceguinho, porventura viola algum sagrado mandamento?" Responde, então, Jesus: {O cego nunca iria conhescer quem o roubou. Não pode, pois, queixar-se de ninguem, siquer si esse ladrão nelle cuspir naquelle instante mesmo do seu acto. Portanto, desejou Deus que esse cego não visse, e que não visse tambem isso, não sendo, ora, peccado um acto tal.}

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Um cego se queixava a Jesus: "Mestre, perdi minha visão quando os ladrões, alem de me roubarem, exigiram que eu fosse fellador, mas me neguei! Então, elles, sem pena, me estupraram, sangraram, fracturaram varios ossos, depois 'inda cegaram-me, Senhor, deixando-me, na practica, alleijado!" Jesus lhe ponderou, appós ouvir a queixa, para applauso dos presentes: {Não era preferivel que chupasses? Appenas teu dinheiro perderias, alem do teu orgulho. Vae-te, pois.}

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Jesus foi collocado deante deste extranho caso, para que ensignasse: "Senhor, quem mais quebrou os Mandamentos? Um rico foi roubado. Os ladrões 'inda cegaram-no, de modo que não fosse ninguem reconhescido, mas em vão, pois houve testemunha. Presos foram. No carcere, elles foram, por seu turno, cegados pelos outros prisioneiros, a mando dos soldados, que se riram daquella atroz vingança, consummada, ainda que indirecta, fatalmente. Quem pecca mais alli, Senhor? Perdão meresce, emfim, alguem perante Deus?" Jesus fallou: {Com ferro quem feriu será ferido, um olho por um olho. Alli peccaram todos. Os soldados, direi, perdão terão antes dos mais. Nenhum perdão terá, porem, o rico, por causa do peccado da avareza, ommisso no decalogo da Lei.}

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Moysés (disse Jesus) a nós legou aquelle seu decalogo, onde estão implicitos peccados os mais varios. Luxuria, por exemplo. Peccar contra alguma castidade é desejar appenas a mulher dum homem proximo? Eis como os seus discipulos fizeram a grave indagação ao Mestre. Disse Jesus: {Um cego ouviu sua mulher na cama, amando um outro, que enxergava e delle ria, quando o orgasmo vinha. O cego protestou, mas o outro não somente ejaculou na mulher, como na bocca desse invalido marido. Pergunto-vos: Peccou mais a mulher ou o homem que, excitado, se excedeu? Respondo por Aquelle que enviou, por minha bocca, a sua allegação: Peccado só commette quem abusa daquelles que, indefesos, não reagem. A menos que meresça algum abuso soffrer um infeliz, caso do cego, que está no mundo para aqui penar.}

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Jesus de seus discipulos indaga: {Podeis vós comer tudo o que quizerdes até fazer um bicco o vosso cu? Peccado, sim, seria tanta gula. Olhae, porem, o cego, que nem mesmo capaz é de comer qualquer comida sem, minima que seja, alguma adjuda. Olhae e vede como o cego soffre comendo os restos putridos de quem lhe queira dar alguma charidade. Divertem-se esses jovens phariseus na bocca collocando-lhe nojentas porções dos mais infectos excrementos. Vós todos, que normaes tendes os olhos, e vosso paladar satisfazeis, deveis saber que excessos são peccados. Com pouco contentae-vos e lembrae-vos do cego, que só come merda, alli jogado na sargeta das cidades.} E todos entenderam a licção, pois tinham, ja, alimento dado para algum ceguinho pela vida affora.

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Jesus lhes ensignava a Lei mosaica, mas uma attenta analyse de cada peccado lhe pedia algum discipulo. Um cego, que implorava attendimento, emfim foi pelo Christo recebido e disse: "Meu Senhor, inveja sinto de todos os que enxergam normalmente, pois elles bem desfructam desta vida terrena! A mim só resta a charidade geral, que porventura ainda alguem practique, mas mais ouço-lhes o riso! Serei um peccador por invejar aquillo que teria a maioria? A cura, meu Senhor, receberei si, embora lhes inveje essa visão, eu tenha alguma fé no nosso Deus?" Jesus sabedoria ao responder mostrou, como de resto lhe era a regra: {Não sabes que invejar sempre é peccado? Si Deus tua cegueira desejou, que queres que eu te faça? Abbençoar-te? Curar-te não irei, mas minha bençam te posso conceder, 'inda que nada altere em tua vida miseravel. E podes retirar-te de meus pés.} Então, maravilhados, todos quantos estavam alli deram aos Céus graças.

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Ja livre do remorso, sorridente ficou o tal discipulo, pois nunca o cego saberia que foi elle.

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Jesus dum seu discipulo o seguinte pedido recebeu: "Mestre, preciso saber si dois peccados commetti. Objectos de valor um cego tinha, do tempo no qual luzes 'inda via. Taes coisas cobicei e de seu lar furtei-as na maior facilidade.

Agora arrependido, Mestre, estou." Mas disse-lhe Jesus: {Tu não precisas temer, pois não peccaste. Taes objectos ao cego não serão uteis jamais. Um cego só vegeta, não mais vive. Portanto, de quaesquer bens materiaes que seja despojado. Não peccaste.}

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Jesus fallou: {Mactar sempre é peccado, mas mortes evitaveis muitas são. O cego conformar-se deveria, mas, mesmo revoltado, que implorasse adjuda de terceiros. Se fodeu.} E todos se calaram, pensativos.

Discipulos esperam de Jesus conselhos sobre todos os peccados. Pergunta alguem: "Mas Mestre, não podemos irados ficar nunca nesta vida? Conhesço um cego, Mestre, que, comquanto inerme fosse, irado ficou quando foi pelos seus vizinhos saqueado. Levaram, Mestre, tudo de seu lar. Ahi, descontrolado, o cego poz-se a berros dar, a golpes de cajado dar pelas portas todas ao redor. Então, os seus vizinhos revidaram, mactando-o de pancada. Aqui, peccado acaso não seria assassinato, accyma de quaesquer outros, Senhor?"

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Jesus fallava àquelles seus fieis: {Vos digo que, em verdade, ninguem pode julgar-se superior no seu orgulho. Exemplo dou do cego que enxergou e, emquanto ver podia, se educou, escriba se tornou, jactancioso. Um dia, accidentou-se e sem visão ficou. Mas não perdia aquella pose. A todos respondia com desdem. Então, alguns rapazes o cercaram e encheram de porrada, até jazer por terra, quasi morto sob os chutes. Custou-lhe, pois, bem caro o seu peccado.} E todos, encantados, concordaram.

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Insiste Jesus neste seu preceito: {Amae-vos uns aos outros. Vós deveis amar o vosso proximo tal como amaes o vosso proprio umbigo ou cu.} Um cego foi na bocca penetrado, sem pena, pelo sadico mais proximo. O caso nem siquer trazido foi à analyse importante de Jesus.

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Jesus insiste neste seu preceito: {Amae-vos uns aos outros. Vós deveis amar o vosso proximo tal como amaes o vosso proprio umbigo ou cu.} Occorre que, num caso de entrevero mais grave entre mendigos, sendo um delles ja cego, o que visão tinha mactou aquelle que era cego. Perguntado si tanto desamor era peccado, Jesus exclaresceu com propriedade: {Maior deve ser este Mandamento que ensigna a amar ao nosso Deus accyma de tudo ou todos. Ora, Deus não teve, de cego nenhum, pena alguma, sendo portanto toleravel que esse fosse, por outro pobre, morto como um porco.} Alegres os discipulos ficaram com tanta sapiencia accumulada.

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Parabolas Jesus sempre empregava, tal como neste caso, um tanto obscuro. {Um homem muito culto, que das lettras fazia seu sustento, percebeu que estava, aos poucos, cego se tornando. Pediu a Deus, então, que preservasse a pouca luz que estava, ainda, vendo. Inutil foi a sua prece, pois só menos claridade elle enxergava. Mas elle não perdia a sua fé e, sempre que invocava Deus, rogava, até que totalmente cego, um dia, ficou, eis que empregou, em vão, o nome do nosso omnipotente Deus, que tinha signaes sufficientes dado duma recusa de evitar toda a cegueira.}

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Jesus disse: {Em verdade é que vos digo que nunca no domingo vós deveis dar duro no trabalho.} Uma parabola, então, elle contou sobre este thema: {Na praça, domingava alegremente o povo, que suara na semana. Appenas um ceguinho, sem descanso, a todos implorava algum trocado. Foi quando uns jovens nova diversão, às custas delle, em practica puzeram. Fizeram que comesse excrementicias porções, para alegria da platéa, e, em caso de recusa, appanharia. O cego, que em Deus tinha alguma fé, passou por mais aquella provação e, sempre conformado, não ousou negar ao povo um dia de lazer.}

Os outros divertiam-se com isso, fazendo que engolisse porcarias, agora que dos paes estava longe. Entenda-se: peccaram esses paes, porem mais peccador foi o tal filho, que errou ao violar um Mandamento.}

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Jesus uma parabola contava: {Dum cego os paes peccaram a valer, por isso o filho cego lhes nasceu, segundo reza a crença popular. Tão logo o cego teve entendimento daquillo que razão dera à cegueira, maldisse e praguejou contra seus paes. Então, alem de cego, ficou elle, depois dum accidente, sem as mãos, forçado, desde então, a tactear appenas com a bocca, algumas vezes.

Contando uma parabola, Jesus exemplo do mais grave crime deu: {Ainda que em legitima defesa, aquelle que mactou terá peccado. Assim, pois, occorreu com um escriba que teve sua casa, à noite, por bandidos invadida. Com a faca, mactou elle, dos trez, appenas um, mas teve sua vista perfurada na lucta com os outros, que fugiram. Ainda com um olho pôde ver, mas, como violou o Mandamento, Deus delle retirou toda a visão.} E todos os presentes entenderam que vale mais a pena ser bandido.

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Jesus à castidade sempre fez questão de referir-se com bastante clareza, donde exemplos deste typo: {Um cego punhetava-se escondido, mas foi pelo seu primo, um homem muito decente e casto, pego de surpresa. Então, como castigo, o crente fez o cego pagar sua acção devassa lambendo de seus pés toda a poeira. O cego, sem excolha, submetteu-se, mas, desde então, punheta só battia pensando nos pés sujos do seu primo. Assim, pois, Deus não teve piedade e fez com que seu penis gangrenasse.} Com medo, todos quantos Christo ouviam sentiram calafrios em seus membros.

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Contou Jesus, de novo, uma parabola: {Um rico phariseu, que estava cego, perdeu muito dinheiro num assalto, mas, pela voz, julgou que seu vizinho culpado fosse desse crime. Deu, então, queixa aos soldados, que prenderam aquelle que innocente era no caso. Por causa disso, o nosso Pae Eterno puniu-o pelo falso testemunho, fazendo com que, pelos assaltantes, de novo fosse em casa visitado. Mas, desta vez, quizeram os bandidos com elle fazer coisas vergonhosas, taes como obrigar sua bocca a dar prazer a sujos membros. Desde então, o cego nunca mais denunciou ninguem que em sua casa penetrasse.} Aquelles que escutavam Jesus deram aos Céus graças por causa da visão perfeita que 'inda tinham. Assim seja.

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Os pobres não são mais necessitados?" Jesus, então, lhes disse: {Dae a Cesar aquillo que é de Cesar. Dae ao cego aquillo que é do cego. Cesar não acceita receber menos que tanto.

Querendo provocal-o, os phariseus que estavam na presença de soldados romanos, perguntaram-lhe: "Senhor, um cego, que esmollando fica ahi na praça, não meresce mais moedas ganhar, do que de Cesar o thesouro?

Um cego se contenta com qualquer merreca. Que receba, pois, a sobra daquillo que foi dado para Cesar. Si sobra não houver, foda-se então o cego, mas que Cesar não se foda.} Sorriram os soldados, mas quem não achou naquillo graça foi um cego que estava alli por perto, ouvindo tudo.

(34) [9045]

Um cego, quando ouviu o que Jesus fallava accerca duma bofetada na face esquerda, alem doutra na face direita, testemunho veiu dar àquelles que em Jesus sua fé tinham. E disse esse ceguinho: "Nem dá tempo de, quando me extapeiam, offertar aos jovens outra face, pois me vão battendo pela cara toda." A rir estavam os presentes, quando Christo chegou e lhes fallou: {O cego não vos serve de exemplar caso, pois elle, alem de levar tapas pela cara, tambem leva cuspidas e excarradas. Pensae nos que não levam, normalmente, siquer um bofetão. Exquescei esse ceguinho gozador, que está manjado.}

48 GLAUCO MATTOSO

(35) [9047]

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 49

Com pobres, prostitutas e bandidos Jesus comia, alem de dar-lhes sua palavra de comforto. Os phariseus, que disso não gostavam, mal fallavam. Então Jesus contou esta parabola: {Quem, tendo cem ovelhas, si perdeu alguma, della attraz não sahirá? Si encontra a tal ovelha, não irá com todos celebrar por tel-a achado? Mais vale conquistar um peccador que só com homens puros conviver.} Um cego, ouvindo o caso, commentou: "Jesus jamais commigo se sentou, mas nunca achei que fosse quem não pecca, pois vivo punhetando-me, sonhando com essas prostitutas que me evitam. Será Jesus mais cego que eu, ou não?"

(36) [9049]

Contou esta parabola Jesus. {Um pae tinha dois filhos, sendo um cego. O cego obediente sempre fora, mas seu irmão, que delle excarnescia, gostava de passar as noites fora e, quando retornava, de seu pae ganhava as boas vindas, com affecto. Então o cego, um dia, reclamou, ouvindo do papae estas palavras: "Tu sempre estás commigo. Tua cara eu vejo todo dia. Teu irmão nem sempre está por perto. Ora, não achas que devo me sentir feliz com esse retorno de quem tantos dias longe passou, gastando o tempo com as putas?

Devias tu, tambem, a teu irmão fazer festa, massagem nos seus pés cansados, util sendo-lhe, portanto, ao menos para que elle bem se sinta."

O cego, que entendeu qual logar tinha, emfim se convenceu e se calou.}

50 GLAUCO MATTOSO

(37) [9051]

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 51

(38) [9053]

Jesus aquella aldeia visitava. Os cegos da cidade eram jogados no mesmo logar sujo, um leprosario perfeito, onde viviam porcamente, comendo o lixo putrido da aldeia. Appenas um zarolho os governava (chamado Zebedeu, o Omnipotente), dictando-lhes as regras de convivio e delles se servindo, como subditos.

Jesus fora ao local para curar aquelles que tivessem fé na cura. Alli não foi, porem, bem recebido, pois disse-lhe, sem pappas, Zebedeu: "Senhor, elles não querem cura alguma. Que iriam fazer, caso se curassem? Pedir esmollas, como, ora, ja pedem. Melhor deixal-os quietos no seu cantho, servindo-me de escravos conformados." Jesus se retirou, pois, respondendo: {Razão tens, Zebedeu. Não te condemno.}

(39) [9055]

Um dia, Zebedeu, o rei dos cegos, sahir precisou dessa aldeia, por semanas poucas. Quando voltou, quiz saber quanto os ceguinhos conseguiram junctar de moedinhas esmolladas. Aquelles que junctaram mais moedas ficaram com alguma porcentagem. Aquelle que somente conseguiu ganhar uma moeda alli na praça, alem de não ficar com nada, foi punido, com aval de Zebedeu, por todos os demais cegos. Jesus, que disso se informou, aos seus fallou: {Quem ganha mais, meresce mais obter. Quem menos ganha, deve perder tudo.}

52 GLAUCO MATTOSO

Um dia, perguntaram a Jesus motivo qual teria tal amor que para até crueis e sanguinarios subjeitos elle tanto dedicava. Citaram, por exemplo, Zebedeu, que sempre explorou cegos sem nenhum escrupulo, zombando-lhes da cara: "Senhor, por que devemos nós amar a todos, inclusive esses carrascos?"

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 53

Jesus, com paciencia, respondeu: {É mesmo o peor cego quem não quer ver isso que vos prego. Mais meresce amor quem é por muitos odiado. Aquelle que castiga, que excarnesce, que estupra, que flagella a valer, esse precisa, justamente, ser amado, a fim de compensar o desamor que todos lhe dedicam. O bondoso, o grande bemfeitor, esse está ja gozando da mais ampla sympathia.} E todos admittiram que era assim.

(40) [9057]

54 GLAUCO MATTOSO

(41) [9059]

E todos concordaram que era, mesmo, verdade essa palavra de Jesus.

Jesus exemplifica seu amor àquelles que peores são, dizendo: {Olhae esse rapaz novinho, o qual só gasta com mulheres e com festas, emquanto o seu irmão mais velho, o cego, que nada tem, não pode, então, gastar. Acaso deveria tal rapaz um pouco do que ganha ao cego dar? Vos digo: ninguem corta a roupa nova só para remendar a roupa velha, sinão estraga a nova, sem que em nada melhore esse farrappo ja perdido.}

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 55

Zarolho, Zebedeu, o zurzidor dos cegos que explorava, às vezes não zurzia, preferindo delegar a algum cego mais novo tal poder de penas applicar nos que pediam a menos as esmollas pela aldeia. Então, cada qual desses novos era cruel com os mais velhos, ordenando que fossem, inclusive, felladores. Instado, Zebedeu corroborava a sua preferencia pelos jovens, em vez de capatazes mais edosos, citando Jesus, quando o Mestre diz: {Melhor é vinho novo pôr em odres mais velhos, do que vinho velho pôr em odres novos, visto que esse vinho novinho mais precisa pegar gosto.}

(42) [9061]

56 GLAUCO MATTOSO

O cego necessita da bengala, da vara, do cajado. Quando perde appoio, se extatella. A sua fé, portanto, não resiste, não é firme nem é bastante forte e inabballavel. Por isso não o posso curar, quasi que nunca. A sua fé não se sustenta.} Assim Jesus explica a sua pouca adjuda a tantos cegos que enxotou.

(43) [9063]

Exemplo deu Jesus de quem escuta as suas regras, para as practicar. {Quem vem a mim é como quem constroe a casa sobre solidos pilares. É como quem caminha sobre suas bem firmes pernas: nunca se desvia do rhumo, como um predio que não cae por causa duma simples ventania. Si fosse como um cego, suas pernas jamais teriam uma tal firmeza.

(44) [9065]

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 57

Citando Zebedeu, que esmollas cobra dos cegos que na praça as pedem, diz Jesus: {Si dois ceguinhos lhe devessem a quota das esmollas, qual dos dois maior amor por elle, então, teria si fosse perdoada a sua divida? Aquelle que devesse dois tostões ou vinte e dois vintens quem lhe devesse? Por certo mais amor teria quem maior somma devesse.} Zebedeu, porem, não perdoava nenhum cego que esmollas não trouxesse em suas mãos e sempre castigava quem devia, dahi ter esse exemplo um valor nullo.

58 GLAUCO MATTOSO

Dahi por qual motivo Jesus dá valor a Zebedeu, que, tendo um olho, por cyma dos ceguinhos tripudia.

(45) [9067]

Ou outro, o mais covarde dos dois sadicos, aquelle que só goza si estiver em gruppo, protegido por impune poder dictatorial ou militar e, quando solitario, se defeca de medo do opponente? Certamente Jesus perdoaria aquelle mais covarde, que tortura alegremente appenas quem não pode reagir.

Qual sadico Jesus perdoaria em caso dum pedido de perdão? Aquelle que, valente e destemido, tortura alguem appós vencel-o numa renhida lucta, para lhe cobrar o preço da derropta na disputa?

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 59

Na praia, a multidão cercou Jesus, que, entrando num barquinho, dirigiu-se a todos desse poncto bem visivel: {Quem tenha seus bons olhos que bem veja. Quem tenha bons ouvidos que bem ouça. Sementes, quem na areia plantaria?

(46) [9069]

Nas pedras, ou num arido terreno, alguem semeará, para depois colher practicamente nada? Alguem?

Por isso vos direi: quem não enxerga não vale nem siquer quando me implora a cura, sem jamais ter cega fé. Aquelle que não ouve será como semente que se perde em solo secco.}

Jesus esta parabola citou: {Accende lamparina quem, à noite, precisa de luz para algo poder ver, mesmo tendo boa visão. Ora, um cego não precisa de mais luz nem menos luz, pois nada a ver terá. Por isso vos direi: a quem ja tem, ainda algo mais dado lhe será. Porem, de quem ja pouco ou nada tem, ainda alguma coisa lhe será tirada, pois meresce essa missão.

60 GLAUCO MATTOSO

(47) [9071]

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 61

(48) [9073]

E disse Jesus para todos elles: {Felizes os escravos cujo dono em casa só chegar bemhumorado. Assim que elle chegar, pois, estarão allertas, promptos para seus pés irem depressa descalçar, a fim de dar-lhes comforto, com lavagens e massagens. Porem, quando seu dono retornar da rua abhorrescido, pobres delles, que, mesmo si estiverem preparados, irão as consequencias supportar daquelle mau humor. Por isso digo que estejam as pessoas promptas para aquillo de peor que possa vir e não somente para algum momento feliz de reencontro cordial. Assim, aquelles cegos a serviço dum rei como o zarolho Zebedeu jamais sossegarão, pois seu senhor os pune mesmo quando nada fazem de errado, ja que sempre foi cruel.}

(49) [9075]

E disse Jesus Christo, sempre certo: {A vós eu vos direi que quem pedir irá, sim, receber. Quem procurar na certa achará aquillo que procura. Quem batte, com certeza abrir-lhe irão a porta. Mas, por outros termos, quem só pede esmolla ganha a pratta falsa. Quem busca abrigo dorme sem coberta. Quem batte encontra a porta bem trancada. Aquelle que insistir conseguirá no maximo um sorriso de desdem. Portanto, o que ser pode, não será. Aquillo que quizerdes, não tereis. O cego que quizer ver, não verá.}

62 GLAUCO MATTOSO

(50) [9077]

Assim fez Jesus Christo o seu sermão. {Um rico cidadão pensou comsigo: "Preciso proteger meu patrimonio, trancal-o todo, para que não caia nas mãos dos assaltantes desalmados." De nada addeantaram essas trancas, pois elle morto foi pelos bandidos por ter-se recusado, de maneira teimosa, a abril-as quando o procuraram.

A vida menos vale que esses bens?

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 63

A todos vós direi: quem tem dois olhos, somente tem um. Digo tambem: quem appenas tem um olho, nenhum tem. O cego, unicamente, não terá mais nada a perder, nesta abjecta vida.}

E Pedro, finalmente, entendeu tudo.

Foi Pedro seu apostolo, que estava a fim de entender uma das parabolas. Então Jesus voltou àquelle poncto. {Castigo mais severo quem meresce? O servo que, na ausencia do patrão, se exquesce dos deveres e relaxa?

(51) [9079]

64 GLAUCO MATTOSO

Ou outro que, depois de elogiado por muitos bons serviços que prestou, commette varias falhas na presença do proprio patrão, para decepção de todos os demais escravos delle?

Respondo que, naquelle que mais causa desgosto, mais se espera a punição de muitas chibatadas, com certeza. Aquelle que falhou sem gravidade meresce, claro, menos chibatadas. Si fosse, porem, cego o tal escravo, faria jus às penas mais severas, quaesquer que fossem suas attitudes.}

Então Jesus, citando Zebedeu, fez esta lapidar comparação: {O cego que, depois de esmollar por innumeras jornadas, não me traz nenhuma moedinha de valor maior, será tal qual uma figueira que nunca desse figos e, portanto, devesse ser cortada do terreno. Assim, pois, eu castigo um cego sem maior utilidade lhe cortando, ao menos, uma mão, e talvez ambas. Quem sabe elle consegue mais esmollas si for, alem de cego, um alleijado?} Citar de Zebedeu estas palavras causou, nos que escutavam, bom impacto.

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 65

(52) [9081]

66 GLAUCO MATTOSO

(53) [9083]

Queriam os discipulos saber qual era a semelhança que teria o reino que, celeste, nos agguarda. Jesus o comparou, então, a alguma semente bem pequena, que, entretanto, depois de trabalhada pelos homens, em arvore frondosa se converte. Sorriram todos quando um cego quiz saber qual o tamanho de tal arvore. Jesus lhe respondeu: {Nem te interessa qual seja, pois nem sabes distinguir as folhas dum carvalho ou dum coqueiro. Por isso não irás para tal reino.}

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 67

(54) [9085]

Jesus, com seus discipulos, estava à mesa dum banquete, quando um cego alli quiz se sentar, por ser tambem discipulo. Ninguem, porem, lhe deu logar, e elle comeu com os cachorros. Então, Jesus fallou: {Mas quem mandou um cego liberdades taes tomar, julgar-se especial e tractamento querer mais cuidadoso ou differente? Aquelle que se exalta, rebaixado será. Quem humilhado se sentir, será, pois, exaltado, mas somente si cego não for, visto que nenhum dos cegos tem o nivel dos normaes.}

Jesus neste dictame insistiu muito. {Vos digo: quando dermos um banquete, devemos convidar somente pobres mendigos, prostitutas, bandoleiros, doentes, alleijados e malucos.

Os cegos não se incluem nessa lista, pois cego nenhum compta ao nosso Deus. Mas, como vos estou dizendo, temos que dar assento, nessa mesa, appenas aos mais necessitados e exquescidos.

Si ricos e famosos convidarmos, em breve elles irão retribuir, tambem vos convidando para a mesa. Mas, quando os perdedores convidamos, seremos la no Céu recompensados.}

(55) [9087]

68 GLAUCO MATTOSO

Orar um phariseu ao templo foi. Orava com fervor, dizendo: "Olhae por mim, Senhor meu Deus! Sou pagador de impostos! Casto sou! Até jejuo! Como outros eu não sou, esses ladrões, corruptos, assassinos e tarados! Vos peço o meu logar no Céu, Senhor!" No templo, um publicano pobre estava, tambem orando. Humilde, supplicava: "Senhor, sou peccador! Vossa bondade eu peço! Perdoae os meus peccados!" Jesus, sobre esses ambos, commentou: {Exalta-se demais o phariseu. Será, pois, humilhado. O publicano, que entende seu logar, mais exaltado será, perdão, portanto, merescendo. Um cego não se encaixa neste caso, pois nunca alcançaria algum perdão.}

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 69

(56) [9089]

Um homem semeou bom trigo, mas, no meio do terreno, semeou o joio um inimigo seu. Assim, brotaram junctos, esse trigo com o joio. Os lavradores perguntaram ao homem si queria separar a parte má da boa. Respondeu, então, o dono dessa plantação: "Não ha necessidade. No momento correcto, o da colheita, saberemos aquillo que devemos deschartar." Jesus, sobre este caso, commentou: {O cego que, no meio dos normaes, vegeta, representa aquelle joio, mas, quando reparamos nelle, logo sabemos que não presta para nada.}

(57) [9091]

70 GLAUCO MATTOSO

(58) [9093]

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 71

Jesus, sempre enigmatico, fallou: {O reino do Senhor é como um leito de nupcias. Muitas virgens passarão por elle. Defloradas só serão aquellas que, na sua lamparina, tiverem um bom oleo. De reserva, terão que conservar 'inda mais oleo. As virgens que não tenham lamparina bastante luminosa, deschartadas serão. Por isso um cego não se casa e, quando se casou, logo notou, embora não a visse, que faltava luz nessa lamparina. Mas, quando outro subjeito desfructou dessa mulher, notou que tinha luz sufficiente.}

Jesus um imprudente comparou ao cego que, querendo construir a sua nova casa, calculou que só com as esmollas que ganhava tal obra pagaria. {Se fodeu, pois, quando os alicerces nem estavam fincados, ficou tudo pelo meio, sem tecto nem paredes. Delle, então, zombavam os seus proprios operarios, dizendo: "Que idiota, sancto Deus! Não pode com o peso nem das calças e pensa que teria numa torre bem alta a residencia a que faz jus, sabendo que meresce num porão morar, o desgraçado! Foi bem feito!" Nem tenho nada para accrescentar.}

72 GLAUCO MATTOSO

(59) [9095]

(60) [9097]

Um toque intriga apostolos ha tempos, pois sadomasochista, acham, seria Jesus. Outras palavras, porem, eram usadas: estoicismo ou hedonismo. O facto de elle dar a cara a tapa nas duas faces, bem como o conceito daquelles humilhados que seriam, depois, até exaltados, e exaltados que, em troca, restariam humilhados, aquillo tudo, um tanto, parescia um jogo de poderes sexuaes e troca de papeis, ja se fallava. Mas Christo repellia a accusação, dizendo que seria satanismo qualquer predilecção nesse sentido. O facto foi que estavam procurando ja, muitos phariseus, algum pretexto a fim de incriminar Jesus por ter, com sua pregação, deteriorado o nivel das judaicas tradições.

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 73

(61) [9099]

Jesus Christo nasceu, diz-se, em Belem. Porem Jerusalem foi onde esteve por quasi todo o tempo, com os seus discipulos, milagres operando, curando uns alleijados e doentes que nelle fé tivessem demonstrado, alem de expalhar sua amavel crença. Appenas com os cegos elle não obteve resultados positivos, mas deu explicação plausivel para tal falha: a maldicção que na cegueira exsiste, por vontade de Deus Pae.

Jesus incommodou os poderosos e falsos moralistas (phariseus, assim eram chamados), e por isso julgado foi, com maximo rigor, depois executado numa cruz. Vejamos como tudo se passou.

74 GLAUCO MATTOSO

Quem era, affinal, esse que, em seu tempo, fallou tantas verdades sem ter medo?

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 75

(62) [9102]

Um primo meu, distante, Iscariote, trahiu Jesus, que estava, ja, na mira dos ricos phariseus, eis que temiam o povo, o qual podia revoltar-se si fosse incentivado por alguem. Mas Judas prometteu-lhes entregar Jesus si este estivesse sem ninguem por perto. Os phariseus lhe garantiram gorgeta. Ficou Judas a tramar. Jesus ja presentia aquillo quando, na ceia, junctou todos os apostolos. Lembrando-se dos cegos, fez Jesus a sua despedida à moda delles, lavando dos apostolos os pés com sua propria lingua, a fim de dar humilde testemunho de intenção.

76 GLAUCO MATTOSO

Jesus não resistiu à prisão, nem quaesquer dos seus apostolos, que estavam em numero menor. No chão rendido, Jesus pelos soldados foi pisado, até no rosto, como signal duma total humilhação que 'inda viria. Foi Judas, inclusive, quem primeiro no rosto de Jesus poz o seu pé. Choraram os discipulos appós saberem da prisão, quando ja nada fazer podiam para luctar contra.

(63) [9104]

Ao monte foi Jesus orar, sozinho, emquanto os seus discipulos quizeram por elle esperar perto dalli, quando chegaram os soldados, advisados por Judas que, furtivo, os observava.

Com Christo quiz Simão, o Cyreneu, tambem ser preso. Riram os soldados, levando o seu amigo juncto para o carcere. Depois, ja no Synedrio, Jesus pelos presentes inquirido foi, para que dissesse si era filho, de facto, de Deus. Elle, então, lhes disse: {Assim dizem. Vós todos não sois filhos, tambem, do nosso Pae?} E perguntaram: "Tu queres insufflar rebelliões?"

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 77

(64) [9106]

Jesus fallou: {Eu? Como, si estou sempre cercado dos fodidos e mal pagos, de pobres, beberrões e prostitutas?} Mas, mesmo comprovando que não tinha poder para arruaças incitar, Jesus foi condemnado nesse foro.

78 GLAUCO MATTOSO

(65) [9108]

No carcere, elle esperou por um indulto da parte dos romanos, que imperavam naquella região. Mas os romanos lavaram suas mãos. Disse Pilatos: "Problema dos judeus. Elles que excolham si querem libertal-o, ou si preferem soltar algum bandido, o Barrabbaz, que é muito mais culpado, por exemplo." Porem, foi Barrabbaz na rua posto, emquanto Jesus Christo, sem ter culpa, à cruz foi condemnado. Depois disso, soffrido tendo muita chibatada, restava appenas que elle, conduzido ao Golgotha, morresse sem perdão.

EPILOGO (66) [9110]

Simão, o Cyreneu, foi obrigado, por ordem dos soldados, a levar a cruz em que Jesus crucificado seria. Mas Jesus tambem levou, alem das chibatadas, essa cruz. No Golgotha, despiram-no, pregando as suas mãos ao lenho. Junctamente com dois salteadores, elle foi, então, crucificado. Todos riram, dizendo: "Foi bem feito! Não curou aquelles pobres cegos que imploraram por sua adjuda! Agora a praga delles recae sobre seus hombros! Que se foda!" Jesus, ouvindo o riso dos presentes, clamou ao Pae: {Senhor, tu me deixaste na brocha pendurado, sem soccorro! Assim, melhor seria ser um cego, fodido, como tantos que enxotei, sem cura dar-lhes, quando me imploraram! Senhor, si tu tambem me desamparas, não sobra mais ninguem aqui na Terra que tenha algum poder! Todos se fodem! Então, vae te foder, tambem, ó Pae!} E delle riram mesmo os dois ladrões. Jesus, xingando-os ambos, exspirou.

EVANGELHO DE JUDAS IZRAHIAH 79

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