GOROROBA À PURURUCA

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GOROROBA À PURURUCA

Glauco Mattoso

GOROROBA

À PURURUCA

DISSONNETTOS GASTRONOMICOS

São Paulo Casa de Ferreiro

Gororoba à pururuca

© Glauco Mattoso, 2024

Revisão

Lucio Medeiros

Projeto gráfico

Lucio Medeiros

Capa

Concepção: Glauco Mattoso

Execução: Lucio Medeiros

Fotografia: Akira Nishimura

FICHA CATALOGRÁFICA

Mattoso, Glauco

GOROROBA À PURURUCA Dissonnettos Gastronomicos / Glauco Mattoso

São Paulo: Casa de Ferreiro, 2024

176 p., 14 x 21cm

CDD: B896.1 - Poesia

1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

NOTA INTRODUCTORIA

Gastronomo não quero ser, mas gosto da baixa culinaria. Aqui collijo poemas allusivos à comida que parte faz da minha habitual dieta, alheia à toda caretice dos medicos. Alguns são de SACCOLA DE FEIRA, que indicado fora ao premio dos grandes, Oceanos, mas ficara em quarto. Na cozinha, todavia, não poso de entendido, só de mero guloso, mas à moda antiga, claro. Em outro livro, BAMBOS DITHYRAMBOS, eu tracto das bebidas. VENENOSAS FOFOCAS é dos doces o volume. Estão servidos? Façam bom proveito!

PARTE PRIMEIRA

DEGUSTATIVOS E DESGOSTOSOS

DULCE SALGADO DE AZEVEDO CAMARGO [0001]

Airosa, maneirosa, delicada, vestida de advental, Dulce suspira e arranca da platéa, que delira, applausos calorosos pela empada. Famosa quituteira, sempre aggrada o opiparo acepipe que, na lyra dos bardos, celebrado foi. “Confira você, depois me diga!”, falla a fada. Faz magica, ao fogão. Quem seu croquette, seu kibbe, seu pastel, sua coxinha (legitima, com carne de gallinha) provar, louva os sabores e repete. O publico, porem, nem adivinha que Dulce é constipada e, na retrete, ainda que banal tolete excrete, tão facil não faz quanto na cozinha.

DISSONNETTO EDULCORADO [0314]

De commentar uns doces não excappo. Baba-de-moça dá-me agua na bocca. Olho-de-sogra crê que a gula é pouca. O pappo-de-anjo é pouco, e fim de pappo. Dos fios d’ovos não sobra fiappo. A casca do crocante nunca é oca. Recheio em chocolate é coisa louca.

Pé-de-moleque exige guardanappo. Em verso o que abbordei só revalida a sorte de tamanha gostosura.

Assucares alegram nossa vida e adjudam a exquescer uma amargura, mas só por um momento, uma lambida. Mais duro que a mais dura rapadura é não poder ver cores na sortida vitrine da doceira que inaugura.

DISSONNETTO SALGADINHO [0315]

Qual Laura, Beatriz, Ignez, qual nada!

Não vou ficar bancando o menestrel!

Prefiro umas fricturas no papel em vez de enaltescer a namorada!

O gosto dum croquette ou duma empada, dum kibbe, duma esfiha ou dum pastel, do fino canapé no coquetel, melhor é que a melhor foda sonhada!

Não ha o que se compare ao torresminho comido a tiragosto, qual quitute!

Não ha quem um no pratto não dispute!

Se faz do bacalhau o bom bollinho!

Quem preferir chamegos que permute! Não troco o paladar pelo carinho, porem pelas fricturas me engalfinho!

Prazer de solteirão não se discute!

DISSONNETTO ACCALENTADO [0535]

No dia em que eu for rico, não terei mansões, carrões, piscina, apê na Europa: com brilho e auê meu typo não se dopa nem paga aula de assumpto que não sei. Na mesa, porem, quero, como um rei, jantar com antesopa e sobresopa: toalha pode ser até de estoppa, mas sopa no meu pratto será lei!

Não fallo da sopinha trivial que todo mundo toma no jantar, tão rala que paresce cha com sal: Refiro-me às que lembro de tomar no tempo em que a colher, descommunal, no pratto mergulhava, feito um mar. Em sonho, sopas tomo, mas com tal vontade, que virei pobre e sem lar.

DISSONNETTO LOCUPLETADO [0536]

No dia em que eu for rico, meu banquete trez prattos differentes cada dia terá, mas só de sopa, o que seria salada, arroz-pheijão, bife e sorvete. Primeiro, por exemplo, um “espaguete” no caldo de pheijão e uma fatia de pão; depois, bem cheio, bem podia chegar mais um, que a gente até repete. A proxima a servir seria a canja com pouco arroz, a fim de que não pese, porem feita da pura ave de granja. Por fim, e coroando minha these, no estomago um logar sempre se arranja si o brodo leva um queijo que se preze. Quem taes ingredientes não exbanja que coma sem batata a mayonnaise.

DISSONNETTO ADDOCICADO [0601]

Cocadas, arroz-doce, brigadeiros, sagu, doce de abobora, pamonha… Espaço falta à mão que se disponha a pôr à mesa os doces mais caseiros. Pavês e tortas enchem taboleiros. Compotas e puddins, sabe onde os ponha? Com nosso paladar o sonho sonha. Aos olhos os quindins são os primeiros.

Eu sempre saio fora do meu eixo si exquesço de citar. Até dá dó!

Curau, pé-de-moleque, quebra-queixo, cangica, bom-boccado, pão-de-ló…

Até sequilhos nesse rol enfeixo. Alguns só como feitos por vovó.

Os outros p’ra comprar promptos eu deixo. Amargos todos são quando estou só.

DISSONNETTO DA CHOCOLATICE [0765]

Chamado de “chocolatra”, elle advança naquella pratteleira mais festiva que, nos supermercados, dá saliva: os doces, que não temptam só a creança. Quitutes salgadinhos nessa pança não ganham mais espaço: elle se priva até dum torresminho, mas captiva do assucar é tal gula, que não cansa. Bombons, tablettes, barras, ballas, tortas, cobertas, recheadas ou massiças, de cores naturaes ou de postiças, só não provocam agua em boccas mortas! E tu? Si um chocolate não cobiças e com taes gulodices não te importas, por que tantas fatias a mais cortas do bollo-brigadeiro? Onde as linguiças?

DISSONNETTO DO FRIGIR DOS OVOS [0769]

A vida sem frictura não é vida! Vegeta quem se priva do ovo fricto, do bife à milaneza ou, no palito, dalgum petisco em mesa bem fornida. Sem crostas empanadas, a comida não vale uma salada de palmito nem vence o paladar mais exquisito do aspargo numa sopa repetida. Torresmos, mandiopans, não ha o que os batta, excepto uma sardinha mais crocante que a propria (estou na duvida) batata! Perguntem ao freguez do restaurante! Não ha, no paladar, medida exacta. Bollinhos, nunca servem-me o bastante, de carne ou bacalhau! Si o que não macta engorda, viva o charme do elephante!

DISSONNETTO DA DELICIA ACCOMPANHADA [0773]

Fallaram de bollinhos, é commigo!

Salgado ou doce, sendo fricto eu traço!

Ainda que no bucho falte espaço, parar de belliscal-os não consigo!

Assucar e fermento unem-se ao trigo e aos ovos, dão trabalho para o braço.

Das gottas dessa chuva em oleo faço meu gosto, em tantos sonhos que é um perigo!

De peixe, o bacalhau é o bom de massa.

De queijo, accaba logo si for pouco.

De milho ou de mandioca, a sobra é excassa.

A quem me diz que evite, fico mouco.

Até de arroz a gente acha que passa.

De carne ou de batata, põem-me louco.

A vida sem bollinhos não tem graça.

Sem quem m’os fricte e sirva-m’os, tampouco.

DISSONNETTO DA VINHA D’ALHOS [0779]

De tudo que se come e saboreia, o gosto que mais fica e não se olvida é aquelle do tempero, que convida o olfacto ao appetite, às onze e meia. O assado é o que, no almosso, à janta, à ceia, desperta mais cobiça, pois a vida só vale alguns instantes, e a comida tem graça emquanto cala a bocca cheia. As hervas aromaticas! O molho curtido em condimentos! O recheio com queijos fortes! Cresce até meu olho! Até pigmenta ardida vae no meio! Usei um guardanappo: foi trambolho! Com faca e garfo ou sem, não titubeio! Si vacca, porco ou frango, não excolho: qualquer mesa é rodizio, e sem rodeio!

DISSONNETTO DA EXQUINA INEXQUESCIVEL [0793]

Um centro de convivio nos convoca em todo itinerario, noite e dia. Alguns o denominam “padaria”. Aos intimos, attende por “padoca”.

Café com leite e pão, sanduba e coca, sorvetes, bollos, frios por fatia.

O bar ao mercadinho alli se allia e quando a nota é grande, alli se troca.

O frango abre appetite e forma fila.

Os queijos na vitrine a bocca molham.

Nos doces, finas massas se desfolham.

Quem olha a torta exposta não vacilla.

Esnobes que um local mais chique excolham! Não acho melhor poncto, aqui na Villa!

De mim ella está proxima, e curtil-a relembra o que meus olhos ja não olham.

DISSONNETTO DA GULA [0829]

No bollo, a cobertura em creme é grossa! A massa, em trez andares de recheio, não deixa que a vontade enfrente um freio, e a cor do chantilly na vista coça! Uma fatia só, não ha quem possa achar sufficiente! Mesmo cheio, àquillo não resisto: ja pappei-o até a metade, e a gula ‘inda me accossa!

Excorre-me recheio pelo queixo, bem liquido, porem nem acho chato… Lambuzo-me nos dedos. Nem me queixo si perco alguns farellos, pois no pratto me agguarda ‘inda um pedaço, que não deixo! Da vida, o que se leva é o que, constato, sabor tem, e peccado é só o desleixo de quem tal bollo perde por recapto!

DISSONNETTO POLYPALATAVEL [0852]

A lingua experimenta a variedade, sabores reconhesce, como encargo, à guisa de agridoce ou salamargo, malgrado um dissabor que a desaggrade. O doce bem nos lembra a brevidade. Salgado faz no pratto o tempo largo. Azedo em quem critica causa embargo. Amargo é triste desde tenra edade. Papilla gustativa, na Babel do tacto, é dom que ao bardo cego explica a lagryma, o suor, o fel e o mel, a dar dos dissabores uma dica. É como um synesthesico farnel: café, canna, palmito, mexerica. Só não traduz um gosto no papel o som do cavaquinho e da cuhyca.

DISSONNETTO MATINAL [0918]

Nos ovos com presuncto está, p’ra mim, a graça do café, pela manhan, affora, é claro, a torta de maçan, brioches, brevidades e puddim. Geléa nas torradas tem por fim appenas entreter a gula van, emquanto não se serve algo que fan me faz: manteiga, mas de amendoim!

Barulho ja, de chicaras, escuto emquanto ‘inda deitado; presto, pullo da cama e estou de rosto e de olho enxuto!

Das varias guloseimas que calculo haver, sabores sinto num minuto. À mesa, devagar o gole engulo, sabendo que, tão logo findo o fructo, começa mais um dia duro e nullo…

DISSONNETTO AO CARNIVORISMO [0973]

Vermelha quando crua (verde, até), ainda que, sangrando, induza ao asco, sem ella não teriamos churrasco, croquette, kibbe, almondega ou filé. Não tem cocoricó nem mu nem mé: si for de lan, de escama, penna ou casco, eu testo, tosto, trincho, traço e tasco no almosso, no jantar ou no café!

Da carne o que se diz é que é peccado. Mas não é vegetal a tal maçan?

Não! Nada de perdão, nem de divan! Problema nenhum vejo em comer gado! Chatissimo seria, de manhan, em vez de lindamente haver casado com ovos o presuncto e o pão torrado, comer só matto e só de cha ser fan!

DISSONNETTO CONFEITADO [1051]

Si o livro é “pão do espirito” ou, então, si for “biscoito fino” a poesia, dizer que a bibliotheca, a livraria, seria a “padaria” é precisão. Talvez “confeitaria”, nos dirão, se deva preferir, ja que daria noção de guloseima ou de iguaria egual à que os buffês de festa dão. Em sendo assim, terá razão quem acha que o psalmo ou que o haikai seja um sequilho, emquanto a glosa passa por bollacha e a trova por biscoito de polvilho? Seguindo o raciocinio, até me pilho achando que um sonnetto maior taxa calorica contem que um sonnettilho. E quanto ao dissonnetto? Ora, esse excracha!

DISSONNETTO DA BAGUNÇA CULINARIA [1058]

Não sei o que accontesce! Antigamente a gente só comia coisa boa… Salgado era o sabor. “Nada destoa: salada sempre é fria; a sopa é quente. É doce a sobremesa. Ai de quem tente mexer nessas receitas!” Hoje enjoa e causa nojo o jeito como, à toa, “mestre” é quem, na cozinha, moda invente. Pernil caramellado, mayonnaise de alici e chantilly, molho de fructa… Não ha o que, na mixtura, se despreze! Em si, tudo é tragavel, mas relucta o estomago em comer o que eu, em these, só creio ser chardapio de quem “chuta”, tentando promover-se. Antes que lese meu gosto, o mando à propria mãe, a puta!

DISSONNETTO DO ADAGIARIO CULINARIO [1182]

Um velho adagio reza: “Não se pode fazer uma omelette sem quebrar os ovos”, e me occorre lamentar que auctor nenhum com isso se incommode. Ao thema ninguem fez sonnetto ou ode! Portanto, a mim me cabe o elementar dever, que já me aguça o paladar, e à mente outro dictado logo accode. Tambem é culinario: “É no frigir dos ovos que a manteiga se conhesce”, em meio aos mais que pude colligir, dos quaes o paladar jamais se exquesce. Commigo os comilões hão de convir. Comida instiga, é justo que eu confesse. Tocar no assumpto é magico elixir: das phrases feitas guardo o que appetesce!

DISSONNETTO DA PIZZA KOSMOPOLITANA [1195]

“Redonda”, como a chamam, ella vira synonymo de “accordo” e “impunidade”, e fazem, si dividem-na à metade, caber cada sabor que se prefira. Embora “portugueza” e até “caypyra” figurem no chardapio, na verdade tomate e queijo à nacionalidade alludem: italiana de mentira. Politicos preparam-na dum jeito que não nos appetesce. Na cantina, porem, essa faceta se elimina depressa e a massa em disco tem proveito. Fatia-se em triangulo, e hallucina seu cheiro de tempero! Eu me deleito sabendo que, si veiu sem defeito, appenas ao garçon paguei propina.

DISSONNETTO DA PHANTASIA ALIMENTADA [1212]

Primeiro vem a sopa na tigella, de pães accompanhada. Mal accabo de, soffrego, tomal-a, e ja me babo ao ver uma salada como aquella!

Tomate, alface, rucola… Que bella porção de aspargos, broccoli e quiabo! Depois de rhabanete, inhame e nabo, me servem couveflor e beringela!

Agora, a carne assada, com tempero de hervinhas aromaticas! No bojo da cuia nada deixo e vou, de rojo, na boia mergulhando, em desespero! Nem mesmo dos mariscos sinto nojo! nem mesmo da “paella” ou do “puchero”… Mas quando, emfim, desperto do exaggero, encaro meu prattinho de miojo…

DISSONNETTO TRANSSUBSTANCIAL [1223]

Rimbaud quer que a vogal tenha uma cor, mas vejo, na cegueira, que o logar das vocalizações é o paladar e busco, si as degusto, seu sabor. Tambem as consoantes podem pôr tempero na palavra e alimentar matizes nesse molho elementar que não tem só papel decorador.

“A” lembra “sal”, e o “L” lambe o labio.

“E” sabe a “mel”, e o “M” mella a mão.

O “Q” quer ser só “queijo”, mas pimpão.

“I” vê na “lima” o amargo, e a lingua sabe-o.

“O” tem sabor azedo, qual “limão”.

Um “S” é “sopa” e pede que alguem gabe-o.

“U” prova que o poeta, como um sabio, faz “uva” virar vinho, e verso, pão.

DISSONNETTO DA BELLA VIOLA [1246]

Recheio, cobertura, fructa em cyma: tem tudo aquelle bollo, excepto o bollo, pois falta a propria massa p’ra compol-o. Não corresponde ao preço que se estima. Receita que a substancia lhe supprima indica que o padeiro agiu com dolo e quiz o seu freguez fazer de tolo: não ha desculpa justa que redima! Um bollo de verdade tem camadas, em numero que a altura lhe assegura, de massas e recheios, alternadas, glacês ou chantillys na cobertura. Si formos acceitar que um bollo seja composto só de casca, molle ou dura, de appenas um creminho e uma cereja, o dedo indicador ja nada fura!

DISSONNETTO DA DIETA PREDILECTA [1302]

Racista ja fallei que não sou, mesmo, e me solidarizo com o meu irmão israelita, que soffreu demais, desde que errou, no mundo, a esmo. Trocar constipação por um tenesmo é coisa a que me exponho, mas me deu mais dó quando lembrei-me do judeu que está fadado a não comer torresmo!

Desgraça das desgraças! Nenhum povo meresce sacrificio tão extremo, por cuja causa peno, choro e gemo! Por causas taes me afflijo e me commovo! Ficar sem pururuca é o que mais temo, sem porco no Natal ou no anno novo, alem de, no café, sem o meu ovo com bacon, já que o pão me ammassa o Demo!

DISSONNETTO DA LEI MAGRA E SECCA [1323]

Qual crime é mais, digamos, hediondo? Mactar e exquartejar uma velhinha? Creança sequestrar? Roubar gallinha? Cuspir no chão? Sem duvida, respondo: A nova lei, que alguns estão propondo, tornando prohibido comer minha receita predilecta: a tostadinha porção que fez meu ventre ser redondo! Torresmo! É delle mesmo que lhes fallo! Sabiam ja que um lobby anda querendo dictar que elle faz mal e é bom cortal-o? Não posso concordar! Não comprehendo! Não vou silenciar! Eu não me calo! Aquella gordurinha, que defendo em tantos de meus versos! Si o regalo nos vedam… Hediondo? É mais: horrendo!

DISSONNETTO DA FONTE FIDEDIGNA [1324]

Em verso, ao receitar a pheijoada, Vinicius, de passagem, se refere àquillo que ninguem normal ingere quietão, sem repetir nem dizer nada. Torresmo, é claro! Na expressão citada, de gozo “desmilingue-se”: suggere que assim se está frictando! Ha quem supere tal logica e melhor nos persuada? Prescreve o Poetinha fogo brando, alem dos outros tantos rituaes, emquanto o torresminho está frictando, motivo de appetites bestiaes. Sonhei com elle, inflando o ventre pando! Bastou! Nem precisava dizer mais! Repito sempre aquella estrophe, quando alguem falla em Vinicius de Moraes!

DISSONNETTO DA FRESCURA NA FRICTURA [1331]

Com tanta “alta costura”, “alta cozinha”, e até litteratura estando em “alta”, agora o que faltava ja não falta: a “baixa culinaria” que vir tinha! Não passa de modismo! Ja adivinha você do que se tracta: desde a malta mais reles ao moleque mais peralta, conhescem todos essa tal boquinha. Petisco, salgadinho, tiragosto, o mero croquettão da quituteira, ou pura e simplesmente o que, na feira, jamais para um “dogão” perdeu seu posto: Pastel, caldo de canna, à brazileira, aquillo que mais nosso tem no rosto, e sem “gastronomias” de supposto gurmê, coisa de bicha marketeira!

DISSONNETTO DA DELICIA PURA [1338]

Si, appós ter de Vinicius a receita mais lyrica e cabal da pheijoada, difficil parescia que outro azeita poema semelhante, a apposta é errada: Caymmi, em suas lettras, approveita a farta culinaria dessa amada terrinha da Bahia, em que foi feita delicia ‘inda melhor do que a cocada: Não, para achar que é doce não será. Refiro-me a um bollinho: o acaragé! Quem não comeu, “subjeito bom não é”! Melhor é si o recheia o vatapá! Ainda não provou? Provei eu, ja! Na Praça da Republica, aqui em Sampa, bahiana ou taboleiro exsiste à pampa. Mas puro acaragé, só si for la!

DISSONNETTO DO IMPROVISO INDECISO [1353]

Suggerem-me que aqui, no restaurante, emquanto a sobremesa saboreio (manjar branco, de coco, com bastante ameixa), eu improvise sem receio. Allego que sou cego e, supplicante, recuso: nada annoto e nada leio. Portanto, pedirei: ninguem se expante si faço, ao pullar fora, papel feio. Estou accostumado a dar vexame e disso nem farei maior allarde. Respondo logo, caso alguem reclame, que fujo da responsa e sou covarde. Serviram o café. Pagou-se a compta, mas algo os brios fere e em mim, sim, arde. Provando, então, que nada me ammedronta, recito o dissonnetto, ‘inda que tarde.

DISSONNETTO DOS FRIOS FATIADOS [1371]

Presuncto ou mortadella? Si a madame chamada for a dar opinião, declara amar presuncto, ainda que ame a outra, a preferida do povão. Nem esta, nem aquelle: a quem me chame a dar opinião, digo que não ha como decidir, quando o salame está, fatiadinho, mais à mão. Dos frios é o mais forte e melhor calha com queijo ou azeitona! Sempre em alta está! Sobre a brancura da toalha, em meio a tanto pratto, elle resalta! Mas, quando os trez eu tenho, si não faço alguma molecagem mais peralta, de cada acho um sanduba! Sobra espaço no estomago e de todos sinto falta!

DISSONNETTO DO MANJAR MAGESTATICO [1377]

Puddins! Ja fallei delles? O bastante, jamais! Houve quem cante a pheijoada, mas nunca um manjar branco houve quem cante, e a ameixa preta em calda assucarada… De pão é o campeão, vovó garante! De leite condensado, nunca enfada! Laranja, chocolate, e assim por deante… Si de mandioca for, não sobra nada!

Pergunto-me, ao partir uma fatia daquelle que em meus sonhos accalento, si o da Rainha Mãe melhor seria do que este que degusto no momento. Si tanto ella viveu, foi ao puddim devido, me disseram. Bello alento! Só vale viver disto! Sendo assim, tambem completarei, ja farto, um cento.

DISSONNETTO DA MESA FARTA [1398]

Ficar sem comer doce é soffrimento que a gente não deseja ao inimigo mais intimo e do peito! Eu me lamento por elle, para seu problema eu ligo. Mamãe foi diabetica, um castigo cruel para a doceira de talento que tantas guloseimas fez! Commigo eu levo della a imagem de um momento: Na festa, ella servia-se de cada docinho, pois mandava, louca, à fava os riscos, não deixava sobrar nada: “É só para provar!”, rindo, allegava. Occorre que um de cada o pratto enchia daquillo que noss’alma, à bessa, lava, tamanha a variedade, nesse dia junino, que a memoria ainda grava.

DISSONNETTO DAS AMARGURAS DA VIDA [1399]

“Por que foi me trazer bombons? Não vê que estou prohibidissima de pôr na bocca esse negocio?” Mas só crê na phrase de mamãe quem tolo for. “Comi… Fui o-bri-ga-da, si você me trouxe!”, ella queixava-se, com dor fingida. Até curau, puddim, pavê lhe trazem: que ella “prove”, veem propor. [vêm]

Morreu, mas não appenas da doença que pune, quando a gula nos convida, ou por jamais haver quem a convença a abster-se dos assucares da vida. Morreu porque ja tinha seus oitenta anninhos bem vividos, a sabida, e tudo approveitou! Nada nos tempta melhor que uma doçura prohibida.

DISSONNETTO DO QUEIJO SEM QUEJANDOS [1403]

No meu anniversario, vou querel-o! Ganhar, como presente, um gorgonzola é coisa requinctada! Meu modello de queijo nelle encontra o que accrisola! Na França, é “roquefort” e, quando o sello nos vem da Dinamarca, elle se arrolla na classe dos “blue cheeses”… Mas é pelo adspecto interno que se excolhe a eschola. Cremoso e “embolorado”, até no cheiro tem elle esse condão que vou, sem pejo, expor: fede gostoso e, por inteiro, me sabe à perfeição, tal como a vejo. Não fosse de chulé seu fino aroma! Não fosse o que num tennis eu festejo! Depois que, em pão ou pizza, alguem o coma, jamais desdenhará do meu desejo.

DISSONNETTO DA GASTRONOMIA SADIA [1421]

Agora os “naturebas” querem “viva” a sua verdurinha: si germina o grão, à nutrição é mais activa a acção do broto, rico em vitamina. Eu penso ca commigo: si saliva na bocca provocando esteja a fina modinha culinaria em quem se priva das carnes, e o carnivoro? Rumina? Prefere só tostado? Só crocante? Que nada! Vivos come o porco, a ran, o pato, o peixe… Mexem-se, mas van é a lucta do bichinho estertorante. Lhe servem, ammarrado, um elephante. O gajo trincha um naco, ‘inda sangrando: em vez de preparado em fogo brando, procura o cru sabor no restaurante.

DISSONNETTO DOS OVOS FICTOS [1457]

Nenhum outro alimento nos fascina tão forte quanto, à mesa, um ovo fricto. Melhor: dois ovos, pois melhor combina a clara em gemma dupla, é mais bonito. Em oleo, na manteiga ou margarina, importa que não ha nenhum conflicto esthetico entre o branco que defina o fundo e os amarellos, que ora ficto. Que scena, Zeus! Que scena, meus senhores! Parescem-me dois olhos, que os meus fictam, assim como quem diz: “Comam! Repitam!”, irresistivelmente temptadores. Que scena! Não terá, jamais, censores! A scena só será mais fascinante si, juncto, eu veja, almosse, lanche ou jante presuncto ou “bacon”, de vermelhas cores.

DISSONNETTO DO CACHORRO AMMARRADO [1476]

Em Frankfurt (é o que dizem) paira o cheiro, no centro, da linguiça que se fricta. Exsiste equivalente brazileiro: Bragança, cuja fama quero inscripta. No pão ou na polenta, o cozinheiro ja sabe o que me cabe e o que me excita: com ovos ou cebolla, um gommo inteiro ou toda em rodellinha, a favorita!

Toscana, calabreza, appigmentada, daquellas que engorduram pelo tacto, ou, dentro do pheijão, a defumada, são ellas soberanas no meu pratto! Na pizza, obrigatoria, ella se allia ao queijo, às azeitonas, e sou grato à massa, ainda excassa em poesia, da qual, noutro poema quente, eu tracto…

DISSONNETTO DA VAN PHILOSOPHIA [1477]

Em Londres, mais que os omnibus, aquillo que tanto me impressiona é uma batata assada e recheada, e não vacillo si affirmo que a lembrança foi mais grata… Que o “fish and chips” até!? Não sei. Servil-o à mesma mesa é a coisa mais sensata a se fazer, pois ambos teem estylo britannico, e meu gosto nisso empatta. Agora, sei, vocês questionarão. Com frictas, esse fresco bacalhau é coisa que não troco, nem a pau, por outra que não seja um batatão. Mas logo me darão, eu sei, razão. Prefiro, na batata, um dos recheios com alho, dos melhores que provei-os. Batata ou peixe fricto, eis a questão.

DISSONNETTO DA NOVA COZINHA [1527]

Aquella culinaria não é seria!

Fazer dos outros trouxas não tem graça! De cada pratto o preço, por pilheria, só cabe numa compta bem ricaça!

Não ha frescura pura que supere-a: a minima porção não ultrapassa o centro do prattinho! Quem digere-a, chupando o dedo fica e fome passa!

De carne a medalhinha vem cercada dum thallo de agrião! Quem conjectura que “menos é mais” nota, na salada, a folha dum repolho em miniatura. E para não dizer que ninguem macta a fome de migalhas,na frictura ja quasi sumidinha está a batata, perdida alli, mas acha quem procura.

PERRENGUE CHIQUE [1527-B]

No garfo o chefe enrolla a porçãozinha cremosa de spaghetti e, bem no meio do pratto, o gajo mette essa mesquinha e cara quantidade. Ninguem cheio se sente com tão pouco! Uma quentinha melhor me satisfaz e, mesmo, creio que, quando como um kibbe, é sorte minha. O pratto, que na mesa della veiu, tamanho tem da mesa. A van madame espicha a mão, fisgando o tal novello fugaz de maccarrão. Mas, ao mordel-o, o molho lhe respinga. Que vexame! Irada, antes que estrille e que reclame, um gole quer beber. Malgrado o zelo, o coppo que ella pega deita, pelo seu collo, tudo quanto se derrame.

DISSONNETTO DO “ELEPHANT GARLIC” [1610]

Um alho gigantesco! Cada dente paresce uma banana no seu cacho! Chamado “elephantino”, ultimamente por tudo quanto é feira eu facil acho. Amigo meu commenta, irreverente, que toda uma cabeça é para um macho: “Si minha mulher chia quando sente meu halito normal… Haja esculacho!”

Mas… como ficará a philosophia? Inverte-se, com elle, uma receita antiga: era recheio e, desta feita, vem elle recheado… e nos sacia! Mas… como o pensador o pensaria? Só falta apparescer uma cebolla maior do que um repolho! Quero pol-a na sopa e, então, tomal-a na bacia!

DISSONNETTO DA SOPA RELIDA [1612]

Na minha phantasia, aquella enorme cumbuca contem sopa, mas completo o sonho me será desde que forme o maccarrão as lettras do alphabeto. Emquanto, à noite, o estomago ja dorme, o sonho só retoma seu trajecto poetico depois que se transforme na sopa de lettrinhas, com affecto. Menino que seu nome ja compoz sem medo de rhymar a poesia no pratto, com pheijão ou com arroz, notou que o maccarrão melhor se lia e, quando fica cego, o adulto lê, ainda que lhe esteja a janta fria, seu nome com a lingua, no ABC da sopa com sabor de nostalgia…

DISSONNETTO DO MILHO MASTODONTICO [1634]

Disseram-me que o milho, no Peru, tem porte gigantesco, como o dente dum alho “elephantino”. Si, ‘inda cru, seu grão é grande, augmenta quando quente! Não sei por que se pensa que é tabu comer-se uma pipoca que, na frente do olhar arregalado, lembra o nu trazeiro duma Carla decadente! Ver tudo só depende de que lado. A espiga até paresce o nosso enorme abacaxi dourado, onde se forme aquelle taboleiro granulado! Quem sabe egual tenhamos resultado! Emquanto por aqui não se acclimata, o jeito é, fricta, termos a batata que é como o abacaxi, mas fatiado.

DISSONNETTO DO CHA ACCOMPANHADO [1639]

Não ha nada mais chique do que o cha das cinco entre madames! Penso só na farta mesa, a cuja volta ja estão todas sentadas… Ai, que dó! Coitadas! Vão fartar-se! Que dó dá! Brioches, brevidades, pão-de-ló, puddim de coco, broa de fubá e aquelle bollo egual ao da vovó… Os chas são importados. De madeira é a caixa, de presente, que alguem trouxe.

Dalli lhes sahirão herva-cidreira, hortelan, chamomilla ou herva-doce. Sabores mais exoticos e caros alguem ja suggeriu, porem calou-se. Nem lhes despertam tanto assim os faros, como si só comer a turma fosse!

DISSONNETTO DA BOQUINHA INDISPENSAVEL [1693]

Pipoca, amendoim torrado: nada se eguala a um espectaculo circense, si estamos mastigando! Goyabada com queijo vae com filme de suspense! Batata fricta nunca nos enfada si for durante as aulas! Ninguém vence comendo mandiopans de madrugada, ouvindo, ao fundo, valsa viennense! Assim insomnes horas attravesso. Comida e diversão são um segredo que foi pelos romanos, desde cedo, na practica testado com successo. E, para não tirar da recta o sesso, commigo, claro, não é differente, mas, quando ouço Scarlatti, a sopa quente é o accompanhamento que mais peço.

DISSONNETTO PARA A TRADIÇÃO ITALIANA [1819]

Dizem que é preferivel que a barriga exploda a ver sobrar na mesa a boia. Concordo plenamente! Não me diga alguem que à pança a azia ja corroe-a! Na practica, não ha quem não consiga comer até dizer que mal se appoia nas pernas: basta o vinho que os irriga, e aquelles prattos todos descem “joia”!

O que?! Má digestão? Um italiano legitimo, eis-me aqui, cheio de vida, manjando do manjar, ja que me uffano de tudo repetir, si alguem convida!

À noite é que, de facto, o bicho pega! Birrento, meu estomago revida!

Depois que esta visão tornou-se cega, só tenho pesadellos com comida…

DISSONNETTO PARA A TRADIÇÃO INGLEZA [1824]

Em volta duma chicara de cha exsiste tanta coisa, que a toalha se torna até pequena, pois não ha espaço para toda aquella tralha. São prattos e travessas, onde está a immensa variedade do que calha às damas degustar: por mais que eu va citar, sempre commetto alguma falha. Puddins e mais puddins, bollos e bollos, pãesinhos e patês ha de montão!

Si eu fosse o amphitryão, nem onde pol-os iria mais saber, tantos que são!

Mas como bem de longe eu os cobiço, ja myope e estando quasi sem visão, em vez de preoccupar-me só com isso, preoccupo-me com meu arroz-pheijão.

DISSONNETTO PARA UM SABOR MULTIPLICADO [1848]

São pão tambem migalhas… é o que diz aquelle velho adagio portuguez. Me deu vontade agora: sempre quiz comer um pão sem nada! Desta vez, farei de pão com pão e, bem feliz, comer vou o sanduba que vocês na certa comeriam si os fuzis da guerra provocassem excassez. Redondo ou chato, a codea torradinha ao dente é temptadora e, até sem nada me põe agua na bocca, si a farinha for pura e a massa for bem fermentada. De ver crescer os pães ‘inda me torno devoto da padoca, ja de entrada assiduo espectador e, juncto ao forno, anxeio pela proxima fornada.

DISSONNETTO PARA OS PERUEIROS PREGONEIROS [1849]

“Pamonha! Semvergonha! Bunda molle! Venham provar si forem homens!”, digo com meus botões, e a brincadeira bolle com certo pregão chato que persigo, ou elle me persegue… Sem controle, peruas annunciam pão sem trigo, pamonha ja sem milho, rocambole sem recheio, com gosto de castigo. Desculpem esta má piada minha. Me vejo annunciando “Cocaina! Maconha!” e, si a policia me incrimina, direi que é só “Pamonha!” e “Cocadinha!”. Sei disso, foi battida piadinha. Ainda não ouvi ninguem que venda poemas pela rua ou, de encommenda, sonnettos com legitima farinha.

DISSONNETTO PARA UM SABOR DIMINUIDO [1850]

Manteiga ou margarina? Antigamente seria alternativa, mas agora não faz nenhum sentido que alguem tente as duas comparar sem dar um fora. Com sal ou sem, manteiga ainda a gente sabe que tem sabor… Mas até chora quem pensa que algum gosto a gente sente provando um creme mau que só peora. Si está na geladeira, ella paresce ter forma, sem ser dura como um toco, mas fora ja derrete e se exvanesce como agua evaporada dum pau oco. Sabor, não tem nenhum ou, quando tem, não é com lacticinio que dá troco.

Uma comparação logo me vem: sabão bem diluido em mijo choco.

DISSONNETTO PARA UM SABOR DIVIDIDO [1859]

“Sem bocca!”, advisa logo o molecote aos outros garotinhos. Isso evita pedidos para que divida em lote e compartilhe alguma coisa fricta. Si rouba aquelle doce que, no pote, aguça-lhe a cobiça, o que lhe excita o orgulho é não deixar que ninguem bote a mão nelle ou “Dá um teco!” alguem repita. Ninguem está ligando para a rhyma. “Fominha! Não reparte com a gente!”, reclama a molecada que, insistente, persegue o detentor da guloseima. Por fim a molecada desanima daquillo: o egoista come tudo sozinho! Mas si um cara mais marrudo vier pedir, dá rapido e nem teima.

DISSONNETTO PARA UM SABOR SOMMADO [1860]

Mania de junctar sabores é bem typica em paizes que não teem cultura culinaria: chega até a amargo com azedo ousar alguem! Presuncto com melão, sal com café, abacaxi com carne, sopa sem sal mas addocicada, com filé banana, uva em farofa… acceita quem? Pois é, tem quem se pella por mixtura de gostos e rejeita a simples, pura delicia… Ou tudo é só meu exaggero? Mamãe é quem fazia com exmero! Prefiro accreditar que minha lingua é mais exclusivista, mas respingo-a de molhos agridoces no tempero e nunca entrei, por isso, em desespero…

DISSONNETTO PARA AS FRUCTAS EXOTICAS [1896]

Graviola, acerola, carambola… As fructas ja não são como eram antes! Levava eu, na lancheira, para a eschola banana, mexerica ou semelhantes. Com nomes exquisitos ja me ammola o multiplo pregão dos ambulantes vendendo o “quiquiqui” e a “boioiola”, que ‘inda desbancarão refrigerantes. Às vezes questionei minha conducta. Será que estou ficando bitolado, ou elles é que chegam pro meu lado tentando me impingir coisa fajuta? Não, minha consciencia não me escuta. Prefiro, então, ficar muito na minha: aquillo que, de facto, me apporrinha é ja não tão docinha ser a fructa.

DISSONNETTO PARA UM PORCO EXPOSTEJADO [1904]

Do porco tanta coisa se approveita e gente tem que fica sem comel-o! Ver basta a pheijoada de que é feita e até vi quem do couro coma o pello! Torresmo, bistequinha, a gente acceita; pernil, lombinho… Tenho que dizel-o, porem: meu proprio estomago rejeita “pertences”, do joelho ao cotovello. De tudo não direi que participo. Focinho, orelha, rabo? Assim tambem seria ja demais! Não posso nem ouvir fallar em partes desse typo! Si como, si não como, me constipo. O vegetarianismo e a religião a mim não convenceram, mas eu não devoro, não degollo e não destripo.

DISSONNETTO PARA O POMO DA CONCORDIA [1937]

Qual fructa será menos preferida? A jaca? A carambola? A amora? A ameixa?

Não ha pesquisa certa que decida e toda enquete duvidas nos deixa. Morango com merengue é appetescida e grata sobremesa, mas se queixa alguem quando o chardapio só convida àquillo que relaxa e que desleixa.

Não vou theorizar em poesia.

“Banana? Tenha dó!”, reclama a dama.

“Não gosto de mammão”, diz quem tem fama de preferir melão ou melancia. Alguns até por lima teem mania. Talvez um fructo, appenas, do consenso consiga desfructar: aquelle immenso exemplo da maçan, que nos vicia.

DISSONNETTO PARA UMA DESADVENÇA CONJUGAL [2047]

-- Meu bem, eu não fallei que o restaurante francez era um amor? Quantas escadas! As sallas são pequenas, mas bastante ornadas com panellas penduradas! Si chega a demorar que a gente jante, mactamos nossa fome com entradas! Olhemos o garçon, tão elegante! Passemos patezinho nas torradas! Que importa si a comida é demorada, si aqui maravilhados ante cada detalhe ficarão os visitantes? Sim, este é um dos melhores restaurantes! “O que?! Esperamos tanto p’ra, no pratto, vir essa migalhinha? E ainda o chato sou eu? Por que você não fallou antes? Detesto restaurantes semelhantes!”

DISSONNETTO PARA OUTRA DESADVENÇA CONJUGAL [2049]

“Querida, o restaurante poz na compta até cada pedaço de palito de dente que eu quebrei! A somma monta centenas de reaes! Acha bonito?

Quebrei palitos, sim! Estava afflicto emquanto não ficasse a boia prompta! Você tinha que achar esse exquisito logar para comermos, sua tonta?

Sahi de la com fome! Só jantei patê com pão, batatas, e nem sei que carne era essa tal dessa medalha! Não ha compta que tanto assim nos valha!” -- Meu bem, é medalhão! Filé mignon! Não sabe appreciar? Tudo que é bom é caro! Quem mandou sermos gentalha? Arroz-pheijão é tudo que nos calha!

DISSONNETTO PARA UM LEITÃO À PURURUCA [2050]

{O seu cholesterol está normal. Tambem sua glycose nada accusa. Mas destes triglycerides é tal a taxa, que eu estou até confusa! Eu sei que o senhor come pouco sal e que tambem do assucar não abusa. Mas a prohibição vae ser total nas massas e nos doces! Pão, reduza! Lhe digo o que fazer, senhor, primeiro. Remedios eu estou lhe receitando.

Porem, si não fizer tudo que eu mando, perdemos nosso tempo e o seu dinheiro!} -- Senti de interesseiros o mau cheiro! Pois sim! Essa doutora monologa si achar que me alimento de agua e droga! Si estou com fome, eu como um porco inteiro!

DISSONNETTO PARA A CRITICA DA RAZÃO PRACTICA [2133]

Profunda e philosophica, a questão de extrema sensatez que se colloca: ninguem consegue achar puddim de pão, em meio aos mais puddins, numa padoca! Paresce um contrasenso! Por que não botarmos na cabeça essa minhoca? Mais longe vou: indago da razão de não se achar puddim de mandioca! Si pão, na padaria, é coisa certa que esteja, ja, a sobrar, eu imagino que um serio raciocinio nos desperta accerca de seu logico destino. A mandioca adduz philosophia mais alta sobre nosso fino tino: por certo, o puddim della feito amplia o alcance do que penso e raciocino.

DISSONNETTO PARA A CRITICA DA RAZÃO PURA [2134]

Romanos que “o deleite é a variedade” diziam. Tal verdade não implica, comtudo, em que a mixtura nos aggrade naquillo que se salga ou se addocica. O exemplo do puddim à saciedade comprova esta assertiva: mexerica, limão, cenoura até, me dão vontade si forem sabor puro; a mais, complica!

Puddim não é salada! Alguem calcula que vale chocolate e melancia, que coco com banana alguma gula desperte em quem manjares apprecia? Assim exemplifico o pensamento daquelle que evitar quer uma azia: si varios themas junctos botar tento, mais van se torna a van philosophia.

DISSONNETTO PARA UM BUFFET DE BUFAR [2234]

Provoca o bandejão chance frequente às antileis de Murphy. Para mim, accaba sempre aquella sopa quente por cuja causa a esta fila eu vim. Nem chega a minha vez, e alguem na frente serviu-se do restinho e deu-lhe fim. Mas resta a sobremesa! Infelizmente, percebo que pegaram meu puddim. Va la que isso nem custa tantas pilas! Eu sempre chego tarde e perco as frictas, as carnes, o torresmo! Essas maldictas, fatidicas, terriveis, tristes filas! Jamais as circumstancias são tranquillas! Às vezes, chego cedo, na esperança de achar taes iguarias, mas a pança não encho, pois demoram a servil-as!

DISSONNETTO PARA A PRESUNCTADA INDUSTRIALIZADA [2316]

Principio da bollacha: si é “maria”, “maizena” ou qualquer outra, só depende da forma e da emballagem. Quem a vende appenas engambella a freguezia. É “tender”? Calabreza? Ou só seria a padronização que se pretende em todos os productos? Bem mais rende ao rico fabricante que a maquia. O sonho dessa industria de comida é ver a humanidade consumindo um cubo de ração descolorida. Sem cheiro, sem sabor, sem esse lindo frescor da natureza: que progrida a industria, pois robot vou me sentindo! Um dia, tal porção será servida a bordo duma nave, em rhumo infindo…

DISSONNETTO PARA UM PAPPO DE BISTRÔ [2687]

Garçon! Faça o favor! Corra e me traga, depressa, um chocolate, mas bem quente! Torradas com patê, mas um decente patê, sinão meu paladar estraga!

Aquella outra mesinha, alli, tá vaga?

Prefiro sentar la. Me traga, urgente, presuncto fatiado, mas nem tente trazer daquelle, p’ra engannar quem paga!

Eu quero do importado! Ah, não se exquesça do bollo, com recheio e cobertura, mas não com cobertura muito espessa nem com glacê de crosta muito dura!

Tem pinga de tonnel, da que envelhesça? Sim, vou querer cachaça, mas da pura, que a falsa só me dá dor de cabeça!

A compta? Ah, desta vez você pendura!

DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUMA DEPRÊ [2886]

Garçon, não quero nada. Nem café, nem leite, nem manteiga na torrada, nem agua bem gelada. Nada, nada! Só quero ficar só, chorar, até. Si as coisas não chegassem nesse pé, eu ia até pedir a marmellada da casa, aquella torta recheada de nozes e castanhas… Um filé, talvez, antes da torta, um medalhão ao molho de mostarda, que convida a arroz e frictas juncto, hem? Que pedida, não acha? Ou cê tem outra suggestão? Lombinho com farofa? Puxa vida! Foi muito bem lembrado! Traga, então, um pratto de torresmo, uma porção maior, p’ra accompanhar… Sim, a bebida!

MELLADAS SALADAS [3112]

A raiva que me dá não imagina você! Ja sendo caro o restaurante, mais caro ficará, pois faz, durante uns mezes, novo chefe a boia fina. Qual boia? Ahi que está! Tal chefe ensigna que ao pato assado um molho nauseante de figo na compota é o que garante successo, e arroz com pessego combina! Que sacco! Elle mixtura a sobremesa no meio da comida e sobe o preço por causa duma pera à milaneza! Ah, va lamber sabão! Eu não meresço saber disso, si trago ainda accesa na mente a cor da “pasta” ao molho espesso! Mamãe, que nem chegou a ser obesa, jamais virou receitas pelo advesso!

ABBENÇOADA PHEIJOADA [3193]

Primeiro, era frugal a Sancta Ceia e a iconographia aquillo attesta. Aos poucos, vae ficando a mesa cheia e mais ingredientes tem a festa. Humilde era o scenario, até mesquinho. Nos quadros primitivos, era um pão, appenas, repartido, mais o vinho. Nos novos, é mais farta a refeição. Analyse fizeram nas centenas de classicas pincturas: a fartura augmenta a cada seculo, é o que appura o exame gastronomico das scenas. Ja sei de alguma coisa, outra adivinho. Me contam que o banquete mais christão, agora, tem farofa, torresminho, linguiça, paio, couve, arroz, pheijão… Dos molhos, até, fallam, p’ra que eu creia, e fico imaginando o que mais resta. Applaudo, enthusiasmado, quem proseia e, mesmo cego, lambo com a testa.

DIETETICA DIALECTICA DIABETICA [3279]

Repito o que foi dicto todo dia: “Não posso comer doce, você sabe!”, dirá mamãe, mas come até que accabe, emquanto doutros themas ja desvia. De exemplo não faltava algum gluttão: Papae, tambem notorio “formiguinha”, traz caixas de bombons, como si não soffresse a diabetica, tadinha! “É muito chocolate! Vae sobrar! Eu vou ser o-bri-ga-da a comer isso!” E a velha põe de lado o compromisso com medicos, dá sopa para o azar.

Occorre logo a mesma explicação: “É só para provar…”, diz, e exquadrinha a cheia caixa, excolhe, mette a mão, tirando varios: “Truffas! Esta é minha!” Dos doces, emfim, ella se sacia. Depois, diz rindo: “Chega! Ja não cabe mais nada!” E o lenço impede que ella babe. Comer como comeu é o que eu queria!

PHILOSOPHICA CONJECTURA [3417]

Batatinha, quando fricta, nos desperta a temptação. Ninguem dorme na bemdicta pausa para a refeição. Seu cheirinho nos excita o appetite: que o tesão é mais forte, alguem me cita, o sabor, para o gluttão. Das fricturas, a batata, sendo exempto eu, e sensato, não conhesço outra que batta: só o torresmo, ao que constato. Mas, na practica, esse impasse hypothetico ou abstracto nem exsiste, caso eu trace ambos junctos no meu pratto.

DISSONNETTO DO CRENTE SORRIDENTE [3434]

“Não! Não como! É carne impura!”

Si é de porco, irado, falla o judeu, que ainda jura não querer siquer cheiral-a. “Que bobagem! Que frescura!”, diz o hindu, porem se eguala, si é sagrada a vacca e obscura a razão de não proval-a. Mas dirá o vegetariano: “Não sou massa de manobra! Aos judeus e hindus me irmano, pois nem como ran, nem cobra!” Quem é louco por churrasco, que é dos deuses tambem obra, e do bacon não tem asco, diz a todos: “Mais me sobra!”

O VASILHAME DA MADAME [3714]

Sobre a mesa da vizinha jaz, tampada, a bomboneira. Claro, a gente ja adivinha do que está cheiinha, inteira! Me offeresce. Acceito, e minha mão enfio alli, ligeira. Mas de novo põe, mesquinha, a tal tampa! E caso eu queira…? Rolla um pappo alegre, amigo, sobre como a vida é bella, mas tirar eu não consigo os meus olhos da tigella! O bombon tinha recheio tão gostoso, que nos mella, de licor, e eu não refreio meu desejo: o olhar revela!

A TEIMA DA GULOSEIMA

[3970]

Vendo aquelle bollo, inteiro, para mim piscando, eu tracto de sahir dalli! Me exgueiro mas retorno, pelo olfacto. Não consigo sentir cheiro sem provar! Ponho no pratto um pedaço e, bem ligeiro, como tudo: é bom, de facto! Só mais uma! Uma fatia! Sim, accabo ja com isto!

Mais uminha! Eu não queria engordar, mas não resisto! Prompto! Chega! Não repito mais, e prompto! Ja despisto minha fome! Esse maldicto bollo está no fim! Desisto!

CARO PREPARO [4467]

Hamburger com maçan? Com uva passa farofa? Arroz com pera? Ah, tenha dó! Até perco o appetite! Falta só lasagna com laranja em meio à massa! Nem sei como consentem que alguem faça papel de “chefe” nisso! O que a vovó fazia é que é comida: pão-de-ló appenas era doce e tinha graça! A fructa é sobremesa! Nosso pratto não é laboratorio de frescura dalguma “culinaria” em senso lato! Meu pobre paladar ja não attura que o façam de cobaya! Mais barato me sae um simples ovo na frictura!

Agora, quem quizer filé de ratto achar vae, pois encontra quem procura…

DIA DO “ZOVO” [4689]

No radio ouvi que o dia do ovo fricto é hoje! Ouço a noticia ‘inda na cama. Levanto. Meu estomago reclama café com “hamanegue” e um “Oba!” eu grito. Akira fricta os ovos. Que bonito barulho faz o estallo, sobre a chamma, das claras na gordura! Só quem ama frictura acha lyrismo no que eu cito!

Até queimei a lingua, dada a pressa que tenho ao degustar tal iguaria!

Pudera! Quem quer uma festa fria? Tambem café com leite eu ponho nessa. Pensei: bem comecei este que é dia dos ovos! De bons versos é promessa! Mas frustro-me: nem sempre o que começa bem finda bem… excepto em poesia.

VEGETARYANISMO [4797]

Não pode comer isso. Nem pensar naquillo. Isto tambem não. Permittido, de facto, só legumes sem ter sido cozidos, sem tempero, sem frictar. Deixemos claro: em nada o paladar prazer pode sentir. Nosso partido quer tudo prohibir, quer que o sentido do gosto, emfim, se annulle, é bom fallar. Assim como o clitoris, que a mulher exstirpa à força, vamos impedir que façam dos “refris” um elixir, que todo mundo coma o que quizer. Gastronomo? Qual nada! Só fakir meresce vez! No garfo e na colher, sem molho, sem pigmenta, alho qualquer, só matto insosso! Hitler fez-se ouvir!

AMIGA DUMA FIGA [4799]

Agora commum é que a moça insista: chamar-se quer “nutrologa”! Não serve qualquer outro jargão que se reserve à mesma profissão: nutricionista. Um novo termo em nada a faz bemquista. Não deixa comer algo que se ferve ou fricta. Que em tempero se conserve a carne, ella não deixa, a moralista. Paresce mais pastora puritana ou velha solteirona ante o tesão que technica nalguma profissão. Se damna quem seus codigos prophana. Frictura? Prohibida! Doce? Não se deve comer! Carne? Nananana! Nem massas? Nada? Dar-lhe uma banana maçan, bem verdolenga, é o jeito, então!

MEZZO MOZZA [4926]

Pedi napolitana e penso: em Roma será que comem pizza? Essa rodella de massa vem de Napoles! E nella, em cada parte, algum sabor se somma. Aberta a caixa, a pizza expalha aroma de queijo e de tomate, alem daquella fatal herva cheirosa. Ah, mas que bella fatia! Como esperam que eu a coma? Sim, uso as mãos, é claro! Me lambuzo todinho, chupo os dedos, sorridente! Me sujo, mas degusto inteiramente, de borda a borda, a pizza! Ah, como as uso! Pudera! Aqui no apê nunca vem gente que possa reparar! Si estou recluso, eu quero é mais! E como mesmo, abuso! Ao menos a approveito emquanto quente!

AROMA QUE SE SOMMA [4988]

Os ovos estão frictos, ja, no pratto. Num outro, está o presuncto fatiado. Até puddim de pão e bomboccado confundem meu faminto e tonto olfacto. Percebo pouco a pouco, pelo tacto, que temos as torradas deste lado e, doutro, pão francez. Ammanteigado, tambem temos biscoito. Achei-o no acto.

Por isso que os britannicos admiro: o bacon não confundem com toucinho.

Café, não: chocolate! Hoje, prefiro. Mammão, só si for doce, bem docinho. No succo a colherinha, a esmo, eu gyro. Por onde começar? Pelo caminho inverso? Nisso, accordo e, si me viro na cama, sinto fome e me apporrinho.

TIRANDO DE PEDRA [4990]

Fazer sopa de pedra? Pratto assim soava, aos meus ouvidos, como lenda do Pedro Malasartes! Quem entenda da coisa me dirá não ser ruim! Ha, nessa culinaria, algo que vim bem tarde a degustar: só na fazenda dum bardo interiorano, de encommenda, provei-a. Foi surpresa para mim! As pedras não appenas servem para volume dar, ou gosto, ou só calor: tem gente que as devora e não se enfara! Poetas vi que as comem! Um sabor encontram que ninguem jamais sonhara achar e que eu, provando, ousei suppor egual à carne nobre, da mais cara cozinha que, italiana, melhor for.

RELENDO VINICIUS (2) [5183]

Vinicius profissão faz de fé. Faço a minha sobre o mesmo thema e noto: concorde estou! Tambem não sou devoto appenas de verdura: tudo eu traço! Si alguem trouxer da feira aquelle maço de folhas ou raizes, claro, eu boto na bocca, si o criterio que eu adopto seguido for: tempero! Sou devasso! Uns molhos addiciono, uma pigmenta bem forte… Tem vinagre? Tem azeite? Tem alho? Tem cebolla? Isso! Accrescenta! Assim é que preparo o meu deleite! Com carne faço o molho da polenta! Não basta o vegetal, se vê! Do leite, bons queijos; do boi, uma succulenta piccanha… E o torresminho? É só de enfeite?

PIZZONA DA NONNA [5634]

{A pizza brazileira, Glauco, não tem nada da legitima, a de la! Recheios tem demais e não está correcta, ja que é má alimentação! Alem de não saudavel, a questão é que ella desrespeita aquella ja tão typica, a de Napoles, que ca pouquissimos conhescem! Não, Glaucão! Não! “Menos é mais”, Glauco! Comer pizza não pode ser mactar a fome, e só!

Você tem que saber, Glauco, precisa ser menos comilão! Ah, tenha dó!} -- Nem vale a pena a replica concisa, mas posso lhe dizer que meu xodó está naquella pizza que se bisa só para se empachar: a da vovó.

DIA DO DIABETICO [5644]

{Cortei ja meu assucar todo! Nem café mais tomo, caso não esteja amargo! Diabetico tambem, você não ganha bollo nem cereja! Mas isso não tem graça, Glauco! Tem? A gente quasi nada mais festeja! Será que solução inventa alguem praquelle que comer doces almeja? Meu sonho é comer sonho, o proprio sonho, alem de chocolate, puddim, torta de leite condensado! Mas, tristonho, nenhuma real scena me comforta!} -- Não quero nem saber! Si me disponho a doces comer, como! Que me importa morrer mais cedo ou tarde si, enfadonho, meu dia rolla sempre em hora morta?

DELICATESSEN DELIVERY [5654]

Me intriga aquelle apê do tango. Tem victrola, telephone, bibelô de gatto, meia luz, clima pornô… Mas e quando, faminto, chega alguem? A musica não falla si tambem tem coppa, tem cozinha, si um bistrô funcciona alli no terreo, si um alô ja basta, si esse lanche logo vem. Emquanto ninguem chega, tempo dá de sobra a uma gazosa, a um sandubinha de queijo, de fiambre, de sardinha em latta, até de atum. Que bom será! Da hora si passar, ja de fubá um bollo, um manjar branco, supprem minha carencia. Quando chega alguem, nadinha sobrou. Estou dormindo. O coito? Bah!

PIZZA QUE SE BISA [5761]

Qual pedir? Napolitana?

Pepperoni? Calabreza?

Peço todas e se damna a dieta. Bella mesa!

Descendente que se uffana da peninsula certeza tem da festa e não se enganna. Mas que mesa! Che bellezza!

Pizza para mim é tudo de bom! Quasi nada resta dos prazeres e me escudo na boquinha, nessa festa!

Ja que nunca fui sortudo nem nas lettras, siquer nesta vida practica, me grudo numa pizza, até na testa!

MELHORIA EM IGUARIA [5814]

Edade, si é “terceira” ou si é “melhor”, importa pouco. “Merda” acho um bom nome. Só “velho” e “thio” escuto ao meu redor. Tomar no cu vou, onde for que eu tome e, para que a velhice do peor se farte, quem “saudavel” é não come nem carne, nem frictura… Sei de cor a missa: velho deve passar fome! Estou de sacco cheio dessa chata conversa de nos darem qualidade de vida, de nos darem mais edade, mas mandam evitar fricta batata! E eu? Fico sem comer tudo o que macta a gente de desejo? Brevidade, brioche, bollo, torta… Desaggrade seu medico! Rirá quem não se tracta!

ITALIA QUE ME CALHA [6055]

Careca e Maradona o campeonato jogavam pelo Napoli e eu os via. Na placa, a propaganda a gente lia: salame e mortadella. Que barato! Da marca Leoncini me retracto babando de vontade todo dia de jogo. Ah, si pudesse essa iguaria comprar! Não importavam! Mas que chato! Fiquei chupando o dedo, mas agora nem posso, na TV, curtir mais nada. A coisa só complica, vez mais cada sem graça. Gol nenhum se commemora. Um unico consolo resta: bora comer pizza, comer maccarronada! Comamos o que, ao menos, nos aggrada emquanto a pandemia não peora!

VERY DELIVERY [6244]

Pedi que me entregassem cannellone, salada, sobremesa, até bebida inclusa, mas jamais suppuz na vida que venha a tal entrega por um drone! Foi foda, Glauco! Caso alguem accione errado, o troço chega, na descida, veloz, trombando em tudo! Quem decida paral-o mais verá que elle detone! Entrou pela janella, Glauco! Veiu batter contra a parede! Foi a massa aos ares se expalhando! Minha taça quebrou-se, de crystal, partida ao meio! Glaucão, aquelle estrago foi bem feio! Jamais peço de novo que se faça a coisa! Agora a fama pela praça divulgo desse troço! Reprovei-o!

MESMICE [6245]

Durante a quarentena, do pavê o thio ja não é fonte de problema. Mais proxima pessoa faz que tema a gente esta roptina de clichê.

Miojo todo dia! Acha você saudavel? Mas, Glaucão, mamãe só rema na mesma direcção! Ovo com gemma durinha, ja cozido, outro dilemma!

Domingo muda a coisa de figura! Emfim, aquelle frango de padoca!

Alguem a mesma mascara colloca e sae para buscar! Que gostosura! E sempre se commenta: “Até mais dura roptina aguenta o povo da malloca!”

A gente se consola, pois se toca que para até mesmice exsiste cura…

DIA DA PIZZA [6307]

Mas, Glauco, o pepperoni não passava da nossa calabreza, appigmentada que sempre fora! Agora não tem nada da antiga! Ja mandei a nova à fava! Tambem a portugueza não me dava noção da verdadeira! Que salada collocam nella! Aquillo não aggrada ninguem! Com a de atum a coisa aggrava! Atum nunca foi, Glauco, nem aqui, tampouco la na China! A mozzarella usada longe está, tambem, daquella do tempo do vovô, que bem vivi! Não, Glauco! Não se salva nada! A ti, se salva alguma? Alguma se revela fiel à feliz epocha, tão bella, na qual em pé fazias teu chichi?

NUTRICHATO [6492]

Jamais chamei um gajo de “ecochato”, Glaucão, de “natureba” tambem não! Ainda que pentelhos sejam, tão grosseiro não serei si delles tracto! Agora, chato mesmo (o que constato com maximo pesar) é o cidadão mettido a patrulhar a nutrição dos outros! Esse eu chamo “nutrichato”!

Não pode comer isto, mas aquillo ja pode si for pouco ou sem tempero!

Aquillo outro só pode si exaggero ninguem fizer, sinão vae ganhar kilo! Ah, va lamber sabão! Comer tranquillo o gajo não me deixa! Desespero ja tenho demais, porra, sem comer o que quero por ser caro conseguil-o!

REICH DE MIL ANNOS [6514]

Não basta, a mim, deixar de comer gado bovino, porco ou peixe, emfim, deixar as aves ou os ovos de botar na bocca, não, Glaucão! Por mais eu brado! Eu brado por melhor apprendizado, no vegetarianismo, do vulgar povão, que só consome cavallar porção dum alimento processado! Eu quero ver os outros sem comer nadinha fricto, nada de gordura, de carne, de temperos! Gostosura nenhuma, em summa! Neca de prazer! Prazer, siquer no sexo, si for ver, meresce ter ninguem! Da dictadura vegana, Glauco, quero ver si dura ao menos um millennio o seu poder!

MANJADO MANJAR (2) [6549]

Que saibas questão faço, Glauco, que eu cultivo minha fama de doceira!

Haver não pode um homem que não queira provar, sabendo disso, um doce meu!

Tu gostas de puddim? Me convenceu alguem de que tu gostas, de maneira que estou disposta a dar-te, interesseira que sou, este que fama me rendeu!

Precisas provar, Glauco! Este que faço, de leite condensado, vae deixar-te maluco! Mais ninguem nisso tem arte egual à minha! Causo-te embaraço?

Tens medo de que eu pense ser devasso teu gosto por puddins? Mas que se farte, espero, o teu tesão, sem que descharte ninguem meu interesse em teu regaço!

QUITUTE QUE INCUTE [6550]

Fiquei sabendo, Glauco, que doidinho tu ficas por quitutes de primeira! Pois quero que tu saibas: quituteira sou! Deves é provar o meu bollinho! Preferes qual? Não falles! Ja adivinho! Será de bacalhau? Te fricto inteira bacia delles, Glauco! La na feira não achas nem pastel tão bem feitinho! Pensaste, Glauco? Quando degustares aquelle que frictei, o mais crocante que exsiste, verás: nada que te encante melhor exsistirá por esses bares! Achaste interesseiros os meus ares? Assumo, nesse caso, que bastante fan sua sou! Tal gosto me garante a chance de illudir teus paladares!

SCHOOL MEAL [6561]

Até que emfim chegou a minha vez! Tornei-me professor e ver si colla eu quero minha idéa: a duma eschola de inglez para bassês, vejam vocês! Um hound, que se chama Ralph, inglez ja sabe fallar, quando bem engrola o proprio nome! Hem? Outra boa bolla é Rudolph, um Rodolpho mais burguez! Si “sausage” é linguiça, da salsicha qual termo preferir, a “frankie”, a “wienie”? Talvez a traducção que mais combine ainda seja aquella que pasticha: “Dogão”, “cachorro quente”! Quem capricha na falla diz “hot dog”! Achou quem mime seu gordo salsichão? Não? Pois se anime! Na minha aulinha a boia nunca micha!

ORACULO DO CENACULO [6607]

Soubemos, ó Poeta, que te oppões às drasticas dietas restrictivas! Soubemos que, por nada, tu te privas daquillo que dá fome nos gluttões!

Por isso, perguntamos: os causões, nutrologos, doutores, que convivas não são dos que na bocca teem salivas gulosas, vencerão com seus sermões?

Um dia comeremos só verdura sem gosto, sem tempero, emfim, sem graça?

Ainda a quituteira que nos faça bollinhos, empadões, pasteis… perdura? Sim? Viva! Ah, será a festa da fartura! Ninguem sem gostosuras taes mais passa!

Poeta, aggradescemos-te! Que massa preferes? Gnocchi? Pizza? Ah, que loucura!

PHEIJOADA REVISITADA [6624]

Você, que ja morou la, não se pella por uma pheijoada, Glauco? Opina bem sobre tal receita, que tão fina nem é, mas pratto chique é na favella? Chegou a frequentar, la na Portella, aquella da famosa Vicentina? Paulinho da Viola acha divina a coisa, para a nossa gula appella! Entendo… No pagode do Vavá você jamais esteve… Mas terá passado por algum onde servida seria aquella celebre comida! Passou? Tive certeza! Quem duvida que esteve olhando os pés da divertida gallera de malandros, dos quaes ja sonhou com os chinellos? Hem, xará?

UNA GIORNATA PARTICOLARE [6721]

Glaucão, o meu avô sabedoria exhibe, que me deixa fascinado! Com elle jantei hontem e um guisado vovó fez. Que delicia! Que iguaria! Ahi, vovó saber quiz si eu curtia a boia. Quasi eu disse que do aggrado estava, mas vovô, por outro lado, fallou que era de morte e estava fria! Vovó sahiu da mesa, ja chorando. Vovô disse-me: “E então? Você não acha que estou certo? Si approvo, ella relaxa! Assim estou eu sempre no commando!” Sacou, Glaucão? Foi foda! Agora, quando fizer minha mulher uma borracha da carne, ou eu lhe applico uma bollacha, ou ella diz: “Aqui sou eu que mando!”

SAVOY TRUFFLE [6783]

Lobato, em REINAÇÕES DE NARIZINHO, enganno salvo, falla desse doce gostoso, gostosissimo, qual fosse o mais mais mais do mundo, sim, todinho! Commigo ca, Glaucão, eu ja adivinho que deve ser aquelle que me trouxe vovó nos meus anninhos! Accabou-se no mesmo dia, como lhe escrevinho!

Mas “quanto mais comia, mais sobrava”, contava-nos Lobato do puddim!

Alguma coisa errada, para mim, ha nisso! Hoje a vontade volta, brava! Você de puddim gosta, Glauco? Grava tambem a phrase delle? Nunca vim, ao certo, a saber si elle estava a fim de sarro tirar quando se babava!

POR PREÇO DE BANANA [6886]

Glaucão, sou optimista! Bom motivo eu vejo, mesmo nessa carestia! Exsiste inflação? Sobe todo dia o preço da comida? Ah, bem me exquivo! Me viro! Sou bastante creativo! Si falta bacon, minha theoria é simples: de banana as cascas ia jogar no lixo? Nunca! Sou é vivo! As cascas, dependendo do que faço com ellas, frictas podem ser, Glaucão!

Serão tiras de bacon, quando são salgadas, ao tempero dando espaço! Você nunca provou? Jamais excasso será tal alimento! Tambem não estão em falta, podem ser ração, das fructas ja chupadas, o bagaço!

CEIA ALHEIA [6891]

A ceia de Natal pernil ja tinha e todos se serviam. Mas alguem peru trouxe e chegou tarde. Tambem a nova carne incluem na festinha. Mas logo outrem se toca: até gallinha melhor é que peru! Pratto mais sem sabor, sem graça alguma! Ja ninguem se serve dum assado dessa linha. Retornam ao pernil, que está no fim. Sobrou boa porção daquelle duro peru, que não terá nenhum futuro excepto um embrulinho para mim. Acharam que, si cego sou, ruim não acho tal pedreira, ja que atturo comidas bem peores neste escuro jantar que, emfim, na vida a roer vim.

CABEÇA DE PUDDIM [7146]

Não sei por que criticam tanto, vate! Acharam providencia assaz ruim ser gasto o nosso publico dindim com leite condensado ou chocolate! Queriam o que, Glauco? Um disparate estão fallando, porra! Para mim, não ha problema! Querem que capim ração seja a um exercito em combatte? Hem? Querem que um soldado se alimente de esterco? Duma alfafa qualquer? Ora! Ninguem com o governo collabora! Que extranho paladar tem essa gente! Destillam fel, Glaucão! É simplesmente divino um puddimzinho! Não adora você tal iguaria? À merda! Agora só falta acharem feio o presidente!

MUKBANG DE DELIVERY [7207]

Não para de rollar bastante entrega na casa da vizinha! A cada meia horinha, chega alguma caixa, cheia de coisas de comer, caro collega! Eu fico com inveja, Glauco! Um mega serviço de delivery recreia a vida da fulana, que recheia seus dias confinados! Não sossega! Mal traça algum hamburger, vem o cara, de moto, lhe trazendo um mixto quente, um frio, um X-salada! Ha quem aguente olhar tanta comida? Quem encara? No maximo, consigo pedir para trazerem um pastel, sufficiente appenas para almosso! Ninguem sente mais fome, si de sexo não se enfara!

PARTE SEGUNDA

CULINARIA VEGETARIA

DISSONNETTO DO CAFÉ [3717]

A comida ella devora com alguma indifferença, mas naquillo que ella adora é que, todo o tempo, pensa. Si visita alguem, embora não vae antes dessa immensa chance… Oh, céus! Não via a hora! Si não toma, acha uma offensa! É o café que tanto agguarda, e não perde occasião!

Ao tomal-o, felizarda, excancara um sorrisão!

Brazileira ella se sente e sou della, nisso, irmão quando o tomo: forte, quente, sem assucar e sem pão!

DISSONNETTO DA FRUCTA PÃO [3725]

Ja comi da Natureza muita coisa, porem não vi servida em minha mesa essa tal de fructa-pão. Deus aos homens deu certeza do trabalho que terão si a fartura e si a riqueza à mão, facil, não estão. Eis que, alem desse “pão nosso” com que Deus nos abbençoa, eu da terra esperar posso uma fructa assim tão boa!

Pão de forma ou pão francez? Vae do gosto da pessoa? Qual sabor será que fez tal Padeiro nessa broa?

DISSONNETTO DA ALFACE [3726]

Caso a norma me obrigasse, mesmo assim eu não cumpria: acceitar que o termo “alface” masculino fosse um dia!

Feminino é, sim, mas dá-se que um estupido annuncia a verdura com “o”! Nasce a polemica vazia!

Si eu não digo “o couve”, “o soja”, ouço “o fructa” e estou perplexo!

Uma coisa que me ennoja é trocar da alface o sexo!

Daqui a pouco “um betterrabo” ou “cenouro”, como annexo, eu escuto, e ainda accabo “naba” achando que tem nexo!

DISSONNETTO DO REPOLHO [3727]

Na salada ou no charuto, outra folha eu não excolho. Todo mundo que eu escuto tambem gosta de repolho. Eu só fico, mesmo, puto si alguem diz: “Abra seu olho! Causa gazes!” Resoluto, não porei barbas de molho. Que se damne! Eu peido mesmo! Ninguem vejo que me vete!

Tanto eu peido, que o tenesmo todo o tempo me accommette! Si o repolho fermentado faz fedor duma retrete no ambiente, então eu brado: Quem tem faro que se affecte!

DISSONNETTO DA BANANA [3728]

Ella assada, com cannella, me deleita. Numa torta, imbattivel, tambem, ella me paresce. Isso é que importa. Para um doce, se revela, pois, perfeita. Lettra morta considero essa querella de comel-a crua! Corta! Da nannica, um papagayo, que jamais a gente educa, porcaria faz! Não caio eu, tambem, nessa arapuca! Crua, eu deixo para um mico, que por ella faz a cuca! Preparada, eu como e fico com vontade, ainda! É duca!

DISSONNETTO DA GOYABA [3729]

Pessegada é brincadeira, nem tem graça! Marmellada?

Não tem gosto! Eu, hem? Nem queira me fallar duma figada!

De mammão? Fede e nem cheira!

De laranja? Não! Que nada!

Qual? De abobora? É besteira comparar! Só goyabada!

Outra hypothese não vale!

Chocolate não valeu!

Não ha doce que se eguale à Julieta, com Romeu!

Pura, a fructa nem dá succo bom como outra qualquer deu!

Mas, cascão, até maluco de pensar nella estou eu!

DISSONNETTO DA ALCACHOFRA [3730]

É mania de italiano: apprendi com minha thia a gostar della, e me uffano dessa gente que a apprecia! Ao comel-a, a mão num panno vou limpando e, na bacia, ponho as petalas: insano é quem perde essa iguaria!

Coração, numa alcachofra, não é tudo, nem se eguala ao palmito. Caso eu soffra, nem reclamo, ao debulhal-a!

Cada petala, embebida num tempero, é bella, falla a verdade! E me convida: de pensar, a lingua estalla!

DISSONNETTO DA MANDIOCA [3732]

Eu, no bollo e no puddim, não desprezo a mandioca. Mas, às vezes, vejo “aypim”, termo pelo qual se troca. Não concordo! Para mim, deveria essa padoca escrever “pirlimpimpim” na ethiqueta que colloca! Hem? Não fica mais legal?

Addoçando, quem não come?

Si, na sopa, ou fricta, eu mal lhe dou bolla, outro a consome. “Macaxeira” ‘inda é peor! Mas por trigo não se tome! Affinal, todos de cor do pó sabem qual o nome!

DISSONNETTO DA PERA [3733]

Na maçan não acho graça, mas na pera até o poeta que é Vinicius um tom traça de cor viva e, a mim, me affecta. Succulenta, ella se ammassa facilmente si está quieta na fructeira e o tempo passa… Mas não fosse a predilecta! Nunca fica alli parada como um pomo poeirento: entre olhal-a e uma dentada nella dar, vae um momento! Si ao peccado está a maçan mais ligada, nem commento tradições, pois, de manhan, pela pera mais me tempto!

DISSONNETTO DA LENTILHA [3734]

Por um pratto de lentilha tem quem ceda seu direito, sua terra, a mãe, a filha, a mulher, o lar, o leito… O ceguinho aqui se humilha si tiver algum proveito, mas ninguem facil me pilha: só lentilha eu não acceito!

Tem que estar accompanhada de attracções: conforme o caso, de toucinho, arroz… E nada de servil-a em pratto raso! Si for dada na tigella, bem quentinha e sem attrazo, este cego o cu dá, fella, serve até de piso e vaso!

DISSONNETTO DA AZEITONA [3736]

Si a tirarem duma empada, o sabor nos abbandona. Si a puzerem… Ah, mais nada quer a gente, que é gluttona! No pastel ou na salada nenhum item a desthrona.

Onde entrar, jamais enfada: fallo, é claro, da azeitona! Me fallaram que a cor della nem siquer é conhescida!

Nunca foi verde… e amarella não será jamais na vida!

Pouco importa quem se metta a dizer que ella é tingida ou fallar que não é preta: quero achal-a na comida!

DISSONNETTO DO PEPINO [3737]

Consideram-no indigesto, mas não acho: antes, opino que fazer se deva um gesto mais sympathico ao pepino. Na salada, eu digo e attesto que, si for cortado fino, com limão, não me molesto e a applaudil-o até me inclino. Quaes os pickles que o dispensam? Tem o nabo o mesmo gosto?

Cebollinhas ha que o vençam?

Nada rouba delle o posto!

Só não sei por que ninguem, figurado, o quer imposto por algum problema e nem a quem causa anal desgosto…

DISSONNETTO DO MILHO [3738]

A mordel-o aqui me pilho e uma coisa só me intriga: Cereal ha com mais brilho?

Quem for franco que me diga! Tantos prattos com o milho são possiveis! Minha briga é jamais ver empecilho em comel-o alli, na espiga!

Lembro aqui: curau, polenta… A lembrar outros não custo: floccos, oleo… Elle sustenta de diversos modos, justo!

Mas é verde, debulhado pelo dente (Só me assusto com a carie!) que seu lado mais sympathico eu degusto!

DISSONNETTO DO PHEIJÃO [3739]

Deveria ser “pheijão” si é “phaseolus” la attraz, como a origem do “phaisão”… Differença, affinal, faz?

Pois “pheijão” que seja, então! Si as imagens que me traz coloridas ‘inda são, seu sabor, só, me compraz.

Pheijão preto, marron, branco… Quero um tanto, mas de cada!

Nem achei, para ser franco, qual, no pratto, mais me aggrada!

Uma coisa é certa: a esmo nem à toa, camarada, não o como com torresmo…

Tem que ser na pheijoada!

DISSONNETTO DA MELANCIA [3740]

Qual a fructa que seria mais sem graça? A lima? Não! O mammão? A minha thia diz que gosta de mammão… Qual, então? Si alguem se fia num inglez, não diz melão. Mas talvez a melancia fosse a chave da questão! Sim, decerto! Outra não ha! Concluindo, aqui me appresso: no Japão, quadrada ja a fizeram, sem successo!

Por mim, juro: nada muda! Não vi nisso algum progresso!

Sendo aguada e caroçuda, findo o almosso, eu não a peço!

DISSONNETTO DO QUIABO [3752]

Muita gente nojo sente do quiabo. Seu formato não será sufficiente para tanto, é o que eu constato. Seu sabor, equivalente ao de tantos que, no pratto, se mixturam, frio ou quente, nunca foi ruim, de facto. Talvez seja, então, a baba que elle solta o que, na dama, mais faz asco e que lhe accaba com alguma boa fama…

Paciencia! Quem se ennoja coma carne, coma grama! Não o coma! Mas de soja come carne e nem reclama!

DISSONNETTO DO COCO [3753]

Si é de abobora com coco, eu do doce não sou fan. Chocolate, si é com coco, tempta menos que maçan. Com limão mixturar coco numa torta é coisa van. Rapadura foi com coco mixturada? Nan-nan-nan!

Mas, si fosse só de coco, não teria gosto choco!

Só manjar, puddim de coco… sempre o doce será pouco!

Bomboccado, quindim… Coco nelles! Traço, e não tem troco!

Esses doces são de coco, mesmo, e coisa são de louco!

DISSONNETTO DO ABACAXI [3754]

Quando o filme é chato… Xi!

Si um problema dá trabalho… Xi! Nem falle! Você ri, mas bem sei, foi acto falho!

Ja passou você, cricri, por taes zicas e, si o galho não lhe quebro, tudo aqui azar dava, seu paspalho!

Tão docinho e succulento o coitado é, de per si, que, si acaso eu me appoquento, jamais culpo o abacaxi!

Si não tenho nenhum asco nem mal nelle nenhum vi, é porque não o descasco, mas ja delle até me enchi!

DISSONNETTO DA CANNA DE ASSUCAR [3755]

Sem assucar, nossa vida era amarga que nem fado. Xingo, pois, quem me convida a evital-o refinado.

Addoçante não liquida com o fel, por todo lado, que nos cerca: quem duvida prove e encare o resultado! Si é mascavo, si é crystal, si faz mal, não interessa!

Pouco importa! Como o sal, elle falta faz à bessa!

Em excesso, nos enjoa e a vontade logo cessa, como toda coisa boa, si engolida foi depressa…

DISSONNETTO DA BATATA [3756]

Popular como ovo fricto, só, talvez, batata fricta!

Eu, na duvida, accredito que um com outra não conflicta!

Repetir eu não evito: haverá quem não repita?

Nem que um medico maldicto tal frictura não permitta!

Vae, si “palha” ou si “palito”, dar, na minha fé convicta, a porção que eu mais repito e, na mesa, a mais bonita!

Descrevel-a por escripto, de maneira tão restricta, nem consigo: appenas cito que é bem larga cada fita!

DISSONNETTO DA CENOURA [3757]

Della o bollo não seria a maior credencial: o que a torna uma iguaria é mascal-a ao natural. Pernalonga se sacia só com ella, mas é tal o chardapio em que varia, que raiz não vejo egual. Não me digam que a batata, mesmo aquella que mais doura, não terá rival que batta seu prestigio na lavoura, pois lhes digo que o tomate, mesmo quando bem agoura, tem tambem rival que o batte, si eu gostar mais da cenoura!

DISSONNETTO DO TOMATE [3758]

Si elle falta, fica a massa sem seu molho: ao italiano isso é um crime, uma desgraça! E eu concordo, pois me irmano! Numa pizza, não me passa na cabeça o plano insano de evital-o! Quem o faça tem no cerebro algum damno! Na salada ou no bauru, inteirinho ou sem semente, o tomate, quente ou cru, é fatal ingrediente!

Como succo é que o detesto! Outra coisa alguem invente! Me paresce ser incesto si, addoçado, a gente o sente…

DISSONNETTO DO GRÃO-DE-BICCO [3759]

Quando eu era pequenino, detestava grão-de-bicco. Hoje, appenas, eu attino: a mamãe é que era o mico! Não sabia, ao que imagino, temperal-o… Agora eu fico maluquinho por um fino pratto syrio, chique e rico: O patê com elle feito que me sabe a tal regalo tem um nome que, direito, nem sei como escrevo ou fallo…

Pouco importa si não sei, como um “homus” dóe no callo, de synonymo de “gay” ou de homophono chamal-o…

DISSONNETTO DA COUVE-FLOR [3760]

Quando vejo aquelle pratto dando sopa alli na mesa, não é sopa de que tracto, mas frictura, com certeza! É por isto que eu me macto: couve-flor à milaneza! Nem por isso ommitto o facto de haver nella mais riqueza, pois de innumeras maneiras tu com ella tens serviço e a preparas, mas não queiras me accusar de ser ommisso!

Affinal, a couve-flor, si quizeres ser castiço, tem um nome que, a rigor, nem aquillo é bem, nem isso…

DISSONNETTO DA UVA E DO VINHO [3761]

Como assim? Não adivinho qual origem, nem qual nome poderá ter este vinho! É você quem o consome!

Beberrão, eu? Só um coppinho bebo agora! A gente come sem beber? Você mesquinho não será! Vergonha tome! Eu ja disse que não sou entendido disso! Como vou saber do assumpto? Estou só bebendo emquanto como!

Mas você, sim, disso entende! Pode até fazer um tomo!

Toma todos… e se offende quando eu gosto do que tomo!?

DISSONNETTO DO AMENDOIM [3762]

Chocolate, coco… emfim, tantas coisas dão bom doce! Mas nenhuma é tanto assim… Não houvesse outra que fosse! Não tem jeito: para mim, quando alguem da rua trouxe um doção de amendoim, comi rapido… e accabou-se!

Geralmente, uma passoca nos colloca o gosto em xeque. Porem, quando esta se troca pelo tal pé-de-moleque, não resisto: o nome soa tão sacana, caso eu peque, como aquella coisa boa a impedir que a lingua seque!

DISSONNETTO DO ARROZ [3763]

Os que forem mais retrôs lembrarão: diariamente, almossar feijão co’arroz normal era para a gente. A mamãe foi quem nos poz, entre os prattos, um bem quente com arroz… E, bem depois, que saudade a gente sente! Dos meus tempos de garoto, ou dos oito ou nove em torno, bem me lembro do risotto, do arroz-doce, do de forno… Hoje é tudo prompto e fricto, sem dum habito o retorno, mas se pode, eu accredito, requentar o que está morno.

DISSONNETTO DA CEBOLLA [3764]

É possivel, eu indago, na comida alguem não pol-a?

Do tempero quem for mago vae deixar faltar cebolla?

Mas, si a gente não for tola, nota: fica o logar vago na receita, si, ao compol-a, ella é pouca, e o preço eu pago. Em logar de ser tempero ou detalhe na salada, eu direi, sem exaggero, que ella basta, só, mais nada! Ao invés de ser recheio na receita, si antiquada, eu direi que accerta em cheio quem servil-a recheada!

DISSONNETTO DO ALHO [3765]

Diz o dicto: “Alho e pigmenta o fastio ausenta!” E eu digo: nem pigmenta se accrescenta!

Só com alho eu ja me instigo! Quem achar que um alho tempta, sente aqui, coma commigo!

O tamanho delle augmenta só no cheiro! Hem? Que perigo!

Ja jantou alho gigante, bem mollinho alli no pratto, feito ao forno? Não? Pois jante!

Differença faz um flato?

Ja almossou o alhão que eu janto? Não ainda? Meu, que chato!

Pois almosse, que eu garanto: faz effeito immediato!

DISSONNETTO DO MAMMÃO [3766]

Nem assucar, num mammão, vae fazer que o fructo attraia! Pelo menos a mim não dá vontade um dessa laia! Nunca faço nem questão do grandão, nem do papaya! Naturebas valor dão, mas não entro nessa praia! A tithia me acconselha (é mania que ella tem) a comel-o: está vermelha de sahude, e caga bem!

Mas não acho que é por causa do mammão que a thia nem se preoccupa, nem faz pausa na privada: é que ella é zen!

DISSONNETTO DO SALSÃO [3767]

De “aipo” chamam o salsão, termo extranho para mim. Que não tenha relação, disso eu sei, com um “aypim”. Engraçado: a gente não vê salsão ca tanto assim! No exterior é que alguns são mais fans delle, eu acho, emfim. Como “celery” no inglez se traduz, mais exhibido, o salsão, que effeito fez musical no meu ouvido. Mais ainda que o pepino, que foi muito revivido, traz lembranças de menino, si a roel-o eu me decido.

DISSONNETTO DO ASPARGO [3768]

De salsinha e cebollinha uma feira está repleta, mas aquillo que a vizinha vae comprar tambem me affecta. A barraca ella exquadrinha à procura da selecta herva typica que minha sopa torna bem concreta. Me refiro ao grosso e largo thallo, magico e viçoso, cujo bello nome, “aspargo”, torna um caldo mais charmoso. Si a vizinha me offeresce um jantar tão saboroso, pia prece me meresce, dando graças por tal gozo!

DISSONNETTO DA ERVILHA [3769]

Por fallar em herva, “ervilha” nada tem com termo tal. Eu prefiro outro, “lentilha”, que tambem é cereal. Esta até me maravilha numa sopa, mas egual enthusiasmo não partilha aquelloutra em meu astral. Si tempero eu não colloco, si lhe dar um “plus” não tento, pilha a ervilha, em mim, o foco só no caldo farinhento.

Com toucinho, a coisa muda: ja funcciona meu intento!

A tal sopa farinhuda, na cumbuca, encaro e enfrento!

DISSONNETTO DO INHAME [3770]

Só na sopa o tal do inhame eu, luxento, degluttia, pois (Pudera!) o termo infame até lembra porcaria! Mas mamãe, que de madame nada tinha, me servia o tal creme, e quem reclame delle esnoba uma iguaria! Pois não é que alguem inventa numa fabrica damnada “chipes” feitos da nojenta batatona exbranquiçada?

Ficam optimos: até mais crocantes! Como entrada são melhores, e dou fé, que os normaes, não é por nada!

DISSONNETTO DO ESPINAFRE [3771]

Espinafre, no desenho do Popeye, deixa fortão. Mas ninguem faz muito empenho em dizer que gosta, não. Outra coisa é o que eu desdenho: mais que rucola, agrião. Não serei o mais ferrenho a fazer-lhe opposição. Não serei quem espinafra, muito menos quem censura a verdura que, na safra, menos tende a ter procura. Vou focar minhas querellas de poeta da fartura sobre a couve de Bruxellas, que ninguem, de facto, attura!

DISSONNETTO DO GILÓ [3772]

Mas, pensando bem, exsiste uma até peor verdura que a Bruxellas… Sim, é triste, mas exsiste… Que amargura! Nem tem graça fazer chiste com aquillo que perdura na memoria: alguem me liste quaes, na feira, não teem cura! Nabo? Inhame? Aypim? Que nada! Espinafre? Ah, tenha dó!

Betterraba? Não, coitada!

O peor, mesmo, é o giló!

Por acaso não tem sido mais difficil do que um nó, mais villão do que um bandido: é ruim como elle só!

DISSONNETTO DO PALMITO [3773]

Não! Jamais! Eu não admitto que ninguem me allegue nada contra a fama do palmito! Elle impera na salada! Vegetal assim bemdicto não exsiste! Escuto cada argumento! Mas nem cito quem fallou a pataccoada!

Nem pupunha, nem bambu!

Não me curvo e não me domo!

Mandarei tomar no cu quem desfaz deste que eu como!

É palmito, e prompto! Eu não cederei, nem mesmo como diplomata na questão! Da discordia cuspo o pomo!

DISSONNETTO DO GENGIBRE E DO GERGELIM [3774]

É gengibre ou gergelim? No começo, eu confundia. Mesmo agora, para mim, um com outro se associa. Gergelim é termo affim, nessa exotica euphonia, de castanha, amendoim e outros grãos que a flora cria. Outrosim, quanto ao gengibre, restam certos detalhinhos: é normal que se equilibre, sobre a mesa, nos “dedinhos”. Me contaram que enfiado, por desvãos dos maus caminhos, foi um desses num veado e elle achou que eram carinhos.

DISSONNETTO DO PESSEGO [3776]

Tem o pessego uma pelle tão suave e advelludada que eu não acho, caso appelle à memoria, egual mais nada. Um beijinho até dou nelle, como numa bocca: cada vez que beijo, sinto aquelle velludinho e dou risada. Faz lembrar dum moço o buço juvenil, si um caso eu for recordar, quando eu, dentuço, quiz morder, de tanto amor! Ja passou, faz tempo, a phase de menino sonhador, mas, comendo a fructa, eu quasi no passado me fui pôr…

DISSONNETTO DA LARANJA [3778]

Não é facil, não é canja descascar, sem faca à mão, a damnada da laranja! Eu, cortar-me? Isola! Eu, não! Mas facillimo se arranja quem não tem jeito e a visão ja perdeu: caso me ranja algum dente, é de tesão!

Mexerica ou tangerina?

A palavra as deseguala?

Tanto faz, si ella elimina todo o trampo ao descascal-a!

Tangerina ou mexerica?

Se descasca como balla!

Dá na mesma, si se explica porque della bem se falla!

DISSONNETTO DO ABACATE [3779]

De azeitona é que nem osso. De mammão, de ver, dá nojo. Toda fructa tem caroço, menos uma, no seu bojo.

Nada presta, é tudo insosso num bagaço ou num despojo. É por isso que o pescoço não arrisco eu nesse arrojo. Qual arrojo? Explicar como eu fiquei tanto no muro!

Um caroço eu ora como e outro não, por ser mais duro!

Si, de facto, o do abacate é o maior, não asseguro!

Vou saber? Sei la! Que tracte de informar quem queira appuro!

DISSONNETTO DA MAÇAN [3780]

Reconhesço que Satan offeresce à gente um pomo, mas nem sempre foi maçan: só depende do que eu como. Si eu prefiro, de manhan, degustar, gommo por gommo, uma lima, meu affan facilita o Cão, e como!

Descascada ella apparesce, como alguma que bem calha, de surpresa! Ou rezo a prece, ou, fatal, vejo a fornalha!

Por maçan meu enthusiasmo não moveu nenhuma palha nem chegou a dar orgasmo. Assim sendo, o Demo falha!

DISSONNETTO DO MORANGO [3781]

Nessas tortas da padoca o morango se destacca. Sobre o creme se colloca o disfarse mais babaca.

Que meresce a casa, em troca? A padoca mette a faca por um doce que me toca muito pouco e que me acchaca. Pois prefiro as de limão!

Nellas nada é verdadeiro, tudo é falso, bem sei, não se salvando nem o cheiro!

Mas, ao menos, não me sinto tão otario ou trappaceiro, tão palhaço, pois não minto a mim mesmo, ao vel-o inteiro!

DISSONNETTO DA BERINGELA [3782]

Só de figado o patê me seduz. A beringela meu prazer somente a vê empanada. Fora aquella… Outras todas que você me offeresça, eu nem dou trella: No antepasto? Qual o que! Na salada? Arde a goela! Um detalhe me é querido e à memoria muito falla: fatiava de comprido a mamãe, para frictal-a. “Pé-chulé”, por brincadeira, si o formato me regala, baptizei essa maneira de cortar, que a sola eguala.

DISSONNETTO DA BETTERRABA [3783]

“Cruzes! Sangue no chichi! Que será que eu tenho?”, um dia perguntei-me, quando vi na privada a hemorrhagia. Mas aquelle sangue alli não passava de phobia: a salada que comi é que achava eu na bacia. Betterraba! Ah, bom! Que susto! Deixa a gente appavorada! Me lembrei daquillo justo no momento da mijada. Ao cagar, tambem reparo de vermelho a agua manchada, si no vaso a vejo: é raro, mas a vejo, e n’agua nada.

DISSONNETTO DO PIGMENTÃO [3784]

Na cabeça, o pigmentão tem que ardido ser! Agora, todavia, a gente não vê mais disso, e só peora!

Dá até dó de quem adora um daquelles, quando estão bem vermelhos… e, na hora de comer, que decepção! Recheado elle, bonito, sae do forno, cedo ou tarde. mas (Que horror!) nem accredito que na lingua ja não arde!

Que fizeram com a planta? Sem arder, ella tem ar de dissabor! Nem addeanta quando eu nego ser covarde!

DISSONNETTO DA AVEIA [3785]

Não! Não quero de maizena!

Tem que ser mingau de aveia! Si não for, nem vale a pena sorrir: faço cara feia! De manhan, ninguem condemna si a tigella fica cheia, mas nem tanto, ou si é pequena: só não pode ser de meia! E o mingau, quando não tem os taes floccos, para mim é de araque: não dou nem confiança: enjeito, e fim!

Affinal, para que mais serve a aveia, que ruim não nos seja, si é nos taes floccos que ella aggrada assim?

DISSONNETTO DA MANDIOQUINHA [3786]

A batata tem nobreza ou é coisa só de pobre?

Basta ver o que na mesa foi servido, e se descobre: Mandioquinha! Com certeza, este é o nome! Mas quem dobre sua lingua e a tenha presa, morde e engole um nome nobre: É “batata”, mas “baroa” finge ser e não consegue convencer, si for pessoa presumpçosa e não se enxergue. “Baroneza” uma pinoia! Que ella a origem não renegue! É plebéa nesta boia que se serve aqui no albergue!

DISSONNETTO DO RHABANETE [3787]

Rhabanete? Cará? Nabo?

Raramente os como e, para ser-lhes franco, até que accabo concluindo: falta é tara! Ao comel-os pelo rabo, qualquer um os trez compara… Mas eu disso não me gabo e os dispenso, como à vara. Destes, é no rhabanete, sem fazer maior affago, que prefiro, por lembrete, meditar, emquanto cago.

Comparado si elle for (e à memoria assim o trago) ao cocô, bem menos dor sinto ao ver meu recto vago.

DISSONNETTO DA CHICORIA [3788]

É chicoria ou escarola?

Della eu gosto na salada. Para o nome quem dá bolla?

Della eu gosto refogada.

Vem da feira na saccola e esta estando bem pesada é o que importa: só me ammola baptizal-a, e só me enfada!

Si é escarola ou si é chicoria, quem quizer que se decida!

Pense nisso quem devore-a no momento em que é servida!

Na verdade, tem a gente, tão afflicta, tão soffrida, muita coisa mais urgente e importante nesta vida!

DISSONNETTO DA BATATA-DOCE [3789]

Me responda, mas depressa: Qual o doce mais gostoso que ha no mundo? Não me peça p’ra dar pistas! Tá nervoso? Manjar branco? Não! Sem essa! Quindim? Quero ter mais gozo! Bomboccado? É só promessa! Bemcasado? Brocha o esposo!

Vou contar-lhe, mas, primeiro, lhe addeanto, como dica, que esse doce é bem caseiro, sem sagu ser, nem cangica. De batata-doce, eu acho! Sobremesa acha mais rica?

Mais você tira do tacho, mais me sobra e mais la fica!

DISSONNETTO DA ABOBORA [3790]

No quibebe, não me cheira comestivel. Addoçada, porem, ella brilha e beira a suprema goyabada.

Minha mãe, que era doceira, qualquer uma usava, e cada: da moranga ha quem bem queira fazer doce, e não faz nada!

Pode pôr cannella e cravo!

Fica a gente aggradescida!

Porem coco eu fico bravo si puzer, puto da vida!

Queijo fresco tambem eu, sendo a dupla tão querida, como e, como elle é Romeu, a Julieta foi trahida.

DISSONNETTO DO BROCCOLI [3791]

Delle o thallo tambem é comestivel, mas a flor é que brilha e vence até outra flor, seja qual for. Mas não é que um Zé Mané, la na America, quiz pôr nelle a pecha (e eu não puz fé) de indigesto? Ah, faz favor! Presidente americano de difficil compostura, si o diffama, causa damno serio à propria agricultura!

Mas mais damno causa a si mesmo a atroz caricatura duma imagem, que sorri, e um jumento se affigura.

DISSONNETTO DO FIGO [3792]

Jesus Christo ammaldicçoa

a figueira, e algo se explica. Hoje em dia nada echoa si alguem contra o figo fica. Um christão que se condoa si tal arvore se exsicca!

O que vale é que a patroa faz do figo coisa rica!

Figo em calda! Que compota saturada de doçura elle dá! Mas não se exgotta nisso a fructa da Escriptura!

Figo secco o turco exporta!

No Natal faz a fartura!

Perceberam? O que importa é ser doce essa seccura!

DISSONNETTO DA AVELLAN [3793]

Outro dia, uma visita recebi: me presenteia a escriptora e, quando a fita eu desapto… Ah, leitor, leia! Uma caixa tão bonita, do que pode ella estar cheia? Ao ganhal-a, quem evita um gritinho? Hem? Quem refreia? Sim, bombons! Mas com recheio de avellans! Avido, eu cedo ao sabor! Quasi nem creio! Excolheu-os ella a dedo! São finissimos! Que dia memoravel! Esse enredo dá poema! Só podia mesmo ser Wilma Azevedo!

DISSONNETTO DA ABOBRINHA [3794]

Se faz doce da grandona. Da pequena, porem, faz-se a salada que addiciona mais requincte à sua classe. Recheada, tambem: dona Benedetta, cuja face não esconde que é gluttona, a prepara p’ra que eu trace! Francamente, eu não entendo mesmo certas brincadeiras!

Por que alguns andam dizendo que abobrinhas são besteiras?

Besta és tu, si a desprezares! É successo ella nas feiras!

Si à besteira a comparares, pappo-a, mesmo que não queiras!

DISSONNETTO DO MARACUJÁ [3795]

Tenha calma! Não se irrite!

Mas que coisa! Está nervosa? Vem soffrendo de bronchite? Eu sei disso, dona Rosa! Não preciso que me cite a senhora quanto dosa de remedio! Só me evite essa supplica chorosa!

Tambem soffro disso, e entendo suas queixas! Vamos, tente medicar-se! Recommendo um calmante: experimente!

Dona Rosa! Accorde! Ja clareou! O sol ja quente vae ficar! Maracujá resolveu! Accalma a gente!

DISSONNETTO DAS CASTANHAS [3796]

A castanha portugueza não tem graça e fama ganha sem razão. Na minha mesa, do Pará sirvo a castanha. Mas a gula mais accesa fica quando outra me assanha: ao caju vem ella presa e tem forma um tanto extranha. De Alagoas a recebo como a praxe determina: in natura! E não concebo iguaria mais divina! Si uns testiculos nos lembra sua forma fescennina, antes isso do que a “membra” que me lembra uma “pepina”!

DISSONNETTO DA CASTANHA DO PARÁ [3797]

A castanha do Pará mais gostosa é do que a noz, mas canseira nos dará para abril-a! Ó casca atroz! Descascada, a coisa ja de figura muda: nós a mascamos e nos dá mais vontade estando a sós. Quanto mais na solidão eu estou, farto de enfado e deprê, mais lanço mão desse coco ammehudado.

Mas, si chega alguem, a escondo rapidinho e “Olá!” ja brado. À visita até respondo: “Não, não fumo! Não, ‘brigado!”

DISSONNETTO DAS NOZES [3798]

Hemispherios tem, tal qual nosso cerebro, engraçado! Mas não tem sabor egual no que vem de nenhum lado. Si vier de Portugal, ou da Hespanha, ou doutro Estado, que me importa? É, ja, fatal que o Natal seja importado! Ca no Sul, nosso hemispherio, onde o que se planta, dá, extranhei que considere-o inferior alguem de la…

Mas, si alguem a noz compara com castanhas, verá ja que ella perde feio para as daqui: caju, Pará…

DISSONNETTO DA COUVE [3799]

“Está cara! Hem, o que é que houve? Anda excassa? Eu levo a alface, nesse caso!” É só o que se ouve numa feira, até, de classe. O problema é que, sem couve, não tem quem, em casa, passe! Nenhum caldo verde approuve sem que a dicta cuja entrasse!

Sopa é como pheijoada: leva dentro coisa à bessa, tem “pertences” para cada um dos prattos, ora essa! Si no brodo o cappelletti tem que estar, ninguem se estressa si eu fizer este lembrete: “Cara está? Descompto peça!”

DISSONNETTO DA MANGA [3800]

Manga-rosa, manga-espada… o sabor era marcante, mas um lado não me aggrada numa infancia ja distante… Os fiappos! Que maçada! Quanto incommodo, durante um almosso na abbastada residencia do feirante! Pois não é que nos invadem, e saudades nos darão, bem mais tarde, as mangas Haden, mais carnudas que o mammão? Do feirante eu não recordo bem a cara: meu tesão ca não cabe, nem abbordo os vãos sujos no pezão…

Casa de Ferreiro

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