

TYPHLOPHOBIA
Glauco Mattoso
TYPHLOPHOBIA
Casa de Ferreiro
São Paulo
Typhlophobia
© Glauco Mattoso, 2025
Revisão
Lucio Medeiros
Projeto gráfico
Lucio Medeiros
Capa
Concepção: Glauco Mattoso
Execução: Lucio Medeiros
Fotografia: Claudio Cammarota
FICHA CATALOGRÁFICA
Mattoso, Glauco
TYPHLOPHOBIA / Glauco Mattoso
São Paulo: Casa de Ferreiro, 2025
194 p., 14 x 21cm
CDD: B896.1 - Poesia
1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.
NOTA INTRODUCTORIA [10.100-D]
A cada novo livro, me questiono accerca do que posso compor como prefacio si, na practica, só sommo sonnettos e sonnettos collecciono.
Digamos que eu não diga que num throno sentei do sonnettismo, mas que eu domo o verso decasyllabo, pois tomo logar de quem nariz tem, sendo dono.
Em tempo de editar anthologia me vejo, quando somma meu trabalho ja quasi nove mil. Hem? Quem diria?
Tem tudo o que compuz um vario talho thematico, mas tudo, todavia, demonstra que, em chulice, eu jamais falho.
TYPHLOPHOBIA [3880]
Todo mundo da cegueira medo sente: eu tambem tinha. Si não ha quem cego queira ser, que signa foi a minha!
Minha lyra até ja beira a loucura e, emquanto allinha chulos versos, ouve e cheira uma pleiade excarninha:
Milton, Borges, Adheraldo... Um Homero, até, se evoca.
Herdei delles este saldo mais ironico e masoca.
Mas de mim quem sente medo pelo gozo o medo troca quando vê que a lingua eu cedo a seus pés, sem mais minhoca.
[PRIMEIRA PARTE]
CYCLOS DESILLUMINISTAS
CYCLO “CEGADINHA
PEGADINHA”
CEGADINHA PEGADINHA (1) [4089]
Os videos na internet estão: a malha de assumptos não se exgotta e acceita tudo, do estupro mais sangrento e cabelludo ao beijo mais do aggrado da gentalha.
Emquanto um locutor brega gargalha, as scenas se succedem: vão do mudo cinema à pegadinha... Eu não desgrudo de alguem que accesse aquillo que me calha.
-- Procure gozações ao cego! Quero saber si elles collocam scenas barra pesada ou ficam só no lero-lero... -Suggiro, e quem navega logo exbarra...
Em typicos flagrantes dum severo sadismo: é que a cegueira instiga a farra e leva ao gozo o velho mais austero, alem do joven pubere que sarra.
CEGADINHA PEGADINHA (2) [4090]
-- Achei! -- me advisam. Berros eu escuto, em meio às gargalhadas da supposta platéa. Alguem commenta: “Quem não gosta de ver humilhações vae ficar puto...”
É tudo, alli, incorrecto: o jeito bruto do povo em relação ao cego, a bosta que nelle jogam, rindo, o pé que encosta na cara delle, o chute, o chão fajuto...
Gravados no Brazil não foram taes flagrantes, mas, vivido, eu não duvido que aqui logo alguem faça uns mais brutaes. Não falta personagem divertido...
Por estas bandas, digo eu, que nas mais sarristas armações tenho cahido, servindo de motivo aos joviaes gracejos dos que curtem a libido.
CEGADINHA PEGADINHA (3) [4091]
Nem sempre interessantes, para mim, são esses videos curtos e caseiros, alguns tão innocentes que eu inteiros nem posso ouvir, embora estando a fim. Mas outros são pesados, como vim a achar tão logo em topicos certeiros foi feita a busca: alguns dos mais arteiros se passam juncto a um banco de jardim.
O parque, que é passagem roptineira de cegos, cadeirantes e quejandos, dá bella “locação” à brincadeira. Que seja de mau gosto! E dahi? Bandos...
Se formam, sempre à expreita de quem queira sahir, se expondo a abusos e desmandos, embora muitos achem, de maneira geral, que inspire um cego gestos brandos.
CEGADINHA PEGADINHA (4) [4092]
Num quadro, o cego, andando de bengala, alcança o banco e senta-se. Um rapaz se chega, à frente delle gestos faz e quasi a mão na cara lhe resvalla!
Ao ver que é mesmo um cego, o outro lhe estalla o tapa e sae correndo! O cego attraz não corre, é claro: appenas xinga e jaz inerte. O rapaz volta e ao cego falla:
“Eu vi que aquelle cara lhe batteu! Que filho duma puta, hem? Não respeita ninguem, nem quem na vida se fodeu!” O cego se constrange, mas acceita...
O pappo: {Até Sansão do philisteu levou porrada! É victima perfeita! Ainda mais um cara que nem eu, subjeito a todo typo de desfeita...}
CEGADINHA PEGADINHA (5) [4093]
Passando-se por justo, o rapaz quer saber como um invalido se sente e, credulo, o chorão deficiente lhe conta o que padesce: era choffer...
Depois dum accidente, até a mulher deixou-o, blablabla... O rapaz, contente da vida, diz ter pena, finge, mente, propõe que adjudará no que puder:
“Pois fique sossegado aqui, que eu fico attento, alli de longe e, si esse filho da puta voltar, juro, um pau lhe applico!” O cego, aggradescido, diz: {Me humilho...
Demais, moço, na rua pago um mico damnado! Deus lhe pague pelo auxilio!} Será que o mundo ainda tem um tico de amor, sem concessões ao peccadilho?
CEGADINHA PEGADINHA (6) [4094]
E affasta-se o rapaz, quando se escuta a rir quem, com a camera, até grava as lagrymas do cego. Este ja estava tranquillo, e volta o tal filho da puta!
Agora, o outro lhe cospe e, appós, lhe chuta, com botas, a cannella! O cego trava um grito na garganta e manda à fava seu sadico aggressor de alma fajuta.
De novo se approxima o mesmo algoz, fingindo perseguir alguem que corre, depois dirige ao cego a mansa voz: “Diabo! Me excappou! Por que não morre...
Um chato desses, né? Mas, ca p’ra nós, fodido é quem só tome e não desforre!” O cego, que queria estar a sós, ainda a contragosto ao tal recorre.
CEGADINHA PEGADINHA (7) [4095]
O otario, cujo rosto pelo excarro está todo mellado, puxa o lenço e limpa a bocca, os oculos. O senso de humor o outro não perde, e tira sarro:
“O chato expectorou todo o catarrho em cyma de você, né? Sabe? Eu penso que seja um psychopatha!” O cego, tenso, confessa: {É sempre nesses que eu exbarro!}
“Agora eu vou ficar mais vigilante, prometto!” E outra vez, sapha-se o rapaz, piscando para a camera possante. Sentado permanesce o cego, mas...
Receia que, de novo, alguem lhe plante um tapa, um chute, ou trame acções mais más. Será que não ha gente que, perante um cego, de bom nada mais lhe faz?
CEGADINHA PEGADINHA (8) [4096]
Sarcastico, o aggressor posa bem deante da camera, mijando num coppinho de plastico. Em seguida, de mansinho, do cego se approxima, triumphante.
De novo o seu pesado e atroz pisante accerta na cannella do ceguinho, que, abrindo a bocca, leva, em vez de vinho, urina dumas “cervas”, espumante.
De dor e nojo o cego engasga, tosse e cospe o mijo sobre a propria calça, até que o rapaz grite e a voz engrosse: “Saphado! Volte aqui!” Segue-se a falsa...
Corrida attraz de alguem... Quem quizer, troce e zombe de quem dansa sem ser valsa! O cego, sem ninguem que adjuda esboce, à sancta appella, ao alto os olhos alça.
CEGADINHA PEGADINHA (9) [4097]
Retorna o gozador, se desculpando, ainda uma vez, pelo seu fracasso: “Caralho! Aquelle chato tem o passo mais rapido e fugiu-me justo quando...”
O cego, impaciente, mas com brando discurso, se levanta e diz: {Não faço questão de passear aqui! O cansaço passou da compta! Addeus! Ja vou andando...}
“Não! Pode ficar! Sente-se aqui! Juro que, agora, tambem fico aqui sentado! Você, juncto commigo, está seguro!” O trouxa se convence e, lado a lado...
Se senta novamente. O pappo é puro deleite para um sadico folgado que, vendo outrem passar por tanto appuro, se sente, em seu tesão, gratificado.
CEGADINHA PEGADINHA (10) [4098]
“Eu tenho aqui um refri, vae lhe tirar o gosto desse liquido que o chato jogou na sua cara...” Eis que o gaiato retira e mostra o pau, que vae ao ar!
Mergulha o pau no coppo e dá a tomar aquelle guaraná ao ceguinho grato, que engole, estalla os beiços: {Eu me macto, um dia! Não supporto! É muito azar!}
Quem filma, dá risada emquanto opera a camera, a distancia. O cego, agora, acceita do rapaz o que lhe dera. Tirando a bota, o cara para fora...
Expõe sujos artelhos, o que gera mais risos de quem rir dum cego adora. Depois, quem assistir é quem libera instinctos, mas jamais por isso cora.
CEGADINHA PEGADINHA (11) [4099]
Dos dedos nos vãos passa elle o chiclette, depois no pau o exfrega, antes de dal-o ao cego, ja embrulhado, e esse regalo mascando vae o trouxa e mais promette!
“Me contam que tem gente que commette qualquer barbaridade (e até ja fallo em grossa putaria), faz de rallo humano um pobre cego, pincta o septe...”
E insiste o folgazão: “Será verdade?” Responde o cego: {Ouvi fallar, mas não passei por tanta coisa que degrade...} “E nunca chupou rolla?”, o folgazão...
Insiste. {Não! Magina! Ninguem ha de fazer isso commigo!}, acha o chorão. {Taes coisas ninguem passa por vontade!
Só mesmo si na marra virou cão...}
CEGADINHA PEGADINHA (12) [4100]
“Eu quero accompanhal-o!”, falla o joven ao cego, que no braço lhe segura, sahindo os dois de scena. Da postura do joven, que olha e pisca, os risos chovem.
Dum cego as afflicções jamais commovem ninguem: rende audiencia a sua dura roptina, mesmo quando não se appura si é farsa e taes lesões não se comprovem.
Eu, quando à rua saio, escuto o riso dos jovens si, lattindo, um cão me assusta ou, deante dum degrau, paro, indeciso. Si a camera flagrar, à minha custa...
Rirá mais gente ainda: no juizo commum, cegueira é signa, é pena justa. Sciente estou do filme e, si preciso, a scena, paciente, em sonho biso.
CYCLO “BULLYINGUEIROS DA CEGUEIRA”
Rolla peça bem pregada contra os cegos no Youtube. Para o riso, não ha nada como o tranco que os derrube.
Como o poço na calçada: que algum caia e la se entube! Como o esporte: a molecada com os cegos forma um clube!
Cada scena causa riso! Nisso penso e, em gozo, offego! Pouco importa si improviso haja, ou não, onde eu navego!
Quem assiste à pegadinha tambem falla “Ah, si eu te pego!”, ao ver como se expezinha e se zoa alguem que é cego!
Gargalhada se ouve ao fundo quando um cego pela rua, bengalando, vem: o immundo lixo fede e elle recua.
Mas no comico eu redundo quando digo que na sua cara gritam: “Vagabundo! Corre! Attraz vem a perua!”
Se ouve, então, uma buzina, que bem perto tocar veiu, e um motor, que elle imagina ser dum carro sem o freio.
Ao correr, o cego tromba, entre os trastes do passeio, na lixeira e dentro tomba desse monte podre e feio!
Noutro caso, o cego escuta, por detraz, lattindo, um cão. Em seguida, alguem lhe chuta a bengala para o chão.
Do cachorro a raiva bruta rosna perto! O cego não tem excolha: ou foge, ou lucta! Tropeçando, corre, então!
Mas, à frente, uma sargeta fede, funda! Ah, que bonita! Na corrida, que elle metta nella o pé, ninguem evita!
Ao pisar, elle excorrega! Pirueta faz na fita e mergulha! Sua cega sorte, ao povo, o riso incita!
Ja se sabe: o cego passa sempre alli, pela ladeira. Quem lhe apprompta uma trappaça quer filmar a scena inteira.
Forma a lama molle massa dum boeiro quasi à beira. Do ceguinho fazer graça nada impede que alguem queira.
Dicto e feito! Caminhando no passeio costumeiro, excorrega o cego e, quando quer appoio, acha o boeiro!
Mostra a camera, chocado e encharcado por inteiro de agua suja, esse coitado. Só não mostra o podre cheiro.
Outro quadro numa quadra esportiva tem logar: nesta, a camera, que enquadra os ceguinhos, quer zoar!
Cão nenhum, agora, ladra para susto nelles dar: basta, aqui, que a perna ladra venha a bolla lhes roubar!
Mesmo a bolla tendo guizo, como nesses jogos ha, ser roubada, sem adviso, facilmente poderá.
Os ceguinhos formam time que vez cada mais está divertido! Que se anime quem risada delles dá!
Todo o gruppo é de novato nesse jogo, mas, no meio dos ceguinhos, um gaiato ha que enxerga e zoar veiu.
A platéa quer, de facto, ver um cego fazer feio na “partida”, e os faz de gatto e sapato alli, sem freio.
Para quem enxerga, a vida é prazer e cheia está de brincadeira divertida, como sempre, nessa edade.
Muito experta, a molecada, encarnando o proprio Sade, ri: de errado não vê nada que um ceguinho se degrade.
Cada cego, alli, se sente convencido de que é tudo espectaculo innocente e “esportivo” é soffrer mudo.
Participa docilmente das jogadas, mas sortudo só tem mesmo um, que, na frente delles, entra, botinudo.
Rouba a bolla, dá rasteira, sem remorso, sem entrave, sem juiz algum que queira cohibir a falta grave.
Quando um cego cae, alguem cujo pé não é suave chega logo e pisa bem no seu rosto, si ha quem grave.
Quem gravando está maneja bem a camera e, na scena do pisão, faz com que seja lindo o close e a visão plena.
Vê-se o cego, que rasteja, contorcendo-se, na arena e a solada malfazeja duma chanca até pequena.
Vê-se o tennis do moleque pressionando rapidinho, como quem seu carro breque, sobre a bocca do ceguinho.
Este leva um tempo até, sob o tennis excarninho, perceber que nelle um pé vae brincando de carrinho.
Duma entrada traiçoeira nenhum cego, em jogo, excappa. Não ha nego que não queira dar-lhe um chute, um soco, um tapa.
Si cahiu, sente a biqueira duma perfida chulapa bem na cara, e a zombeteira vaia escuta a cada rapa.
Que não era treino e não dava premio, nem um par de tennis novo, os cegos vão percebendo, mas é tarde.
A filmagem ja rollou e uma bocca em dores arde. “Um barato” foi o show que um “careta” achou covarde.
Faz o video, assim, eschola, rindo às custas da cegueira. Pelo jeito, até com bolla rende um cego brincadeira.
Não demora e um rapazola bollará nova maneira de filmar quem pede esmolla ou, bengala à mão, se exgueira.
Ao attento cineasta que tal gozo experimente registrar, por si, não basta: é preciso ir mais à frente.
Elle, então, faz de cobaya por esporte, meramente, quem na firme mão lhe caia, sendo ou não deficiente.
CYCLO “CEGADO E CORNEADO”
VEADO CORNEADO [5734]
Pode um cego da visão ter saudade sem chorar? Pode um cego ao olho são de outro macho dar logar?
Tanto pode, que o tesão do tal “outro”, por azar, não tem só satisfacção com a dona alli “do lar”.
Conclusão: o cego é tão azarado, que chupar vae o pau do Ricardão! Mais lhe amarga o paladar...
E segunda conclusão dou a quem me consultar: será corno quem visão não tem, quando tem seu par.
EXTRACONJUGAES FUNCÇÕES ORAES [5786]
Lembrando do solteiro, o cego pensa: “Si ainda não casei, rolla eu chupei-a por cego ser; si estou casado, offensa maior será chupar quem me corneia.”
Um caso de contar me dá licença meu critico leitor? Pois uma aldeia nas selvas amazonicas dispensa preambulos: um cego massageia.
Casado, ficou cego. Seu vizinho na hora approveitou-se. Ja comida a sua mulherzinha, teve vida de escravo massagista, coitadinho.
Por certo o Ricardão foi excarninho e quiz mais que massagem. Quem duvida consulte-me e direi que, bem lambida, qualquer rolla perfaz novo caminho.
CEGO CORNO [6285]
Vantagem sei que levo, ao menos uma, casada por ser eu com um ceguinho. Não uma. Talvez duas. Lhe apporrinho, Glaucão? Então permitta que eu resuma.
Primeiro, acho perfeito que elle assuma: Jamais para a mulher dalgum vizinho olhar eu o verei. Mais excarninho será quando um amante a gente arrhuma.
Ahi vejo vantagem mais bacchana. Com outro poderei trahil-o, bem na frente delle. Basta que ninguem mais alto va gemer. Acha sacana?
Né, Glauco? Quem é cego não se enganna assim tão facilmente! Tesão tem, mas cala-se, provando ser, alem de corno, um masochista. Cê se irmana?
OTHER GUY [7027]
Mais tragica, ao ceguinho, qual inhaca?
Casar-se com esposa que, sapeca, com outro gajo, macho paca, pecca na sua frente e tudo o cego saca!
Alem de ser chamado de babaca por elle, sente cheiro da cueca do cara, até da meia! Si defeca, tambem sente fedor da sua caca!
Peor ainda! Aggrava aquella zica o cego ser chamado de boboca e, embora aquillo choque quem se choca, chupar do Ricardão a suja picca!
Qual cego assim se ferra? Dou a dica: eu mesmo! Nem você, que se colloca na pelle dum fatidico masoca, supporta, Glauco, um desses! Mas se explica!
ZIQUIZIRA [7028]
Conhesce, cara, alguma ziquizira peor que ser um corno, sendo cego? Pois esta cruz fatidica carrego! Sim, minha esposa affirma que é da lyra!
O gajo, sem reservas, chega, tira o tennis, tira a meia! Ja me pego sentindo o seu chulé! Mas não sossego! Abusa de mim, elle, sim! Confira:
Alem de fornicar, na minha cara, com ella, põe bem alto o som mais brega, me força a amar aquillo, me pespega tabefes si reclamo que me enfara!
Ainda mais, Glaucão! Elle compara um cego com um bicho! Sempre exfrega o pé na minha cara! Quem se nega a delle levar ferro mais se azara!
AMANTE CAPTIVANTE [7029]
Mais este ingrediente quero pôr no scenario que, infeliz, um cego vive. Casado ja, Glaucão, -- Verdade! -- estive e fez minha mulher de mim um corno.
Peor! Si não bastasse esse transtorno, virei do gajo um servo que, inclusive, seus pés massageava! Que declive! Um clima decadente e sem retorno!
Sim, antes de trepar com a putana com quem, desadvisado, me casei, o gajo me chamava até de gay, mandava descalçal-o! Que sacana!
Não acha, Glauco, um drama aquella insana e extranha relação? Mas me livrei! Agora da massagem sou o rei, mas só si elle me paga alguma grana!
NA MÃO DO RICARDÃO [7030]
Ser corno, sendo cego, vate, é barra! A gente se rebaixa até demais! Alheia ao nosso azar, aos nossos ais, a puta com qualquer gajo se exbarra!
Atturo um Ricardão que ja, na marra, me manda descalçar descommunaes sapatos, botas, tennis e demais calçados! Nem siquer os desammarra!
Alem de descalçal-o, Glauco, tenho que meias retirar de pés suados, grudadas e fedidas! Seus cansados pés ‘inda massageio com empenho!
Você diz que me inveja? Ah, não! Ferrenho seria ao castigal-o um desses sados! Melhor imaginar que são meus dados veridicos, gozar com seu engenho!
CYCLO “THEMAS DE TELEPHONEMAS”
THEMAS DE TELEPHONEMAS (1) [6694]
Alô? Sou eu de novo, cara! Achei gozados os seus versos! Achei lindo seu caso de cegueira! Gozei! (rindo) Suppuz na sua bocca que gozei!
Ouvi fallar dum cego ou outro, gay ou não, que ja chupou! Me divertindo estou, de imaginar! Até ja brindo ao olho são que tenho! O que é, ja sei!
É muita sorte minha, cara! Agora toquei-me! Que prazer, enxergar bem!
É quasi que tesão! Só falta alguem mammar para a delicia ser da hora!
Ahi, pensei: um cego, que ja chora a perda da visão, por que não vem chupar-me? (rindo) Olé! Lhe digo, sem reserva alguma: a rolla puz p’ra fora!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (2) [6698]
Alô? Glauco Mattoso? Seu fan sou e tenho um chulé forte! Sim, frieira tambem, poeta! Caso você queira saber, tenho pé chato, sim! Gostou?
Galan não sou, nem muito fortão, ou padrão de quem practica capoeira, ou artes marciaes! Mas na colleira eu levo o labrador e voltas dou!
Sim, uso tennis, Glauco! O calcanhar cascudo duma lingua, até, precisa!
A pelle do caralho, sim, deslisa, mas juncta bom sebinho! Quer chupar?
Pergunto porque quero confirmar si é sua fama a mesma da pesquisa! Mas, como sei ser sadico, ja fiz a opção de me negar a ser seu par!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (3) [6703]
Me lembro claramente quando, um dia, me liga aquelle skin que, numa banda, é lider do vocal e que commanda a scena na zonal peripheria.
Sabendo quem sou, elle tripudia: “Ahi, como se sente? Ja bem anda na rua de bengala? Propaganda do braille vae fazer? Ja tem um guia?”
Fui franco: {Não me sinto conformado, mas posso confessar que só me vejo chupando quem vê bem e tem ensejo de bem curtir a vida! Me degrado!}
{Foi isso que escutar quiz?} O folgado responde: “Foi. Dum cego é o que desejo ouvir, sim!” Sempre rindo, o skin, sem pejo, offega. Até paresce ter gozado.
THEMAS DE TELEPHONEMAS (4) [6714]
Alô? Glauco Mattoso? Sou o Freitas! Me explica si é verdade, si é fofoca: Alem de seres cego, és tu masoca? Que quer isso dizer? Soffrer acceitas?
És membro, por acaso, dessas seitas satanicas? Quem Lucifer invoca ser cego necessita? Numa toca precisa se enfurnar? Tu te subjeitas?
Faz parte, então, da tua condição ouvir, por telephone, essas offensas que nós, normaes, fazemos? Que tu pensas? Sabias que me deste bom tesão?
Me deste, sim! Pensei: minha visão é boa, Glauco! Quantas differenças separam-me de ti! Nas trevas densas tu vives! Vejo cores, mas tu, não!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (5) [6716]
Alô! Quem tá fallando? Cê que é cego? Não tem vergonha, porra? Cê devia pedir esmolla alli no largo! Um dia ainda alli “te” vejo, alli “te” pego!
Perdeu a visão? Sabe que esse prego faz parte duma cruz que merescia? Bem feito! Quem mandou pornographia fazer? Acho bem feito, sim, não nego!
E sabe duma coisa? Acho que todo pornographo devia ser cegado!
Devia, porra! Para meu aggrado, cê deve escutar sarro, porra, a rodo!
E sabe doutra coisa? Não me fodo assim porque só fodo como sado! Não faço poesia! Cê ferrado está por causa disso, desse engodo!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (6) [6718]
Alô, Mattoso! Ocê que é cego otario?
Seu trouxa! Si cê visse minha cara de filho do Diabo, sua tara por pés punha de lado um tão precario!
Sou feio mais que a peste! Não é pareo p’ra mim uma caveira! Se compara meu rosto ao dum cadaver que excancara as orbitas, o riso, o vão dentario!
No pé tenho um cascão que se diria com cara mais de lixa que de sola!
Ainda assim você disse que exfolla a lingua nella, lambe e ‘inda ammacia?
Ah, tem que se foder, mesmo! Quem ia ter pena dum cegueta que se isola e fica a punhetar-se? Nem dou bolla à sua fracassada phantasia!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (7) [6720]
Alô? Reconhesceu a minha voz? Eu mesmo! Se lembrou? Sou o Gonçalo! Você ja foi (Se lembra?) meu vassallo! Ja fui (Está lembrado?) o seu algoz!
Lembrou-se ja de tudo que entre nós rollou? Ah, vou querer expiccaçal-o, agora que está cego! Não me rallo, não, nesse puta azar seu, tão atroz!
Fiquei um tanto myope, ja preciso usar oculos! Nunca, porem, vou ficar como você! Contente estou sabendo que perdeu o seu sorriso!
Meu pé tem calcanhar ainda liso, sabia? A sua lingua ja ficou babando? Se fodeu! Sim! Se frustrou! De novo, Glauco, o rosto não lhe piso!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (8) [6723]
Alô? Quem falla? Glauco? Ora, você está vivo? Pensei que ja tivesse morrido, porra! A gente até se exquesce dum cego nesse enorme fuzuê!
Em plena pandemia ha quem lhe dê a minima attenção? Nem sua prece meresce ser ouvida, si eu pudesse dar minha suggestão a Deus com “G”!
Um cego deschartavel seja, amigo! Ainda mais agora, que essa peste até p’ra americanos, que teem teste, remedios e vaccinas, é castigo!
Me expanta que ‘inda agora cê commigo esteja conversando, que ‘inda eu preste alguma attenção nisso que reveste de gozo o que traz tragico perigo!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (9) [6725]
Alô? Você que é cego? Não, não vou fallar quem sou! Ahi, que tal, velhinho? Quem sabe? Ser eu posso seu vizinho de rua, de edificio... Se tocou?
Zoei você na rua! Sempre zoo um cego quando passa! Ja adivinho o que elle sente: raiva! Sou damninho, não sou? Caçoo mesmo! Não perdoo!
Ahi, cê ja levou tapa na cara? Eu tenho uma vontade, você nem calcula, de lascar um tapão bem na fuça dum cegueta que me encara!
Velhinho, ver um cego olhando para mim como si me visse... Ja me vem vontade de batter! Mas eu, porem, nem batto si consente em chupar vara!
THEMAS DE TELEPHONEMAS (10) [6727]
Alô? Mattoso? Quanto tempo, cara! Você vae se lembrar! Sou o Siqueira! Lembrou? Talvez fallar você não queira daquillo que fizera! Cê chupara!
Você satisfizera a minha tara chupando direitinho, da maneira que curto! Chupará, ja na cegueira, talvez ‘inda melhor, nem se compara!
Fiquei sabendo, Glauco (e prova viva você se torna disso), que quem fica nas trevas melhor chupa alguma picca! E então? A sua bocca ja saliva?
Que pena! A quarentena até lhe priva de toda visitinha? Mas que zica! Daquella scena sadica, tão rica de engasgos, de engulhões, você se exquiva?
CYCLO “FURIA CEGA”
FURIA CEGA (1) [6702]
Eu vou abrir o jogo, Glauco! Vão tomar no cu! Fizeram filme para mostrar que um heroe cego se compara a um outro qualquer! Não, commigo não!
O cego usa a bengala qual bastão, accerta a bordoada bem na cara daquelles que curtiam uma tara propicia dum cegueta à zoação!
Si eu fosse director daquella droga, fazia a turma toda revidar a audacia do cegueta! Ahi, azar do gajo, que perdão ja pede e roga!
A turma, ahi, mantem bem firme em voga a lei de quem mais pode! Irá beijar, lamber uns tennis, antes de esticar cannellas, esse cego que se arroga!
FURIA CEGA (2) [6704]
Um superheroe cego, cuja dura bengala virou arma, compra briga com toda gallerinha que, inimiga da lei, nenhuma bronca mais segura.
Cercado pela gang, o cego jura a todos enquadrar! Antes que diga bravatas outras, seu bastão castiga cabeças, braços, varios olhos fura!
Até que, num certeiro golpe, eu tiro a vara do cegueta, a qual jogada foi longe! Seus “poderes” ja de nada lhe servem! Sua cara, agora, miro!
Exmurro o cego! Um outro mano um tiro dispara nelle! Emfim, a molecada lhe chuta, pisoteia a cara! Cada um mija nelle! E então, Glaucão? Me inspiro?
FURIA CEGA (3) [6711]
Um primo meu commigo sempre via o filme FURIA CEGA, mas a gente torcia para aquelles que, na frente do cego, o bullyingavam todo dia!
Achavamos que um cego jamais ia ter forças para agir, ser tão valente assim, poder vingar-se! Mais contente a gente ficaria si elle enfia!
Devia, sim, Glaucão, sua bengala mettida no cuzão ser! Mas, primeiro, o cego chuparia, chupeteiro seria dos moleques, esse mala!
Quem é que tal heroe, que não se eguala aos normovisuaes, como parceiro encara? Não! Jamais um justiceiro engulo si for cego! Serio falla!
FURIA CEGA (4) [6713]
Tambem conhesci, Glauco, um cego tão briguento, que exigia seu direito! Mas elle se fodeu, e foi bem feito! Levou, sim, de nós quattro, uma licção!
Tomamos-lhe a bengala, que ja não foi arma na mão delle! Então, proveito tiramos de seu tragico defeito nos olhos, que o privara da visão!
Na cara appanhou muito! Muito murro e tapa, na bochecha, no nariz, até que obedesceu, esse infeliz, e emfim se adjoelhou! Penou p’ra burro!
Com gosto, Glauco, um trouxa assim eu curro! Sim, teve que chupar! Claro que fiz! Bem feito! O desgraçado ja não diz que enfrenta a gente! Emfim, ficou casmurro!
FURIA CEGA (5) [6717]
Paresce que esse cego, Glauco, tinha coragem de empregar sua bengala, alem de caminhar, para accertal-a naquelle que gozando delle vinha!
Ainda que estivesse na turminha, na certa appanharia aquelle mala: zombava de que um cego não se eguala ao normovisual! Fervia a rinha!
A turma não deixou, porem, barato! Cercaram o ceguinho, que perdeu a magica bengala! Philisteu se torna cada mano, lhe relato!
Então, Glaucão, curti muito, de facto! Fizemos o ceguinho, no seu breu, sentir-se inferior! Claro que elle deu chupada, que engoliu dum pau o jacto!
FURIA CEGA (6) [6722]
Às voltas com a vara, a caminhar, o cego topa alguns amigos meus commigo, que não somos bons plebeus. Ficou sem a bengala. Deu azar.
Sabendo que ia, às cegas, appanhar, com medo, qual Sansão, dos philisteus, o cego pediu “pelo amor de Deus”. Dissemos então: “Pede p’ra chupar!”
Ouvindo gargalhadas, adjoelha, sem outra alternativa. A gente enfia a rolla numa bocca fugidia que irá degustar carne bem pentelha:
Sabor que, entende o cego, se assemelha àquelle da linguiça ainda fria. A porra que engoliu paresceria, talvez, algo contrario ao mel de abelha.
FURIA CEGA (7) [6724]
Nem sempre fora assim. O cego ja da gente conseguiu se defender. Aquella vara tinha algum poder de quem mil golpes certos sempre dá.
Mas, desta vez, não dera. Sua má bengala foi, ao longe, se perder depois de ser chutada. Deu prazer a forra que tivemos. Ouça ca:
Tentou as mãos usar. Um ponctapé prostrou-o, sem defesa, na calçada. Ouvindo nossa alegre gargalhada, o gajo supplicou por sua fé.
Mas nossa fé satanica não é capaz de dó sentir. Uma chupada deu elle em cada rolla. De pancada por pouco não morreu esse mané.
FURIA CEGA (8) [6726]
Bem, tudo começou quando o ceguinho, ainda adolescente, esteve exposto ao sarro dum collega que, com gosto, zombava dum glaucoma tão damninho.
O cego reagia, coitadinho, appenas com palavras, mas no rosto, então, era cuspido. Predisposto estava para a forra, ja adivinho.
Um dia, percebeu elle que tinha na mão uma arma forte e resistente: a propria bengalinha! Ja valente ficou e confrontou toda a turminha!
Nos ares, bastão ia, bastão vinha, brandido pelo heroe! Quem passa rente a alguem que, confiante, enfrenta a gente sem medo de qualquer gangue excarninha?
FURIA CEGA (9) [6728]
Aos poucos, um cegueta assume e entende o jogo que, cruel, na mente rolla de todo felizardo rapazola que enxerga normalmente e não depende.
Um joven, caso os proprios olhos vende suppõe-se no logar de quem, na eschola, requer uns privilegios. Ah, não colla alguem que às evidencias não se rende!
Os cegos inferiores são! Ahi, o normovisual impõe a sua vantagem, como sadico ja actua, querendo dar licção nesse cricri!
O cego, si reage, delle ri a turma. Si, cercado, não recua e quer se defender, em plena rua appanha, chupa paus, bebe chichi!
FURIA CEGA (10) [6730]
Você nunca sonhou, Glauco, com isso? Que sua bengalinha fosse tão incrivelmente magica, que não deixasse um cego fragil nem submisso? Hem, Glauco? Ja pensou que bom serviço tal vara prestaria? Ah, que bastão possante e vingativo! Um valentão fugia de encarar tal compromisso!
Jamais sonhou, Glaucão? Ora, por que? Concorda com o sarro que a gallera tirava de você? Tambem, pudera! Só sendo um masochista! Só você!
Então eu nem me expanto caso dê a turma aquella curra, ja que fera um cego ser evita! Só chimera, assim, foi o tal filme da TV!
CYCLO “GUIA QUE JUDIA”
MEMORIAS DA PRISÃO [7002]
Meu guia me fallou: {O senhor ja pensou na quantidade de cocô que ja cagou na vida, seu “dotô”?} De facto, não suppuz. Alguem dirá?
Emquanto me conduz, o guia dá idéas que irei, dentro dum pornô sonnetto, destrinchar. Siquer Rimbaud no thema nem pensou, patente está.
Idéas associo, bem se vê. Depois de tanta merda ja cagada, pensei: gentalha somos, azarada à bessa! Que, leitor, acha você?
Cagar tanto cocô sem que nos dê a tripa liberdade... Não ha nada peor! Prisão de ventre, camarada, ninguem meresce, excepto os do “pudê”!
ESTADO DE ATTENÇÃO [7003]
Na pedra tropecei. Disse meu guia: {Tão cedo, seu “dotô”, ja tropeçando?} De facto, o dia achei que bem nefando começa si ruim esteja a via.
E, para completar o feio dia, na volta cahiu chuva. Justo quando em casa, finalmente, vou chegando, na poça passo. Um pé n’agua se enfia.
O guia deu risada. Sempre ria da minha desdictosa situação.
Eu antes me importava. Agora, não. Punhetas ja batti, na theoria.
Suppuz que elle deleites curtiria podendo me zoar. Occasião não falta. Testarei o seu tesão, assim que tiver chance, sem phobia.
WALKING THE DOG [7004]
A um guia meu propuz esta questão: si cegos conduzir é trabalheira. {Levar o meu cachorro na colleira dá bem menos trabalho! Né, patrão?}
Deu deixa, comparando o cego ao cão, que muito me rendeu. Esta cegueira pretexto deu a chistes, pois quem queira curtir entenderá tal gozação:
-- Cachorro obediente, você tem? {Ja tive. Mas nem sempre era mansinho.}
-- Um cego talvez seja... No caminho reclamo muito, ou deixo você zen?
{Patrão, si depender for só de quem enxerga, nenhum cego faz biquinho!} -- O cego obedescia direitinho? {Na marra! Ah, dó não tenho de ninguem!}
SENHA TROCADA [7005]
Andei dum molecão na companhia, à guisa de meu guia. Algum ganhava, mas menos do que espera quem ja trava battalhas, se mantendo todo dia.
O gajo me conduz e, pela via, eu vou phantasiando ser escrava a minha bocca delle, que não lava artelhos nem pentelhos. Phantasia?
Talvez nem phantasia aquillo seja, pois elle ja deu dica de que tem tesão quando faz chistes com alguem que, embora seu patrão, ja nada veja.
Sondando, perguntei: Si, de bandeja, um cego obedescer ao que lhe vem à mente, que fará com o refem? Resposta: {Ah, nos meus pés elle rasteja!}
MOTTE DO MOLECOTE [7006]
Commum é, nessas feiras do Nordeste, um cego caçoado pelo guia. Amigos de la dizem que daria bom motte, esse mordaz cabra da peste.
Concordo plenamente! Que não reste qualquer duvida accerca da magia que induz a minha lyra à phantasia de cego masochista que me veste!
Ja tive, sim, um guia nordestino. Fazia gozação, claro, commigo. Um dia perguntei si de castigo me punha, si pudesse, esse menino.
Resposta: {Ah, “dotô”, ponho, sim! Ensigno a ser menos queixoso! Si consigo mandar, mando fazer tudo o que digo, até beber aquillo que eu urino!}
TROCA DE FARPAS [7007]
O guia, de proposito, me empurra num muro, numa cerca, numa grade, de modo que eu me ralle e desaggrade.
Só falta gritar {Oba! Legal! Hurra!}
Um gajo mais fortão, valente, exmurra alguem, si fizer isso. Na verdade, nós, cegos, somos fraccos. Qualquer Sade, brincando, nos opprime e nos dá curra.
Desleixa quem me leva, si me queixo demais, ao caminharmos na calçada.
Até que engulo quieto, pois culpada é minha rabugice, do desleixo.
Em troca, que elle falle grosso deixo: {Os cegos meresciam é porrada! Só servem de capachos e mais nada! Deviam é chupar!} Me cae o queixo!
COLHENDO MADURO [7008]
Um dia, commentei com o meu guia que cegos indianos chupam picca nas castas inferiores, o que indica haver, para até cegos, serventia.
O gajo deu risada, pois sabia das minhas intenções. Mas quem não fica curioso por detalhes dessa rica cultura, de exemplar sabedoria?
Detalhes dei. O guia pediu mais. Ficou, provavelmente, de pau duro.
Previ que commentasse: {Bem escuro, o mundo delles... Sorte dos normaes!}
{Bem chupam esses cegos? Eu jamais irei saber. Aqui, porem, atturo alguns que, si chupassem, mais futuro teriam!} Engoli meus proprios ais.
OLHO CLINICO (2) [7009]
Dos cegos massagistas indiquei a clinica ao meu guia, que foi la curtir uma nas solas. Eis que está a fim de me contar o que ja sei:
{Gostei de ver! O cego, sem ser gay, o tennis me descalça, a meia, ja vae dando uma de gueixa, de babá, fazendo coceguinha... Ah, cara, amei!}
{Si todos os ceguinhos, doutor, gente assim fosse, eu diria que até tem alguma serventia quem tá sem visão... Não o doutor, naturalmente!}
Se explica mal, me exempta, mas não mente. Suggere que prazer terá, por bem poder enxergar, caso seu refem eu seja. Algo percebo que me tempte.
DE QUEDA, COICE (2) [7010]
Não acha (perguntei ao guia) azar demais, para alguem cego, ver só breu e ainda divertir quem não perdeu seus olhos? E você? Curte zoar?
O guia, que bem sabe trabalhar commigo, respondeu: {Doutor, sou eu suspeito p’ra fallar, mas philisteu é quem não estiver no seu logar!}
Sim, elle está sciente da cegueira soffrida por Sansão, da qual lhe fallo. Alem eu fui: contei que chupou phallo, depois de cego, duma gangue inteira.
{Sei disso. (confirmou) E quem não queira chupar, leva porrada! Não, forçal-o não posso... Né, doutor? Mas de vassallo um cego ja fiz, nessa brincadeira!}
ALEM
SUBTIL PERFIL [7011]
Quem fica cego fica dependente dum guia, pois lhe falta a autonomia que um cego de nascença tem na via, usando uma bengala condizente.
Bengala tambem uso. Ninguem tente, porem, me convencer de que seria bastante essa vareta que se enfia em cada buraquinho pela frente!
Dependo, sim, do guia. Algum ja foi gentil e respeitoso, mas tambem um outro me fazia de refem do sarro. Não darei o nome ao boi.
Até que curto, caso um delles zoe, mas finjo que me offendo quando alguem piada faz de cegos. Foi alem aquelle que não pede que eu perdoe.
TARA NA CARA [7012]
É symbolo o cegueta da chupeta, segundo um dos meus guias, a quem fiz perguntas que não eram tão subtis. Aqui vae a conversa. Não é peta!
-- Então é natural que um cego metta na bocca paus de gente mais feliz?
{Mas claro! Não será pelo nariz que irá chupar gostoso uma caceta!}
-- Sarrista, você! Então bocca de cego ja jeito leva para tal funcção?
{Ah, leva! Se percebe como são os beiços pensos! Jeito tem, não nego!}
-- Será que em minha cara ja carrego a marca dessa triste condição?
{Carrega, sim, doutor! Arre, eu só não lhe metto pois, depois, cadeia pego!}
PALAVRA DESEJADA [7013]
O mesmo guia (aquelle que estivera na clinica dos cegos) me conduz na rua. Ando tão tropego, que induz meu passo o riso franco da gallera.
Meu guia ri tambem, como se espera. Confuso, o pé lhe piso. O gajo jus fará, sim, ao sadismo dos mais crus e toscos practicantes. Mas coopera:
{Pisou no meu pé -- Né, Glauco? -- outra vez!} -- Foi sem querer... Pisei, então, em cheio?
{Dóe paca, sim! Massagem cê ja fez, num pé, não é? No seu ou num alheio?}
-- No seu posso fazer... Quer ser freguez? {Mas tenho chulé paca! Tem receio?} -- Magina! Como os cegos, massageio sem choro! Somos servos de vocês!
LUVA DE PELLICA [7014]
Emquanto o massageio, o guia (agora ja tenho um novo) mexe o pé cansado, depois da caminhada. Foi pisado por mim e vê que chega a sua hora. No pappo, elle se vinga, commemora ter boa visão. Falla com enfado: {Vocês, cegos, ao menos esse lado teem, Glauco. Por que tanto você chora?}
{Mal sabe andar na rua, só me pisa no pé, mas me compensa com seu tacto... Assim... Isso... Pô, tenho o pé bem chato! Não tenho? Uma massagem suaviza!}
{Você reclama muito! Não precisa fallar mal da cegueira! Não lhe batto na cara, ao dizer isso, mas é facto que enxergo bem... Ah, Glauco, que mão lisa!}
TRABALHADOR INFORMAL [7015]
O gajo que me guia sarro tira da minha cara. Goza si eu exbarro no poste, na parede, si no barro affundo o pé. Diverte-se, delira!
Sim, posso demittil-o, mas a lyra me pede que tolere. Si do sarro reclamo, me responde como narro nos proximos quartettos. Sim, confira:
{Sem essa, Glauco! Ouvi fallar que todo ceguinho chupa rolla! Para mim, teem mais é que chupar! Achou ruim? Eu tenho visão boa, não me fodo!}
{Um cego se doer é grande engodo! Quem chupa rolla achar irá que vim só para trabalhar, Glauco? Pois sim! Tambem quero curtir, à bessa, a rodo!}
PERCALÇOS DA CALÇADA [7016]
Na rua ninguem anda sempre em paz. No vomito do bebado ou na bosta dos cães: de pisar nisso, quem que gosta? Meu guia com que eu pise, rindo, faz!
Faz isso de proposito, o rapaz!
Que eu fique sem chiar o cara apposta?
Magina! Mas, si eu chio, uma resposta tem prompta. Si for boa, tu dirás!
{Queria que eu pisasse tambem, ora? Si entrasse em sua casa de sapato tão sujo, quem pagava, appós, o pato?
Melhor pisar você! Cego não chora!}
{Pisasse eu, lhe diria: Não adora baixeza? Agora abbaixe! Vae, a jacto, lamber na sola a bosta, seu ingrato!}
Lembrar disso me inspira a lyra, agora.
MALFAZEJO GRACEJO [7017]
Na rua, com meu guia, às vezes cruzo com outro cego. Occorre que sozinho vae elle, bengalando. Seu caminho é muito mais difficil, eu deduzo.
Meu guia até commenta: {Algum abuso se presta a supportar!} Um excarninho ja grita “Chupa, cego!”. Ouço o damninho gracejo, mas o golpe não accuso.
Si peço um commentario de lambuja ao guia, que por menos nada deixa, diz este: {Quando um cego mais se queixa da sorte, nem tem chance de que fuja!}
{Sem chance! Esse coitado rolla suja na certa ja chupou! Quem não desleixa assim é você, Glauco!} Boa deixa peguei. Qual carapuça a sobrepuja?
RECURSOS HUMANOS [7018]
Um velho tem, em casa, cuidador. Um cego, pela rua, tem seu guia. Nem sempre são pessoas que eu diria bastante preparadas no sector.
Si guia bem treinado o cego for querer, vae pagar caro. Quem confia nos typos informaes dá serventia a muito molecote. Eu quiz me expor.
Sim, varios contractei que, sem pudor, curtiam meu constante desnorteio e riam quando choques eu, em cheio, soffria no trajecto. Que suppor?
Supponho que ninguem é malfeitor à toa. São mais sadicos, eu creio por causa do que grita, no passeio, um povo -- “Chupa, cego!” -- gozador.
DISCURSOS DESHUMANOS [7019]
Um desses jovens guias me dizia: {Apposto que o senhor vae se ferrar! Não faltam é barreiras no logar por onde nós passamos todo dia!}
{Eu digo porque vejo! O senhor ia batter sua cabeça, devagar, no galho, mas bastou eu lhe advisar e, rapido, batteu! Quem não riria?}
{Não posso fazer nada quando o cego decide se foder, mesmo, por si!
Reclama quando a gente disso ri? Então por que pisou, hontem, no prego?}
{Risada dou, gostosa, sim, não nego! Mas coisa bem peor ja fiz! Chichi na bocca, por exemplo! Sim, curti por elle de masoca ter um ego!}
EXCEPÇÕES DE PRAXE [7020]
Ja tive, tambem, guias que cuidado commigo demonstravam na calçada, livrando minha cara abbobalhada dum choque desastroso ou desastrado.
Ainda assim, colloco como dado curioso o que um fallou, mais camarada: {Coitado do senhor! Pô, não ha nada que possa reverter olho cegado?}
{Nem posso me ver cego! Não consigo siquer imaginar uma desgraça tamanha! Não aguento que se faça piada, não, com isso, meu amigo!}
{Andando, o senhor corre esse perigo na rua, ja que, emquanto o senhor passa, a turma dá risada! Até, devassa, lhe grita “Chupa!” a turma! Ah, quasi eu brigo!}
CYCLO “O CEGO E OS CAPITÃES”
O CEGO E OS CAPITÃES (1) [7221]
Está LOS OLVIDADOS numa minha banal filmographia da cegueira, pois acho natural que a gangue queira visar um pobre cego, que expezinha.
Tocar seu instrumento o cego vinha na praça. A molecada brincadeira fazia, perturbando a violeira performance, de resto bem fraquinha.
O cego reagia: de bengala em punho, golpeava às tontas, mas a gangue era peor que Satanaz. Difficil com taes golpes affastal-a.
Aquillo promettia. Si filmal-a eu fosse, esses pivetes de tão más tendencias pisariam, como faz commigo, bem no rosto, um Pedro Balla.
O CEGO E OS CAPITÃES (2) [7223]
Emquanto o cego pega na viola e canta, alli na praça, ja seu pote de esmollas vae se enchendo. Um molecote se chega por traz delle e rouba a esmolla.
O cego percebeu. O rapazola, porem, faz que foi outro quem o bote deu. Falla: “Ahi, ceguinho! Ocê que enxote melhor a molecada, quando colla!”
{Não posso fazer nada!}, diz, tentando render-se na moral. {Elles que estão por cyma, aqui por toda a região! Que faço, si estão elles no commando?}
“Tem mesmo que engolir! Aquelle bando é barra pesadissima!” Ja vão os outros rodeando o cego. Não se accanham, gargalhadas ja vão dando.
O CEGO E OS CAPITÃES (3) [7224]
Cercado de moleques, elle implora: {Dó tenham do ceguinho! Dependente sou desse dinheirinho!} O delinquente mais velho delles diz: “Cego não chora!”
“Quem manda somos nós! A grana agora é nossa! Fica tudo para a gente! Você que esmolle, toque, cante, tente junctar! No fim do dia, a gente explora!”
{Mas como vou viver? Ja fome passo!} “Lhe damos nosso resto! Ocê se vira! Apprenda a curtir sua ziquizira!” A turma se diverte em riso lasso.
E, para confirmar o seu devasso intento, o lider para fora tira a rolla, mija nelle, que sentira, ja, cheiro dessa urina a cada passo.
O CEGO E OS CAPITÃES (4) [7226]
Depois disso, o ceguinho se submette àquillo que será sua roptina: cantar, pedir esmollas, da matina à tarde, e dar a grana a algum pivete.
Aos poucos, ja não ha pudor que vete as taras dos moleques: imagina um delles do refem fazer latrina; um outro o quer pagando bom boquette.
O quarto do coitado, no porão da casa de repouso, poncto vira da rude molecada. Minha lyra não basta para achar a descripção.
Do cego todos zoam, todos são algozes juvenis: um delles tira o tennis e, na sola que transspira, a lingua dum escravo tem funcção.
O CEGO E OS CAPITÃES (5) [7227]
O lider dos pivetes tem estylo bem proprio de foder uma garganta: do cego a nucha appoia (Virgem Sancta!) na beira do colchão, para punil-o.
Vae fundo penetrando, sem vacillo, até que o pobre engasgue e, ja de tanta delicia, goza a jacto. Se levanta, feliz, da posição de crocodillo.
O cego, que irrumado foi sem dó, sem follego se deixa alli ficar, até que outro moleque queira dar tambem sua bimbada no bocó.
Aos jovens, os orgasmos são o “mó barato”, mas ao cego tal azar confirma algum boato mais vulgar accerca do que rolla num mocó.
O CEGO E OS CAPITÃES (6) [7229]
Alguem, por fim, tem pena do ceguinho ao ver que elle, doente, ja definha emquanto pede esmolla. A ladainha que canta desaffina como o pinho.
Formar de voluntarios um gruppinho foi facil: quando querem, depressinha se forma. Aquella gente que se appinha expulsa a molecada de seu ninho.
Resgatam o ceguinho, ao hospital o levam. Sobrevive, emfim, o gajo. Depois de renovado o seu andrajo, um numero fará, mais musical.
Si fosse menestrel, a mim egual, em versos contaria, como eu ajo, aquillo que soffreu. Mas eu me engajo, por elle, num papel tão principal.
CYCLO “COROA DO CARALHO” (1/15)
(1)
“OU SEJA, CHUPAR ROLLA SUJA, PÔ!”
Assim foi concluida a prelecção que cegos escutaram, ja que estão reclusos num asylo. Meu avô/
/contava, ja, a respeito. Nem retrô precisa ser alguem para noção ter desse atroz castigo. Sem visão quem fica, alli, só falla “Sim sinhô!”
Doou, ja, sua cornea, antes de estar às ordens do marrento carcereiro, appós uma sentença que, exemplar,/
/puniu qualquer delicto. O prisioneiro terá, nesse local, que “se educar” e então se converter num chupeteiro.
(2)
“E então me converti num chupeteiro, HAVENDO QUEM INCLUA ATÉ CHICHI em vez do coppo d’agua que bebi”, me conta quem sahiu ainda inteiro/
/daquelle vil presidio. O que primeiro ouvi foi o relato do gury que, preso com pivetes, {Deu p’ra ti!} ouviu dum delegado justiceiro/
/e, sendo condemnado, mesmo sem as provas mais banaes, foi enviado de Porto Alegre para bem alem/
/da serra nordestina, appós ter dado, na marra, as suas corneas para alguem que dellas precisasse noutro Estado.
Que dellas precisasse, noutro Estado, alguem, eu não duvido. Porem, pô, LAMBER ALGO PEOR DO QUE COCÔ é coisa que não calha a algum coitado/ /que, só por ter assim sido cegado, meresça punição assaz pornô! “Eu hoje estou senil, borocochô”, relata aquelle cego. “Me degrado/ /ha muito tempo, Glauco! Desde quando alli cheguei, eu tinha apprendizado de escravo! Obedesci cada commando/
/que davam, {engraxei} cada calçado, sapato velho, bute detonado, e com a propria lingua fui lustrando!”
“E com a propria lingua fui lustrando botinas poeirentas... Para ti só digo que sabor não senti brando!
ACÇÃO, QUE EM MINHA BOCCA JA VIVI,/
/nem sei qual foi peor! De todo um bando callista fui, de lingua até servi só para calcanhares ir lixando, pois isso foi roptina por alli!
Fallou meu instructor: {Eu acconselho usar, lambendo o vão de cada artelho, saliva a valer, baba à bessa, sô!}
Frieiras, que tractei eu desse jeito, serviço foi, talvez quasi perfeito, nos pés dum molecão ou dum vovô!”
Nos pés dum molecão ou dum vovô a bocca do ceguinho só se fode. Sei disso, pois servi do gigolô ao mero michê. Muito mais não pode/
/RESTAR. IRÁ APPRENDER A MAIS PORNÔ das artes esse interno. Como um bode fodeu cada marmanjo. Foi robô o cego, foi cobaya no pagode.
Primeiro, recebeu irrumação, só para accostumar-se. Depois, não mais teve que engasgar-se na chupeta.
Aos poucos, engoliu cada piroca com jeito de quem sabe dar, em troca da foda, bom prazer a quem lhe metta.
Da foda, bom prazer a quem lhe metta na bocca algum cegueta dá. Chichi até que bebe, caso se submetta com todo o seu empenho. Ja bebi/
/chichi tambem, depois duma chupeta. Por isso não direi que seja peta, AOS CEGOS, SI INTERNADOS, POR AQUI aquillo que veado ou travesti/
/costuma performar quando bem pago ou quando for masoca. “Glaucão, trago lembranças asquerosas do que bebo/
/nos tempos de internato”, diz o cego. “Comtudo, o peor trauma que carrego é nojo sentir quando trago um sebo!”
“É nojo sentir, quando trago um sebo, meu maximo desgosto, pois não ha sabor mais asqueroso! Nauseas dá, Glaucão, seja dum velho ou dum mancebo!
Um penis com prepucio? Não concebo tal falta de hygiene, camará! COM MUITOS, NO BRAZIL, PARESCERÁ quem sujo fica assim, é o que percebo!”
O cego se resente do cecê, do odor dum podre escroto, do chulé, mas tem de cumprir ordens de quem vê.
Talvez aguente firme quem tem fé. Você supportará, leitor? Você concorda que um cegueta animal é?
Concorda que um cegueta animal é um normovisual, si for cruel. Alguns até se fazem de miguel e fingem sentir pena do mané.
Mas cegos são escoria, praga, até, na mente do povão. Trampam, ao bel prazer de quem os treina, num bordel.
O CASO QUE CONTEI, DIZ A RALÉ/
/que risos, só, provoca, pois bandido meresce ser cegado, mesmo. Não se chocam os leitores? Nem duvido.
No codigo penal do cidadão commum, é toleravel si eu aggrido alguem que levou pecha de ladrão.
Alguem que leva a pecha de ladrão, não sendo nem politico nem rico, é como o cidadão que identifico no caso do cegueta aqui em questão.
Foi elle em canna, como todos vão, si forem usuarios, quer do picco, do pó, quer dalgum fumo. Verifico ser esse gajo o nosso cidadão.
Gaucho, foi levado para alem DAS BANDAS DO SERTÃO DE CANINDÉ aonde vae parar quem ninguem tem.
Mas antes, o menino, um Ninguem Zé, doou, na marra, as corneas. Zé Ninguem, agora Zé Cegueta virou, né?
(10)
“Agora Zé Cegueta virei, né, Glaucão? Passei dez annos nesse... lar, treinado fui de forma a bem usar a bocca para, alem de chupar pé/
/com callos e frieiras, ser até um typico peão de lupanar.
Depois de mais um tempo no logar, emfim fui liberado. Um lheguelhé/
/na rua me tornei, feito um mendigo. ACCONTESCEU BASTANTE, PARA LA dos tempos. Me lembrar ja nem consigo.
Esmollas eu pedia, mas não ha marmanjos que não ponham de castigo alguem que sem visão p’ra sempre está.”
(11)
Alguem que, sem visão, ao léu está é pratto cheio para a zombaria daquelles que enxergar a luz do dia bem podem. O coitado chorará.
Lhe passam a rasteira: KKK, diria pelas redes quem judia de gente inerme. Em clima de euphoria, lhe pisa alguem na cara. Assim dirá:
{Agora, rastejando, venha ca! Agora, adjoelhado, de Satan
OU DA RELIGIÃO CHRISTAN, MAS JA/
/sabendo ser a sua reza van, você por piedade implorará!
Riremos nós, que temos vista san!}
(12)
{Riremos nós, pois temos vista san e vamos divertir o nosso olhar mandando que você va nos chupar gostoso! Vae chupar ou não? Hem? Ham?}
O cego, sem saber quem é galan nem quem tem cara feia, gargalhar os ouve. Qual é sabe seu logar: aos pés de quem de Sade sempre é fan.
Ordenam-lhe que chupe. Elle capricha, com medo de levar um ponctapé. Aberta a bocca, a lingua ja se espicha.
RACCONTO DE EXEMPLAR NOÇÃO DA FÉ satanica, daquelle que ja bicha virou, será tal thema meu filé.
(13)
Virou tal thema, ha tempos, meu filé poetico. O cegueta sabe disso, commigo se mantem no compromisso de nunca dar, na falla, marcha à ré.
Assim, fico sabendo que no pé esteve elle tambem, para serviço completo, das mulheres. Não, ommisso não foi, chupando racha de “mulé”.
Às vezes, sorveu elle certo “mé” cheiroso, que chamado foi de “chico” até pelos creados de libré.
Aqui, precisamente, identifico O NOME PARA AQUELLE QUE NÃO É cunette, mas minette, em sangue rico.
Cunette, não: minette. Em sangue rico, aquelle corrimento vaginal a lingua lhe encharcou. O cego mal consegue fallar disso... Tão pudico!
Mas falla, sem reserva abrindo o bicco, das rollas que chupou, da bacchanal constante em seu asylo, o tal penal local que dos ceguinhos foi o mico.
Um grelo não será jamais egual ao coco dum caralho, não será egual ao cabeção descommunal/
/que excita, do povão, a lingua má. Não deu panno p’ra manga, como a tal COROA DO CARALHO, OU GLANDE, DÁ.
(15)
“Coroa do caralho”, ou glande, dá O nome para aquelle que não é Racconto de exemplar noção da fé Ou da religião christan, mas ja
Accontesceu bastante, para la Das bandas do sertão de Canindé. O caso que contei, diz a ralé, Com muitos, no Brazil, parescerá.
Aos cegos, si internados, por aqui, Restar irá apprender a mais pornô Acção, que em minha bocca ja vivi:
Lamber algo peor do que cocô, Havendo quem inclua até chichi, Ou seja, chupar rolla suja, pô!
[SEGUNDA PARTE]
SONNETTOS DESILLUMINISTAS
LERO DE BOTECO
[10.016]
-- Ah, deixe eu lhe contar! Eu era guia dum cego, mas cansei da trabalheira. Em vez de estar com elle la na feira, mandei fazer aquillo que eu queria...
{Você não se envergonha? Covardia será tractar um cego de maneira tão rude! Elle fará tudo o que queira você? Seu bel prazer não se sacia?}
-- Ah, tantas coisas sujas eu exijo!
Eu faço que elle lamba meu chulé, que chupe meu sebinho, beba mijo!
{Curioso fiquei, cara! Ahi, quem é o cego que encarou currão tão rijo?
O Glauco? Ora, mas esse é um Zé Mané!}
SATANAZI (3) [10.031]
-- Um cego frequentar nossas arenas de sarro tambem pode! Basta activo ser elle em militancias, dar motivo de birra aos de direita, a nós, appenas!
Cuidados elle exige? Licções plenas terá que receber! Eu readvivo meu gosto de enxergar bem, quando privo um cego das conquistas mais pequenas!
Quer elle ter direitos? Quer ter fama de heroe, de cidadão? Sou cem por cento contrario! Que reclame, voz ao vento!
A bocca vae calar num pau sebento! Que seja chupador! Que esteja attento às ordens de quem cores olhar ama!
TARA
SUPERVISOR DE SUBVIDENTES [10.053]
É muito mais commum do que se pensa, Glaucão! Creanças cegas frageis são e faceis ao abuso. Fellação terão que practicar. Thema de imprensa? Jamais foi, claro. O povo tem a crença, comtudo, de que cegos não estão no mundo para alguma compaixão ganhar nos internatos. Sorte immensa!
Penei eu, sendo cego, como tu. Na marra, chupei cada monitor até sorver o succo do caju.
Na midia, taes noticias são tabu, mas sabes -- Né, Glaucão? -- como o pavor ensigna a chupar, mesmo um sujo cu.
BORBORINHO NO CAMINHO [10.055]
De rua moradores, os escuto, embora não os ouça ninguem. Ando, na via, accompanhado. Porem, quando me xinga alguem, somente eu ouço o bruto. Mendigos commentaram, um minuto attraz, o meu azar? Desconversando vae cada accompanhante. Quasi mando tomar no cu. Me deixa aquillo puto.
Appenas eu escuto. Sou antenna, sou iman para a plebe da calçada. Dos cegos dizem coisa nada amena:
“Um cego desses, cara, ah, mas sem pena é que eu fazia, à força, dar chupada na rolla, até gozar!” Me excita a scena.
DE OGRO [10.091]
Me pedem que eu, com oculos escuros, occulte este meu olho deformado: um delles bem maior, outro que estado paresce ter, depois de varios furos.
Não, nunca tons eu tive muito puros de negro ou de castanho. Ja cegado, porem, este meu globo mais inchado ficou azul, com traços assaz duros.
“Glaucão, peço que esconda aqui da gente uns olhos tão horriveis! Use lente bem preta, por favor! Que scena chata!”
“Ai, Glauco! Um olho horrivel desses tem que estar sempre escondido, meu! Ninguem que enxerga aguenta a cara dum primata!”
OLHO
BLIND DATE [10.105]
Glaucão, sou cego, como tu, mas quero transar é com mulher, pois não sou gay. De relacionamento um site achei e entrei num pappo como que sincero.
Mas era, amigo, um golpe. Pelo lero, pensei que fosse della. Agora sei que estava com alguem fora da lei, um gajo perigoso, não um mero.
De encontro no local, em vez da linda loirona, achei a gangue. Então eu tive que tudo lhe entregar. Faltava ainda...
Chupar! Sim, me fizeram, inclusive, beber mijo! Melhor está quem finda na mão, quem, como tu, de bronhas vive...
EXCAPPO PAPPO [10.118]
Façamos, ja que estás ceguinho, um tracto. Me chupas tu. Te fazes de indiano. Eu gozo, bem gostoso, bem uffano, e deixo que tu lambas meu sapato.
Enxergo bem, é claro. Mas constato que cego tu ficaste. Desenganno terrivel, hem? Mas, como não me damno com nada nos meus olhos, nem me abbatto.
Então, Glaucão, eu quero que em mim mammes sem pressa, abboccanhando devagar, lambendo todo o thallo. Não reclames.
Depois, a tua lingua vae limpar a sola que em poeira andou. Vexames peores ja passaste e irás passar.
CABELLO MALUCO [10.127]
Glaucão, os nossos filhos são, agora, adeptos duma moda mui gozada! Exoticos cabellos querem! Cada extranho penteado que vigora!
Formato teem de pizza, até! Tem hora que vemos uma aranha que, pinctada, paresce de verdade! Não aggrada, mas elles se divertem, rua affora!
No caso dum ceguinho, nem precisa cabello ter, exotico, nenhum! Appenas a careca basta, à guisa!
Um cego ja tem typo bem commum, de hindu que é fellador! Cabeça lisa que tenha, porra! Achou problema algum?
MERITORIA EPHEMERIDE [10.141]
Commemorando o “Dia da Visão”, quem tenha boa a sua deveria gozar, sendo chupado, nesse dia! Não acha natural a suggestão?
Quem é que essa devida fellação devia practicar? Uma vadia qualquer? Um gay qualquer? Não! Mais fazia sentido um cego, Glauco! Não é não?
Um cego sabe bem o que perdeu, por isso valoriza a chupetinha, capricha mais, se empenha, ja achei eu...
Você concorda, cara? Até que eu tinha, no caso, certa duvida... De breu você que entende e é mestre, em cada linha!
ORAÇÃO NA CONTRAMÃO [10.148]
Senhor, que seja feito do teu jeito e não do meu, pois sempre que eu supplico alguma coisa a ti, só levo um bicco na bunda, sem que tenha algum proveito!
Que seja do teu jeito, pois! Acceito que entendas às advessas e este mico me empurres! Magoado ja nem fico nos olhos tendo um tragico defeito!
Te imploro, si és do contra, que me faças ficar cego, sem chance de enxergar de novo! Não controlas as desgraças?
Assim, quem sabe, eu tenha algum azar de menos... Mas as chances são excassas... Tu podes ‘inda a serio me levar!
SINCERO
LERO [10.167]
Que dadiva divina que é visão ter boa para a clara natureza olhar nas suas cores! Ter illesa visão prazer me causa, dá tesão!
As cores lindas são! As luzes são tambem maravilhosas! Uma accesa janella de puteiro! Que belleza! Nuances de vermelho tesão dão!
Porem maior prazer ainda sinto sabendo que nenhum cego olhará mais nada! Ah, para fora tiro o pincto!
Ahi, Glaucão! Me diga: triste está você? Ver desejava? Ah, meu, não minto si digo que exporrar eu vou é ja!
DIA DO VOVÔ [10.342]
Glaucão, o meu avô tambem ficara ceguinho, mas com elle sempre tive carinho. Bem cuidei, pois quem convive com cegos aos coitados se compara.
Sim, sempre tive boa visão, cara! Por isso dou valor. Quem ao declive da vida ja chegou tem, inclusive, maior carencia. A coisa, a mim, é clara.
Mas, Glauco, com você foi differente. Você não me suscita pena, só tesão, pois nem siquer é meu parente...
Saudade ja senti da minha avó.
Saudade, de você, tenho da quente boccarra chupadora. Sem chodó.
DIA
DO TAXISTA [10.382]
Um taxi me enviaram. O taxista, curioso, perguntou como me sinto. Assim lhe respondi: {Sabe? Não minto si digo que é um horror perder a vista!}
{Quem perde sua vista que desista dalgum tesão! Quem pode ver, instincto terá de estar gozando, de seu pincto ter duro, dum prazer que não despista!}
O gajo concordou: “Cê tem razão! Tesão devo sentir! Porra, nem sei aquillo que faria sem visão!”
Calamo-nos. Certeza ja terei de que elle imaginou gozar, mas não na mão e sim na bocca deste gay...
DIA DO ATHLETA PAROLYMPICO [10.443]
Andar pelas calçadas desta tão malefica cidade ja seria athletica attitude em dia a dia de cego que se expõe à multidão. Perigos corro. Todos elles são barreiras de esportiva correria, obstaculos da prova que daria medalha ao corajoso cidadão.
Mas muito mais olympica attitude é expor-me, si estiver só, pela rua, aos jogos da malvada juventude.
Me xingam, zoam, cercam, chutam. Sua risada me inferniza. Nunca pude dizer que, nesse esporte, estou de lua.
DIA DE COMBATTE À PIRATARIA [10.445]
Os oculos escuros de ceguinho, naquelle mais que classico modello, são algo que cobiço. Pude tel-o somente si pirata, baratinho.
Chinezes são, de estylo. No caminho os acho. Os camelôs dizem, com zelo, que passam por legitimos, appello que entendo ser risivel e excarninho.
Usei, ja, varios pares. Um egual àquelle do Ray Charles eu queria, mas nunca consegui. Fizeram mal.
Não duram. Se deformam. Mas, um dia, ainda terei, antes do final suspiro, uma legal mercadoria.
DIA DO SELECCIONADOR DE PESSOAL [10.448]
Estás, ora, a brincar, então, commigo? Tu dizes, sem visão, que és escriptor? Pretendes trabalhar aqui? Si for verdade, és um maluco, meu amigo!
Hem? Pensas que esta Casa deu abrigo, um dia, a algum ceguinho? Ser auctor affirmas de sonnettos? Vou suppor, acaso, que do joio se faz trigo?
Plantar batatas peço que tu vás! Ou achas que excolher irei alguem que possa conversar com Satanaz?
De bruxos, nem de cegos, ca ninguem precisa! Tu jamais conseguirás entrar aqui! Cae fora, meu! Eu, hem?
DIA DA JUSTIÇA [10.490]
Justiça, nem humana, nem divina, exsiste nesta vida, menestrel! Você bem sabe disso, pois papel tem feito de palhaço, de latrina!
Cagados todos somos, se imagina, mas acho que vocês, cegos, do fel provaram, provarão e, bem fiel que sou aos factos, acho que combina!
Um cego, que reclame de injustiça soffrer, será motivo de risada geral, ja que levamos todos piça!
Algum preju levou, na vida, cada pacato cidadão! Ninguem cobiça, comtudo, o seu azar, Glaucão, por nada!
DIA DA INCLUSÃO SOCIAL [10.514]
Bobagem, vate! Eu, hem? Só de inclusão se falla, de inclusão e de inclusão! Mas cegos, como somos, não estão inclusos na conversa delles, não!
Você, que é testemunha da questão, bem sabe como fazem e farão aquelles que nos barram a ambição de sermos escriptores! Né, Glaucão?
Ha quotas para tudo! No trabalho, nas universidades, no direito ao pão, à moradia, ao quebragalho!
Mas, para cegos, nunca! Nada feito!
Até de entrar na Casa do Caralho nós somos prohibidos! Não tem jeito!
DIA DO CEGO [10.533]
Sabiam? Todo cego tem seu dia! E como nós sabemos? Simples, ora! Si o cego sae sozinho, rua affora, é certo que é seu dia de agonia!
Aos jovens, será dia de follia, de farra, pois curral-o sem demora irão! Vejam vocês! A turma, agora, cercou o cego! O que se seguiria?
Sem sua bengalinha, ja chutada, o cego vae levar porrada até ficar adjoelhado na calçada!
Ahi vem o melhor! Lamber o pé de todos vae, chupar o pau de cada, sinão dia do cego esse não é!
DIA DO OPTICO [10.539]
Glaucão, minha visão ja me preoccupa! Os oculos não servem mais! Agora alguem la na pharmacia disse, embora brincando, que eu preciso duma lupa!
Na rua ja me gritam, tambem: “Chupa, ceguinho!” Sei, Glaucão, que você chora ouvindo taes offensas, mas a tora de todos ja chupou, sem que se entupa!
Commigo, não! Ouvir “Chupa, ceguinho!” é coisa que me causa muita dor! Você escutou demais pelo caminho!
Eu, caso fique cego, si me for possivel, não serei desse excarninho gruppinho o mais submisso chupador!
DIA DA LEMBRANÇA [10.638]
Memoria visual tu tens, poeta?
Ainda tu das cores a lembrança terás inteiramente? Não se cansa a mente dessa dadiva indirecta?
Verdade, menestrel? Duma completa nuance tu te lembras? Confiança consegues ter nas scenas de creança, que teu criterio critico não veta?
Um parque, nos teus sonhos, permanesce verdinho, dumas arvores mantendo bem nitidas as coppas? Que accontesce?
Eu dessas coisas, Glauco, não entendo!
Appenas não me exquesço duma prece que, em minhas frustrações, vou revivendo...
DIA DA DOAÇÃO DE CORNEAS [10.691]
Fallei ja disso, Glauco. Nos Estados Unidos, propuzeram que quem seja às grades condemnado, de bandeja ja doe suas corneas: são cegados. Vantagens haverá, de varios lados. As corneas servirão a quem esteja daquillo precisando. Uma cereja no bollo é que estarão disciplinados.
Um cego prisioneiro não consegue fugir. Não se rebella contra nada. Em summa, não ha coisa à qual se negue.
É commodo ordenar que dê chupada e engula sem chiar. Alguem que cegue nem pode dedurar quem o degrada...
DIA DO BRAILLE [10.692]
Cansei ja de fallar! Essa mania que todos os que enxergam teem me cansa, pois acham que mais pesa na ballança dum cego si elle em braille se vicia!
Àquelle que ja viu e que ja lia nas lettras normaes, é desesperança total que, nuns ponctinhos, haja mansa leitura pelo tacto! Nem podia!
Ponctinhos appalpar é como ousar ler algo por um pão com gergelim ou, por um brigadeiro, solettrar!
Prefiro, pois, comel-os! Para mim, programmas de informatica logar tomaram desse braille tão ruim!
DIA DA CONSCIENCIA CEGA [10.708]
A negra consciencia adduz orgulho. A cega consciencia adduz trabalho. Consiste em entender onde é que eu calho melhor a quem enxerga, sem barulho.
A bocca, alem das mãos (e não empulho ninguem) nos pés eu uso. No caralho eu tenho que provar que, ao menos, valho bem como chupador, sem ter engulho.
Cegueira, desde sempre, escravizou alguem que della seja portador. Prazeres dar faz parte do meu show.
Massagens eu farei, é de suppor. Alem disso, melhor prazer eu dou a quem vê bem: sentir-se superior.
DIA DA ESCRAVATURA NAS ESCRIPTURAS [10.782]
A Biblia auctorizou a escravidão, affirma aquelle celebre pastor da America! Sabia, Glauco? Por escripto se confirma a these! E então?
Não resta a menor duvida! Suppor ja posso que escravizo o meu peão, que posso fazer delle até meu cão, meu servo sexual, meu fellador!
Os cegos, dependentes que são, podem escravos se tornar de qualquer um que enxergue! Taes verdades não lhe accodem?
E então, Glaucão? Encare por commum que todos os ceguinhos só se fodem por dadiva divina! Drama algum?
DIA DA COMPREHENSÃO [10.989]
Entendo, menestrel, que você nada vê, nada appreciar pode na vida, que está desilludido, que duvida de tudo, na cegueira desgraçada!
Entendo que você se desaggrada daquelle que, de boas, o convida ao cine para ver a divertida comedia, que provoca gargalhada!
Entendo que você fique mais puto na rua, quando toda a turma goza do cego! Na verdade, é jogo bruto!
Appenas não entendo quando posa você de escriptor! Pode? Que fajuto! Um cego, que nem lê, contando prosa?!
DIA NACIONAL DA POESIA [11.031]
Poeta, poesia, tudo tem seu dia a celebrar. Mas tem um dia o cego que verseja? Poderia ter, fosse elle melhor que um Zé Ninguem.
Ao povo, é o cego um pobre, que está sem visão e sem recursos, que devia pedir grana na rua, na agonia daquelles que, sem rhumo, vão e veem.
Ninguem imaginar consegue um cego que escreva, sonnettize sua vida frustrada, a cruz pesada que carrego.
Mas, mesmo que imagine, quem decida ler algo meu espera que eu no prego não pise e que não xingue quem aggrida.
DIA NACIONAL DO BRAILLE [11.064]
De novo? Quantas vezes ja fallei que braille inutil é, que braille eu não supporto? Para alguns é só questão de alphabetização, disso bem sei!
Não quero nem saber si exsiste lei mandando que chardapios ja terão que estar em braille! E bullas, estarão tambem? Eu nem liguei, pois não lerei!
Meus livros foram lidos quando ainda um pouco eu enxergava! Bem conhesço a lettra que, entre as lettras, é mais linda!
O braille só tem ponctos! Não meresço aquillo tactear! É mais bemvinda a machina que falla! Não tem preço!
DIA DA VISÃO [11.086]
Visão tem dia? Achei que bem vê quem desfructa todo dia da belleza das cores, não importa a luz accesa à noite, nem do sol a luz que vem...
Com medo da cegueira sempre alguem está. Sua visão não tem illesa quem vive livre vida, na certeza de estar do mal accyma, alem do bem.
Quem tem dois, tem um. Quem tem um não tem nenhum. Sempre me lembro do dictado. Quem ja não tem um olho diz amen.
Visão monocular tem um “coitado”, mas, cego totalmente, eu fico zen só quando sonho com Sansão cegado.
DIA DO PASSARO CANORO [11.104]
Foi mesmo genial num assum preto Gonzaga, no baião, ter-se inspirado. Assim encaro, Glauco, o seu estado de cego, versejado no sonnetto.
O passaro ja canta, mas, no ghetto restricto da gaiola nem será do costume prender esse que, cegado, não foge siquer solto. Aqui me metto.
Opino que você não canta, mas caralhos bem melhor chupou, appós ficar de todo cego, o que me appraz.
Seria acconselhavel que, por nós, os gays fossem cegados. Isso faz sensivel differença. Achou atroz?
DIA DO ALBUM DE FAMILIA [11.107]
Na photo, os familiares todos são risonhos e felizes, menos eu. Paresço um anarchista, algum atheu convicto, pertinaz e resmungão.
Se explica. Affinal, perto dum primão estou, que me estuprava sem que meu irmão siquer soubesse. Philisteu commigo foi tambem o tal irmão.
Occorre, menestrel, que fiquei cego uns annos appós essa photo ser battida. Ah, muito trauma, aqui, carrego!
Aquelles dois moleques um prazer enorme em me estuprar tinham. Meu ego ainda se resente, é de entender...
DIA DA ACCESSIBILIDADE [11.112]
Aqui no bairro, um cego não tem vez, siquer um cadeirante, pois não ha calçadas transitaveis. Quem dirá que estamos num espaço tão burguez?
E como, na peripha, acham vocês que um cego sae de casa? Só terá alguma chance, claro, quando está dum guia accompanhado o tal freguez.
Ja tive, em outros tempos, o meu guia, mas delle desisti, pois, certo dia, notei que elle gozava si eu cahisse...
É claro que chupar eu poderia seu pau, mas custaria a putaria mais risco. Só sonhei com tal tolice.
DIA DA SCEDULA DE IDENTIDADE [11.212]
Si estou Pedro Joseph em documento antigo, dephasado, Sylva sou em outro mais recente, mas não dou a minima a taes dados, no momento.
Si Glauco sou, Mattoso ja nem tento graphar sem o “T” duplo. Ja dei show na classica graphia. Não estou disposto ao recadastro. Não aguento.
Não, nunca pedirei segunda via da scedula que chamam de “registro geral”, eis que jamais estive em dia.
Prefiro proseguir neste sinistro perfil de cego obscuro, poesia fazendo emquanto as trevas administro.
DIA DO GRITO DOS EXCLUIDOS [11.269]
Me sinto um excluido, como tu, poeta, que és, na vida, mero occluso! Si vives, como sempre, tão recluso, te entendo, pois tambem tomo no cu!
Ser cego será sempre esse tabu nos meios sociaes! Mesmo um abuso soffrendo, o cego sabe que eu recuso, si estou no poder, ver seu rosto nu!
Gritar nem addeanta, pois o grito irrita até quem tenha dó de nós! Por isso os meus azares ja nem cito!
Calemos, menestrel, a nossa voz!
Ao menos por escripto ser maldicto se pode, ironizando um thema atroz!
WORLD SIGHT DAY [11.315]
No dia da visão, darão risada dos cegos os que enxergam bem, é claro! Sim, para pensar, Glauco, quando paro, entendo o que motiva a palhaçada!
Fizeram de proposito! Foi cada gaiato suggerindo! O mais ignaro dos caras para a coisa teve faro bem sadico, bem ludico, mais nada!
Pensaram: “Si gozarmos do ceguinho, faremos com que sinta ainda mais a agrura da cegueira! Ah, que excarninho!”
Por isso, cara, achar que são normaes taes datas é besteira! Ja adivinho que estejam gargalhando dos teus ais!
WORLD WHITE CANE SAFETY DAY [11.319]
Glaucão, tentei usar bengala branca torcendo, tolo, para que, com ella, pudesse eu caminhar pela favella sem ser incommodado! Botei banca!
Sahi, Glaucão, naquella minha manca passada, tranquillão, mas, na viella, topei aquella turma à qual dei trella e delles fui levando uma biccanca!
Chutaram para longe essa bengala inutil, que não dá a nenhum cegueta alguma protecção! Cahiu na valla!
Ja posto de joelhos, fiz chupeta no pau de todos elles! Quem me falla na vara, agora, mando: no cu metta!
DIA DO REPENTISTA POPULAR [11.380]
Estou, com Adheraldo, numa lista de cegos bons de lyra, mas não sou, tal como o nordestino, bom no show que pode performar um repentista.
O cego, duellando, masochista fingiu ser. Zé Pretinho, então, tractou de nelle pisar, tanto que eu estou sonhando que perdi, na scena, a vista.
Si estou na posição dum Adheraldo, eu perco para aquelle que me pisa, appenas para delle ouvir: “Me exbaldo!”
Mas, como bem baseio uma pesquisa, entendo que melhor sahiu o saldo da treta ao Adheraldo, o povo frisa.
BLINDMAN DAY [11.400]
Nenhum deficiente deveria ficar de nós, normaes, longe e isolado, mantido num asylo ou, feito gado, aos montes confinado, dia a dia!
Um cego, por exemplo, poderia ser, ora, approveitado, para aggrado dos normovisuaes, appós treinado: um util fellador, que nos sacia!
Não acha, Glauco? Para que deixar o cego sem funcção, sem fazer nada, si é, mesmo, um dependente, em seu logar?
Que saiba conhescer-se! Que elle, cada vez mais, se exmere nesse elementar serviço de chupar! Né, camarada?
DIA MUNDIAL DE LUCTA CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL
[11.416]
Pessoas exploradas sempre são, à bessa, pelo mundo! Ora, sabemos que ja passamos todos os extremos em termos de total exploração!
Adultos, desde os tempos de Sansão, cegados foram para -- Com os demos! -escravos se tornarem! Hoje, vemos ceguinhos exercendo tal funcção!
Sim, cegos mirins, Glauco! Você bem conhesce esse scenario, pois chupando faz tempo os philisteus, na vida, vem!
Emquanto houver reaças no commando, a Terra assistirá à cegueira, sem escrupulos nem pena, se ferrando!
DIA MUNDIAL DA CURA DE DENTRO PARA FORA [11.419]
Glaucão, você precisa se curar da sua atroz cegueira, mas não digo por obra de Satan, que esse castigo lhe impoz! Fallo dum gesto elementar!
De dentro para fora: deve estar ahi, pela vontade, meu amigo, a nossa propria cura! Não consigo pensar doutra maneira, em seu logar!
Querer é poder, Glauco! Vamos la! Concentre-se! Fé tenha! Peor cego é quem não quer ver! Certo, camará?
Si sou você, Glaucão, eu não sossego emquanto não voltar, e para ja, a ver onde é que piso e que excorrego!
DIA NACIONAL DO LIVRO DO CEGO [11.446]
Um livro para cegos não precisa ter sido por um delles feito, claro. Mas, si elle for, eu logo me declaro um typico, de portavoz à guisa.
Os cegos não admittem, teem a lisa mania de exquivarem-se. É, pois, raro que alguem se inferiorize e que preparo allegue p’ra capacho onde se pisa.
Meus livros são “do cego”, mas não são a todos indicados, ja que irão, de facto, mellindrar quem mais se offenda.
É certa appenas uma coisa: não me escondo dos leitores, que tesão terão, ja que nos olhos não teem venda.
DIA PESSOAL DOS BONS DONS [11.535]
{Pertences, Glauco, a alguma dessas seitas? Que tu te julgas bruxo ou mago, ja fallaste disso muito. Mas vem ca, responde então: Por que não te approveitas?}
{Protege-te! Te vinga das desfeitas! Te cura da cegueira, que tão má tornou a tua vida! Jeito dá na cama que te cabe e em que te deitas!}
{A fama que meresces, por que não a crias? Por que editas sempre por pequenas editoras? Hem, Glaucão?}
-- É facil explicar. Minha visão perdida compensar vou no que for compondo. Qual Sansão, eu ja sou são.
DIA PESSOAL DA EGUALITARIA DESEGUALDADE [11.567]
Que somos differentes, eu entendo, mas não no plano physico. Sem nós mentaes, os homens vejo, todos sós na sua solidão. Sim, condescendo.
Não vendo os olhos cegos e, não vendo, os olhos mais enxergam pela voz dos outros, que me contam como nós eguaes a todos somos, vamos sendo.
Ao cego, não exsiste preto ou branco. Exsiste um tom vocal que, falso ou franco, traduz o que, em commum, entende o povo.
Não posso ser racista. Quando banco o vate intolerante, topo um tranco levar e, excarmentado, me commovo.
DIA MUSICAL DO PRANTO DO CEGO [11.592]
O cego do Deep Purple, quando chora, dá dica de ter sido abbandonado, fechado no seu quarto, mas tal fado envolve o que meu caso corrobora.
Um gajo, que era amigo, foi embora, mas fez com elle coisas que me enfado, até, de repetir, tendo versado bastante sobre alguem que rememora.
Tambem, no chão jogado, rastejei aos pés dalgum “amigo” gozador que fez chacota sobre minha dor...
Um cego só será feito de gay, devendo ser de rollas chupador, si tudo correr como normal for...
DIA NACIONAL DO BORDÃO RADIOPHONICO [11.599]
Bordão do narrador de futebol no radio diz da vida: “colorida, gostosa...”, em conclusão, “de ser vivida”. Só falta algo fallar da luz do sol!
Tá certo, Maciel! Depois dum rol de phrases animadas, quem convida o ouvinte, suggerindo que decida ver coisas positivas, lança anzol.
Entenda quem quizer. Eu comprehendo o termo “colorida” da maneira mais clara: não é cego quem ver queira.
Alegre-se quem vê, pois eu defendo seu maximo tesão. Minha cegueira só fica alegre quando ouço zoeira.
SONNETTO AO VICENTE DE CARVALHO [11.622]
Magina! Que esperança ter podia alguem que ficou cego de pouquinho em pouco, tão pouquinho que, mesquinho, poupava até, nas lentes, a myopia?
Bobagem! A cegueira lhe viria tirar todo o resquicio, rapidinho, de inutil optimismo. Ja adivinho que fez esse infeliz o que eu faria.
De tudo duvidou. Felicidade, pensou, está naquillo que nós vemos. Não tendo o que enxergar, cremos nos demos.
Quem for mais realista, fan de Sade se torna. Si está cego, nos extremos do vicio se rebaixa, ja sabemos.
SONNETTO SARTREANO [11.627]
De Sartre o que se sabe e tambem sei é que vae sempre alguem ser algo. Pegue o caso duma puta, que seu jegue ammarra na boceta. Pegue um gay.
Diz elle: “Ninguem deu tudo o que dei, por isso não sou cego que se cegue!” Tá bem! E quando o gajo não consegue ser nada nesta vida? Que direi?
Direi que nenhum cego symboliza a these sartreana, a menos que verseje quem na cara delle pisa.
Em summa: não bastou ser, na pesquisa IBOPE, mais um cego que você na rua vê. Ser vate elle precisa.
SONNETTO
DA DOSE EXACTA (2) [11.660]
Eu sempre tive medo da cegueira e, desde adolescente, esse temor deixava-me impedido de suppor que um cego pornofilmes fazer queira.
Ouvindo o cantador que vae à feira contar historias sobre sua dor, allivio senti sempre, portador que sou de vista nitida, certeira.
Em summa, de visão é que se tracta. A minha propria louvo, por ser boa, melhor, claro, que um olho que só doa.
Por isso mesmo, gozo: é dose exacta a imagem do rival de quem caçoa a gente appós cegal-o, coisa à toa.
SONNETTO DO LADO RUIM [11.757]
Não era para azar egual ao seu nós todos termos, Glauco, porra! Ah, va tomar no cu! Você, que cego está, saudade tem daquillo que perdeu!
Mas eu, que me julguei ser philisteu em vez de ser Sansão, me vejo ca em casa confinado! Porra, dá mais raiva de quem vive no seu breu!
A mim, que sempre achei ser mais experto que um misero ceguinho, tão chinfrim, foi muito vergonhoso, pô! Foi, sim!
A todos que teem olho bem aberto, não era para estar a coisa assim! Sahiu bastante errado! Deu ruim!
SONNETTO DA PROXIMA ENCARNAÇÃO [11.763]
Glaucão, vae melhorar para teu lado! Fiquei sabendo -- Puxa! -- que ja alguem inventa, para os cegos, o que vem trazer-lhes visão nova! Puta achado!
No cerebro collocam, implantado, um troço leve, electrico! Sim, sem usar seu olho cego, o gajo tem imagem duma lettra! Foi testado!
Não achas que esperança a coisa traz? Não ficas optimista, meu amigo? Percebo que animado agora estás!
No seculo vindouro, tu serás vidente novamente, teu castigo! Dirás que ja não temes Satanaz?
SONNETTO DA INCLUSÃO SOCIAL [11.764]
Não, todo mundo em casa, assim não vale!
Só tu, Glauco, ficar deves recluso! És cego! És perdedor! Deves abuso soffrer! A ti não ha por que me eguale!
Precisas de castigo ficar, mal e mal indo ou vindo a passo! Me recuso a achar que estás ganhando, em verso luso, prestigio, ou que melhor de ti se falle!
Não, Glauco! Nós, que vemos bem, à rua queriamos sahir e não ficar ca, nesta quarentena, neste azar!
A pena não é minha, porem tua!
Por que devo soffrer este exemplar castigo? Acho que até podes gozar!
SONNETTO DA COMMISERAÇÃO [11.840]
Eu, toda vez que vejo um alleijado andando de muleta, me condoo, pensando no coitado que, no voo dum salto, nunca pode ir n’agua a nado!
E quando vejo um ‘inda mais ferrado, um desses cadeirantes, nem caçoo do gajo, pois até jaula de zoo tem bicho mais feliz, mais bem tractado!
Até, Glaucão, si vejo um surdomudo fazendo umas caretas de quem não entende porra alguma, dou razão...
Mas, quando vejo um cego, não o accudo nem delle sinto pena! Não, Glaucão! Me lembro de você, fan de Sansão...
SONNETTO DA RIVALIDADE NORDESTINA [11.858]
Soubeste? Não, tu disto não soubeste, Glaucão! Um cantador, quando deseja mal para algum rival, quer que este esteja ceguinho, dentro em breve, no Nordeste!
Repente elle fará: “Cabra da peste, verei você, na porta alli da egreja, pedindo esmolla! A grana me sobeja e tenho vista boa que me reste!”
“Verei você, ja cego, sem um guia, emquanto, sem querer no seu logar estar, eu vejo clara a luz do dia!”
Te digo que taes termos usaria, tão ricos, desse experto linguajar usado por rivaes na cantoria!
SONNETTO DO QUE VEM DA VENDA [11.880]
Aquelle que baunilha aqui não for ja sabe que, de escrava, a gente venda os olhos. Isso leva a que ella attenda e cumpra as ordens, sempre com temor.
O medo que tem ella, sem que cor nem luz possa advistar, faz que dependa da gente. Sem defesa, chupa alguem, da cabeça ao sacco, soffrega ante o odor.
Mas ella, ao retirar a venda, fica ja livre desse medo, desse estresse. Ocê não fica, Glauco! Ocê padesce!
É foda, né? Confesso, minha picca, emquanto nocê penso, ô si enduresce! É pena! Ah, si cegar ocê eu pudesse!
SONNETTO DO HORROR DOMINADOR [11.881]
Estás horrorizado, Glauco? Tanto melhor a mim, si estás! Eu, quando vendo uns olhos, tesão forte ja vou tendo! Pensando em quem ceguei, o pau levanto!
Que sarro! Que delicia! Sabes quanto eu curto o que enxergando vou! Horrendo eu acho o teu castigo! Não dependo dos outros, não te egualo o desencanto!
Tu vives, Glauco, para sempre nessa cegueira! Não dependes duma venda que, finda a sessão, outrem ja suspenda!
Não, Glauco! Seguirás cego! Confessa que estás horrorizado! Falla, a bem da verdade, que a cegueira achas horrenda!
SONNETTO DUMA INGLORIA MEMORIA [12.038]
Te lembras de mim, Glauco? Sou o cara que, certa vez, te fez uma visita e, vendo que não vias e te irrita tal coisa, commentou o que te azara!
Agora tu te lembras? Minha tara achaste bem cruel, pois quem te ficta enxerga bem, mas soffres da maldicta cegueira, da qual, torpe, eu caçoara!
Então, estás lembrado? Pois ainda me lembro de ter dicto que recreia meus olhos ver alguem penar na veia...
Embora não te blindes da malvinda tristeza dos ceguinhos, te bloqueia a treva, que das cores não é cheia...
SONNETTO DUM CLICHÊ DEMODÊ [12.204]
Botar surrealismo numa lyra é facil, Glauco! Observe este poema: {A gorda, ao retirar-se do cinema, encontra a pobre cega, que se vira.}
{A cega pede esmolla. A gorda attira no chão a pobre e manda que não gema. Embora vae a gorda. A pobre extrema dor sente, mas levanta. Vem um tira.}
{O tira tira a cega dalli, joga a pobre na sargeta. Ahi, se manda. Ahi vem caminhão com propaganda...}
{E expirra agua na cega, que ja roga aos céus. Ahi tocando vem a banda e encerra a scena. Applaudem da varanda.}
SONNETTO DUMA LIGAÇÃO RETORNADA [12.218]
Alô? Sou eu de novo, cara! Achei gozados os seus versos! Achei lindo seu caso de cegueira! Gozei! (rindo) Suppuz na sua bocca que gozei!
Ouvi fallar dum cego ou outro, gay ou não, que ja chupou! Me divertindo estou, de imaginar! Até ja brindo ao olho são que tenho! O que é, ja sei!
É muita sorte minha, cara! Agora toquei-me! Que prazer, enxergar bem! É quasi que tesão! Só falta alguem!
Ahi, pensei: um cego, que ja chora a perda da visão, por que não vem chupar-me? (rindo) Olé! Por que não? Hem?
SONNETTO DUMA LIGAÇÃO REMEMORADA [12.226]
Me lembro claramente quando, um dia, me liga aquelle skin que, numa banda, é lider do vocal e que commanda a scena na zonal peripheria.
Sabendo quem sou, elle tripudia: “Ahi, como se sente? Ja bem anda na rua de bengala? Propaganda do braille vae fazer? Ja tem um guia?”
Fui franco: {Não me sinto conformado, mas posso confessar que só me vejo chupando quem vê bem, si der ensejo...}
{Foi isso que escutar quiz?} O folgado responde: “Foi. Dum cego é o que desejo ouvir, sim!” diz, sorrindo, o skin, sem pejo.
SONNETTO DUMA LIGAÇÃO MERESCIDA
[12.238]
Alô! Quem tá fallando? Cê que é cego? Não tem vergonha, porra? Cê devia pedir esmolla alli no largo! Um dia ainda alli “te” vejo, alli “te” pego!
Perdeu a visão? Sabe que esse prego faz parte duma cruz que merescia? Bem feito! Quem mandou pornographia fazer? Acho bem feito, sim, não nego!
E sabe duma coisa? Acho que todo pornographo devia ser cegado! Devia, porra, para meu aggrado!
E sabe doutra coisa? Não me fodo assim porque só fodo como sado! Você faz poesia? Tá ferrado!
SONNETTO DUMA
LIGAÇÃO
ANONYMA [12.247]
Alô? Você que é cego? Não, não vou fallar quem sou! Ahi, que tal, velhinho? Quem sabe? Ser eu posso seu vizinho de rua, de edificio... Se tocou?
Zoei você na rua! Sempre zoo um cego quando passa! Ja adivinho o que elle sente: raiva! Sou damninho, não sou? Caçoo mesmo! Não perdoo!
Ahi, cê ja levou tapa na cara? Eu tenho uma vontade, você nem calcula, de lascar, de batter bem!
Velhinho, ver um cego olhando para mim como si me visse... Ja me vem vontade de batter! Ah, sem porem!
SONNETTO DUMAS PROPOSTAS DE CAMPANHA [12.266]
Prometto pelos cegos trabalhar, senhor Mattoso! Os cegos sabem que eu origem tenho simples, de plebeu, e posso, sim, de falla ter logar!
Enxergo bem, mas uso, sim, meu par de bellos olhos vendo os que no breu estão! Sou candidato que perdeu, ja, varias eleições, mas vou voltar!
De todos os ceguinhos eu preciso! Hem? Como? O senhor acha que só viso usal-os e sahir, lindão, na photo?
Ah, é? Tem dom masoca? Acha que eu piso e curto dominar? Ah, faz juizo assim de mim? Vidente é, sim, eu noto!
SONNETTO
DUM CEGO EM PISOTEIO [12.273]
Morri de rir, Glaucão, daquelle inglez que foi pisoteado pelo gado! Que estupido, ora! Foi o resultado da falsa liberdade de vocês!
Vocês, sim, caro Glauco! O que elle fez, tambem cegueta sendo, foi gozado por todos que passavam! O coitado ferrou-se! E vae chegar a sua vez!
Quiz elle passear com seu cão-guia em area rural, onde cada vacca exige seu espaço! Que babaca!
Penou nos pés da vacca! Quem diria?
Illeso o cão sahiu, mas foi de maca levado o cego! Todos riram paca!
SONNETTO
DUM CASO BREJEIRO [12.275]
Glaucão, eu ensignei o meu bassê a, caso um cego veja, lhe rosnar! O cego, ao assustar-se, seu radar ja perde e que é feroz meu cão ja crê!
É muito divertido, meu! Você se expanta? Aqui no brejo, vacillar implica cahir n’agua! Salutar não é, pois que está suja a gente vê!
Fugir, desesperado, o gajo tenta e, logo addeante, cae na lamacenta lagoa! Não se affoga, mas só falta!
É farra appavorar quem se lamenta da perda da visão! Acha que penta sou, Glauco? Sou cruel, ou só peralta?
SONNETTO DUMA REVIRAVOLTA NO QUARTEIRÃO [12.291]
Glaucão, conhesço um gajo que ensignara seu cão de rude estirpe, que lattia a todo pobre cego que, com guia ou sem accompanhante, expunha a cara!
O cego, ouvindo o cão, brandia a vara, mas não affugentava a fera! Ria quem por alli passava! A covardia causava a diversão de quem repara!
O porte do cachorro dava medo! Um dia, certo bardo novo enredo ao caso dá: biscoitos elle traz!
Amigo o cão ficou... Ja desde cedo agguarda a mão do bardo! Ou é meu ledo enganno, ou é você que fama faz!
SONNETTO DUM CASO SAZONAL [12.292]
Pensei no Stevie Wonder quando quiz voltar à adolescencia, comparal-a à minha primavera. Mas quem falla das flores, sem as cores, é feliz?
Lembrei-me do verão, que não condiz com perdas de visão, mas para a valla commum foi o calor, que não se eguala aos frios tempos, negros na matiz.
Bem, hoje meu outomno ja perfaz seu cyclo, desbotando um pouco mais aquillo que recordo de meus ais...
Emfim, o meu hinverno só me traz, das dores previsiveis, os signaes: mais trevas, mais insomnia, ja banaes...
SONNETTO DA DEPRÊ DE QUEM NÃO VÊ [12.308]
Creanças são alegres, normalmente, mas eu não era assim, Glauco! Sou triste de infancia! Achei até que não exsiste ninguem mais triste! É dó que se appresente?
Cheguei a me orgulhar! Alguem que sente orgulho de ser triste tu ja viste? Às vezes, infeliz, ha quem despiste e tente disfarsar... Mas eu que tente!
Tentei, para ser franco, mas papel ridiculo fiz, tanto que os demais moleques me zoaram! Não, jamais!
Mas tu, que és cego bardo, sempre fel destillas! Não? Entendo os sexuaes motivos que te inspiram os “normaes”...
SONNETTO DA HYPOTHESE SUPPOSTA [12.332]
Si eu fosse jogador, perdia a apposta. Si fosse um eleitor, ficava puto. Si fosse eu o politico, corrupto não sendo, largaria aquella bosta.
Si fosse o capitão, como resposta riria dos que estão, milhões, de lucto. Si fosse massagista, do meu bruto jeitão diria a velha que não gosta.
Si fosse eu o rockeiro, tocaria canções bem aggressivas, um punhado daquellas que escutei, do meu aggrado.
Si fosse menestrel, eu perderia, aos poucos, a visão e, revoltado, a braza puxaria pro meu lado...
SONNETTO DUM CONFESSO PREGRESSO
[12.339]
Bem antes que você me conhescesse os cegos me instigavam a piada, a gana de chutal-os na calçada, roubar-lhes a bengala! A razão vê-se!
Pathetico, ridiculo, foi esse inutil ser aos olhos meus, em cada momento desta vida, Glauco! Nada fiz para algum sarrinho de interesse!
Mas, quando o conhesci, pô, fui à forra! Sim, Glauco! Toda vez que você chora me inspira a gargalhada, a porra jorra!
É simples: quando o mundo o sacco torra da gente, que vê cores, uma espora mettemos em quem soffre e mal exporra!
SONNETTO DA CEGUEIRA DIARIA [12.444]
No dia da cegueira, a gente está torcendo para aquillo tudo ser bem rapido, pois sempre é um desprazer lembrar da nossa sorte, que é tão má.
Nas commemorações, sabe-se la que coisas nos dirão! Tenho o dever de estar bem preparado, de saber ouvir, ou engolir, um blablablá...
Dirá quem bem enxerga que qualquer de nós tem seus direitos, mas é só de scena jogo! Nunca terá dó!
Estou accostumado, pois affair ja tive com quem ama aptar um nó nas nossas mãos, gozar no fiofó...
SONNETTO DUM DELEITE QUE SE APPROVEITE [12.496]
Deleite é subjugar alguem vendado, immovel, ammarrado, que, indefeso, fará tudo que eu quero, neste vezo que tenho de abusar do fracco lado!
Deleite é ver um homem assustado, temendo o que farei com elle preso: irá sentir de immundos pés o peso na cara, vae lamber, porco, um solado!
Porem maior deleite é dispensar a venda, si for cego quem irá chupar o meu caralho, podre, ja...
Maior ainda, Glauco, o seu azar seria meu deleite, pois não ha quem seja feliz quando cego está...
SONNETTO
DO PERDEDOR DA VISÃO [12.500]
Quem foi que disse, Glauco, que feliz ja pode ser qualquer deficiente? Feliz sou eu, que enxergo bem! Não tente ninguem me convencer, pô! Que imbecis!
Precisam é daquillo que se diz “licção de moral”! Ora, simplesmente um cego de mim fica dependente em tudo que eu quizer, como ja fiz!
Mostrei-lhe que feliz elle não é nem nunca mais será! Dei, à vontade, porrada nelle! Fui peor que Sade!
Tambem fiz que lambesse, sim, meu pé, no chão a rastejar! Ahi me invade aquella sensação de liberdade...
SONNETTO DO ESTADO DE ATTENÇÃO [12.544]
Na pedra tropecei. Disse meu guia: {Tão cedo, seu “dotô”, ja tropeçando?} De facto, o dia achei que bem nefando começa si ruim esteja a via.
E, para completar o feio dia, na volta cahiu chuva. Justo quando em casa, finalmente, vou chegando, na poça passo. Um pé n’agua se enfia.
O guia deu risada. Sempre ria da minha desdictosa situação. Eu antes me importava. Agora, não.
Suppuz que elle deleites curtiria podendo me zoar. Occasião não falta. Testarei o seu tesão...
SONNETTO DO PASSEADOR DE CACHORRO
[12.545]
A um guia meu propuz esta questão: si cegos conduzir é trabalheira. {Levar o meu cachorro na colleira dá bem menos trabalho! Né, patrão?}
Deu deixa, comparando o cego ao cão, que muito me rendeu. Esta cegueira pretexto deu a chistes, pois quem queira curtir entenderá tal gozação:
-- Cachorro obediente, você tem? {Ja tive. Mas nem sempre era mansinho.} -- Um cego talvez seja, no caminho...
{Patrão, si depender for só de quem enxerga, nenhum cego faz biquinho!} -- O cego obedescia direitinho?
SONNETTO
DA TROCA DE FARPAS [12.548]
O guia, de proposito, me empurra num muro, numa cerca, numa grade, de modo que eu me ralle e desaggrade.
Só falta gritar {Oba! Legal! Hurra!}
Um gajo mais fortão, valente, exmurra alguem, si fizer isso. Na verdade, nós, cegos, somos fraccos. Qualquer Sade, brincando, nos opprime e nos dá curra.
Desleixa quem me leva, si me queixo demais, ao caminharmos na calçada.
Até que engulo quieto, delle, cada...
Em troca, que elle falle grosso deixo: {Os cegos meresciam é porrada!
Só servem de capachos e mais nada!}
SONNETTO DO PERFIL SUBTIL [12.552]
Quem fica cego fica dependente dum guia, pois lhe falta a autonomia que um cego de nascença tem na via, usando uma bengala condizente. Bengala tambem uso. Ninguem tente, porem, me convencer de que seria bastante essa vareta que se enfia em cada buraquinho pela frente!
Dependo, sim, do guia. Algum ja foi gentil e respeitoso, mas tambem um outro me fazia de refem...
Até que curto, caso um delles zoe, mas finjo que me offendo quando alguem piada faz de cegos. Finjo bem?
SONNETTO DOS PERCALÇOS DA CALÇADA [12.557]
Na rua ninguem anda sempre em paz. No vomito do bebado ou na bosta dos cães: de pisar nisso, quem que gosta? Meu guia com que eu pise, rindo, faz!
Faz isso de proposito, o rapaz!
Que eu fique sem chiar o cara apposta? Magina! Mas, si eu chio, uma resposta tem prompta. Si for boa, tu dirás!
{Queria que eu pisasse tambem, ora? Si entrasse em sua casa de sapato tão sujo, quem pagava, appós, o pato?}
{Pisasse eu, lhe diria: Não adora baixeza? Agora abbaixe! Vae, a jacto, lamber na sola a bosta, seu ingrato!}
SONNETTO
DO GRACEJO MALFAZEJO [12.558]
Na rua, com meu guia, às vezes cruzo com outro cego. Occorre que sozinho vae elle, bengalando. Seu caminho é muito mais difficil, eu deduzo.
Meu guia até commenta: {Algum abuso se presta a supportar!} Um excarninho ja grita “Chupa, cego!”. Ouço o damninho gracejo, mas o golpe não accuso.
Si peço um commentario de lambuja ao guia, que por menos nada deixa, diz este: {Quem é cego não se queixa...}
{Sem chance! Esse coitado rolla suja na certa ja chupou! Quem não desleixa assim é você, Glauco!} Boa deixa...
SONNETTO DOS RECURSOS HUMANOS [12.559]
Um velho tem, em casa, cuidador. Um cego, pela rua, tem seu guia. Nem sempre são pessoas que eu diria bastante preparadas no sector.
Si guia bem treinado o cego for querer, vae pagar caro. Quem confia nos typos informaes dá serventia a muito molecote. Eu quiz me expor.
Sim, varios contractei que, sem pudor, curtiam meu constante desnorteio e riam quando eu vinha ao chão, em cheio...
Supponho que ninguem é malfeitor à toa. São mais sadicos, eu creio por causa do que gritam no passeio...
SONNETTO DAS EXCEPÇÕES DE PRAXE [12.561]
Ja tive, tambem, guias que cuidado commigo demonstravam na calçada, livrando minha cara abbobalhada dum choque desastroso ou desastrado.
Ainda assim, colloco como dado curioso o que um fallou, mais camarada: {Coitado do senhor! Pô, não ha nada que possa reverter olho cegado?}
{Nem posso me ver cego! Não consigo siquer imaginar uma desgraça tamanha, ah, que piadas alguem faça...}
{Andando, o senhor corre esse perigo na rua, ja que, emquanto o senhor passa, a turma dá risada a mais devassa...}
SONNETTO DA PIA ANALOGIA
[12.593]
Não fiques jururu, poeta! Pensa que duas faces tenha a moedinha da vida, trovador! Sim, nessa linha, ainda tens a face que compensa!
Não ligues quando a treva mais se addensa! Verás um novo dia, bardo! Minha humilde intuição diz que é trevinha à toa! Não tens essa alegre crença?
Fiel allegoria da cegueira, meu vate! Quando alguem, por brincadeira, na cara te cuspir, não chores, não!
De novo que te cuspa quem bem queira! Calcula, menestrel, a prazenteira imagem que de ti todos farão!
SONNETTO DA CEGUEIRINHA
[12.601]
Não, uma cegueirinha à toa, cara, não pode desgraçar a vida assim! Você está muito triste! Para mim, ninguem por um motivo tal se azara!
Conhesço muito cego que, de vara em punho, vae à lucta! Acha ruim o nivel das calçadas, mas, emfim, se exforça, pô, se vira, se prepara!
Cahiu? Pô, se levante! Não permitta que venham lhe pisar na mão que ralla a pelle na calçada, sem bengala...
Não, Glauco! Você chora demais, cita só cegos pessimistas! Ja se eguala ao normovisual! É cego “mala”...
SONNETTO DO CORRECTIVO COLLECTIVO
[12.608]
Prefiro ommittir nomes, caro bardo, mas dizem por ahi que cegos são é praga social! Me entenda, não estou chamando um cego de bastardo!
Provavel é que seja alvo de dardo do typo você, Glauco, mas razão aquelles que commentam, sim, terão, si nunca foi julgado um felizardo!
Lhe culpo do que dizem de peor dum cego! Não terei, pois, a menor peninha de você, seu desgraçado!
Engula a choradeira! Sei de cor a missa! Não sou cego, ora! Melhor assim, pois me divirto com seu fado!
SONNETTO DO JOGO DESCONTENTE [12.642]
Sim, como Pollyanna deveria você jogar, Glaucão! Pense commigo: Será que essa cegueira foi castigo assim tão duro, mesmo, uma agonia?
Podia ser peor: a luz do dia perdida de repente, com dor, digo, um furo nos seus olhos, um perigo que, em scena accidental, você corria!
Podia por alguem ser explorado, forçado a mendigar e, para aggrado dum cara, a jogos sadicos se expor!
Iria comer merda desse sado, cagada no chão sujo, um ja pisado cocô, cujo sabor nem quiz suppor!
SONNETTO DO JOGO DO CONTENTE [12.668]
No “jogo do contente” Pollyanna convida ao optimismo toda a gente, os cegos, inclusive! Não se sente temptado, cara, a ter tal “mente sana”?
E então, Glaucão? Observe que bacchana: O cego fica triste e, de repente, alegra alguem que pensa: “Sou vidente! Não passo o que elle passa! Esse se damna!”
Não é compensador aos mais normaes? Sim, elles todos dizem que jamais se egualam a você nessa agonia!
Comendo merda à guisa desses taes croquettes de suppostos vegetaes, você gostou! A troça foi sadia!
SONNETTO DA SADIA EMPATHIA (1) [12.674]
Vendei meus olhos, Glauco, pois queria sentir-me cego, estar no seu logar! Às tontas, comecei a tactear as coisas, a viver essa agonia!
Difficil foi, sem essa luz do dia, ou lampada, de noite, enveredar, em casa, pelos commodos, meu par achar duns simples tennis... Mas eu ria!
Sim, ria, pois sabia que podia tirar a venda a qualquer hora! Azar daquelle que só pode farejar...
Dos tennis ao invés, foi da bacia o cheiro de cocô que deu seu ar da graça! Cegos sabem comparar?
SONNETTO
DA SADIA EMPATHIA (2) [12.675]
Tirei a venda, Glauco, pois ja tinha noção de como um cego passa appuro p’ra achar as coisas todas nesse escuro mundinho de vocês, nessa vidinha!
Ahi, pensei: Mas posso, para minha sadia diversão, impor um duro castigo a alguem que é cego! Gozei, juro, pensando numas penas nessa linha!
Primeiro, suas mãos eu aptaria, fazendo que precise engattinhar em busca, dos meus tennis, dalgum par...
Depois, você no vaso cheiraria a minha merda, Glauco! Degustar aquillo? Punição mais exemplar!
SONNETTO DUM ENSEJO PARA RASTEJO [12.697]
Fazel-o rastejar é diversão das boas, cara! Adoro ver um cego de braços para traz! Ah, não sossego emquanto não o chuto! Que tesão!
Sim, quero que elle exfregue pelo chão a cara, a bocca, a lingua! Descarrego em cyma delle tudo que meu ego desfructe em quem perdeu sua visão!
Sem uso das mãos, elle rir me faz alli, para arrastar-se devagar, levando uns ponctapés, no seu logar...
Ahi, ficou temptado? Ocê tem gaz bastante para a barra supportar? Engole, no banheiro, o que eu cagar?
SONNETTO
DA UTILIDADE NA FUTILIDADE [12.766]
Fui “util p’ra caralho”, como todo subjeito sem visão pode ser, nesta vidinha familiar. Para que presta um cego? Mais me isolam, mais me fodo. Adjuda fingem. Sempre chega, a rodo, mais gente intencionada. Que me resta sinão manter sigillo? Faz a festa, assim, quem de “veado” punha appodo.
Pensou elle: “Esse primo veadão, agora que não passa dum ceguinho, será meu chupador, pois todos são...”
Chupei-o, mudo, ouvindo um excarninho mas franco commentario: “Meu tesão augmenta si está cego o passarinho...”
SONNETTO DO CEGADO [12.776]
As luzes não exsistem mais. Agora serão sons tantas cores que eu ja vira. Algum cego ja disse que se inspira naquillo que seu tacto mede e explora.
Sincero sou e ponho para fora, comtudo, o que, mais torpe, inspira a lyra dum cego: o olfacto o obriga que confira, tambem no paladar, sua atroz hora.
O odor mau dum prepucio regaçado se somma ao que da lingua a poncta accusa si fico de joelhos ao meu sado.
O membro se introduz. É minha musa a glande que ejacula. Fui cegado só para dar prazer a quem abusa.
SONNETTO DO SARRO [12.790]
Si cego sou, abusos não receio soffrer: ter que chupar siquer evito. Não posso nem suppor si elle é bonito. Excolha nem terei si elle for feio.
Importa que esse extranho, por recreio, um cego usar deseje: eu nem hesito. Appenas basta que elle, com um grito de “Chupa aqui!”, me estupre, sem ter freio.
Porem, mais importante é que esse extranho graceje, tire sarro da cegueira, se gabe: delle, facil, eu appanho.
Alem do pau na bocca, caso queira, lhe lavo os pés, de lingua dou o banho que irá render mais graça à brincadeira.

São Paulo 2025
Casa de Ferreiro
