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CAPITULO XXXII - A ZIQUIZIRA QUE SE REVIRA 187/196
CAPITULO XXXII A ZIQUIZIRA QUE SE REVIRA
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Raymundo, emquanto eu fujo, me procura por toda parte, até que se dê compta da minha fuga. Achar vae que foi tonta e tola a decisão, que foi loucura. Mas pensa um pouco e diz: "Ninguem attura ficar num logar destes!" E desmonta seus trastes, faz a trouxa, o dedo apponcta na cara do fiscal da prefeitura: "Tu pensas que me impedes? Eu não fico aqui nem mais um dia, ouviste bem?" E parte, rhumo incerto, eu nem indico. Passou Tatuapé, passou Belem. Está quasi o metrô chegando, em picco horario, aonde casa ninguem tem.
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Raymundo passa a Sé, não desembarca. Até Sancta Cecilia vae, achando que ainda pela praça vê-se o bando de noias e andarilhos, na fuzarca. Enganna-se. O momento é de quem marca seu proprio territorio: o alto commando da força policial. Pensa: "Até quando? Será que um dia accaba?" A chance é parca. Raymundo, pela Angelica, decide subir até a Paulista. Depois desce, sem pressa, enveredando na Gomide. Refaz o itinerario (e não se exquesce) do tempo em que a cidade se divide em alto e baixo, em numeros e em prece.
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Passando pelo emporio de importados, Raymundo se lembrou: quanto patê comprou alli, francez! Quasi nem crê que os preços tanto estão inflacionados! Pensava que era "coisa de veados" gostar de vinho fino, de quem lê poemas em voz alta, dum buquê de flores perfumadas, chas gelados. Apprende alguem, emquanto corretor, a dar certo valor à joia rara, ao livro precioso, ao cheiro, à cor. Depois que a posição degringolara, taes coisas tinham sido, é de suppor, deixadas para traz, tal como a tara.
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Fallando em tara, a loja, em cuja porta Raymundo para agora, coisa chique exhibe na vitrine: é, sim, butique de sexo, sem censura à transa torta! Dispõe-se a pensar: "Isso ninguem corta, ainda bem..." Até que identifique tão caros accessorios, ouve um clique de machina, clicando... Nem se importa. Percebe, então, que a photo que alguem batte é delle. Quem a machina dispara sorri, malicioso: é um joven vate. {Se lembra de mim, cara? Sou eu, cara! Alumno do Adherbal! Fui engraxate, tambem, do seu amigo! É minha tara...}
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Raymundo, indifferente, se recorda do joven. Frequentou o casarão no tempo dos saraus. Que occasião impropria para dar-lhe alguma chorda! "Por que me photographas? (elle abborda o vate) Tens tambem algum tesão por photos?" Diz o joven: {Photos, não! Pezões! O seu é grande, não concorda?} Raymundo continua indifferente. Não fosse estar tão fracco e deprimido, no joven pisaria, certamente. "Pois é... Por que será?... Nem me decido (comsigo pensa) a ver si elle consente em grana me pagar por pé fedido..."
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Despede-se do joven importuno e segue seu caminho, rhumo incerto. Nem sabe o que procura, si está perto ou longe, só percebe estar jejuno. Podia ter pedido (ou ser gattuno) dinheiro para um lanche. "A descoberto" só rico fica; pobre, em pappo aberto, é "duro", é "liso": "Eu mesmo é que me puno..." Prosegue caminhando. Mais addeante, advista um basset hound que, na colleira, passeia com seu dono petulante. Dirige-se ao rapaz: "Ei, caso eu queira mexer no teu cachorro, elle é bastante mansinho?" E o cão nem mesmo a mão lhe cheira.
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Raymundo quer entrar na lanchonette, pedir a algum freguez que, charidoso, lhe pague um sanduiche bem gostoso, de queijo ou de salame, na baguette. De longe, fica olhando. A garçonette repara em sua cara. Ri com gozo, diverte-se: {Paresce ou não com Bozo?}, indaga da collega. Alguem se mette: {O cara fica ahi nos perturbando! Enxotem-no daqui! Perco o appetite! Exijo protecção, si estou pagando!} Raymundo sae dalli. Nenhum convite virá. Melhor, prevendo outro desmando soffrer, ser o primeiro que algo evite.
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Raymundo, emfim, consegue, noutro cantho, que paguem seu café, com um sanduba de quebra. A mão lhe treme. Si derruba a chicara... Segura-se, entretanto. Quem paga é um estudante negro, um banto que accaba de voltar, esteve em Cuba: sensivel se revela com quem suba ou desça em sociedade, um typo e tanto. Mas este, tambem, vira logo as costas e deixa nosso amigo na calçada, sozinho, sem lhe dar outras respostas. Quem sabe, alli na exquina, peça a cada passante algum trocado... "Não appostas em ti?", comsigo falla, a dar topada.
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Raymundo, errando às tontas, attravessa a typica alameda arborizada num bairro dos Jardins. Não está nada attento ao movimento, que não cessa. Mas, de repente, um trafego, que impeça alguem de attravessar, se accalma: a estrada paresce estar deserta! Agora, cada passada elle a dará como quem meça. Na negra limusine, que vem vindo em sua direcção, está a madame, pimpona no volante, em dia lindo. Raymundo attropelado é quasi! Chame, querendo, isso de "sorte"! Foi bemvindo, no instante, o instincto: alguem não deu vexame!
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Do carro, um homem pulla, ja aggressivo e prompto a reagir. É o segurança da dama, altão e magro. Quem a pança exhibe e sae tambem, grita: {Está vivo!} Raymundo a reconhesce, mas, passivo, nenhum sorriso esboça. Zuza dansa, até, de tão contente. Ella ballança o corpo, a sorrir: {Ah, si não me exquivo!} A Zuza está riquissima: hoje é dona da rede Pepperonyx, a franquia mais cara de São Paulo! Está grandona! Gordissima, elegante, quem diria que iria, na cozinha em que ambiciona successo tanta gente, ser a Thia?