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Glauco Mattoso
SINCERICIDIO
São Paulo
Sincericidio © Glauco Mattoso, 2025
Revisão
Lucio Medeiros
Projeto gráfico
Lucio Medeiros
Capa
Concepção: Glauco Mattoso
Execução: Lucio Medeiros
Crédito da foto: Claudio Cammarota
FICHA CATALOGRÁFICA
Mattoso, Glauco
SINCERICIDIO / Glauco Mattoso
São Paulo: Casa de Ferreiro, 2025
134 p., 14 x 21cm
CDD: B896.1 - Poesia
1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.
NOTA INTRODUCTORIA
Verdades e mentiras fazem parte da saga do poeta que, si for um cego visionario, mais terá razão ao versejar para quem queira crer nessas phantasias delirantes. É disso que se tracta neste livro, partindo dum poema de Pessoa: junctar algumas petas verdadeiras ao lado dumas falsas inverdades. O resto que desmintam meus leitores.
DISSONNETTO SIMULADO [0078]
Poeta é fingidor, disse Pessoa, simula mesmo a dor que está sentindo. Desconfiemos, pois, do que é provindo dum cego, si é insensato o que appregoa.
Por mais que elle exaggere a dor que doa, reajam com desdem e leiam rindo; Por mais que o purgatorio seja infindo, respondam que seu caso é coisa à toa.
É assim que um cego deve ser tractado: sem credibilidade, sem piedade. Practiquem tudo quanto lhes aggrade! Extendam-no no piso, manietado!
Obriguem-no ao rastejo, como Sade procedam! Não o chamem de coitado! Si a diversão não for de inteiro aggrado, vae ver que não é cego de verdade!
DISSONNETTO VEROSIMIL [0119]
Verdade dóe, é rude, impiedosa. Mentira piedosa é trahição. As taes meias-verdades nada são alem de deslavada, molle prosa.
Si é toda reticencia duvidosa, si a peta pede só condemnação, qual deve ser, então, a solução que desmascare a farsa cor-de-rosa?
Fallar abertamente não compensa. Quem viboras cotuca arranja enguiço. A serio, sem rebuços, o feitiço reverte ao feiticeiro a desadvença.
Dois meios só, p’ra dar um jeito nisso tirando a falsidade e o tom de offensa: a ludica, poetica licença, brincar e versejar, sem compromisso.
DISSONNETTO SUSPEITO [0156]
Poetas sempre fallam a verdade e quem a falla não meresce pena. Chorar do crocodillo e rir da hyena: é assim que se interpreta a realidade.
O vate dissimula (à) sua vontade e muda logo um angulo da scena. Tem odio ou adversão, mas finge pena. Poetas nunca fallam a verdade.
Machista, satyriza a bicha em si. Marxista, tece a these da direita. Espirita, a catholica ala acceita. Carnivoro, destrincha o abacaxi.
Meu caso é symptomatico: approveita a humilhação dos olhos que perdi, subjeita-se ao algoz, que lhe sorri, da lingua faz palmilha, e se deleita.
DISSONNETTO MARITIMO [0302]
Viagem de Pessoa numa ode o leva a desejar-se prisioneiro na mão duma porção de marinheiro. A mente delirante tudo pode.
Desculpe-me o leitor, não se incommode, mas vou mais longe, attraz do canoeiro que vive no archipelago, guerreiro que tem a satyriase dum bode.
A tribu desse cara cata vivo, depois duma battalha, um inimigo. Tortura lenta é o fim do tal captivo. Pros vis gurys da aldeia, seu castigo/
/vae ser divertimento primitivo. Soffrer isso em pessoa é o que persigo. Fingir, disse Pessoa, ao vate é crivo. Sonhar com dor prazer será, lhes digo.
DISSONNETTO CHUPETEIRO [0308]
A bocca que colloca a voz e o canto é a mesma que perpetra o mais nojento e torpe gesto humano, que eu enfrento nas trevas, entre o estupro e o proprio pranto.
Tal acto é a fellação. Sabe Deus quanto um homem desce ao poncto onde me aguento! O penis me penetra cem por cento e ja nem sei si chupo ou si garganto!
Paresço mentiroso, mas não minto e nunca tal versão facil desmonto. Embora a contragosto, vivo prompto a dar buccal prazer a qualquer pincto.
Si julgam que é mentira, dou descompto e disso com vergonha nem me sinto: até o prepucio, sou eu que consinto; dalli ao coito fundo, augmento um poncto.
DISSONNETTO SYNTHETICO [0340]
De como a poesia é definida depende a trajectoria do poeta. Qual é, pergunto, a formula secreta que traça em poucas linhas uma vida?
Segundo Rilke, a lyra não duvida, mas Eliot é turrão, e tudo objecta. Bashô quanto mais crê menos se acquieta. Pessoa diz que é fé na dor fingida.
Divergem tantos mestres só no tom. Exsiste algo em commum? É o que pergunto. Não ha por que dar tractos ao bestunto: ha chymica no verso, não um dom.
Qualquer opinião, qualquer assumpto em lingua de qualquer extranho som será, verdade ou não, poema bom si for densa a fracção, breve o conjuncto.
DISSONNETTO REMANIFESTO [0507]
Depois de tanta eschola e tanta egreja desde o barroco aos “pós” em que hoje vivo, archaico, iconoclasta ou constructivo preceito em manifesto é o que sobeja.
Tambem quero propor! Que o verso seja mais sujo e chulo: um rallo e não um crivo; mais curto e grosso: expresso e não exquivo; mais duro e rijo: o metro não fraqueja!
Emfim, nada de novo: appenas quero respeito à tradição do fescennino, do excarneo na cantiga, que imagino tão velho em poesia quanto Homero.
Abbastardar não basta, vaticino porem: convence o vate si é sincero no olhar confessional, no verso vero, e conta o que soffreu desde menino.
DISSONNETTO CADAVERIDICO [0514]
Aqui jaz um zumbi que, com veneno, espada, faca, forca ou guilhotina, a turba em furia cuida que extermina, mas volta a si e respira a pulmão pleno.
À morte não serei eu que o condemno, mas dizem que elle proprio se incrimina, fingindo aguda a dor mais pequenina, tornando enorme o gozo mais pequeno.
Na lapide inscreveram um poema: “Não creia no sorriso da caveira! Duvide da visão mais verdadeira! Visões phantasmagoricas não tema!”
Da tumba o zumbi zomba e, mal se exgueira, de novo seu despojo a turba crema e um novo midiatico dá thema.
Maior poeta vivo? Crê quem queira!
DISSONNETTO DUPLINTENCIONADO [0593]
Por traz duma carranca ou dum rompante se esconde a timidez e o desespero. Aquelle que sorri com exaggero apposto que se tracta dum tractante.
E quando brada “Advante!” o commandante se escuda bem attraz dum companheiro.
E quando advisa alguem “Cheguei primeiro!” quer antes almossar que um outro jante.
O forte sempre finge que é de paz.
O fracco diz bravata e puxa briga. No fim, um foge e um outro o que quer faz. Quem mostra mais cuidado pouco liga.
Quem era um sanctarrão é um satanaz. Quem sabe um cego ao longe ver consiga si, sendo menestrel, se satisfaz fingindo que com sua dor se instiga?
DISSONNETTO MYSTIFICADO [0656]
Allah, Zeus, Jehovah, Buddha ou Tupan, Jesus ou Mahomé, Momo ou Mammon, mundano ou transcendente, mau ou bom, a algum alguem devota a vida van.
Emquanto um nos prohibe a má maçan, aquelle nos convida ao bom bombom.
Jejum é condição sine qua non ao magro, emquanto ao gordo é a gula affan.
Tem deus p’ra todo gosto. Excolha é tudo. Quem deve pouco excolhe o mais severo. Quem pecca à bessa busca o menos rudo. Por isso é que jamais me desespero:
Na duvida, com riso a dor illudo; no gozo excappo aos males que exaggero.
Pessoa ja dizia ser escudo dos bardos o delirio, por ser vero.
SAHIDA SINCERICIDA (1) [0664-B]
Vontade eu tenho, turma -- Ah, como tenho! -de, mesmo ostracizado, que me queira alguem para algum show, alguma feira, à mesa convidar! Serei ferrenho/
/nos termos da recusa! Quero o lenho descer em quem convida, da maneira mais rispida, xingar quem me peneira e esnoba, depois vem meu desempenho/
/louvar na tradição do fescennino! Convidem-me! Comvidem, que eu recuso, só para me vingar do puta abuso que fazem contra alguem fodão no tino/
/satyrico! Convidem, e eu fulmino que estou de sacco cheio dum obtuso boycotte e vaticino ser, no luso calão, o mais raivoso, o mais ferino!
DISSONNETTO DOS ODIOS DISCRETOS [0776]
Si odeio alguem do fundo do meu peito, disfarso e mostro appenas que não quero maior intimidade: sou sincero, porem seu mal não berro que é “Bem feito!”
Mas quem dum inimigo meu tem jeito e passa por soffrer meu mais severo attaque ou glosa, em prosa ou verso, é mero collega de battalha ou de defeito.
Os odios se cultivam como um pratto servido ammanhescido, vingativo, que accaba envenenando quem diz “Macto!” Por isso odios extremos não cultivo:
Appenas aos que odeio sou ingrato e finjo que de amar seus pés me privo. Mas elles sabem como sou cordato amante e das porradas nem me exquivo.
MERCADO EDITORIAL [0834-B]
Teria dicto Miller: Ninguem faça aquillo que editores pedem. Guarde os seus originaes. Volte mais tarde, depois de escrever outros mais, na raça.
Ahi, dirão: {Mas tanto tempo passa! Agora, só, você nos mostra, a par de seus novos, obra-prima tal? Allarde façamos! Faz seu livro jus à taça!}
{Meu caro, quem estava aqui não era eu, era alguem que genios nem notava! Talvez nossa politica mais trava puzesse em novidades da gallera…}
Assim os editores são. Se espera que tenham coherencia? Nem lembrava algum do que, outro dia, recusava! Desprezam auctor novo? Ora, pudera!
DISSONNETTO DESLUSTROSO [1084]
Quintana diz que as tribus de outras eras vazavam do poeta os olhos sãos de modo a que enxergasse só os desvãos que estão entre as verdades e as chimeras.
Mas hoje, o que é mentira e o que é, deveras, na mente confundimos: nem pagãos, nem crentes ousariam pôr as mãos na jaula, a ver si estão vivas as feras.
Os cegos, ora inuteis como vates, só servem hoje em dia para officio bem menos importante: o de engraxates. Homero não deixou nenhum resquicio/
/capaz de ensejar lubricos debattes. Rarissimos aquelles cujo vicio secreto seja, alem de engraxar gratis, dizer que usam a lingua, como eu disse-o.
DISSONNETTO SEM CONSERTO [1269]
Na lingua ingleza exsiste uma expressão perfeita para a gaffe, ou a mancada: é “pôr o pé na bocca”. Não ha nada capaz de reparar tal papellão.
Em casa de enforcado, burros são aquelles que da chorda fallam. Cada besteira é, alli, fatal: uma piada, um simples trocadilho, um palavrão.
Na cara, às vezes, delles eu exfrego verdades: meus leitores comprometto. Pensando nos proverbios, sempre pego exemplos: a cagada, a offensa ao preto…
A casa do ferreiro, o peor cego… Às vezes, algum pé na bocca metto, mais sujo que o meu proprio, até, não nego. Sahiu peor a emenda que o sonnetto!
DISSONNETTO DO BALLÃO FURADO [1326]
Actor? Publicitario? Quadrinhista?
Ministro? Jogador? Juiz? Prefeito? Qual ego é mais inflado? Qual subjeito será mais egocentrico e egoista?
Aquelle que diz “eu” numa entrevista a cada phrase, e que só vê defeito nos outros, não é menos imperfeito que quem faz a pergunta, o jornalista.
Porem, quando se tracta do poeta, não pode haver no mundo maior ego! Não fosse a voz poetica a tal “meta”! Só mesmo quando o cara ficou cego/
/e não se vê no espelho, é que, incorrecta, a lingua ja mordida diz: “Me entrego!” Eu, muito pessoano, que da recta não tiro, risos causo si excorrego…
DISSONNETTO DO POSTO DO IMPOSTOR [1385]
Peor dos mentirosos será quem?
Algum publicitario? Um advogado? Politico? Marido? Não detem nenhum delles da peta o melhor grado.
Politica é mentira, sabe bem qualquer dos eleitores. O mercado é cheio de productos muito aquem daquillo que no annuncio é propagado.
Porem o defensor dum assassino, que emitte (data venia) um parescer, precisa ser tão cynico, imagino, a poncto de affirmar que é bom morrer.
Talvez para um doente terminal, um lider affastado do poder, mas nunca para alguem que não vê mal na vida, e até soffrendo tem prazer.
DISSONNETTO DAS PERNAS CURTAS [1570]
“São mentirosos todos os bandidos!”
A phrase accyma dicta foi por quem tem fama de bandido. A meus ouvidos, aquelle que fallou mente tambem.
Aqui surge o problema. Pode alguem do gajo duvidar? Si forem cridos, seus termos nos dirão, então, que teem razão de não mentir os referidos.
E assim por deante. Parte este sophisma dum unico principio, um falso prisma no olhar do ser humano: tudo é lei. Será que eu, como bardo, sempre errei?
Mentira! O ser humano à regra excappa. Politico, ao fallar que sae no tapa, no fundo quer dizer: “Sei la! Não sei!” Mais macho foi quem disse que era gay.
DISSONNETTO PARA UMA VELHA PERGUNTA [2046]
Accerca do motivo por que escrevo perguntam-me outra vez… Respondo ja: si espero, na cegueira, ser longevo, para mactar o tempo não será.
Ganhar dinheiro? Fama? Não me attrevo a dar dessas respostas. Quem as dá até pode ser franco, mas relevo seu nome só na lapide terá.
Escrevo porque, cego, ja não leio. Escrevo porque entendo o que me soa. Si abuso, ao versejar, do nome feio, é para não fallar, na rua, à toa.
Escrevo e não me drogo, nem me macto. Escrevo em primeirissima pessoa.
Escrevo porque vivo, e fico grato ao verso, ja que a vida não é boa.
PORCO
CORPORATIVISMO (1) [2177-B]
“Jamais eu entraria” (assim diria o Groucho) “para algum clube de elite que como socio honrado um cara admitte da minha laia!”, cheio de ironia.
Poeta que é maldicto parodia tal phrase. Eu pediria que me cite alguem, para que esteja a compta quite nas lettras, nestes termos, algum dia:
{Somente eu entraria para alguma selecta academia si essa casa assume que um pornô canone embasa seu codigo, que em vicios mil se estruma!}
Suppondo que essa casa a fama assuma de clube irreputado, ora, bem casa tal fama com a fama, torpe e rasa, dum cego que immortal ja se presuma.
DISSONNETTO PARA O SEGREDO DO POLICHINELLO [2288]
Millôr diz que o segredo do successo é de sinceridade usarmos, mas explica: só fará grande progresso quem conseguir fingir-se de veraz.
Me faço de sincero si confesso que, às vezes, de mentir serei capaz, mas, mesmo si desculpas a alguem peço, irão dizer que o faço em tom mordaz.
Poeta é mesmo assim, Murphy resalta: fazendo da mentira sua falta maior, finge chorar, mas exaggera, ainda que sob ovos da gallera.
Accaba gargalhando, e sua dor provoca appenas riso, si alguem for levar a serio a magoa mais sincera. Na physica se explica tal chimera.
CHOQUE DE REALIDADE (1) [2864-B]
Não, Glauco, não sou esse que, em emballo de imagem, de estrellismo, ja perdeu o senso de ridiculo. Me deu vontade de cahir desse cavallo.
Não posso, não, Glaucão, cantar de gallo. Si for para fallar mal de mim, eu serei mesmo o primeiro. Quem ja leu meus versos saberá do que é que eu fallo.
Ao menos a autocritica me resta, amigo. Bem sei como o meu conceito tem sido denegrido. Sim, acceito o rotulo que collam nesta testa.
Ninguem, meu caro Glauco, me detesta mais, creio, do que eu proprio. Meu defeito maior é, nesses annos, não ter feito um mea culpa a tempo, um fim de festa.
CONSERVADO NO VINAGRE [2951-B]
Cahindo de gagá sei que está ja aquella geração que me encantou na musica, nas lettras e no show, mas hoje espera a cova, a terra, a pa.
Tambem me sinto velho, tambem la não ando bem das pernas e não vou dizer que cem por cento forte estou, mas, quando me elogiam… Não, não dá.
“Você está bonitão, Glaucão! Ja tem septent’e dois? Caralho! Nem paresce!” É como si, na latta, alguem dissesse: “Gagá até pode estar, mas finge bem!”
Prefiro que me digam, mesmo sem nenhuma ceremonia: “Minha prece ja faço por você, que logo desce ao tumulo! De todos o fim vem!”
DISSONNETTOS SOBRE O TYPO ATYPICO (1/2) [3035/3036]
(1)
Poeta finge até que é fingidor, que tudo exaggerou, mas, no meu caso, confesso que chupei e, juncto ao vaso, levei na bocca o mijo do oppressor.
Nos pés ja practiquei seja o que for que queira o meu leitor, mas me comprazo agora na punheta, e tiro o attrazo suppondo contentar-me com suppor.
Me entendam: todo o tempo fui aquillo que chamam, hoje, um “nerd”, orgasmo a sós bastando-me e, no verso, o franco estylo daquelle cuja sorte foi atroz.
Assim os meus poemas eu burilo. Excentrico, exquisito, minha voz poetica é maior si me anniquilo e egualo-me ao que somos, todos nós.
(2)
Por isso não extranhem caso eu peça a algum correspondente o seu relato de tudo que soffria, si de facto tambem elle humilhado foi à bessa.
Si attende ao que pedi, mais que depressa, emquanto o email “leio” ouvindo, eu batto punheta, imaginando um pezão chato na cara do subjeito que confessa.
Mas, quando lhe pergunto o que faria commigo, elle, que sempre foi pisado, responde: “Essa era a chance que eu queria! Faltava só pegar o seu recado!”
“Assim é que a desforra se sacia! Preciso descomptar este meu lado malvado! Só lambi, mas quero, um dia, pisar em quem lambesse o meu solado!”
BLATTOPHOBIA (1) [3037-B]
Um odio cultivamos contra quem, nas lettras, sem ter merito, o logar nos toma, contra aquelle que ganhar quiz premio que nos cabe e tarde vem.
Sentimos muita raiva de quem tem, nas midias, questionado o patamar que estamos alcançando, ou vem fallar que somos deschartaveis, valor sem.
Depois, si bronca temos dum magnata, dum chefe, dum politico, dum crente, até de ex-senador, de ex-presidente, queremos ser quem surra, aggride e macta.
O vão thema, affinal, de que se tracta foi este: em poesia, a gente mente. No fundo, sou alguem que não se sente capaz nem de mactar uma baratta.
MIXTOS MYTHOS [3093]
Papae Noel? É claro que accredito!
E até no lobishomem, no vampiro!
Você não crê nos astros? Eu prefiro ainda mais da lua cheia o mytho!
Não dizem que ha galaxias no Infinito?
Não dizem que ha bacteria, germe, viro?
Podia eu responder que não adhiro, que lendas são tambem, que as não admitto!
Exsiste, sim senhor! Exsiste tudo: sacy, buraco negro, homem da neve, a charta que é um espirito que escreve, a quantica, o dragão, o ogro pelludo!
Si nada disso houvesse, da mais breve piada, do mais serio e novo estudo, dos quadros que retractam Deus desnudo, ninguem se lembraria! Exsistir deve!
SABOTAGEM NA SONDAGEM [3231]
Quem mente mais? Politico? Advogado?
Dirá o publicitario: “Ouça o mercado!”
Poetas dão risada da questão, pois sabem que mais falsos elles são.
Que cada qual verdades fallar tente:
“Prometto: até o final do meu mandato…” “Eu provo: meu cliente está innocente…” “Garanto: ninguem vende mais barato…”
Pilhado nas denuncias, o prefeito allega que não passam de armação.
Dará seu defensor nova versão e todos de mentir teem seu direito.
Assim, se justifica toda a gente. Na proxima eleição, puto, eu constato que o caro marketeiro é quem mais mente e ao cargo o alcaide, ainda, é candidato:
“Não creiam no que dizem delle, não!
Honrado mais ninguem é na nação!
Os numeros comprovam: approvado foi elle e mais ninguem!” Nega o passado?
VANTAGEM NA VENDAGEM [3239]
Quem, homem ou mulher, foi mais pilhado mentindo? Ha na estatistica algum dado? A fama do poeta, de fingido, tambem na poetiza faz sentido?
Qual fama de infiel é mais secreta? Um macho, corneado, diz ser della e ha menos poetiza que poeta fingindo, si na lyra está a querella.
Difficil responder por sexo. Mas, si for por profissão… Quem mais enganna? O rabula, que abusa da chicana? O eleito, que só rouba e nada faz?
Qual macula será mais incorrecta? Até mais engannosa eu acho aquella maldicta propaganda, que projecta ladrões e vende a feia como bella.
Mentir só se permitte si eu duvido de mim quando confesso ter mentido? Quem mente mais? Politico? Advogado? Dirá o publicitario: “Ouça o mercado!”
DIGITALISMO [3247-B]
Si for “capacitismo” o preconceito num caso de incapaz (“deficiente”, melhor dizendo) ou, contra a velha gente, chamado de “etarismo”… Qual direito/ /nós temos, virtual? Si eu não acceito usar um cellular, quem quer que tente tal uso me exigir, vou simplesmente chamar “cellularista” tal subjeito?
E então? “Virtualismo”, si eu não quero nas redes incluir-me? Quem irá meu caso defender? Acho que está na hora dum “da antiga” ser sincero!
“Raiz” sou? “Analogico”? Qual lero assumo? Meus direitos para ja eu cobro! Vou fazer um bafafá, pois, sendo menestrel, eu exaggero!
PECCADO PEDAL [3458]
Provoquei um bafafá porque fallo do chulé, confessando que me dá mais tesão que um beijo, até.
Houve gente que viu má compostura e viu má fé: que, ao Islam, offendo Allah; que, aos judeus, trahi Javeh.
Menos, menos! Não trahi nem offendo, quando a nu ponho tudo! Exsiste ahi exaggero no tabu!
Ha quem goze, attentem só, num buraco de tatu, cafungando num loló e do Demo beije o cu!
O ADVENTO DO DEVIR [3559]
Tudo passa, nada dura.
De madura cae a jaca.
Foi-se o tempo de fartura. Está magra, agora, a vacca.
Nos athletas, a gordura sobrevem, que a carne é fracca.
Quem na frente, hoje, amor jura, ammanhan, por traz, attacca.
Sempre a gente se desmente e eu, eterno incoherente, ja affirmei o que ora nego. Si não finjo, não sossego.
Nada enxerga quem ja viu.
Foi p’ra puta que o pariu quem valor não dava ao cego, mas seu nome eu não entrego.
EDUARDO, O INFELIZARDO [3569]
Não é preto nem é pardo. Não se queixa da pobreza. Mas o facto é que Eduardo foi do azar a facil presa.
Não lhe pesa o maior fardo de faltar comida à mesa.
Mas Edu tornou-se um bardo, pobre victima indefesa!
Pois os males que elle sente são communs a toda gente e elle, é claro, os exaggera, diz, da cura, que é chimera.
Quando advista algum mendigo, pensa, em syllabas, comsigo: “Quer ser rei, mas quem lhe dera!” De Pessoa é fan… Pudera!
COMPTA DE MENTIROSO [3777]
Septe vezes septe são não quarenta e nove, mas quanto calça esse pezão, tão enorme, do rapaz!
Quando o joven disse, eu não o levei a serio: “Faz um favor! Verdade? Então deixa ver!”, fallei, mordaz.
Elle, rindo, não se fez de rogado: {Agora vês?}
E no collo o pé me poz. Só faltava pôr os dois.
Cego eu era, ja, mas fiz no seu pé tudo que quiz, e mais elle quiz, depois. Nem pheijão, nem foi arroz.
TROVANDO A TROVA DO FINGIMENTO [3825]
Qual recheio ha de suppor quem receia meu pastel?
Vae achar vento, si for esperar nozes com mel…
“Duvidei do trovador, duvidei do menestrel: um só finge sentir dor; si outro soffre, faz papel…”
Nesta trova eu, com Pessoa, suspeitei que a dor não doa nem lhes seja amargo o fel. Mas o Pedro, que é rebel, chulamente os desmascara e dos bardos mostra a cara:
“Duvidei do trovador, duvidei do menestrel: um só finge sentir dor; outro goza dando o annel…”
O CAUTO CAUSO DA MENTIRA [4138]
Pensou em qual mentira applicaria na esposa: tirar sarro da innocente mulher elle adorava. O expediente mais cedo elle encerrou naquelle dia.
Chegou em casa, prompto a uma euphoria fingir por ter ganhado, elle somente, milhões na lotteria: si desmente, depois, elle sorri quando ella chia.
Não é que o cara escuta alguem que sae do quarto e foge às pressas? Corneado se sente, quando a ficha, emfim, lhe cae. Flagrada, a mulher joga seu passado/
/na cara do marido. Perdoae, Senhor, quem nesta data haja peccado! Agora à lotteria sempre vae jogar um azarado separado.
O CAUTO CAUSO DO ORGASMO ANIMALESCO [4156]
Casou-se virgem. Disse a mãe a ella: “Menina, vae doer, mas você faz que está gostando, entende? Esse rapaz é como todos: goza, e a gente gela!”
Na hora, o rapaz trepa e se attropela, tentando repetir. Que tem mais gaz pretende demonstrar. Ella, sagaz, percebe e gosta. Finge ser cadella.
Depois de só comer no mesmo pratto, um dia cae-lhe a ficha: ella fingia sentir exactamente o que, de facto, gozava, algo que nunca se sacia.
Passou então, na cama, a ter mais tacto: deixou que elle fingisse em plena orgia estar, com mil gattinhas, o seu gatto. Ah, nada como usar a phantasia!
AMARGO BOCHICHO [4730]
Molestia mysteriosa! Febre dá, symptomas appresenta, mas não batte com quadros conhescidos. Chocolate, affirmam, causa syndrome tão má.
O gajo cae de cama e, logo, está febril, debilitado: elle se abbatte a cada dia. Caso não accapte seu medico, mais cedo à cova irá.
Mentira? Bem que pode ser! Alguem que come e de comer não viu a hora querendo passar trote em quem adora comer bombons, recheios, com ou sem…
O quadro, ja expalharam, só peora si o cara a brigadeiros comer vem, si attacca algum quindão, dos grandões bem, ou quando um alfajor elle devora.
SIGNA DIONYSIACA [4906]
“Poeta não se inspira! Elle transspira!”
A phrase não é nova: ja foi dicta de muitos modos. Numeros, os cita quem falla em porcentagens para a lyra.
Noventa, ou mais, por cento: ha quem confira assim o grau de exforço. Em dez limita o grau de “inspiração”. Portanto, evita suppor que baixe um demo em quem delira.
Eu fico dividido na questão, que deve ser polemica divina. Me sinto um apollineo porque opina meu lado racional, mas não sou tão.
Nem sempre o raciocinio predomina, porem: quando o commando é do tesão, à sanha subordina-se a razão e a signa subordina a disciplina.
RESPEITAVEL PUBLICO [4920]
Coelho da cartola, elle não tira. Mas tira algumas outras coisas: meia usada, tennis velho… Aquella cheia cartola não paresce de mentira.
Os magicos se viram, e se vira aquelle desse jeito: presenteia podolatras com essa meia alheia, com tennis detonado… E alguem delira!
Sem circo em que trabalhem, elles são forçados a aggradar a freguezia tarada, que com pouco se sacia, usando o que tiverem mais à mão.
Eu mesmo, com certeza, pagaria por uma dessas meias, si o pezão capaz de me accalmar este tesão a usou e si é de alguem que ja me lia.
IRRESISTIVEL RESISTENCIA [4994]
Paresce recorrente esta questão: Resiste a poesia? Resistente seria a tudo e todos? Ou somente alguns poetas podem ser, ou são?
Respondo por um cego que a visão perdeu e revoltou-se: o bardo sente a dor mais dolorosa, o sol mais quente, o amor mais amoroso e o chão mais chão.
Si amar é resistir, resiste a lyra.
Si odeio quem me opprime, ella resiste. Si anxeio ver, resiste quem delira. Quem versos faz nas trevas não desiste.
Real é, mesmo sendo de mentira. Em summa, resistente por ser triste, ou mesmo quando alegre, o bardo tira de lettra a dor, da lagryma faz chiste.
RELENDO
GILKA
MACHADO (1) [5116]
Diz Gilka que nasceu para o peccado, mas só de “amar o amor” ja diz que pecca. Não abre o jogo, nunca conta neca. Que devo presumir, Gilka Machado?
“Silencio” faz. “Renuncia” é termo dado por ella, ao desculpar-se. Com a breca! Por que não desembucha, não defeca, não cospe, não vomita seu recado?
Admiro toda lyrica que adhira ao chulo, que excancarem isso bem. Mulheres, quando querem ser, na lyra, abertas, desboccadas que ser teem…
Até mais do que a mascula mentira. Da franca poetiza ja ninguem espera que pudor sinta, que fira com culpa as regras: gozam os que a leem.
PSEUDOFEUDO [5225]
Coincidentemente, alguem me advisa que achou, no facebook, um perfil meu, ou pagina, que ao certo não sei eu, durante uma internautica pesquisa.
No dia da mentira, symboliza aquella falsa pagina, que leu, talvez, meu “fakebook” algum atheu, anarcho, nihilista… alguem que pisa.
Olhar por onde pisa só consegue quem vista boa tenha. Eu, que não tenho, e em digitos transcrevo o meu canhenho, sonego bom caminho a quem me segue.
Si querem me pisar, ou meu engenho poetico appreciam, digo: o jegue ammarrem no meu blog, e que navegue quem queira me pisar, que aos pés lhe venho!
VICIO DE HOSPICIO [5641]
Sonnetto lembra amor, a lyra, a musa, que lembram exaggero na dor, casos que lembram finaes rapidos e prazos curtissimos, que lembram voz confusa.
Tamanha confusão lembra quem blusa colloca pelo advesso, quem em rasos prattinhos toma sopa, quem em vasos de plantas faz chichi e lelé se accusa.
Loucura lembra andar pellado; o nu ja lembra Adão e como ficou preto seu caso ante o Senhor, que disse: “Tu terás que trabalhar, eu te prometto!”
Trabalho, no caroço, lembra angu, que lembra algum enguiço onde me metto, que lembra toda quebra de tabu, que lembra a creação dum dissonnetto.
SALARIO LITTERARIO [5719]
Um concurso, toda vez, propaganda faz da lyra. Bella merda! Vão vocês crer que lucra quem delira?
Ser poeta todo mez não garante o pão, confira! Quer bembom? Quer ser burguez? aos poetas não adhira!
Si um garoto menção fez de ser vate e se sentira animado, foi freguez da mais ludica mentira.
Concluindo, descortez sei que sou, mas você pira si faz versos. O marquez que com garfo o cu lhe fira!
INDUBITAVEL INCREDIBILIDADE [5724]
Um politico me disse que os politicos mentira todos fallam. Fez que eu risse. Foi sincero, ou ja delira?
Philosophica mesmice, a tirada não retira a verdade, até si um vice diz que nada tem em mira.
Da politica faz parte a mentira, mas tambem o poeta faz, com arte, seu papel de quem dor tem.
Aliaz, não se descharte quem ja teve e visão sem ficou, visto que reparte o delirio que lhe vem.
REPROVAVEL TROVADOR [5764]
Para fora, ah, si vou pôr meus ais! Lyrico? Uma ova! Direi merda! Trovador sou e porca faço a trova!
Nem veraz, nem fingidor, meu poema só desova a revolta. Vil si for, minha verve se renova.
Trovadores me dão compta de que estou no mau caminho, que cabeça tenho tonta por beber do peor vinho.
Mas sermão não me ammedronta, pois o verso que, excarninho, faço, para a fama apponcta si durar um minutinho.
INCORRECTO RETROSPECTO [5823]
Meninice sempre inspira ao poeta alguma merda. Fallo claro: minha lyra de ninguem bons modos herda.
Eu no callo (alguem confira) Só commento o que me apperta. Sobre infancia, mais mentira que verdade acho em offerta.
Si meus versos à creança não dirijo propriamente, é que ponho na ballança o que todo cego sente.
Um ceguinho que se lança nestas lettras pela frente encontrou foi a festança dos que riram do que invente.
MISCELLANEA THEOLOGICA [5989]
Quem é que responsavel foi por isto?
Alguem precisa estar por traz de tudo que pode accontescer si eu não me adjudo. Mas nem por isso um deus será bemquisto.
Appenas por ser Pae, que foi de Christo, não acho omnipotente esse marrudo Senhor que nos opprime. Não me illudo. Em seitas doutrinarias não invisto.
Não posso responder pelo que quero mas nunca realizo, ou por aquillo que evito mas occorre. O risco zero jamais exsiste, como o mar tranquillo.
Si penso no poder dum deus severo, eu temo; si não penso, me horripillo. Si fallo como bardo, sou sincero, mas algo eu exaggero, ao meu estylo.
MISCELLANEA CONSENTANEA [6041]
Fofoca tambem pode inspirar lyras. Bordão mexeriqueiro, esse “Eu augmento mas não invento!” applica-se ao tormento. Sim, vale versejar sobre mentiras.
“Mas Glauco, caso ao verso te refiras, dirás da poesia cem por cento!” Sei disso, mas aqui somente tento unir-me a pescadores e caypyras.
Eu, sempre que versejo, de Pessoa invoco o tal pretexto da licença poetica, a doer-me do que doa. Fiz drama da cegueira e numa immensa/
/comedia a transformei, visto que soa ridicula ao leitor, caso o convença. O facto é que de mim elle caçoa e sei que isso faz boa differença.
SATYRESIAS [6095]
Facillima se faça a prophecia na bocca do ceguinho que propheta se torna si tambem for bom poeta. Componha pessimista a poesia!
Si for hoje peor nossa agonia à de hontem comparada, se interpreta bem facil o porvir: mais nos affecta a mesma dor um dia appós um dia.
Si fosse exactamente a mesma dor, nos accostumariamos ao mal. Da proxima vez, nunca a dor egual será, porem mais forte, é de suppor.
Sinão, não tinha graça! Assim, si for auctor dalgum oraculo fatal, você exaggere muito o mau signal, ou não será das trevas portador.
ESTELLARES ESTELLIONATARIOS [6288]
Na duvida, não sabe ninguem disto que somos nós, poetas: si seremos verdade, si mentira, ja que extremos junctamos, desde Christo até Mephisto.
Assim é que, Glaucão, eu sempre insisto na tecla demoniaca, pois demos e sanctos todos somos e fazemos papeis tão differentes, que eu nem listo.
Fallar de fake news, de fraude em tudo é moda, mas mal, mesmo, só si for no campo da politica. Si por poetas feita, a lenda admitte estudo.
Eu, como tu, confesso, sim, que illudo o publico, que faço, sim, suppor um dubio, controverso, ambiguo auctor de enredos. Só não vale ficar mudo.
MYTHOMANIA [6491]
Aquelles puxa-saccos que de “mytho” chamando vivem esse de plantão em nada differentes, Glauco, são dos outros, cujos nomes eu nem cito!
Diziam “presidenta”, até bonito achavam commetter violação às normas da grammatica, Glaucão! Mas com o tal do “mytho” mais me irrito!
Chamamos de “mythomano” quem mente por vicio, ou seja, mythos são mentiras, são lendas! Tu, Glaucão, nas tuas lyras, alludes aos monstrengos como um crente!
Mas és poeta! Podes, simplesmente, fingir que embarcas, caso te refiras aos monstros, na canoa! Tu deliras, mas esse gado orgasma, tesão sente!
BENEFICIO DA INDUBITABILIDADE [6516]
Mas, Glauco, sou poeta! Você não concorda que exaggeros commettemos? Até posso chegar a alguns extremos! Licença tenho para ser causão!
Si com um cara acharam um milhão, direi que foram dois! Quando nós lemos que, em canna, alguem roubou, logo diremos que muitos ja mactou, por deducção!
É facil presumir, Glauco, o que irá dizer algum politico que seja flagrado recebendo de bandeja aquella commissão de marajah!
Nos basta amplificar e, desde ja, suppor que todo mundo, nessa egreja, faz coisa até peor! Nossa cereja, no bollo, bem rhymada ficará!
TERRACUBISMO [6572]
Sem essa de ser plana a Terra! Ah, cada bobagem que se escuta, Glauco! Mais embaixo está o buraco! Esses bossaes não sabem que será a Terra quadrada?
Qual circulo! Qual orbita! Qual nada! Planura no planeta? Não, jamais! É tudo geometrico! Teem taes celestes corpos solida camada!
São trez as dimensões, Glauco! Portanto, um cubo, só, será nosso planeta! Qualquer terraplanista, que se metta a besta, padroeiro nem tem sancto!
Mas, Glauco, p’ra ser franco, nem me expanto com tanta estupidez! Basta a gaveta olhar! Ja viu gaveta, sem ser peta, redonda? Nunca vi, Glauco, garanto!
CACOEPICA CUPIDEZ [6589]
Percebes, Glauco, como cada vez mais usam o cabal “duplipensar”? Appenas na politica a vulgar mentira teve tal desfaçatez!
Agora, pelas redes, um “talvez” não mais “sim” quer dizer, mas dá logar ao “não”! No controverso linguajar, quem come, dá; quem deu, chupar ja fez!
Hem, Glauco? Quem familia allega ter, se casa com o filho, que é marido da propria filha! A mãe desse bandido “pastora” se diz, “pura”, ao bel prazer!
Assim, tambem terei o meu poder de ser contradictorio! Ja decido ser Christo, mas trepar vou, e libido terei, com Magdaleno, ou… Lucifêr!
ACADEMICO MICO [6842-B]
Tentei entrar. Barraram o meu passo. Fiquei aqui pensando: Quem mais é que está na posição de ser o zé ninguem? Eu de rogado não me faço!
Rogar não vou, tambem. O meu espaço nas lettras conquistei. E tenho fé de estar ja bem accyma da ralé que chama meu sonnetto de “devasso”.
Si vaga postulei na academia duns bardos, sem que fosse nella acceito, azar dos academicos! Bem feito! Quem manda me esnobarem? Eu podia/
/tal casa abbrilhantar, mas a phobia dos trouxas contra alguem que tem defeito nos olhos, porem nunca no perfeito poema, a aggremiação descredencia.
CERTEIRA CADEIRA [6842-C]
Agora, fui eleito pela ABRASSO, aquella academia de quem é, em terras brazileiras, pela fé no genero “sonnetto”, o mais ricaço/
/cultor. Como os confrades, no pedaço não vejo quem mais ande, lé com lé, siquer quem, cré com cré, mais finque pé com gosto nesse classico compasso.
Ao lado de quem moldes taes recria, de rhymas fan e a metricas affeito, ficar bem à vontade e ter proveito irei, pois tal paixão jamais exfria.
Tomara que essa boa companhia se faça mais reciproca si peito tivermos para abrirmos o conceito da formula à liberta phantasia.
THESE DE DOUTORADO [6970]
Não és um “postmaldicto”, vate? Então! Eu sou, ja, postdoutor! Sim, defendi diversas theses dessas, por ahi! De sobra tenho postgraduação!
Meu thema? Ah, sim! Me lembro de que não foi nada accerca disso que de ti se falla, Glauco! Creio que escrevi foi sobre nossa falta de instrucção!
Estás a rir, poeta? Tenho cara, agora, de palhaço? Sou doutor, sou mestre e bacharel! Quem vae suppor que posso mentir, vate? Eu viro arara!
Não podes duvidar si quem declara é o proprio titular! Do meu fedor tu nunca duvidaste! Sentes por teu faro que é concreta a minha tara!
ESPELHO PARTIDO [7046]
Mentira, menestrel, tudo mentira! Não dizem por ahi, Glauco, de quem quebrou algum espelho, que só tem septe annos seu azar? Nunca! Confira!
Aquelle espelho enorme, em que se mira, de corpo todo, um gajo… Bah, pois bem!
Quebrei-o, trovador! Virei refem da zica, sim, pois todo mundo vira!
Occorre que isso, Glauco, tempo faz! São decadas e decadas! Qual septe, qual nada! Melhorar, quem me promette? Meu sancto? Jesus Christo? Satanaz?
Ninguem resolve nada! Sou capaz até de imaginar que me compete, a mim, virar o jogo, mas me mette alguem na bunda a rolla… Ah, perco o gaz!
O BRADO DO BARDO [7199]
Eu grito quando estou sentindo dor. Mas pode este meu grito dar logar ao verso, ferramenta de esculptor. Com arte tambem posso reclamar.
Eu grito quando os outros luz e cor enxergam e ‘inda curtem meu azar. Não é que da dor seja fingidor. Dor sinto ouvindo um outro gargalhar.
Eu grito por perder esse prazer de ver, mas tambem grito por quem grita por seus direitos basicos perder. Meu verso não sou eu só quem recita.
Eu grito por não ter tanto poder de mando quanto quem meus versos cita. Mas rio, ca por dentro, por não ter cagado o que elle come na marmita.
MOTTE GLOSADO (1/2) [7371]
O poeta, quando cria, sente febre e até desmaia.
(1)
Accreditem! Poesia se assemelha à possessão e attaccado é dum febrão o poeta, quando cria. Varias vezes eu cahia nesse transe e toda a laia dos demonios de cobaya me fez… Digo e não me furto, pois quem passa pelo surto sente febre e até desmaia.
(2)
O poeta não se inspira, mas transspira, ja foi dicto. Si essa phrase aqui repito, juncto tudo: o bardo pira! Funga, sua, tange a lyra possuido, caso attraia um demonio de tocaya. Vejo assim a poesia: o poeta, quando cria, sente febre e até desmaia!
MOTTE GLOSADO (1/2) [7438]
Si não fede, si não cheira, não tem graça a poesia.
(1)
Si for rosa da roseira não é lama do chiqueiro. Ou é falso, ou verdadeiro.
Si não fede, si não cheira, não é verso que se queira portavoz da porcaria nem fugaz perfumaria.
Eu prefiro a fedentina!
Sem um faro que a defina, não tem graça a poesia!
(2)
Poesia não é mera padaria nem é pura, multicor floricultura.
Si não ousa, nada altera.
Si não suja, odor não gera.
Si não fura, é voz macia.
Si não fere, é ducha fria.
Si não fode, é punheteira.
Si não fede, si não cheira, não tem graça a poesia.
MOTTE GLOSADO [7467]
Não entendo de theatro. Isso é vicio de veado.
Si um azar finjo, bem atro, sou poeta pessoano, não actor, e ja me uffano: não entendo de theatro.
Si um machão me põe de quattro e meu cu deixa arrombado, dor senti, mas, feliz, brado. Quem é sadomasochista deixa em tudo a mesma pista: isso é vicio de veado.
MOTTE GLOSADO (1/4) [7660]
Ver pode quem quizer meu eskeleto aqui, mas não morri, creia quem queira. A quem ja me viu cego, eu só prometto que ver não poderá minha caveira.
(1)
Compor um epitaphio faz sentido emquanto estamos vivos e caralho ainda temos: cego, ja não valho por tudo que enxerguei, mas não duvido da rolla que enduresce na libido. Meus ossos quem olhar dirá: “Não metto jamais entre taes dentes meu espeto!” Necrophilo nenhum é tão sacana. Si é vida a carnal vara que se fana, ver pode quem quizer meu eskeleto.
(2)
Jazente ja me achei, mas como o Abbade, não como um sepulchral corpo a jazer. Assim como em Bocage, meu prazer poetico zombou da castidade e oraes preces paguei aos fans de Sade. Portanto, ao celebrar a “sahideira”, alem de lamentar-me da cegueira transformo-me em cadaver fingidor. Sou restos, si o caixão aberto for aqui, mas não morri, creia quem queira.
(3)
Prometto ser sincero quando, nestas finaes declarações, exponho a nu meu corpo offerescido ao urubu leitor que accompanhou as indigestas thematicas e dellas fez as festas.
Gozei, sim, reconhesço: meu sonnetto serviu como punheta, mas submetto aos outros meu tesão e dramatizo. Chorar finjo e dar azo a muito riso a quem ja me viu cego, eu só prometto.
(4)
Emfim, possa tal lapide logar ter para tanto verso redundante! Infernos não disputo aqui com Dante nem quero com Platão dialogar. No maximo, dalguma tumular selecta jus eu faço na peneira. Digamos que não caiba a porra inteira na cova, ou cavidade, ou valla, ou fossa. Leitor não restará que dizer possa que ver não poderá minha caveira.
MANIFESTO ESQUEERDISTA (1/2) [7874]
(1)
Confesso-me e professo a fé num “esqueerdismo” eschizo, no qual scismo que faço meu progresso: no verso, ja nem peço licença de ser dextro nem “gauche” e tenho um sestro politico a favor do lado “fingidor” que aos cegos eu sequestro.
(2)
Por mais conservador que possa parescer, masoca é meu prazer de escravo aos pés da dor, mas, como bom actor, sou sadico: gracejo e zombo do desejo. Portanto, liberal me vejo e, como tal, engajo-me sem pejo.
MANIFESTO IRRACIONALISTA (1/3) [7924]
(1)
“Quem disse que preciso deduzir que exsiste um Deus appenas porque eu penso? Nem sei si exsisto, Glauco! Ja pensou? A gente perde tempo defendendo conceitos e direitos dum humano ser vivo que siquer nem vivo seja! Talvez sejamos sonho dum insecto, pensou nisso, Glaucão? Talvez vapor sejamos dum cometa? Que tal isto? Agora tem você que responder!”
(2)
-- Alem de cego, mago, ou de fakir, virei tambem philosopho? Um immenso problema cê me arrhuma! Mas eu sou capaz de responder. Pelo que entendo, não somos só delirio dum insano propheta, dalgum lider duma egreja. Prefiro crer que, quando me interpreto, poeta sonhador finjo ser, por algum tempo, não só crendo que exsisto, mas crendo que terei certo poder.
(3)
Não posso fabricar um elixir bebivel, nem pro pranto tenho um lenço. Mas posso lhe dizer que cego estou appenas aos que enxergam. Estou vendo aquillo que ninguem vê. Si me enganno de porta, não me enganno caso veja as cores quando sonho. Não me inquieto tentando ser aquelle pensador que irá regras cagar. Appenas visto a minha phantasia por prazer.
MANIFESTO DESHUMANISTA (1/2) [7960]
(1)
“Não creio que tu devas te envolver só com perversidade e perversão, meu caro Glauco! Vejo tua lyra tractando unicamente desses themas nojentos, violentos, chulepentos… Paresces obcecado com tal lado da vida, como si outro não houvesse! Precisas pensar, Glauco, na faceta humana das pessoas, na bondade que exsiste ‘inda nos homens, por Jesus! Ou achas que sensato não me faço?”
(2)
-- Te fazes, com certeza. Mas dever eu tenho, como bardo, de ver não appenas as bondades de mentira. Tambem dos mais veridicos problemas eu tracto. Não descharto os bons momentos, mas, como vês, sou cego, revoltado, maldicto. Ja perdi tempo com prece inutil, com protesto. Na trombetta a bocca ja puz muito. De maldade, porem, quando te fallo, lingua puz na chaga. A mais denuncia dei espaço…
MANIFESTO INDIVIDUALISTA (1/2) [7984]
(1)
“Bobagens, Glauco! Pouco vale sermos humanos todos! Vale tão somente aqui sermos quem somos, ou melhor, ao menos que sejamos quem pensamos que somos! Glauco, uma autocognição é coisa para poucos! Que se foda quem pensa pertencer a qualquer gruppo, nação, religião, facção, povão!
Mal sei como meu proprio cu funcciona! Ainda perder tempo vou com gente maria-vae-co’as-outras, Glauco? Vão tomar todos no rabo! Penso só por minha cabecinha, melhor digo, por minhas cabecinhas! As vaquinhas que fiquem no presepio collectivo!”
(2)
-- Em parte até concordo com seus termos, mas mesmo tendo mente independente de livre-pensador, ao meu redor percebo dos demais os seus reclamos, com elles me comparo, dou razão a muitos excluidos, pois ha toda especie de injustiça. Me preoccupo com isso, o que me torna quasi irmão daquelles que me entendem nesta zona. Si dizem que o poeta finge e mente, talvez seja por isso que noção melhor tenha daquillo que dá dó nos outros. Não concorda, meu amigo? Ainda que discorde destas minhas bobagens, com você sempre convivo…
ODE NAUSEABUNDA (1/7) [8155]
(1)
Sentado, pensativo fico, à toa, tal como Otis ou Milton Nascimento, tambem philosophando, qual Pessoa, à beira do caes onde estou, ao vento maritimo, ou à beira donde echoa ruido de navio: o pensamento.
(2)
O mais bello horizonte que uma boa visão possa alcançar! O olhar attento poder dos transatlanticos a proa ou poppa distinguir! O movimento notar até das nuvens, me magoa não possa, a mim, caber neste momento!
(3)
Mas posso viajar, ja me appregoa Pessoa, mentalmente e, si lamento a physica cegueira, livre voa o olhar da phantasia, quando tento uns versos decorar, antes que doa o ventre constipado, o cu no assento.
(4)
Ai! Quando ja concluo quasi a loa que quero dedicar a algum evento feliz, a um thema ameno, me resoa o rhoncho intestinal, um flatulento fedor pollue a brisa que a canoa da lyra me arejava, e me appoquento!
(5)
Emquanto cago, finjo que caçoa de mim meu inimigo mais cruento,
que é elle quem me caga, quem me zoa da cara enlameada, que me aguento debaixo do seu rego, até que roa, como osso duro, o troço fedorento!
(6)
Deliro nesse quadro que se excoa aos poucos da visão, voltando ao lento compasso peristaltico. Destoa o surto do que agora, somnolento, figuro. Ja o tuphão uma garoa virou. Estou tranquillo, cem por cento.
(7)
A atroz constipação sempre me enjoa durante este descharte tão nojento das fezes. Todavia, quem remoa seus odios e exorcize um violento impulso se refaz, como um Pessoa, um Redding, ou um Milton Nascimento.
ODE MYTHOMANIACA (1/19) [8178]
(1)
Mentir, todos mentimos. Não admira que exsista na folhinha aquelle dia unanime que damos à mentira.
(2)
Negar, todos negamos, é mania. Politicos, si pegos em flagrante, allegam innocencia. Alguem confia?
(3)
Porem, no dia a dia, quem garante que algum de nós, na practica, não mente? Vejamos uns exemplos, doradvante.
(4)
Dizemos “Tá servido?” si, na frente dos outros, nós comemos. “Bom proveito!” -Respondem, mas servir-se quer a gente.
(5)
“Estou incommodando?” Quem, com jeito, pergunta tem certeza que incommoda. “Magina!” respondemos, por respeito.
(6)
“Foi bom, meu bem?” pergunta quem na foda fracassa. “Porra, nunca accontesceu commigo!” Outra resposta que é da moda.
(7)
Peidaram. Como fede! “Não fui eu!” Alguem, ao protestar, logo se accusa. “É feio peidar!” disse o phariseu.
(8)
“Poetas não se inspiram! Não ha musa!” -Affirma quem transspira sem successo. Mas todo auctor fallou que sua a blusa.
(9)
“Café não tomo! Só si for espresso!” Mas toma, a sós em casa, aquelle pó soluvel. Ja tomei, mas não confesso.
(10)
“Eu mesma fiz!” -- “Paresce da vovó!” Assim mentem commadres entre si.
O bollo de fubá foi de dar dó.
(11)
Da pessima piada ninguem ri, mas fingem achar graça só sorrindo. Quem conta pensa: “Porra! Me fodi!”
(12)
Do nosso bebê dizem: “Ai, que lindo!”
Do proprio pensam: “Pena que não é tão lindo! Mais seria si bemvindo…”
(13)
Tiraram o sapato. Que chulé!
Emquanto o cego, soffrego, fareja, alli se fazem todos de Migué.
(14)
Um crime, caso alguem tudinho veja, que nada viu affirma. Quando quer gabar-se da visão, ella sobeja.
(15)
O cego diz egual ser a qualquer normal pessoa. Pensa, a sós comsigo: “Mas vejo-me inferior! Si alguem souber…”
(16)
Pensei, quando ceguei, que algum amigo ainda conservasse, mas, affora meu cão, todos disseram: “Foi castigo!”
(17)
Embora chegue à beira da penhora, ninguem diz que as acções dão prejuizo. Até mais lucro dizem ter agora.
(18)
Fodeu-se quem obstenta algum sorriso. “Onde é que eu ammarrei, caralho, o jegue!” -Pensou, mas finge estar no paraiso.
(19)
Talvez a conclusão que ninguem negue me seja favoravel, pois na lyra a gente irá fingir, quando consegue.
ODE KABBALISTICA [8180]
O dia accorda pessimo? Bom dia! O trem descarrilhou? Diz que na linha está tudo normal a companhia! Vae mal a poesia? A culpa é minha! Quem rouba não roubou? Abusaria das leis quem condemnou? Quem ia vinha? Um jegue é professor? Philosophia lecciona? Palavrão é ladainha? Nazismo foi de esquerda? Putaria virou sermão de padre? Que gracinha! Villão virou heroe? Academia de lettras de politicos se appinha? Morreu o communismo? Viveria um Elvis ou Bin Laden agorinha? O medium negou tudo? Não confia nas midias sociaes a vovozinha? Beethoven bem ouviu sempre? Estaria fingindo o Alleijadinho? Do Caminha a charta foi apocrypha? Seria amarga a rapadura, azeda a vinha? Melhor duplipensar pensou quem cria prazer do masochismo? Me expezinha quem quer me elogiar e eu nem sabia? Feliz dia da falsa pegadinha!
RHAPSODIA PESSOANA [8372]
Foi Alvaro de Campos quem fez essa maritima, terrivel ode, embora tambem calma, nostalgica, na qual o bardo vae, no porto, divagando. Tambem vou divagar. Elle começa navios descrevendo, dos de agora. Aos poucos, retrocede ao infernal dominio dos piratas, nem sei quando. Importa-me tocar no que não cessa, cruel, de incommodar-me: o que vigora no codigo dos mares e fatal se torna a quem refem foi do desmando. Commum, a quem os mares attravessa, é o berro de quem perde a vista. Chora, ou, como diz o Campos, uiva, tal e qual cachorro uivando, quando em bando. Gostavam os piratas, rindo à bessa, duns olhos arrancar, arrancar fora das orbitas, appenas pelo mal que, em gozo, practicavam… É nefando! Calculo, ca commigo, si interessa tal coisa pesquisar. Barasch ignora, tal como outros auctores, o gruppal prazer de quem estava no commando. Appós tomar, pilhar, não ha quem meça a sanha desses sadicos. Affora demais crueis supplicios, ritual virou enuclear, ver nego urrando. Cegados, os coitados ja sem pressa vagueiam a gemer. Nada melhora o quadro. Ja correram, carnaval fizeram. O scenario ficou brando. Depois, implorarão. Numa promessa qualquer ‘inda crerão. Alguem explora aquella vil cegueira. Sexo oral
alguem exigirá, delles gozando. Assim os interpreto, pois processa meu verso o que o leitor, sem culpa, adora da culta lyra: a abjecta bacchanal que Campos suscitou e que eu expando.
RHAPSODIA CRESPIANA (1/2) [8401]
(1)
{Glaucão, esse Gonçalves Crespo não me enganna! Que comeu todas, duvido! Agora vem fallar de estavel vida, de esposa fiel, filhos… Ah, pois sim! Que delle considera verdadeiro, Glaucão? Você confia no poeta? Dum certo fingimento o não accusa?}
(2)
-- Plausivel mais é sua condição recente do que toda a van libido. Commigo foi tambem assim: perdida a minha visão, fico do festim distante. Só relembro quanto cheiro senti, que ja não sinto nesta quieta etapa da vidinha ja reclusa…
RHAPSODIA FLORBELLIANA (1/2) [8402]
(1)
{Achei mais masochista, Glauco, o verso que lemos em Florbella, não no caso da Gilka. A portugueza falla claro que encara seu machão como seu amo, aquelle cujos pés ella, decerto, irá lamber, Glaucão! Que fica alguma questão aberta, fica. Ninguem sabe, na practica, si falla a poetiza de factos mais veridicos, mas tudo bem: somos é fingidos e exaggero dizemos, ja dizia aquelle tal…}
(2)
-- Talvez eu seja mesmo mui perverso, mas quero muito mais. Só me comprazo com muita putaria. Tenho faro treinado na cegueira. Si reclamo por mais pornographia, por aberto fazermos nosso jogo, vale, em summa, cobrar das poetizas o que cabe cobrar: Alguem na cara dellas pisa, de facto, ou com taes versos só me illudo? Bem, seja como for, algum tempero se salva, alho, pigmenta, assucar, sal…
RHAPSODIA JORGEANA DO ARAUJO (1/2) [8405]
(1)
{Glaucão, o Jotagê não lhe diz nada? Ja delle zombam muito, mas até que bons sonnettos fez, hem? Neste aqui, dirige-se a si mesmo, faz papel piegas no começo, mas ahi transita do mediocre sermão até constatações mais realistas e drasticas, catastrophes prevê. Não acha a transição bem succedida?}
(2)
-- Sim, acho. Não será tão elevada a sua poesia, porem fé eu boto quando alguem falla de si. Não somos fingidores? Menestrel me julgo por dum cego ser quem ri. Que importa si esse cego sou ou não? Importa que dos sadomasochistas sou franco portavoz, como você notou quando sorriu da minha vida.
FLAGRANTE SUBJECTIVISMO (1/3) [8485]
(1)
-- Eu sei que você sabe que eu não sei de nada que commentem sobre a gente, mas falla a todo mundo que eu fallei aquillo que nem disse esse indecente povinho que accusou! Tudo eu neguei!
(2)
{Como é que você sabe? Quem desmente a minha allegação? Fora da lei está quem desmentiu! Na minha frente ninguem affirma nada! Jurarei de novo, si preciso, certamente!}
(3)
-- Não finja que não finge! Sempre o rei você foi da mentira! Caso tente fazer-se de Miguel, tambem serei forçado a me fazer! Quem quer que invente taes coisas, negarei que a gente é gay!
POSTVERDADES (8602]
Verdades, quando dictas por quem não votou em quem votamos, são mentiras?
Nem sempre. Quando falla de si mesmo, até quem não votou em quem votamos sincero pode estar sendo. Um exemplo: “Glaucão, você descreve essas torturas nos minimos detalhes, mas duvido que tenha ja soffrido uma na pelle ou possa practicar alguma dellas!
Nem acho que capaz foi de ver isso de perto, meu compadre! Eu, sim, fui preso e ja appanhei bastante! Sou capaz, esteja certo, dessas coisas todas!” E cita algumas, esse que fallou de si, mais que de mim, esse eleitor que pode estar mentindo só num poncto, o nome em quem votou. Appenas nisso.
DESMUDANÇA [8930]
Não quero parescer intromettido, poeta, mas você parou com tudo! Sonnettos não escreve mais, nem glosas, nem trovas, nem haikais, nem madrigaes! Agora até parou de rhymar! Onde é que isso vae parar? Peor! Você deixou de escrever versos pornographicos, a sua maior marca, menestrel!
Só vejo um palavrão aqui, dois outros alli… mais raramente, cada vez! Me explique, trovador, o que succede! Verdade? Converteu-se? Mas então… Devia abolir todo palavrão, deixar de expor aquellas violencias atrozes que, nas midias, repercutem! Entendo… Converteu-se, mas à moda politica, fingindo que mudou, mas nunca totalmente, emquanto vae, aos poucos, desmudando… Boa, bardo!
MIMIMI DE MENESTREL [9185]
Você fallou bastante dos poetas que gostam de chorar por um amor. Então acha você que elles bem fingem, Glaucão, como Pessoa claro deixa?
Sim, logico que entendo: chora alguem appenas para, aos quattro ventos, ter a chance de expressar-se em sua lyra.
A amada, seja aquella que de “ingrata” chamou o namorado, seja aquella que nunca recusou seu casto beijo, será sempre pretexto para algum poema, mas de facto o que interessa ao vate é ter leitores que, infelizes, com essas expressões se identifiquem.
ORGANICOS CANONICOS [10.007]
Tambem fui fanzineiro, como pariah tractado fui por essa academia maior, que “marginaes” jamais premia nem membro quer, que ergueu obra contraria.
Contraria, mas com meritos! Encare a questão quem faz “maldicta” poesia! Por isso dou valor àquella alli, a local academia litteraria.
Por todos os rincões deste paiz, os arcades, confrades meus na lyra, mais fazem que esses celebres perfis.
Emquanto nos esnoba quem só tira vantagem pela fama, a gente quiz contar nossa verdade, e não mentira.
SAHIDA SINCERICIDA (2)
[10.027]
Vontade eu tenho, turma -- Ah, como tenho! -de, mesmo ostracizado, que me queira alguem para algum show, alguma feira, à mesa convidar! Serei ferrenho!
Serei cru na recusa! Quero o lenho descer em quem convida, da maneira mais rispida, xingar quem me peneira e esnoba, com desdem, meu desempenho!
Valor não dão ao verso fescennino?
Convidem-me! Comvidem, que eu recuso, só para me vingar de tal abuso!
Estou de sacco cheio dum obtuso boycotte e vaticino ser, no luso calão, o mais raivoso, o mais ferino!
PORCO
CORPORATIVISMO (2) [10.040]
“Jamais eu entraria” (assim diria o Groucho) “para algum clube de elite que como socio honrado um cara admitte da minha laia!”, cheio de ironia.
Poeta que é maldicto parodia tal phrase. Eu pediria que me cite alguem, para que esteja a compta quite nas lettras, nestes termos, algum dia:
{Somente eu integrava casa alguma si em canone pornô fosse essa casa fundada: a academia que se estruma!}
Suppondo que essa casa a fama assuma de sordida, com ella, ahi, bem casa um cego que immortal ja se presuma.
CHOQUE DE REALIDADE (2)
[10.041]
Não, Glauco, não sou esse que, em emballo de imagem, de estrellismo, ja perdeu o senso de ridiculo. Me deu vontade de cahir desse cavallo.
Não posso, não, Glaucão, cantar de gallo. Si for para fallar mal de mim, eu serei mesmo o primeiro. Quem ja leu meus versos saberá do que é que eu fallo.
Ao menos a autocritica me resta. É pessimo o meu caso. Sim, acceito o rotulo que collam nesta testa.
Ninguem, meu caro Glauco, me detesta mais, creio, do que eu proprio. Meu defeito maior foi ser penetra nessa festa.
BLATTOPHOBIA (2) [10.043]
Um odio cultivamos contra quem, nas lettras, sem ter merito, o logar nos toma, contra aquelle que ganhar quiz premio que nos cabe e tarde vem.
Sentimos muita raiva de quem tem, nas midias, questionado o patamar que estamos alcançando, ou vem fallar que somos deschartaveis, valor sem.
Depois, si bronca temos dum magnata, dum chefe, dum politico, dum crente, queremos ser quem surra, aggride e macta.
O vão thema, affinal, de que se tracta foi este: em poesia, a gente mente. Não macto nem siquer uma baratta.
MODESTIA ÀS FAVAS [10.108]
Mulher negra addentrar a Academia? Passou da hora. Alguem ser hoje eleito que indigena perfil tem? Foi acceito em boa hora. A Casa põe-se em dia.
Demora mas, aos poucos, ella cria vergonha. Agora a satyra approveito e indago: Terá quando, la, alguem peito de vaga dar ao cego que mais chia?
Mais digo: Quanto tempo falta para que um caso de conjuncto tão extenso na lyra a premios faça jus à clara?
Sou chato si me gabo? Sim, mas penso ser digno, ja faz tempo, dessa rara menção. Hem, meus amigos? Ha consenso?
MUITO POUCO [10.114]
“Me exquesço de lembrar de te exquescer…”, cantava George Harrison la attraz. Eu acho que me perco si me appraz pensar em dispensar. O que escrever?
Si eu amo o decasyllabo, um dever me imponho, ou seja: nunca “tanto faz”, pois tenho que manter-me, em todo o gaz, ainda a sonnettar, e com prazer.
Accabo convencido, pois, de estar à toa questionando o que fazer daquillo que ja faço de exemplar.
Não ganho, no sonnetto, outro poder sinão o de me expor à zica. Azar si tenho muito pouco o que dizer.
DIA DO ESCRIPTOR RESPONSAVEL [10.241]
Durante uma entrevista, a jornalista pergunta ao escriptor: “Qual o papel, na sua concepção, de quem fiel se julga ao seu officio, o dum artista?”
Mostrando mau humor, o auctor, que dista de toda a gentileza, diz: {Meu fel não nego. O meu papel é ser revel e pouco conversar, sem dar na vista!}
{Emfim, fallar o minimo!}, fulmina. “Não fallam do senhor como pessoa alegre?”, indaga, timida, a menina.
{Sim, fallam. Commummente, estou de boa. Só não estou alegre quando opina alguem que fallar devo coisa à toa!}
DIA DO BISCOITO [10.454]
Chamar a poesia de biscoito finissimo? Não chamo, não, de jeito nenhum, Glauco! Mas acho que eu acceito que chamem de bollacha, sendo affoito!
Ainda aos dezesepte, ou aos dezoito, eu via a poesia com respeito total, accreditava ja ter feito poemas geniaes! Hoje, me ammoito!
Ainda que não seja para a massa, não pode ser chamado de sequilho, siquer, algo que passa por trappaça!
Por vezes, seus sonnettos compartilho com gente que os degusta, mas não faça questão de terem gosto de polvilho!
DIA DO PUBLICITARIO [10.459]
Glaucão, que conclusão, hem, você tira daquella profissão que nunca diz verdades dum producto que feliz jamais deixa ninguem? É só mentira!
Mentira, sim, Glaucão! Sinão, confira: Appenas nos enganna quem subtis vantagens nos apponcta, com ardis, na compra duma IA que sirva à lyra!
Cahi na propaganda, comprei uma, achando que “poeta maior” eu na certa viraria! Coisa alguma!
A “IA” só plagiou quem mais se leu na lingua portugueza! Quem arrhuma prestigio desse jeito, si é plebeu?
DIA DA RESOLUÇÃO DE ANNO NOVO [10.668]
Agora ja não digo que estarei promptinho para deste sonnettismo livrar-me desde logo. Ja não scismo que possa me impor uma nova lei.
Não faço mais promessas, pois bem sei que vicios são dum poço, dum abysmo, o fundo mais sem fundo, que exorcismo nenhum evitará. Sim, ja tentei.
Tentei parar. Falhei, quebrei a cara, perdi meu rebollado, me fodi bonito. Se convence quem repara.
Um anno novo serve, si cricri quizer eu ser commigo mesmo, para chegar aos onze mil, ou por ahi…
DIA DO POETA ANTIPATHICO [10.707]
Terão que me engolir, todos vocês, seus merdas! Vocês sabem quem sou eu? Quem quiz desmerescer-me se fodeu! Eu sou muito mais eu, seus fedepês!
Milhares fiz, com thema de burguez, de elite e de povão! Nem europeu poeta tem recorde como o meu! Ninguem pelo sonnetto melhor fez!
Me encher o sacco sempre vem alguem si exijo o que me cabe! Mas ninguem me vem elogiar como meresço!
Quem é que mais talento tem? Hem? Quem? Vocês compõem sonnetto? Ninguem tem direito de envolver-me em desappreço!
DIA DO LEITOR [10.710]
Embora quem escreva appenas queira pôr para fora a sua confissão, bem sabe que ninguem será si não tiver algum leitor de cabeceira.
No caso do ceguinho, uma maneira melhor não encontrou de dar tesão a todos os que, lendo, vão na mão gozar da sua tara costumeira.
Sonnetto por sonnetto, quem o lê diverte-se com sua masochista mania de, nos pés, achar buquê.
Até que este ou aquelle, que não dista da casa do escriptor, feito um michê factura ao pisar nesse heroe sem vista.
DIA DO PENSAMENTO
[10.983]
Um dia, no DOBRABIL, eu pensei assim, dizendo: “Penso, logo cago.” Agora, nova phrase eis que lhes trago, que é: “Cago, logo penso.” Eu disso sei.
Não julgo que do thema sou o rei, mas, como nunca tenho o colon vago, sentado na privada, baita affago eu faço na barriga, ja de lei.
Caricia appós caricia, a tripa tarda mas algo bem profundo me libera, provando que um cuzão não se accovarda.
Si, como outros poetas, exaggera meu verso, uma attitude muito barda será molle fazer, na actual era.
DIA DO COMEDIANTE [11.000]
Preferes tu, poeta, dos clichês battidos do sonnetto, dos bordões mais typicos, tornar-te só freguez, appenas imitando os de Camões?
Alguem seguir desejas, que ja fez milhares, mas que exbanja as allusões piegas, as breguices que talvez nem fiquem? Ou mais raro te suppões?
No caso de suppores ser mais raro, terás que performar uma persona burlesca, assaz ridicula, meu caro!
Mas, como tu ja fazes, nessa zona satyrica, papel de quem tem faro de cego, tua lyrica funcciona.
DIA NACIONAL DO POETA [11.079]
Magina! Aqui de casa não és sancto, carissimo Mattoso! Fosses tu sanctissimo, tomavas no teu cu ainda assim, pois nome nem tens tanto!
Poetas, no Brazil, causam expanto si forem quebradores de tabu, maldictos, marginaes, dos taes que a nu devassam da cultura qualquer manto!
Peor ainda si elle for um cego, pornographo, satyrico, veado, nem sei quaes outros termos eu emprego!
Ah, sadomasochista tambem! Fado egual ao teu, Mattoso, ousei, não nego, chamar de sorte inversa ao Pasargado!
DIA DO MENESTREL CRUEL [11.324]
Chamado Menestrel da Crueldade, você, Glauco Mattoso, não poupou ninguem, nem a si mesmo! Do seu show faz parte essa autocritica à maldade!
Ainda que você seja de Sade um grande fan, descompto bom lhe dou, sabendo que está cego e que passou por martyr nessa sua actual grade!
Não é Sancta Luzia, não será nem Milton, siquer Borges, mas ninguem fará tantos sonnettos, claro está!
Ninguem sua coragem, Glauco, tem naquillo que immortal o tornou, ja: cruel ser, sem deixar de ‘inda ser zen!
DIA DA LIBERDADE DE LIBERTINAGEM [11.362]
Glaucão, meu livre arbitrio me permitte fazer na cama aquillo que quizer, sozinho, accompanhado de mulher ou homem, que se preste ao meu convite!
Licença, si é poetica, que eu cite permitte, si na telha aqui me der, aquillo que me seja de colher e passe por erotico palpite!
Um verso libertario libertino terá que ser, Glaucão, pois a licença é ja licenciosa, eu imagino!
É livre, em poesia, quem só pensa si pode ser mais livre e fescennino se julga, contra toda desadvença!
DIA NACIONAL DO BRADO DO BARDO [11.473]
Eu grito quando estou sentindo dor. Mas pode este meu grito dar logar ao verso, ferramenta de esculptor. Com arte tambem posso reclamar.
Eu grito quando os outros luz e cor enxergam e ‘inda curtem meu azar. Não é que da dor seja fingidor. Dor sinto ouvindo um outro gargalhar.
Eu grito por perder esse prazer de ver, mas tambem grito por quem grita. Meu verso não sou eu só quem recita.
Eu grito por não ter tanto poder de berro quanto um outro que se irrita. Mas como o que elle come na marmita.
DIA NACIONAL DO ESCRIPTOR INVEJOSO [11.481]
Bobagem! Invejoso, eu? Imagine! Inveja nunca tenho, de ninguem! Mas, para ser veraz, pensando bem, só tenho da Renata Pallottini…
Talvez do Antonio Cicero, tambem, a ter uma ponctinha até me incline, pois, desde os velhos tempos de fanzine, eu ja me questionava: Quem não tem?
Qualquer auctor que entrou p’ra Academia Paulista ou Brazileira me provoca inveja, si tal vaga lhe cabia.
Rancor só sinto quando se colloca la dentro algum politico ou mau guia. Cadeira de immortal não é baldroca!
DIA PESSOAL DE COMBATTE À AMNESIA [11.509]
Poetas perguntados sempre são accerca das razões, do que os motiva a tanto versejar e manter viva a lyra, a voz poetica, a canção.
Eu sempre respondia que a razão estava na revolta vingativa que nutro contra a pena que me priva dum basico sentido, o da visão.
Tambem ja respondi que escrevo, não por grana, fama: só pela afflictiva mania, typo um vicio, ou compulsão.
Ja velho, me dei compta: a verve é tão vital! Sinão, a gente desactiva neuronios que, babau, à morte irão!
DIA MUNDIAL DA CLAUSULA TESTAMENTARIA [11.510]
Tractado tenho sido como mero ceguinho que verseja, mas confio, tranquillo, no meu tacco, tenho brio. Resisto, creio, ao crivo mais severo.
Por isso deixo claro: chance zero terá quem, só depois que eu desça ao frio sepulchro, homenageie-me, eu que chio: -- Não quero premios posthumos, não quero!
Recuse meu herdeiro, não permitta qualquer typo de evento onde alguem queira louvar a minha mystica maldicta!
Alguem em mim achou qualquer certeira visão da poesia? Alguem me cita? Meu rosto observe, e não minha caveira!
DIA PESSOAL DO CANONYMO [11.587]
Nem fama nem proveito me dá gozo, mas acham que do canone eu à beira estou. Tantos eus lyricos vaidoso me deixam, mas não fede isso, nem cheira.
Fallar em heteronymos, famoso não fico por ser Pedro nem Ferreira, mas desde que excolhi Glauco Mattoso não viro Zé da Sylva alli na feira.
Fui Pedra-Ferro, Pedro, o Podre e fui até Padre Feijó, xará dum Sade. Nas lettras rolla tudo o que me inclue.
Ganhou muitas personas quem foi mui pornographo? Pesquise-me e se enfade dos rotulos, pois generis fui sui!
SONNETTO DA CENSURA QUE PERDURA [11.610]
Fiquei com mais inveja ainda desse tal Mario, ou mais até do tal Machado! Que gloria! Ser por ogros censurado é tudo que pedi que me occorresse!
Aquelles brucutus! Por elles, esse acervo litterario ser queimado podia! Até Lobato desaggrado causou! Quem quiz que disso se exquescesse?
Inveja sinto, claro! Bastaria ser lido por um desses brucutus e eu entro p’ra selecta galleria!
Mas é pedir demais que, qualquer dia, um delles ler consiga, si teem cus e medo de gostar da sodomia!
SONNETTO DOS ESTELLARES ESTELLIONATARIOS [11.910]
Na duvida, não sabe ninguem disto que somos nós, poetas: si seremos verdade, si mentira, ja que extremos junctamos, desde Christo até Mephisto.
Assim é que, Glaucão, eu sempre insisto na tecla demoniaca, pois demos e sanctos todos somos e fazemos papeis tão differentes, que eu nem listo.
Fallar de fake news, de fraude em tudo é moda. Peor, mesmo, só si for no campo da politica alguem pôr.
Eu, como tu, confesso, sim, que illudo o publico, que faço, sim, suppor um dubio, controverso, ambiguo auctor.
SONNETTO DA SELECTIVA PERSPECTIVA [12.037]
Caso uma merda seja algum poema (ainda que tal termo pouco usado se mostre) não será do teu aggrado, leitor que és. Que nenhum leitor, pois, tema.
Do teu aggrado caso certo thema poetico não seja, doutro lado, de merda o chamarás, eis que, estressado, és critico. Conhesço o teu eschema.
Mas, caso seja merda alguma lyra e, mesmo assim, te seja algo que aggrade, és tu, mesmo, o poeta que delira.
Nem todo trovador a merda admira, Mas nota: merda cria algum confrade, comquanto o termo usar ninguem prefira.
SONNETTO
DUMA COUSA COM CAUSA [12.101]
Chamados, nós poetas, de causões ja fomos tantas vezes, que nem sei si foi porque luctamos contra a lei ou della a favor, raios e trovões!
Luctamos, desde tempos de Camões, por causa alguma: amigo ou não do rei, amor à natureza, pauta gay, de cor, de corpo, credos ou facções.
Alguma cousa causa a nós, poetas, as dores que tomamos, da velhinha, do cego, do doente que definha…
Talvez seja por ti, que nem te affectas com themas da politica mesquinha, que estamos a luctar, na alegre rinha…
SONNETTO DUM INTRIGANTE TRIGO, OU JOIO [12.115]
É facil perceber, na poesia que fazes, que intenções tens no momento exacto da factura, Glauco! Tento as coisas separar com lupa fria.
No caso do poema que só cria alguma reflexão, é cem por cento cabeça; quando o thema tem nojento e erotico contexto, o pincto pia!
Paresces tu crear em duas phases distinctas: quando pensas, és vidente; no orgasmo, nem controlas a semente!
Emquanto não gozaste, nunca as pazes tu fazes com a lyra, qu’inda quente, te mella a mão, comquanto ja pungente…
SONNETTO DUM CASO DE FADIGA [12.214]
Cansei, poeta! Agora foi demais!
Cansei dessa vidinha de proleta!
Cansei do baixo astral que nos affecta! Cansei de sustentar até meus paes!
Cansei de tantos uis, de tantos ais!
Cansei duma azafama tão abjecta!
Agora resolvi: vou ser poeta, assim como você, que é desses taes!
Você não é famoso no seu meio?
Você não tem amigos de egual fama?
Você não compartilha a sua cama?
Não mesmo? Ora, meu vate! Então alheio eu ando, pois você tambem reclama da vida, da sahude, da azafama!
SONNETTO DUM CASO DE PREMIO CAMÕES [12.274]
Foi Victor Aguiar e Sylva quem ganhou o premio maximo da nossa amada lingua. Dizem, não endossa a nova orthographia. Faz mui bem!
Mas “Vítor” elle assigna, veja, alem de “Silva”! Concordar haja quem possa! Depois elles não querem que da troça ser victimas consigam! Graça tem!
Você, que assigna Sylva no civil, Mattoso seu pseudonymo bem cria com duplo “T”! Preserva a orthographia!
Por isso o não premiam! Ser subtil jamais foi o seu forte, Glauco! Um dia alguem attenta à sua poesia!
SONNETTO INCORRETIFISTA [12.373]
Rétif uma Fanchette idealiza pisando com sapatos cor de rosa. Tornou essa figura tão famosa que muito detalhar ninguem precisa.
Suppondo na mulher a pelle lisa, macia, num pezinho que se entrosa com outros pappos leves, essa prosa chamada “retifista” a fama visa.
Jamais interessou a mim, comtudo, um pé tão delicado ou feminino, pisado que me vi por um menino…
Versejo, desde então, e não me illudo com bellas convenções, si meu destino foi sempre ver o pé mais fescennino…
SONNETTO OBSOLETO EM ABSOLUTO [12.401]
Abrindo-se este motte, eu lhes prometto que mão não abrirei de ser bastante boccudo, ou desboccado, ou chulo, deante de themas, ou pornôs, ou de pamphleto.
Ja sabem meus leitores que o sonnetto deixou de ser, faz tempo, um elegante modello para alguem que amores cante, ou sitios bem mais lindos do que um ghetto.
Comtudo, sei que espera meu leitor perversas, pervertidas descripções de scenas não narradas por Camões.
Prometto me manter sempre credor daquelle que tem roxos os colhões e goza das alheias afflicções.
SONNETTO DA CAGADA QUE DEU MERDA [12.714]
Cagamos com frequencia, no sentido mais proprio, o da cagada na privada, alem do figurado, o que faz cada um quando deu errado o pretendido.
No caso do ceguinho, não duvido que espere meu leitor o que degrada alguem, o que seus habitos invada e exponha a suja face da libido.
Só si não correspondo ao que o leitor espera, quando faço um comportado poema, ahi, sim, posso ter cagado…
Por isso penso sempre, quando for compor novo sonnetto, que meu fado de cego soffredor se somma ao brado…
SONNETTO DOS MENOS AMENOS [12.751]
Duvido que você disso se enfade. Compor sonnettos, Glauco, foi mania? Ou foi a vocação que lhe cabia na vida, aquella astral necessidade?
Que importa? Qualidade? Quantidade? É coisa de somenos a quem cria milhares, como quem faz, todo dia, a propria refeição que mais aggrade.
Qualquer desses maniacos produz sonnettos aos milhares, mas, sem luz, sem pejo, sem pudor, só você, Mestre!
Só merda sahirá de tantos cus. Nenhuma quebrará tantos tabus, ainda que em IAs alguem se addextre!
SONNETTO DA VOZ CLAMANTE [12.755]
Indagas, Diniz, como, para as traças jogado, na cegueira, me convida a vida a revidar com pervertida minucia as mais poeticas mordaças.
Não faço poesia para as massas, mas sim commigo mesmo, suicida que sempre fui, na lyra que revida as dores com odores de pirraças.
Notaste, intelligente que és, as raras feições da minha tara, que, de perto, banaes e eguaes serão às demais caras.
Sim, este é meu segredo, que, decerto, devassas com pericia, pois reparas que escuto multidões no meu deserto.
SONNETTO DO PANICO MORAL
[12.769]
Não, Glauco, o que você gravou a gente não pode pôr nas redes sociaes! Você cria polemica demais nas suas entrevistas! Nem que eu tente!
Entendo que você, Glaucão, não mente, mas fiz todo o possivel p’ra as cabaes razões suas expor! Ninguem jamais acceita alguem assim tão dissidente!
Causou você tal panico moral com esses espinhosos themas, que eu nem pude defendel-o ou dar aval!
Fizemos varios cortes, mas não deu siquer para salvar aquella tal pilheria attribuida ao brocha atheu…
SONNETTO DA PARTIDA REPARTIDA [12.772]
Por meio deste espolio, communico que, em vez duma allongada sobrevida agonica, prefiro uma assistida sahida suicida desse mico.
A Akira, meu esposo, deixo o rico legado litterario. Rico? Olvida tamanha poesia quem decida a fundo pesquisal-a? Fecho o bicco.
Alguns bens materiaes, por testamento, com elle ficarão. Algum objecto menor, de estimação, ora accrescento.
Sim, quero ser cremado. O mais correcto destino para as cinzas vae o vento saber, alli no bosque, é o que detecto.
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