THANATOPHOBIA

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GLAUCO MATTOSO

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São Paulo Casa de Ferreiro 2021


Thanatophobia © Glauco Mattoso, 2021 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco

THANATOPHOBIA/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2021 172p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA Convencionou-se que todo poeta maior precisa ter fallado de amor, seja na presença, seja na ausencia. Segue-se a inevitavel controversia: para viver o amor é preciso amar a vida. Occorre que nem só de amor palpita a vida, mas, antes, de sahude, pão, paz, comforto material e espiritual. Basta a perda da sahude para comprometter o appego à vida. E basta a perda, por exemplo, da visão para comprometter a sahude mental. Quem temia a cegueira tem mais motivos para temer a morte, ou para desejal-a, em egual proporção. Entre o amor à vida e o temor à morte se situa o mesmo campo para o philosophico dilemma entre a liberdade e a felicidade, dilemma que tambem é thema de todo poeta angustiado pelo conflicto exsistencial, inclusive este que vos falla nesta collectanea focada menos num "eros" que num "thanatos", um recorte que cobre a producção de duas decadas. Mais não adduzo para não incorrer em metaphysicas elucubrações, aqui descabidas. Appenas suggiro, por affinidade, a leitura addicional dos livros INSPIRITISMO e ESTUDOS PARAPSYCHOLOGICOS.



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THANATOPHOBIA [3872] Si eu morrer, para onde vou? Ai, não quero nem pensar! Mas eu penso; logo, sou. E, si estou, quero ficar! Foi Descartes quem fallou que pensava. Seu logar, porem, ja desoccupou e estou eu ca neste bar. Philosophico boteco, tão propicio a tal prazer, por signal: emquanto eu secco uns canecos, penso em ser... Só fallamos sobre a morte, disso temos o dever, mas ninguem ha que supporte fallar della sem beber...

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10 GLAUCO MATTOSO DECIMA DO ACCRESCIMO AO SEGUNDO TEMPO [2.22] A morte, que invencivel é, somente eu venço si me macto, ou seja, quando e como. Ja que a vida vou levando, ainda que soffrendo, sem que tente mactar-me, sou vencido duplamente, por ella e pela vida. Não me macto nem culpo quem decida por tal acto, mas acho que é do jogo ser vencido, assim como é do jogo si eu decido virar o resultado, discordato.


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DECRESCENTE SAUDOSISMO [2.59] Terá dos comprimidos a chartella algum poder, alem daquelle effeito constante sobre a chronica sequela do quadro diabetico? Suspeito eu, credulo, que tenha. Vejo nella um practico chronometro e proveito tirando venho disso que revela. Explica-se: a dosagem que eu acceito tomar diariamente é que me dá noção de como o tempo mais estreito ficando vae da vida que se está findando, e mais da morte perto o leito. Aos poucos, dia a dia, restará menor exspectativa de direito. A menos uma pillula, no cha da tarde, no jantar, e menos bella percebo uma canção que, para la da porta, ao longe escuto ou, da janella, a viva cor das flores quando ja começa a primavera, pois me gela, ainda, a dor lombar da noite má.

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12 GLAUCO MATTOSO CONFIANTE PESSIMISMO [2.73] Estou esperançoso! A exspectativa de vida, ao brazileiro, é de septenta anninhos bem vividos. Os do Piva não quero ultrapassar, pois meus sessenta e septe pesam. Chega! Quem se priva de tudo, sem visão, ja se contenta morrendo até mais cedo, si possivel bem antes de sentir que não aguenta siquer andar uns passos. Sim, meu nivel real de "qualidade" torna lenta a simples caminhada. O mais temivel dos males é temel-o. A gente enfrenta tamanho azar somente caso viva trez annos mais, e prompto! Nunca augmenta a minha confiança na saliva dos medicos. Morrer não me attormenta, appenas me estimula e me incentiva a, soffrego, comptar os dias. Venta, agora, ahi vem chuva. Si motiva poema novo, é caso que accrescenta bem pouco a qualquer obra selectiva.


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DELIRANTE ABSENTEISMO [2.74] Só faltam mais trez annos, nesta minha sentença vitalicia, para que eu me veja libertado deste breu! Emfim a minha morte se advizinha! Morresse logo, aos vinte e dois, eu tinha pedido tanto ao sancto, esse Thaddeu que Judas é tambem! Emfim o meu calvario vae chegando ao fim da linha! Trez annos! Quattro, quasi! Depressinha mais outro anniversario transcorreu! Sansão se libertou do philisteu por causa duma fé que não definha! Tambem em Zeus eu tenho uma ponctinha de crença, que esta bemçam me valeu! Depois de tanto azar, quem se fodeu confia e dias compta na folhinha! Ja neste que celebro, outra excarninha idéa de gerico me occorreu. Absintho genuino, do europeu, tomei! Pensei ter visto uma luzinha!

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14 GLAUCO MATTOSO TROVAS NAS TREVAS [2.93] Bom auctor não é só quem [variante: actor] phantasia a propria vida, mas tambem quem dó não tem de encarnar um suicida. Guerra? Não! Revolução? Nada disso! Uma sensata mente pensa: as armas são más, excepto a quem se macta. Não sou gothico, mas abro sempre alguma cova, em verso, que me rende esse maccabro pesadello, ao gozo inverso.


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CURRICULO LYRICO [0005] Do seculo a metade foi segunda. Primeiro da metade foi seu anno. Tambem deste o semestre e, salvo enganno, penultimo o seu dia. Não confunda. Frustrado suicida, pecha immunda assume em seu fetiche, mas o damno maior foi a cegueira. Mais insano ainda, o vicio lyrico em que abunda. Poeta fescennino, do sonnetto fez sua mais maniaca paixão. Tambem de dissonnetto dá licção. Mentaes, as lettras vê, brancas, no preto: "Não dei à luz meus livros todos, não plantei mil bananeiras, não commetto reprises suicidas, nem prometto ter filhos que desmintam meu tesão."

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16 GLAUCO MATTOSO ODE AO SUICIDIO [0055] Qualquer problema é grave caso tema morrer quem delle augmenta a gravidade. Peor é nada: a vida é que é o problema. Questão abro: da vida quem se evade será por desespero ou covardia? Quem tira a propria vida foi covarde? Que antithese! Não dizem, todavia, que para alguem mactar-se ter coragem é tudo de que, emfim, precisaria? Por que será que aquelles que assim agem costumam nos deixar alguma charta? Só querem nos negar que foi bobagem? Nenhuma explicação alguem que parta consegue dar àquelle que aqui fica, pois cada qual alheios ais descharta. Appenas valerá a maccabra dica si aquelle que tirar a propria vida por drama algum jamais se mortifica. Insisto neste poncto. O suicida tem sempre que ter sido um infeliz? Não pode ser alguem que nos convida? Eu mesmo sou aquelle que assim diz: Nem só por ter problemas vae a gente mactar-se, pois morrer eu sempre quiz!


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Quiz isso quando cego totalmente fiquei, quando não tive mais amigo, ou quando de outros males fui doente. Mas quiz, tambem, agora que o castigo perpetuo que soffro perde effeito e para as trevas tanto ja nem ligo. Tambem o quiz depois de ja ter feito sonnetto por milhar, madrigal, ode, tal como neste ensejo que approveito. Ou quiz quando os componho, si me accode o lyrico lampejo, novo até, no molde ou num assumpto que incommode. Emfim, quero morrer por ter a fé de estar só de passagem nesta chata vidinha que tão má não foi nem é. Não é fanfarronice nem bravata. Fallei ja, num sonnetto sobre o thema, que só derropta a morte quem se macta.

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18 GLAUCO MATTOSO MADRIGAL MORTAL [0066] Tal motte ao madrigal deu-me um amigo: "Carrego a minha morte (aqui) commigo". Lembramo-nos do nosso nascimento só pela certidão e pelos paes. Da nossa morte temos o momento pendente e, por hypothese, elle é mais concreto a cada dia. Mas nem tento datal-o, pois é como os carnavaes... Exacto: é data movel! Cada dia morremos um pouquinho e está o cinzento mais negro a cada hora que annuncia a noite. A quarta-feira, com seu lento e claro despertar, jamais seria de cinzas, si levadas pelo vento...


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EXSILIO NA MORGADO [0111] Aos homens bons que achei, si me comparo, percebo que serei dos menos maus. Si em termos affectivos fui avaro, subi, na raça humana, alguns degraus. Recluso, si no escuro vejo claro, la fora meu paiz recae no chaos. Imponho-me, a mim mesmo, o mais severo exsilio na Morgado de Mattheus. Amigos me convidam, mas não quero cruzar, no quarteirão, com phariseus. Ouvindo Stones, penso não ser mero passivo observador dos dias meus. Supposta humanidade em que me inspiro, a minha, ao menestrel, faz infeliz. Sou franco attirador só quando attiro meus versos, mas não macto quem eu quiz. Quem vejo da janella, ao dar um gyro geral, são outros pariahs do paiz. Nem tudo, todavia, só deploro. Irei sobreviver, annos appós. Aquillo que suei por cada poro será, depois de morto, minha voz. Jamais, como immortal, me condecoro, mas honro a voz que herdei de meus avós. Emfim, commigo mesmo não sou duro a poncto de rasgar o que compuz. No maximo, direi talvez impuro ter sido, mas não fodo tantos cus. Ao menos a libido eu asseguro que, em sonho, libertei de alguns tabus.

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20 GLAUCO MATTOSO MADRIGAL ESPECIAL [0119] Que tem de especial a viuvez si dellas tambem chega, um dia, a vez? Viuvas são, sim, dignas do respeito mais fundo, mas a data nos suscita alguma reflexão. Si, emfim, no leito de morte seus maridos da maldicta vidinha se despedem, eu suspeito que exsulta quem ficou. Alguem reflicta...


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MADRIGAL FINAL [0120] Com asthma ou diabetes quem se vê às voltas commemora agora o que? Exsiste, sim, um dia para quem doente ficou disso. Mas pergunto: Aquelle que sahude ja não tem precisa ser lembrado desse assumpto? Será que não se aggrava o mal de alguem si insistem que será, logo, um defuncto?

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22 GLAUCO MATTOSO ODE CIRCUMSTANCIAL [0121] Ode optimo formato pode dar, si a lyrica, de Apollo ou Dionyso, lembrar um movimento circular. Um circulo formato tem preciso si lembra a silhueta dum planeta visivel, que reflecte este em que eu piso. A Terra lembra a crença, antes, a peta que expalha quem pretende vel-a plana em vez dum porte espherico "careta". Planura lembra campo e, ao longe, enganna a vista, si a montanha mais distante tamanho tem menor que uma cabana. Cabana lembra um bardo que, a sós, cante romanticas serestas para a lua, saudoso dum amigo ou... duma amante. Saudade lembra alguem que continua presente em nossa mente, mesmo appós a morte, sem que um outro o substitua. A morte lembra nossos paes, avós, e lembra que estaremos, qualquer dia, com elles nuns, dos Judas, cafundós. O Judas lembra as botas que perdia, mas nunca a andar descalço alguem o vira e achal-as, ninguem acha, todavia.


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As botas lembram thema que, na lyra não entra dum poeta appaixonado, a menos que fetiches taes prefira. Paixão relembra scenas do passado, passagens duma triste meninice masoca, a depender sempre dum sado. Menino lembra alguem que, rindo, disse ao outro, que era quasi cego, ja: "Me chupa!" Natural que disso risse! Cegueira lembra alguem que perderá aquillo que, no sonho, volta: a cor. A cor lembra a politica, si é má. Perder lembra ganhar, e vencedor nos lembra alguem que cospe e tira sarro em cyma do vencido ou do eleitor. Cuspida lembra ranho, lembra excarro e excarro lembra alguem cuja sahude ruim é como a minha: nem lhes narro! Sahude lembra medico, um que allude somente aos bons effeitos da dieta, embora, no que eu coma, nada mude. Comer nos lembra a mesa que, repleta de doces e salgados, me convida à gula, a ver si nada alli me affecta. Sabores lembram algo, na comida, que a torna palatavel: o tempero. Tempero algo piccante põe na vida.

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Pigmenta lembra a lingua, cujo exmero está na lambeção mais sensual das partes onde o cheiro é um exaggero. Olfacto lembra a practica nasal capaz de perceber quem toma banho diario, semanal, até mensal. Folhinha lembra o tempo que eu não ganho si fico sem compor algum poema e perco si dou trella a algum extranho. Conversa molle lembra quem problema nos traga, não bastasse o que ja temos. Problema lembra medo, caso eu tema. O medo nos remette a nossos demos, phantasmas dos peores pesadellos, nos leva a commetter actos extremos. Terror lembra arrepio nos cabellos. Cabello lembra barba, a do vizinho, que, quando queima, allerta nossos zelos. Vizinho lembra alguem que, eu ja adivinho, barulho faz. Fez barba, faz bigode. Bem alto, toca funk em rollezinho! A musica nos lembra alguem que pode pôr lettra sobre as notas ou cantar, appenas por escripto, o que é, pois, ode.


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MANIFESTO RELATIVISTA [0126] Na hora de dormir, a minha thia fervia alguma coisa a mais no cha. Si quero despertar, a luz do dia não pode me livrar da noite má. Não ha, como mamãe sempre dizia, bebê que nunca cague na babá. Quem come, nos botecos, porcaria cocô muito mais molle cagará. Vovó dizia: "A gente deveria comer muita castanha do Pará!" Mas come boia fria quem não pia tudinho em delação no Paraná. Alguem que na politica confia somente em trahidores votará. Ninguem que com hypocritas se allia dirá que um senador está gagá. Censura, por aqui, não prohibia, em vez de "camarada", "camará". Mas como prohibir pornographia, si fosse "p'ra caralho"... "pacará"? Quem pecha de incorrecto repudia não falla dum "mulato sarará". Refere-se, porem, a quem sacia seu vicio como alguem que ao Cão irá.

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Sahuda cortezmente e diz "Bom dia!" quem pode se expressar com um "Olá!" Mas, entre certos cultos, ficaria melhor para saudar um "Saravá!" Não peçam que a qualquer enfermaria, nem para visitar alguem, eu va! Enganna-se quem, duma Academia fallando, diz que, emfim, me viu por la! Tem gente que, sem sorte, da magia desfaz, dum talisman, dum patuá. Eu tenho um amuleto: putaria. Não salva, mas mais damno não fará. Ja li muito gibi quando 'inda lia. Akira lê mais livro que mangá. Aquelle que de mim biographia fizer, como pornô me pinctará. Guerreiros, nos momentos de euphoria, divertem-se jogando caxangá. Escravos ja perderam a mania e nunca mais um delles jogará. Um dia, quem na moda se vestia usou seu chapeuzinho Panamá. Mas hoje nem bonné tem serventia. Topete toda gente exhibirá. Melhor é ter choffer que ter um guia. Peor é ter patrão que ter crachat. Mais vale ser "modello" que "vadia". Quem hoje me derruba, cahirá.


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Quem soffre duma arachnophobia não pode viajar a BH. Quem teme escorpiões depararia com tantos como nunca se verá! Carnivoro jamais se delicia com nabo, rhabanete, nem cará. Vegano vi, comtudo, uma fatia comer de mortadella, às vezes, tá? O velho pescador, na pescaria, se serve de canniço e samburá. Quem pega peixe em rio podre enfia no sacco o que, ja morto, pegará. Faminto, uma panella achei vazia. Pipoca não achei, só piruá. De gente sei que, farta, se enfastia de tanto comer verme, içá, gambá... Cocô por chocolate passaria. Urina ser bem pode guaraná. No sadomasochismo, de bacia si feita for a bocca, se encherá. Café, para excitar-me, é o que eu bebia e, para me accalmar, maracujá. De rubro uma bandeira coloria, mas hoje nem siquer sei si é grenat. Achei, ja, em vez, no Recheio de no frango,

vinagrette na Bahia, acaragé, do vatapá! maçan não caberia ou alho em bollo de fubá!

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Na secca do sertão, não haveria cadaver que não coma um carcará. Si gosta de buchada, todavia, o povo, ora, não façam bafafá! Quem pensa numa facil utopia creou seu paraiso ou Shangri-La. Ninguem de seu paiz se ausentaria sobrasse pheijãozinho com jabá. Diria quem conhesce economia que nada muito caro nem está. Porem, quem caviar hontem comia agora nem mais come mungunzá. Ganhar salario minimo queria quem ganha commissão de marajah? Querer vae quem só teve mordomia perder essa mammata? Kakaká! Um sitio, a mim, nenhuma companhia jamais, em Atibaya, doará. Si, um dia, commandar esta anarchia, apê nunca terei no Guarujá. Ankara capital é da Turquia, emquanto é, da Colombia, Bogotá. Mas para que saber geographia si um cego no seu mundo morrerá? Alguns encontrarão philosophia nas phrases do marquez de Maricá. Maior curiosidade poderia causar o magistral FEBEAPÁ.


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Judeus, para affectar sabedoria, estudam o Talmud ou a Torah. Catholicos teem muita liturgia, que pouco, la no inferno, adjudará. O povo mussulmano, na folia, tolera as brincadeiras com Allah. Mas pede ao Padre Ciço quem expia peccados, p'ra chover no Ceará. Segundo diz Jesus, theologia é para a grana a Cesar darmos ja. De accordo com Bilac, a poesia jamais para as paixões molde achará. Não creio que, na midia, a maioria se importe com tamanho blablablá. Certeza tenho: falta não fazia a logica na lyrica dadá. Que possa algum poeta allegoria fazer! Um grande cedro ou baobab plantei, pois o poder da prophecia meu verso obra menor não creará. No Velho Testamento, antipathia dá para ter até por Jehovah. Ouvindo Rolling Stones, sympathia até por Satanaz para ter dá. Satan, de quem practica bruxaria, exige sacrificio no Sabbath. Mas beija cus sem nojo quem phobia não tem do satanismo, p'ra nós ca!

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Na mente dum atheu, questão não ia fazer ninguem de Exu nem de Oxalá. Quem fé põe no zumbi, da cova fria nem perto chega! À noite, que dirá! De lobo quem, cagão, se refugia affirma ser crendice o boytatá. Quem teme lobishomens diz que mia la fora mero gatto, um angorá. Na compta do Sacy, mythologia razão não dá si perna a menos ha. Nos versos do Mattoso, phantasia só vale si de sobra pés terá. Preferem uns caminha bem macia. Uns dormem na poltrona, no sofá. O cego vive insomne, em agonia que o tumulo, somente, encerrará. Dispenso o funeral. Mais me cabia alguem que celebrasse um "Ulalá!" Não quero, juncto à tumba, a prece pia alli no cemeterio do Arassá.


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POSTHUMOS OCULOS [0141] Eu tenho uma vizinha que brechós frequenta, a ver si encontra a mais barata camisa, calça, tunica que, appós morrer o portador, medida exacta nem tenha, mas que sirva, ja que nós, eternos pobretões, temos à cata de roupas que sahir. Mas minha voz embarga-se de nausea quando tracta alguem de conseguir coisa que avós deixaram para nettos, sem que batta na gente a passarinha sobre o coz da calça que emmerdou, sobre insensata que seja a percepção de mortem post naquelle mar de pannos que a baratta lambeu, traças comeram, paletós manchados de suor, virus de ingrata doença infecciosa que de atroz febrão mactou em proxima, até, data! Meus oculos de cego, quando a sós medito, quererei que muita pratta não valham, ou que gerem quiproquós?

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32 GLAUCO MATTOSO MOTTE GLOSADO [0149] Nossa morte é coisa certa mas nós cremos no infinito. Quando a edade nos apperta com cansaço ou com doença, fatalmente a gente pensa: nossa morte é coisa certa. Mas a mente nos allerta para o espaço, o tempo, e eu cito a noção que entra em conflicto com a nossa finitude: um limite nos illude, mas nós cremos no infinito.


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DISSONNETTO SUICIDA [0334] Do Stefan foi desgosto pela guerra. Tambem Sanctos Dumont foi desalento. O de Torquato e Pericles lamento, mas o de Allende ou Hitler nada encerra. Razões de Anna Christina estão na terra. Jim Jones e outros loucos nem commento. Mishima foi solenne em seu intento. No de Getulio o povo é quem mais berra. Difficil é saber quando é covarde ou quando é da coragem o disfarse. Alguem perdeu? Alguem quer entregar-se? É cedo? É tempestivo? É sempre tarde? Talvez eternidade na catharse ou immortalidade sem allarde. Talvez o fatalismo que me agguarde. Ninguem derropta a morte sem mactar-se.

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34 GLAUCO MATTOSO ABSOLUTO ABSURDO [0339] Ouvi philosophia -- Quem diria? -no radio, sobre a vida e seu vão drama. "Viver, então, tem logica?" -- reclama um culto professor da academia. De facto, falta a minima alegria no tempo do viver, mas dessa chamma queremos: "Não se appague!" -- pois a cama da morte não paresce ser macia. Por que não nos mactamos, si abbrevia o prazo o suicidio? Quem nos ama meresce que vivamos? Si Zeus chama mais cedo, nós achamos covardia... Sim, quando de morrer vem vindo o dia, saudade nós sentimos e da mamma ja morta nos lembramos. Mas a fama, que é posthuma, será sempre tardia. Buscar "felicidade", eis a valia da vida. Mas, finita, ella só trama, pois, contra nós. Somente seu programma se explica si em "missão" astral se fia...


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LERDA EPHEMERDA [0373] Juninas festas sempre evocam minha cegueira, pois sou Pedro e sou nascido no dia desse sancto festejado. Mas meu anniversario me trazia maior preoccupação: quanto faltava p'ra que eu ficasse cego? Quantos annos ainda, até que eu macte em mim o drama? É muito melancholica a lembrança. Costumo conversar com quem me assiste, o espirito que, anonymo, é chamado de Pedro por mim mesmo. Quem será? Não disse, mas suspeito que elle seja tambem um menestrel. Fallo commigo tal como si com elle conversasse. Si alguem mais alto ouvindo nos está, por elle fallará, que escutarei, ficando o suicidio 'inda addiado. Serão juninas festas o meu lado sombrio mais sombrio, pois eu sei que estão a festejar como si ja pudessem advistar de Deus a face. Não sabem que vem delle só o castigo, que nada commemora quem festeja. Um cego certamente invejará aquelle que, feliz, não foi cegado. Um cego certamente está mais triste no dia de São Pedro, pois creança não é para sorrir. Hoje na cama eu temo o pesadello, temo os damnos que n'alma me provoca a treva brava. Espero o inferno astral, esta agonia passar, mas jamais passa algum passado emquanto não, emfim, me suicido. Por ora, aqui cheguei ao fim da linha.

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36 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DODOE [0404] Das dores a renal foi mas é tambem terrivel Dizem que a menstrual Quem soffre dum tumor

mais aguda, a do dente. é dor pungente. supplica adjuda.

Curar-se de enxaqueca? Não se illuda! Do coração attacca de repente. De corno é o cabra macho que mais sente. De cotovello de ninguem desgruda. Humana, tal tragedia será sem final, sempre infernal o seu enredo. O soffrimento physico é, porem, de longe superado pelo medo. O susto, o pesadello, Agora lhes confesso o O mal donde mais dura é a frustração de não

o horror do alem. meu segredo: dor me vem morrer mais cedo.


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CERTIFICADO DE CONCLUSÃO [0424] Entrar na Academia não consigo, por causas mais politicas que, em summa, theoricas ou criticas, mas quero logar proprio no canone, isso sim. Cadeira, simplesmente, não confere tal posto. Nem desejo uma cadeira si for municipal, estadual ou mesmo uma secreta associação. Sou supranacional e só postulo aquillo que meresço por justiça poetica, lusophona, terrena. Pergunto ao meu collega, ao meu amigo, então: Como é que eu faço? Quem me arrhuma um premio, um attestado? Não um mero registro midiatico (que, emfim, não vale como numero na serie historica), mas uma verdadeira sentença em pedra inscripta, esculptural, cabal, definitiva, como são as obras de Rabello ou de Catullo. Linguagem mais vulgar ou mais castiça nem compta assim. A penna vale a pena. Pergunto: quantas theses, das que instigo aos mestres e doutores, valem uma vaguinha nesse crivo tão severo? Milhares de sonnettos, como os vim compondo, quantos querem que eu espere compor? Quantos mais annos de cegueira febril e productiva, antes de tal espaço conquistar? Hem? Por que não me entregam tal em vida? Fico fulo sabendo que, de septimo, uma missa preparem quando eu saia, ja, de scena.

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38 GLAUCO MATTOSO AFFLICTO MOSQUITO [0426] De dores oculares eu padesço. Perdi meu olho esquerdo, o que restava. Pendi para analgesicos, em vão. Pedi para meu medico o opioide. Pedi dum outro medico o opiaceo. Pedi de mais um medico morphina. Pedi dum outro ao menos codeina. Disseram-me: {Magina! Você quer mactar o que não passa dum pequeno mosquito com um tiro de canhão!} Difficil conseguir uma receita foi sempre, pois os medicos não dão à gente o que elles tomam quando a dor não querem supportar na propria pelle. Paguei ja, por remedios, alto preço. Mandei ja, muitas vezes, tudo à fava. Pensei: "Por que é que os medicos não são eguaes aos que, nas epochas do Freud, remedios davam para que passasse o effeito doutra droga que elimina symptomas que não passam duma fina cortina de fumaça?" Quem disser {Magina! Quer você com um veneno curar quaesquer incommodos?} eu não acceito mais! Aguente quem acceita! Agora, compto os dias que virão até que isso termine. Não, doutor, mactar-me irei, não tendo a quem appelle!


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AUTOCOMPLACENTE PLACEBO [0427] As drogas injectaveis são as mais potentes contra a chronica dor, essa que sinto no olho onde era ainda viva a restia de luzinha que perdi. Não gosto de injecção, mas raciocino na logica proposta por Diego Tardivo, opportunissima, no caso. Usar continuamente essas lethaes dosagens macta cedo. Mas, à bessa soffrendo, o cara appella à lenitiva acção duma substancia. Até se ri de allivio. Vae morrer, mas é destino morrer, mais cedo ou tarde, e quer sossego alguem como eu, que os males extravaso. Ao medico, convem que use jamais taes drogas o doente e lhe interessa vender novos placebos, pois me criva de innumeras receitas. Eu, aqui commigo, decidi: logo termino com isso me mactando, sem emprego de methodo sangrento, sem um prazo.

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40 GLAUCO MATTOSO MOTTE GLOSADO [0432] Ver pode quem quizer meu eskeleto aqui, mas não morri, creia quem queira. A quem ja me viu cego, eu só prometto que ver não poderá minha caveira. Compor um epitaphio faz sentido emquanto estamos vivos e caralho ainda temos: cego, ja não valho por tudo que enxerguei, mas não duvido da rolla que enduresce na libido. Meus ossos quem olhar dirá: "Não metto jamais entre taes dentes meu espeto!" Necrophilo nenhum é tão sacana. Si é vida a carnal vara que se fana, ver pode quem quizer meu eskeleto. Jazente ja me achei, mas como o Abbade, não como um sepulchral corpo a jazer. Assim como em Bocage, meu prazer poetico zombou da castidade e oraes preces paguei aos fans de Sade. Portanto, ao celebrar a "sahideira", alem de lamentar-me da cegueira transformo-me em cadaver fingidor. Sou restos, si o caixão aberto for aqui, mas não morri, creia quem queira.


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Prometto ser sincero quando, nestas finaes declarações, exponho a nu meu corpo offerescido ao urubu leitor que accompanhou as indigestas thematicas e dellas fez as festas. Gozei, sim, reconhesço: meu sonnetto serviu como punheta, mas submetto aos outros meu tesão e dramatizo. Chorar finjo e dar azo a muito riso a quem ja me viu cego, eu só prometto. Emfim, possa tal lapide logar ter para tanto verso redundante! Infernos não disputo aqui com Dante nem quero com Platão dialogar. No maximo, dalguma tumular selecta jus eu faço na peneira. Digamos que não caiba a porra inteira na cova, ou cavidade, ou valla, ou fossa. Leitor não restará que dizer possa que ver não poderá minha caveira.

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42 GLAUCO MATTOSO SEPTEMBRO AMARELLO (I) [0433] A cada quarentinha segundinhos alguem se suicida. Assim allega a agencia mundial. Mas estatistica jamais afferirá cada motivo, cegueira, solidão, dor, depressão, que induz uma pessoa a se mactar. Sapato que percorre maus caminhos, apperta cada pé cada collega meu, cego ou outra victima da mystica malefica. Daquillo que me privo alguem tambem se priva, sem ser tão maldicto nem estar no meu logar. Em summa: tem tambem os seus espinhos nos pés ou no trazeiro. O que me cega espinho tambem é, characteristica commum aos suicidas. Não, o crivo não pode ser appenas os que estão soffrendo de deprê sem se tractar. Tampouco os molequinhos, coitadinhos, são unicos exemplos desse mega problema de sahude. Masochistica hypothese, com ella até me exquivo de excusas, mas terei sempre razão si invoco, por pretexto, o meu azar.


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DISSONNETTO MORTAL [0959] Rockeiros morrem cedo! Alguem explica? Nem sempre é pela droga: um accidente, doenças, suicidios... De repente, "milhões de fans são orphans", se publica. Jim Morrison, a Janis... Lista rica! Tem Elvis... Tambem Hendrix se accrescente, alem de Buddy e Valens... Quanta gente que victima virou da mesma zica! Si Marley, Russo ou Mercury se vão, Cazuza, George e John são companhia citada na fatal chronologia, até que chegue a vez do Tremendão... Talvez o Raulzito até se ria la em cyma, ou si for outra a posição, em baixo, ao ver que agora nem rockão nem mesmo um rockzinho é som do dia.

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44 GLAUCO MATTOSO SONNETTO DA JACA MADURA [1190] Está virando moda despencarem as taes "celebridades" da janella, sacada, ou dum terraço: ja se vela mais uma, e as que restaram se preparem! Algumas teem por sorte que as apparem na queda um anjo attento e que bem zela. O facto é que quem mora na favella não tem donde cahir... Só si pullarem! O pobre tem opção: o viaducto em Sampa e, la no Rio, o proprio morro. Maduro, se exborracha feito um fructo! O rico cae do apê, ganha soccorro e até se recupera! Não discuto. Sei la si não será disso que morro!


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SONNETTO DA VERGONHA NA CARA [1282] Ministro, que no escandalo é flagrado, commette suicidio, se enforcando até numa colleira si, dum bando detido, é como cumplice accusado! Mas só la no Japão! Aqui, um saphado mantem amantes varias, sustentando a todas com seu cargo no commando da mesa, quer na Camara ou Senado! Tivesse este a vergonha que la teem, mactava-se empalado com um cabo de enxada ou de vassoura! E agia bem! Aqui, desviam, roubam, de nababo se fazem e, peitudo, não ha quem lhes metta uma vareta pelo rabo!

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46 GLAUCO MATTOSO SONNETTO DO MORTO DE VERGONHA [1334] Mactou-se mais um japa, só porque teria de depor sobre o desvio daquella bagatella! Mas o brio pesou, e se mactou, veja você! Si fosse no Brazil... Ah, qual o que! Teriam de mactar-se, a sangue frio, metade dos politicos! Eu rio si alguem me diz que nisso ainda crê! Metade? Nada disso: a maioria! Pensando bem, de novo rectifico: mactar-se devem todos, eu diria! Um delles menos pobre, outro mais rico, ninguem se salva! E, quando a gente chia, debocham da gentalha, como o Kiko!


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SONNETTO DA MORTE PRELIBADA [1336] Dormi profundamente! A madrugada paresce ter passado num instante! Não tive pesadellos, nem com nada lembrei de ter sonhado, de importante. Emquanto muita gente na ballada varou a noite, a musica dansante troquei pela caminha accolchoada e nisso sei haver algo que expante: Pegar assim no somno! Roptineiro, a poncto de babar no travesseiro, jamais me foi na vida um facto tal! Talvez fosse por causa deste gosto que sinto appós sonnettos ter composto fallando, entre os descansos, dum fatal.

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48 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DO ALTO DO PÃO DE ASSUCAR [1368] Sahindo do bondinho, ja me expanto que caiba, la no topo, um bosque, até, com trilhas que conduzem a um recantho tão calmo... Mas o risco sei qual é. Paresce, para quem percorre a pé, que tudo aquillo é plano. Si, no entanto, o matto ultrapassar e marcha à ré não der a tempo, peça a mão do sancto! O abysmo abre-se a um passo, em rocha pura. Em metros, uns trezentos isso dá e quem se precipita dessa altura até morrer bom tempo levará. Emquanto despencar, voará vendo scenario sem egual de cyma la: ainda que presinta o fim horrendo, que o Rio de Janeiro lindo está!


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DISSONNETTO DO POSTO DO IMPOSTOR [1385] Peor dos mentirosos será quem? Algum publicitario? Um advogado? Politico? Marido? Não detem nenhum delles da peta o melhor grado. Politica é mentira, sabe bem qualquer dos eleitores. O mercado é cheio de productos muito aquem daquillo que no annuncio é propagado. Porem o defensor dum assassino, que emitte (data venia) um parescer, precisa ser tão cynico, imagino, a poncto de affirmar que é bom morrer. Talvez para um doente terminal, um lider affastado do poder, mas nunca para alguem que não vê mal na vida, e até soffrendo tem prazer.

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50 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DA SORTE MORTAL [1553] Ganhou na lotteria! Era pouquinho, mas dava para olhar novo futuro a toda uma familia... Com carinho pensou na companheira: dava um duro! Voltava para casa. No caminho, resolve tomar umas. Foi por puro azar que, bem na hora do golinho, entraram os ladrões! Um tiro, um furo. Ninguem lhes resistiu, mas, mesmo assim, fizeram o disparo! Foi o fim dum sonho proletario de ascensão que sempre encheu os olhos do povão. Subir na vida é muito mais lotterico do que subir na morte, e cadaverico é o ultimo retracto do azarão, sorrindo do destino, no caixão.


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DISSONNETTO DA VIDA REPRISADA [1590] Depois que alguem accaba de morrer, é morbido querer ver delle a face ainda vivo, ouvir-lhe a voz, saber que foi gente importante ou teve classe. Revel-o em gravação tem o poder de resolver um apparente impasse: foi triste a morte, mas faz bem saber que é como si comnosco se encontrasse. Lembremos o occorrido la no Atterro. Quem morre de accidente, tão horrendo que a tampa do caixão vae-lhe escondendo a cara deformada, apponcta um erro. Mais choram, no velorio, que bezerro! Melhor é delle termos o momento em que, no carro, andava menos lento que o passo do cortejo em seu enterro.

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52 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DA BOA MORTE [1632] Suspiro, si for ultimo, ninguem deseja dal-o cedo, nem bemvindo será para o velhinho: quando alguem pergunta, elle diz "Não!", triste, mas rindo. A gente, que morrer, um dia tem, mas como? De repente? Ja dormindo? Aos poucos? De doença? Quando vem de subito, ha quem acha morrer "lindo". "Cadaver, eu? Defuncto? Porra, meu!" "Morrer? Eu, não! Você que se decida!" "Melhor primeiro ir outro, mas não eu!" O facto é que se mostra appego à vida. Si implora uma euthanasia, o paciente, embora de molestia dolorida, ainda assim a regra não desmente, pois nem por suas mãos se suicida.


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DISSONNETTO PARA UM QUASI ACADEMICO FALLESCIDO [1764] Morreu o jornalista que, insistente, queria tanto entrar na Academia. Passou a vida inteira a toda gente dizendo que só isso pretendia. A cada vaga aberta, elle, contente por ver alguem morrendo, repetia na casa uma inscripção, mas delle à frente na fila estava alguem que se premia. Politicos, artistas, cineastas, astrologos e suas amizades, alguem sempre o pretere nessas gastas espheras da feirinha de vaidades. Até que chega o dia em que elle vae... é para o Cemeterio das Saudades, na tumba mais commum! E appenas sae na imprensa uma notinha dos confrades...


54 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA NOTICIA FUNEBRE [1845] Fiquei extarrescido quando alguem contou-me que morreu aquelle cara que um dia desejei e quiz tão bem, assim tão de repente... Quem sonhara? Jamais briguei com elle: todos teem direito de voltar attraz e, para mim, elle ja voltou attraz tambem, embora a coisa nunca fique clara. Emfim, não desejei que elle morresse. Me choca tal noticia, e tomo, nesse momento de tristeza, mais cuidado. Não vou ao seu velorio ou seu enterro. Medito, aqui sozinho, si algum erro podia ser, de facto, reparado.


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SONNETTO PARA QUEM CORRE CONTRA O TEMPO [1847] Relogio, outra mania que domina o cerebro dum cara bitolado. À ponctualidade subordina a vida, a cada instante, esse coitado. Poncteiros conferindo, sua signa é sempre se attrazar, si addeantado não estiver, e passa por sovina si economiza tempo com cuidado. Minutos lhe parescem horas, quando a espera chronometra: vae comptando segundo por segundo, regressivo. De bolso, de parede, alem do pulso, exhibe o mostrador o que um avulso despertador mostrou: 'inda está vivo.

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56 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA A FALTA DE NOTICIAS [1909] De vez em quando, alguem, com quem não fallo faz tempo, me pergunta como vou. Que devo responder? Cumprimental-o, é claro, porque, emfim, elle me achou. Tambem dizer-lhe que feliz estou por ser 'inda lembrado, ja que o callo maior, no pé do ausente, é si do show não faz mais parte, mesmo no intervallo. Mas pede-me noticias quem me escreve e, ainda que eu pretenda ser bem breve, me falta o que contar: então me exquivo. Aqui tudo na mesma, é o que lhe digo, pois esta é a melhor nova que um amigo espera ouvir de alguem que 'inda está vivo.


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DISSONNETTO PARA UMA VELHA PERGUNTA [2046] Accerca do motivo por que escrevo perguntam-me outra vez... Respondo ja: si espero, na cegueira, ser longevo, para mactar o tempo não será. Ganhar dinheiro? Fama? Não me attrevo a dar dessas respostas. Quem as dá até pode ser franco, mas relevo seu nome só na lapide terá. Escrevo porque, cego, ja não leio. Escrevo porque entendo o que me soa. Si abuso, ao versejar, do nome feio, é para não fallar, na rua, à toa. Escrevo e não me drogo, nem me macto. Escrevo em primeirissima pessoa. Escrevo porque vivo, e fico grato ao verso, ja que a vida não é boa.

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58 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA O SOLDADO DEDICADO [2366] Mal tenha um rei suspeita de que alguem lhe pisa a menos vasta propriedade, seus subditos ja chama: "Quem invade o nosso territorio mactar vem! Nós temos que mactal-o! Às armas!" Nem precisa declarar guerra: a vontade do rei é ja bastante. Desaggrade você seu soberano, e é réu tambem! Embarcam os soldados, vão à lucta e voltam, quando voltam, sem o braço, a perna; um que não vê, que não escuta. Com suas vidas brinca, la no paço, quem nunca corre risco: o cara os chuta qual bolla, e marca a Morte seu golaço.


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SONNETTO PARA A ULTIMA VAIDADE [2405] Bollei um conto assim: um suicida preenche o kalendario só com data de quem ja se mactou. Quando arremacta, marcou aquella, emfim, não preenchida. Famosos ou anonymos, quem lida com dados funerarios ja constata não ser só no Natal que alguem se macta, mas todo dia haver quem fuja à vida. Morrer quer elle à tarde, e se prepara. Mas frustra-se: de vespera, planeja mactar-se, bem cedinho, um outro cara. Mal dá a noticia o radio, elle fraqueja, nem tanto pelo medo, mas só para que seu caso offuscado jamais seja.

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60 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [3083] No tumulo em que o luso está sepulto quer elle que o moleque toque bronha, que o namorado de castigo ponha a moça, alli estuprada sem indulto. Que o puto chucro e que o malandro estulto alli forniquem sem siquer vergonha. Que alli se beba e fume até maconha. Que o satanista faça alli seu culto. Mais pede Senna aos vivos: que a creança vadia nessa pedra deite o mijo, zombando de quem nunca alli descansa. Eu proprio com tal satyra transijo. Vou pondo os meus fetiches na ballança e estou de pleno accordo! Assim, exijo na lapide que deixem a lembrança da marca: a sola suja e o phallo rijo!


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MORTE AO VIVO [3394] No circo tudo vale e excita a gente. Suspense! O illusionista irá, em seguida, serrar a moça ao meio! E nos convida, com sua falla doce e sorridente: "Não temos mais ninguem que se habilita? Alguem topa ficar no logar della? Ainda é tempo!" A moça é tão bonita! Ninguem se manifesta. E a moça é bella! Da caixa, uma cabeça sae dum lado e os pés do lado opposto. Bem no meio, a serra vae cortando! Pega em cheio no umbigo da garota! Houve algo errado! A joven, mutilada, Berreiro! O sangue de susto! E a moça alguem que aquillo

chora, grita! jorra! A gente gela é linda! Inda accredita tudo se marmella!

Proposital, ou simples accidente? Retiram a mulher, ja fallescida, e o magico aggradesce! Alguem duvida que seja aquelle gajo competente?

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62 GLAUCO MATTOSO SAHIDA TRIUMPHAL [3395] No circo, o trapezista renomado decide triumphar, pois, de sahida, despede-se do publico. Coitado! Quem sabe si tivesse amor à vida... Reinou no seu scenario, mas agora irá se apposentar duma carreira brilhante. Emocionado, quasi chora. Mas rufam os tambores... e elle à beira. Saltou! Por um momento, julga a gente ter visto um suicidio: la de cyma o corpo se projecta! Mas não rhyma trapezio com tragedia, ha quem commente. A scena alguem affoito commemora? O celebre acrobata, em derradeira façanha, está suspenso e paira fora do appoio! Em vão, essa agil mão se exgueira! Despenca e se exborracha bem ao lado do magico perplexo e da expremida caminha que o palhaço tinha armado, fingindo que cabia na medida.


THANATOPHOBIA

A VOLTA DO MOTTE DO CAIXÃO [3617] De você faço a vontade porque, sendo masochista, quem quizer que eu me degrade mal me humilha e me conquista. Me humilhou você: qual Sade, infligiu-me toda a lista de torturas, e a maldade dóe mais quando falta a vista. Tão fiel tornei-me escravo, como aquelle que não vê, que ao extremo me depravo de servir como bidê! Si eu morrer, prometta então, sem cahir numa deprê: "Vou mijar no seu caixão com saudade de você!"

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64 GLAUCO MATTOSO ANTES MAL ACCOMPANHADO! [3837] Às vezes, cego e só, me desespero. Cercado fui de amigos, mas, agora, nem mesmo um inimigo commemora a minha solidão, e morrer quero. Passada a depressão, reconsidero e entendo que alguem pode, a qualquer hora, batter à minha porta, pois vigora ainda o meu regime, que é severo. Quem soffre a punição, nesse regime, sou eu, bem entendido, que me humilho, deixando que algum sadico se anime. É minha solidão, como gattilho... Que exposta deixa a victima a algum crime. Emquanto, com a lingua, dando um brilho em sujas botas vou, e alguem me opprime, ao menos algo a dois eu compartilho.


THANATOPHOBIA

TAPHOPHOBIA [3869] Pompas funebres? Que nada! Não me peçam compromisso! Crematorio? Urna lacrada? Não! Dispenso tal serviço! Si serei alma penada padescendo num abysso ou si alcanço a illuminada salvação, nem penso nisso! Epitaphios não farei, nem versiculo que os valha, tão cedinho assim, pois sei que elles todos deixam falha. "Aqui jaz um cuja fama ja de poeta..." em usar, mas

cego puto se expalha é o que eu relucto mais me calha.

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66 GLAUCO MATTOSO PECCADO MORTAL [3957] Quer dizer que, caso a gente peque, está ja condemnada a morrer? Mas alguem tente me explicar! Não manjo nada! Morrer, todos, certamente, morreremos! Mas, si cada um de nós morrer somente por peccar... Hem? Que enrascada! Fatalmente me incrimino! Uma mancha na cueca incrimina alguem, que pecca ante o codigo divino! Sou peor que um assassino! Ai, que horror! Si for assim, está proximo o meu fim, pois "precoce" me imagino!


THANATOPHOBIA

O PHANTASMA CAMARADA [4032] Adviso eu a vocês! Si for preciso manter-me numa cama hospitalar, por muito ou pouco tempo, ou me operar, de appenas uma coisa eu os adviso: Não quero sentir dores! Desde o siso, que tive de extrahir, ao ocular martyrio do glaucoma, a supportar dor venho, vendo advesso o paraiso! Alguma analgesia a medicina precisa offerescer! Sobre meu hombro não joguem dor maior! Quero morphina! E então? Nenhum dos medicos opina? Não pode um velho cego ser excombro do orgasmo! Allivio exijo à aguda signa! Ou tantas dores algo as elimina, ou, morto, eu volto e juro que os assombro!

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68 GLAUCO MATTOSO O CAUTO CAUSO DO PROMPTO SOCCORRO [4139] Soffreu ella um derrame e foi levada, às pressas, na ambulancia. Agora está deitada numa maca, mas não ha ninguem dando attenção, fazendo nada! Está bem consciente, mas, coitada, immovel totalmente ficou ja! Na maca ao lado, esqualida, gagá, fallesce outra velhinha abbandonada! Alli pelos edosos ha quem zele? Chamar alguem quer ella, mas a voz não sae! Desesperada, vê que a pelle da outra ficou verde! É scena atroz! Mais tensa ainda, treme e, antes que appelle ao sancto, a Christo, à Virgem... as vovós em volta o grito escutam que mais gele! E nada escutarão mais, logo appós.


THANATOPHOBIA

A VINGANÇA DO ATTIRADOR [4144] Qual logico e são cerebro duvida que esteja attormentado quem se macta? Si os outros victimaram-no, é batata que seja um revoltado o suicida. Comtudo, caso alguem que vae decida levar comsigo os outros, ja se tracta de surto, não appenas da insensata façanha de quem tira a propria vida. Algozes, tive muitos, por ser cego, podolatra, poeta, ou por ser gay. De quem me boycottou odio carrego e desse vão rancor somente eu sei. Porem ao desespero não me entrego, pois, quando me mactar, não mactarei ninguem: irei sozinho. Só lhes lego meus versos: isso os pune, é o que tramei.

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70 GLAUCO MATTOSO TERRITORIO TRANSITORIO [4454] Si longa for demais a minha estrada, talvez nem haja tempo de voltar. Si houver, voltar aonde? A qual logar pertenço? Algo acharei, voltando, ou nada? Na duvida, prosigo. Penso, a cada momento, si na vida vou deixar alguma coisa prompta e, quando o par de botas pendurar, si a coisa aggrada. A vida passa rapido! Me enganno achando que algum plano poderia bollar, pois muda tudo, ao fim dum anno, e exquesço de fazer o que fazia. Ephemero demais é o ser humano. Melhor, mesmo, é prever uma utopia mensal, ou semanal, cumprindo um plano a cada minutinho do meu dia.


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VALLE DE LAGRYMAS [4465] O dicto diz que, para morrer, basta estar vivo. Verdade. Mas tambem é facil de occorrer o azar, alem da morte... e, de desgraça, a lista é vasta. Queimar a mão é simples, mas contrasta curar a queimadura: a gente tem que olhar para a folhinha. Caso alguem o braço quebre, tempo maior gasta. É sempre assim: na hora da desgraça, as coisas accontescem num instante, um olho, que Satan pisca, perante. Na cura, não: o tempo nunca passa. Malefica, a tendencia triumphante caminha sempre à frente, feito caça que excappa ao caçador. Que ninguem faça idéa de que a guarda o anjo garante!

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72 GLAUCO MATTOSO QUADRA CLINICA [4486] Depois que o meu glaucoma fez estrago total e ja não temo ficar cego, preoccupam-me as doenças que ora pego, si quasi nem respiro ou mal eu cago. A prostata, a columna, alem do bago inchado, são as dores que carrego. Jamais direi que durmo como um prego, nem livre estou das caries por ser mago. Me assalta o medo: dellas, qual me macta? Prefiro qual? Infarcto fulminante? Derrame? Sopro? Um tiro que me abbatta? Pegar tuberculose, alguem garante... Ficou fora de moda a quem se tracta. Terei, emfim, coragem de, no instante exacto, me mactar em dada data? Mal penso nisso, exquesço... e sigo advante.


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ENTERRO DE LUXO [4676] Que sorte! Na lotteca foi jogar naquelle dia, justo! Jamais ia! Jamais accreditou em lotteria! Sonhou, sei la, cansou de ter azar! Sahiu de casa cedo e, pelo bar passando, ouviu alguem: "Hoje é meu dia!" "Tambem o meu!" -- pensou. Que tal seria ficar rico, parar de trabalhar? Jogou. Apposta simples. Seis dezenas. Manhan seguinte, abrindo o seu jornal, checou: accertou todas! Glorias plenas! Tomou aquelle susto! Passou mal... Levado foi, às pressas... Foi appenas chegar, morreu na porta do hospital. Os medicos desdenham dessas scenas folkloricas do sobrenatural.

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74 GLAUCO MATTOSO SUPPLICA POSTHUMA [4694] Parodia, então, me occorre. Penso em quem? Na musica do Nelson Cavaquinho. Diz elle que é melhor ter o carinho dos outros 'inda em vida, e razão tem. Por isso, tambem digo: caso alguem fazer por mim deseje, seu pezinho me deixe tactear agora! O vinho me sirva ja! Commigo brinde! Eu, hem? Depois de morto, quero uma esculptura de grego pé no tumulo! Aggradesço que pisem no caixão, da cara à altura, pois creio que sou digno desse appreço! Assim terá meu quadro uma moldura! Mas vale, mesmo, obter o que meresço ainda vivo, o Nelson assegura! Eu peço um pé de carne, não de gesso!


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UM CARPIDEIRO NO PICCADEIRO [4800] Lotado está o velorio. O morto tinha amigos, muitos. Era, pelo visto, no bairro o camarada mais bemquisto. Chegou até o padeiro, até a vizinha. De subito, entra alguem que não se allinha com esse lucto, mesmo em meio ao mixto povão: sim, um palhaço! Jesus Christo! Será prophanação? Quem adivinha? Nem tempo dá! Sorrindo está o palhaço e aquelle seu boccão, com apparelho dental, aquelle oval nariz vermelho, provocam desconcerto, um riso lasso. Gargalha a creançada. O mais fedelho até se mija! Sua mãe, no braço pegando da viuva: "O que é que eu faço?" "Sorria!", da viuva ouve o conselho.

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76 GLAUCO MATTOSO CADA CABEÇA, CADA PROJECTIL [4907] Pensou em se mactar. Tinha pensado, ja, muitas vezes. Cada vez que faz tal plano, a desistir vem o rapaz, temendo se frustrar no resultado. "Magina si isso falha! Mutilado, maluco, paralytico, incapaz eu posso me tornar! Eu quero paz de espirito, não panico dobrado!" Sahindo escuta. cahido, Importa

da padoca, um tiroteio Ao chão se joga. Ao lado, alguem sangra muito. O furo é feio. a consequencia que isso tem.

Vital o sentimento que lhe veiu. Comsigo pensa: "Puxa! Ainda bem! O gajo vae morrer! Eu, que nem creio em sancto, fui poupado pelo Alem..."


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A VEZ DA EMBRIAGUEZ [4982] Bebendo foi mais choppes, mais e mais. Sahiu do bar bebum, cambaleante. Que pode dirigir elle garante, mas outros o convencem, cordiaes. No carro todos entram. Sem os paes por perto, o molecão quer ao volante ficar. Não, nada disso! Mas, durante o rapido trajecto, enfrenta os taes. Os taes em pouco tempo se encherão. Emfim, o motorista seu logar lhe cede. Enthusiasmado, o molecão põe no accelerador o calcanhar. E pisa, pisa fundo! Um avião paresce pilotar! Quando parar, aos poucos, cappotando, ao céu irão aquelles taes, sim. Victimas de azar?

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78 GLAUCO MATTOSO JURAMENTO HYPOCRITA [5010] Pergunto-me o que um medico pretende com essa medicina que proroga indefinidamente, a tubo e droga, a "interminalidade" que se extende. Será que esse doutor não se arrepende de usar de tal tortura, agora em voga, fingindo appagar fogo, mas que joga mais lenha na fogueira e incendio accende? Morrer de morte subita: assim era a forma, antigamente, de morrer alguem! Ah, si eu pudesse! Ah, quem me dera! Tivesse eu sobre o thema algum poder... Não eram certos chas uma chimera! Suppunha eu ter um medico o dever de appenas melhorar a nossa espera por algo inevitavel, sem soffrer!


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RELENDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [5217] Foi fertil sonnettista seu pae, pelo criterio symbolista. Cede o filho à tetrica illusão de, no ladrilho do piso, se deitar... Que pesadello! Sentindo-se um cadaver, como gelo seu corpo se enrijesce... Ja me pilho, lhe lendo o verso, assim! Meus dentes rilho, tremores sinto, eriça-me o cabello! Extranha experiencia! Até suggiro que assim faça o leitor... No chão se deite, fingindo-se de morto, ou de vampiro. Suggiro que esse leve teste acceite. Então? Sacou aquillo que refiro? Tentou? Então, que achou? Da cor do leite não fica a sua pelle? Eu, quando viro vampiro, uso a cegueira como enfeite.

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80 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DUNS PAPPOS DE ELEVADOR [5453] Muito pappo o elevador tem ouvido, mas egual. Só se falla do calor ou da chuva, que enche, e tal. Vae nevar? E si não for? Foi previsto um temporal? Escuresce o céu? Tem cor de tuphão? De vendaval? Eu, por mim, nada pergunto. Bem podia uma pessoa dar bom dia, até dar boa noite, entrando noutro assumpto. Mas dou tractos ao bestunto: Vou fallar de que? De morte? "Morreu logo... Teve sorte..." De cadaver? De defuncto?


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ANALIZANDO E ANALYSANDO [5556-B] "Não arde" ou "é refresco", diz o dicto. Cegueira appigmentada, a minha tem ensejo dado à critica de quem commigo dialoga sem conflicto. Si às vezes sou tractado como mytho, sympathicos confrades vão alem da mera gentileza: fallam, sem pudor, sobre o que vale e eu não evito: Traduzem minha lyra. Si os edito agora, é porque tenho de ser bem attento e grato a tempo, antes que Alguem do mundo me carregue e cumpra o rito. Emfim, si algo puder ser infinito, não seja esta collecta, ja que vem à luz emquanto ainda não sou nem siquer um septentão que fez bonito.

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82 GLAUCO MATTOSO QUEDA LIVRE [5568] Em sonho, estou do abysmo sempre à beira, arranhacéu, penhasco, torre, ponte, ja quasi... Ninguem peça que eu lhe conte que medo é o de morrer! Ah, ninguem queira! Vislumbro até o sorriso da caveira! Penduro-me, me aggarro... Estou defronte à restia de esperança no horizonte... Ja a salvo, viro o rosto à ribanceira! Repete o pesadello tal roptina, até que, numa noite, estou curvado, olhando para baixo, sem cuidado nenhum. Pesada angustia me domina... Mas, desta vez, eu mesmo minha signa decido... e pullo! Nesse instante, o lado humano compta... e temo! Outro comptado instante, e nada sinto! Quem nos nina?


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DAMNE-SE A AMNESIA! [5603] Poetas perguntados sempre são accerca das razões, do que os motiva a tanto versejar e manter viva a lyra, a voz poetica, a canção. Eu sempre respondia que a razão estava na revolta vingativa que nutro contra a pena que me priva dum basico sentido, o da visão. Tambem ja respondi que escrevo, não por grana, nem por fama, mas saliva gastei justificando uma afflictiva mania, typo um vicio, ou compulsão. Ja velho, me dei compta: a coisa tão vital se torna, simples, decisiva! Ou isso, ou, porra, a gente desactiva neuronios que, babau, à morte irão!

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84 GLAUCO MATTOSO CLAUSULA TESTAMENTARIA [5604] Tractado tenho sido como mero ceguinho que verseja, mas confio, tranquillo, no meu tacco, tenho brio. Resisto, creio, ao crivo mais severo. Por isso deixo claro: chance zero terá quem, só depois que eu desça ao frio sepulchro, homenageie-me, eu que chio: -- Não quero premios posthumos, não quero! Recuse meu herdeiro, não permitta qualquer typo de evento onde alguem queira, do morto, celebrar esta cegueira maldicta, a minha mystica maldicta! Alguem em mim achou qualquer certeira visão da poesia? Alguem me cita ja como um immortal padrão de escripta? Meu rosto observe, e não minha caveira!


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COCEIRA NA SOBRANCELHA [5609] Ainda sou dos olhos soffredor. Um globo vem doendo muito, mas demais mesmo. Nem posso mais, em paz, coçar a sobrancelha, que dá dor. O outro olho ja murchou e de suppor seria que me desse tregua. Faz que quieto fica agora, mas la attraz ardia. Admanhan, torna a arder... Que horror! Suppuz que, consummado o seu estrago, cegando-me, faz tempo, por completo, o sadico glaucoma agora quieto deixasse meu olhinho, mas divago. Não basta nos cegar, commigo trago a dura conclusão. Do que interpreto me resta só mais isto de concreto: Da vida não fugi porque sou mago.

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86 GLAUCO MATTOSO IDYLLICO COLLYRIO [5611] Que bello pesadello, gente, eu tive! Paresce paradoxo, mas explico: sonhei que eu enxergava bem e rico de cores era o bosque em que eu estive. De verdes, tons diversos, inclusive nas aguas da lagoa, verifico que tingem esse parque. Perto, um picco rochoso o delimita, no declive. Não quero despertar, pois si desperto percebo que estou cego de verdade. Sim, quero me mactar, e ninguem ha de fazer-me desistir, eu lhes allerto! De novo ja addormesço. Ja bem perto estou de libertar-me desta grade maldicta da cegueira. Ja me invade o verde do jardim, a céu aberto.


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SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE [5621] Não quero nem quero do typo é diversas:

opinião dar sobre a morte ouvir a alheia. Opinião como sobre a vida: são cada qual com sua sorte.

Não quero opinião que me comforte. Não quero nem saber quem dá razão à minha opinião ou quem ja não achou pesado o fardo que eu supporte. Ja basta a divergencia que na vida nós todos temos, dando ou não em briga, cansados de empurrar com a barriga, as magoas a affogal-as na bebida. Ja accuso o que comemos de comida sem gosto, o que cagamos de lombriga por causa do que a gente não consiga fazer sem que morrer não se decida.

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88 GLAUCO MATTOSO ETERNO CALOR MATERNO [5651] A minha mãe morreu soffrendo. Tento lembrar-me disso o quanto menos, mas me lembro quando as coisas andam más. Ninguem meresce tanto soffrimento. Coitada, agonizou. Eu não aguento soffrer nem a metade do que, nas semanas terminaes, ella, tenaz, passou. Ja passei, acho, uns dez por cento. Mas, quando supportando não vou mais, não rezo, propriamente, nem levanto as mãos ao céu. Appenas, no meu cantho, concentro-me e, por ella, choro uns ais. Milagre não direi, mas cruciaes symptomas cessam. Para meu expanto, meus ais escuta alguem que, tanto quanto sei, vive eternamente entre os mortaes.


THANATOPHOBIA

INFINDO SONHO [5667] Mactar-me? De pensar nisto desisto. Não quero mais problemas na cabeça. Ja bastam tantos outros. Quem conhesça meus versos a allusão deve ter visto. Idéa de morrer é como um kysto que fica alli, crescendo, sem que cresça alem dos sonhos. Antes que me exquesça, sonhei de novo, nisso sempre insisto. A vida todo dia me convida a pelo lado olhar menos ruim, ainda que me seja mais soffrida em tudo que soffrendo tanto vim. Passei ja muito tempo nesta vida dizendo o que dizia para mim, no verso dum Torquato suicida: que a vida terminava antes do fim.

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90 GLAUCO MATTOSO PARA JUBILO DE JUPPITER [5675] A Zeus eu rezo, um dia appós um dia, emquanto, ainda lucido, me deito (mas ja sem ver nenhuma luz) no leito e peço que me macte. É o que eu queria. Me macte 'inda dormindo, Zeus! Podia ser desse modo magico. Meu pleito não é tão descabido: tinham feito os deuses coisa assim, sem agonia. Fallar ouço dum gajo que se deita sem nada sentir, mesmo sem ter dor nenhuma, sem ter sido portador da chaga, sem de cancer a suspeita. E morre elle, feliz! Si Zeus acceita a minha prece, eu juro: quando for, a hora de encontral-o, "Meu Senhor! (direi) Ja de Satan não sou da seita!"


THANATOPHOBIA

QUALQUER DIA DAS MÃES [5742] A mamãe hoje tem festa, mas a minha está ja morta. Das lembranças o que resta é questão que mais importa: Diabetica, o que nesta quadra lembro é duma torta superdoce e ella protesta: come toda e se comforta. Mas tambem a mim molesta a doença: batte à porta a velhice, quem attesta é o doutor que me supporta. Data movel, a contesta quem uns versos sempre aborta. Si num anno ja não presta a anterior, a gente os corta.

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92 GLAUCO MATTOSO MISCELLANEA DOS VICTIMADOS [5801] Pelo amor de Zeus! Ninguem ha, só triste, que se macte! Suicidio razão tem si o commette um cego vate! Ao pedestre calha bem que "suicida" a gente tracte. Ja da esposa é melhor nem commentar si appanha ou batte. Quem mactar-se quer, respeito me meresce, mas precisa ter motivo o tal subjeito para aquillo que elle visa. Um ceguinho tem direito de pensar na coisa, à guisa de remedio, mas, no leito, tenho mente 'inda indecisa.


THANATOPHOBIA

ALLEGORIA DO COVEIRO [5836] Fiz diversa allegoria do terror que se assenhora de nós, bardos. A agonia nosso verso só peora. Nos lembramos, noite e dia, do coveiro, mas agora penso em gente que phobia tem de carne e se appavora. O subjeito não comia quasi nada e, sem demora, definhou. Na cova fria foi parar e ninguem chora. Seu coveiro (Que ironia!) commentava, bem na hora de enterral-o: "Faltaria rango ao verme que o devora..."

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94 GLAUCO MATTOSO HILARIO OBITUARIO [5838] {Aqui jaz quem dizia: "Ao Céu? Não eu! Não venhas com a praga do urubu! Bem vive quem ainda não morreu! Melhor, antes que eu parta, que vas tu!"} Citando esse epitaphio, quem me deu noticia, num tom secco, breve e cru, suspense fez, mas riu: "O phariseu emfim se foi! Morreu o vil guru!" Lembrei-me dos collegas que, na lyra, fizeram a caveira do fulano. Aquelle charlatão bem que pedira a todos que festejem o seu damno. Agora, no seu tumulo, uma tira collaram do chargista. Não me irmano ao sordido guru, mas quem confira a charge dirá: "Amou tanto o Caetano!"


THANATOPHOBIA

ROCKEIRO PICCADEIRO [5878] Em vez de se mactar, quem para fora põe suas amarguras quer brincar: "Addeus, mundo cruel! Eu vou entrar pro circo! Vou virar palhaço, agora!" Palhaço? Ora, palhaço tambem chora! Mas muito mais num circo tem logar: trapezio, chorda bamba, malabar, leão que cabecinhas não devora... Que mais? Illusionismo, claro. Quem faz magicas garante seu futuro. O gajo não se macta, alli, no duro, appenas se degolla, sangue sem. Si for um bardo cego, para alem da morte, engole rolla, não por puro prazer, mas por fazer, com todo o appuro, seu comico papel, como convem.

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96 GLAUCO MATTOSO HESITANTE INSTANTE [5944] Será que, emfim, eu desta feita morro? A grippe é minha deixa! Só não quero correr attraz da peste! Chance zero! Desejo que ella chegue em meu soccorro! Nem vejo a hora, gente! De cachorro tem sido minha vida! Mas espero depressa compensar este severo caminho de cegueira que percorro! A gente quer morrer, mas, no momento exacto de exspirar, aquelle instincto impõe a sobrevida! Agora sinto que, desta vez, encerro o meu tormento! Irei em paz! Appenas eu lamento ficar sem degustar meu vinho tincto, sem dar mais um prazer ao velho pincto, cansado das torturas que eu enfrento!


THANATOPHOBIA

TOO GOOD TO BE TRUE [5945] Sessenta annos você tem? Ai, meu Pae! Morrer vae do Corona Virus, cara! Sessenta annos você tem, cara? Ah, vae morrer! Não tem soccorro que isso para! Ainda diabetes tem? Ai, ai! Você vae é morrer, pois não ha, para o caso, cura alguma! Quem contrae o virus, baixa! A praga ja dispara! Você seria, acaso, um hypertenso? Ja pode encommendar o seu caixão! Você problema tem no coração? Chorar ja pode! Empunhe ja seu lenço! Eu, como uma neurose não dispenso, no radio ouço os reporteres, que vão mais panico causando nos que são edosos. Mas morrer... Não me convenço.

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98 GLAUCO MATTOSO MISCELLANEA SOBREHUMANA [6001] Poderes, todos querem ter a mais. Na Terra vida eterna si não temos, ao menos desfructemos como os demos, ou como os outros meros animaes! Exsistem mais sentidos? Sim? Mas quaes? Não somos, mesmo, deuses, mas queremos levar nossos instinctos aos extremos. No maximo, causamos alguns ais. O anxeio de imitar Mathusalem nos leva a muitos calculos erroneos. Na practica, o segredo é manter bem activos os hormonios e os neuronios. São velhos e saudaveis os que teem fodido e versejado, qual demonios. A mim ainda facil tudo vem à mente. Deixo ao corpo os meus hormonios.


THANATOPHOBIA

MISCELLANEA DA PASSAGEM [6012] Na Terra a gente passa. Alguem se salva? Pensando no Neil Diamond, tambem faço a minha lista branca neste espaço. Mas fica a Terra, fica a Estrella d'Alva. Lamarca, Lampeão, Senna, Tancredo, Chacrinha, Tiradentes, Golbery, Golias, Calabar, Noel, Loredo, Dolores, Irman Dulce, Hebe, Dercy. Millor, Filinto Müller, Azevedo, Elis, Nara, Raul, Satan, Fleury, Getulio, Janio, Plinio, Figueiredo, Garrincha, Ary, Vavá, Jobim, Didi. Cazuza, Padim Ciço... cada, a dedo listado, de passagem por aqui, seu prazo consummou, mais tarde ou cedo. Inglorio ou não, meu tempo não perdi.

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100 GLAUCO MATTOSO ALLEGRO MA NON TROPPO [6066] Emquanto pisco um olho, o ser humano trabalha por mim, cumpre meu intento. Accabam de inventar, neste momento difficil, mais um virus que faz damno. Assim que eu gosto! Os gajos do mundano planeta jus me fazem! Me contento com isso! Tanto forjam o tormento ao jeito meu, que delles eu me uffano! Admasso-lhes o pão, mas elles -- Porra! -não comem conformados! Uma vela accendem para mim, outra alguem zela a fim de que qualquer sancto os soccorra! Então, nem sempre exguicho minha porra com todo o tesão, mesmo si me fella a bocca desse cego que faz bella e docil oração, antes que morra!


THANATOPHOBIA

MOLYSMOPHOBIA [6077] Não é "misogynia". Nada a ver terá com mulher. Pode ser tambem qualquer "rhypophobia", que ja tem noção de sujidade e desprazer. Direi "mysophobia" por dever do officio, mas à mente tambem vem a "molysmophobia", que refem me faz desse pavor de immundo ser. Estamos, na verdade, sempre em busca dum termo scientifico que embase a nossa paranoia nesta phase difficil, no temor que nos offusca. Prefiro crer na vida breve, brusca, que, na fragilidade, passa quasi sem tempo de que nosso tesão case com nossa luz fugaz, que mal corusca.

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102 GLAUCO MATTOSO MATTOSALEM [6094] Disseram-me que muito viverei por ser considerado bruxo, mas ter mais longevidade não me faz nem principe dos lyricos, nem rei. Não sei si vou viver muito. Só sei que eterno compromisso o verso traz si for o nosso thema a Satanaz entregue e si seguirmos sua lei. Até que thematizo o Demo, sim, mas não com toda aquella gravidade. Por isso é que elle sempre persuade a bruxa ao "beijo negro", não a mim. Provei, sim, seu chulé. Nem tão ruim achei, pois, affinal, sou fan de Sade. Mas, para alguem tão velho, Satan ha de convir que menos fede que um pé "teen".


THANATOPHOBIA

REGIME DISCIPLINAR DIFFERENCIADO [6112] Até que se produza a tal vaccina, sahir da quarentena todos vão, excepto um sessentão ou septentão que, embora são, em casa se confina. Coitados dos edosos! Determina, em nome da sciencia, a norma, tão despotica, tão drastica, que não irão sahir! Que inepta medicina! Vaccinas levam annos para, em massa, livrarem do perigo os velhos. Antes, os jovens estarão, exfuziantes, sahindo, na vidinha achando graça. Vovôs irão pensar: "Não ha quem faça que eu fique aqui sozinho! Meus restantes domingos passarei sem visitantes? Melhor, então, morrer alli na praça!"

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104 GLAUCO MATTOSO HASHTAG VAE DAR TUDO CERTO [6120] Ainda bem, Glaucão, que ficou cego! Em video nem precisa que eu convide você para assistir ao que a Covid provoca! De dizer-lhe me encarrego! Peor que ebola, dengue, si isso eu pego, me inflammo, Glauco! O virus nos aggride a todos, pelos ares! Quem decide não é mosquito, ou sexo, ou sujo prego! Qual tetano! Qual syphilis! Um ar qualquer si respirar, eu ja me fodo! O virus vae chegar ao corpo todo, do cerebro ou pulmão ao calcanhar! Desgraça quer maior? Quem se mactar ao menos abbrevia! Vae a rodo a gente se mactar, Glauco! Um engodo dizer que quem pegou vae se curar!


THANATOPHOBIA

BALLA DE PRATTA [6129] Não, medo de morrer não nos molesta! A gente tem é medo do momento agonico, de muito soffrimento rollar antes de, emfim, partirmos desta! Entende, Glauco? Quando alguem faz festa, não é por estar vivo! Appenas tento dizer que não queremos esse lento tormento no tempinho que nos resta! É simples, Glauco! Caso todo mundo certeza tenha duma morte bem suave e repentina, ja ninguem mais teme essa passagem dum segundo! Morrer dormindo, Glauco? Não confundo as coisas! De euthanasia fallo, sem rodeios, sem siquer estar alguem soffrendo ou velho? Ou acha que eu redundo?

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106 GLAUCO MATTOSO QUALIDADE DE MORTE [6137] Nós temos protocollo, Glauco! Nós partimos do seguinte pensamento: Si formos excolher, attendimento daremos à afflicção menos atroz! Exacto! Quem chegar sem ar, appós um quadro ja gravissimo, nem tento salvar, pois morrerá num grau mais lento de dor, e mais cruel. Não sou algoz! Aquelle que nenhum respirador tiver, não vae morrer soffrendo tanto! Não, Glauco, não demonstre tal expanto, pois nós o sedaremos! Sim, senhor! Irá morrer dormindo! Sim, sem dor! Que foi? Se interessou por esse manto sereno? Pois descanse! Eu lhe garanto que disso não terá, quando se for!


THANATOPHOBIA

HASHTAG PROPONHO UM CHURRASCO [6139] Não quero ser sarcastico, Glaucão, mas acho que enterrar, em tão extrema tragedia, não devia ser um thema corrente, pois ja falta até caixão! Então pergunto, Glauco: Por que não cremar directo os mortos? Quem os crema evita todo typo de problema! Ja bastam esses tantos que ahi estão! Fallando em pandemia, vou propor fazermos, meus amigos e eu, agora no sabbado, um churrasco! Commemora a gente estarmos vivos e sem dor! Não acha, Glauco, massa? Ah, por favor! Não venha com escrupulos! Quem chora, si pode festejar? Quem não adora a carne tostadinha, aquella cor?

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108 GLAUCO MATTOSO MEME DO NEGATIVISMO [6157] Estamos é fodidos, Glauco! Nada se pode fazer para deter isso! Só perdem tempo, prestam desserviço aquelles que toparam a parada! Crear immunidade de manada nos resta, mas nem ella dá sumiço no virus que, mutante, ja mestiço será pelas nações, um para cada! Aos poucos, morreremos! Quem não for agora, Glauco, vae anno que vem! Mas, caso sobreviva, ainda, alguem, terá tanta sequela, tanta dor! Não! Pode perguntar Vão todos desistir! tentar uma vaccina! incréus, como você,

a algum doutor! Não irão nem São tambem que é perdedor!


THANATOPHOBIA

HASHTAG MELHOR MORRER [6173] Ouviste fallar, Glauco? Um tripulante mactou-se no navio de cruzeiro! Sentiu-se, em quarentena, prisioneiro, pois fim à reclusão ninguem garante! Não, Glauco! Minto! Foram trez, durante semanas confinados sob o cheiro do proprio chulé, nesse captiveiro! Espero que tal facto não te expante! Agora me inteirei de que trezentos mactaram-se, ja, Glauco! Não appenas naquelles transatlanticos! São scenas diarias, em urbanos apposentos! Peões, desempregados, sem sustentos nem chance de sahir das quarentenas, commettem suicidio! Tu os condemnas? Não, né? Maus cheiros chegam com os ventos...

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110 GLAUCO MATTOSO UTENSILIO TERMINAL INUTIL [6198] De cada dez que entubam por corona no maximo trez vivos sahirão! Os leitos intensivos são, então, inuteis, Glauco! Para que essa zona? De guerra zona fazem! Ambiciona alguem importar tralha de montão, os taes respiradores! Mas em vão um tempo ganham! Tudo vem à tonna! Que vale ter mais vagas, si quem vae parar num hospital tem chance zero? Si estou com uns symptomas, eu nem quero saber de nada! A ficha ja me cae! Melhor morrer em casa, Glauco, uai! Meu medico jamais foi tão sincero! Appenas lava as mãos, mas considero um senso figurado que se trae...


THANATOPHOBIA

NECROLOGIO [6200] Eu todo dia agora ja confiro a lista, pelas midias, de quem morre por causa do corona, Glauco! Um porre eu acho, porque falta a Dilma, o Cyro... Mais gente sempre morre só de tiro, facada, má gestão de quem soccorre os pobres, tal e coisa! Que eu desforre espero, cara! A isso me refiro! Espero ver famosos nessa lista! Cardoso, Collor, Lula, Bozonaro, Sarney, Cabral, Teixeira... Pô, meu caro! Será que exsiste um sancto que os assista? Talvez Satan, Glaucão! Sou pessimista, si for assim! Só morre (e só me azaro) quem cuida, quem é medico! Um avaro se tranca, mais lucrando no que invista!

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112 GLAUCO MATTOSO JUIZO [6227] Mil mortos num só dia? Mas de jeito nenhum permittirei que isso accontesça! Tal numero quem tenha na cabeça juizo não está no seu perfeito! Eu, como àquellas demais a e grossa

observador, não me subjeito estatisticas! Que cresça mortandade é só travessa molecagem! Não acceito!

Daqui por deante, Glauco, só te digo: Divulgo quando os numeros estejam cahindo! Outros paizes ja festejam o fim da pandemia, meu amigo! Duvidas, Glauco? O que é que está comtigo havendo? Que outros cegos nada vejam va la! Mas teus escrupulos te pejam? Então aos teus te juncta no jazigo!


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PRETERIDA [6264] Glaucão, si eu não ganhar a primeirona, final collocação no festival, eu acho que me macto! Você mal calcula como a gente isso ambiciona! Não canto, Glauco, como prima donna das operas, mas esse pessoal da bossa nem me chega aos pés! Normal, portanto, que eu não seja a sexta, a nona! Fiquei sabendo, Glauco, que San Remo, aquelle festival dos festivaes, ja teve suicida, que jamais venceu e, inconformada, foi ao Demo! Não sei si chegarei a tal extremo, mas, Glauco, convenhamos! Das banaes cantoras bem accyma estou! Meus ais agudos são! Por isso perder temo!

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114 GLAUCO MATTOSO MORRA QUEM MORRER [6298] Estão me censurando, Glauco, só porque eu fallei que quero que elle morra! Mas é verdade! Eu quero mesmo, porra! É muito bafafá! Bah! Tenha dó! Não é de todo mundo que xodó é um filho duma puta! Caso occorra torcermos p'ra que a morte nos soccorra, por certo não será da minha avó! No consequencialismo, vale o dicto: dos males, o menor! Glaucão, está torcendo o povo todo! Não será surpresa si morrer vae qualquer mytho! Até vampiro morre! Nem lhe cito cayporas, nem sacys! Glauco, não ha ninguem que esteja livre! Só me dá tesão por ser politico o maldicto!


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ADJUDA MEHUDA [6321] Em pleno desespero, um suicida attira-se, mas é do quarto andar. No pateo cae, mas passa a agonizar, pois pouca altura não lhe tira a vida. Ao lado, no playground, a divertida turminha de creanças a brincar está, mas interrompe o salutar recreio ao ver a victima cahida. Até que algum adulto uma attitude emfim tome, essa activa molecada se juncta ante o coitado, que está cada vez mais agonizante e não se illude. Sem ter a protecção de quem adjude, recebe ponctapé, pisão, solada na cara, até paulada. Quasi nada faltou para appressar a morte rude.

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116 GLAUCO MATTOSO CORONANISMO [6327] Punhetas batto, Glauco, sempre digo, si a morte dum politico ouço ou vejo! Morreu algum? Ja duro de desejo meu pau fica! Na bronha, assim, me instigo! Qualquer que seja, como um inimigo o tenho! Pode um delles dar ensejo a alguma punição por malfazejo ter sido... Mas excappam do castigo! Só quando um morre, emfim, é que eu à forra irei, Glaucão! A pelle, então, da picca eu puxo que repuxo, até que fica difficil prolongar e ella se exporra! Confesso: no seu caso, si lhe torra o sacco, da cegueira, a sua zica, tambem me punhetei, Glaucão! É dica que fica: dor alheia, a porra jorra!


THANATOPHOBIA

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PSYCHOGRAPHANDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [6333] De entrar no que segreda a cova fria então a fim estás, Glauco Mattoso? "Parnaso de Alem Tumulo", o famoso livrão do Xavier, te influencia? Reler-me ja quizeste, quando, um dia, deitei-me no chão, para de escabroso proposito fallar. Não tive gozo nenhum quando fingi que ja morria. Mas fazes phantasia si vampiro suppões que eu seja, alem de teres sido. Verdade verdadeira aqui decido contar-te, caro Glauco, ou me retiro. Depois que morri, nunca me refiro às luzes dos espiritas! Cahido estive nos infernos! Sim, fedido é o cu de Satan! Cheira, te suggiro!


118 GLAUCO MATTOSO PSYCHOGRAPHANDO ALVARES DE AZEVEDO [6335] Sou elle, sim! Sou Alvares! Você andou me lendo, Glauco, de maneira sacana! Mas está certo quem queira fazel-o, si na telha a coisa dê! Nos contos da taverna, bem deprê estive e descrevi, sim, a caveira que expreita alli, da cova aberta à beira, a gente que em Jesus 'inda não crê! Eu disse que morri, quando vivia! Agora que morri, sim, estou vivo! Não vejo mais com olho negativo a scena mortuaria à luz do dia! Você, Glaucão, ja soffre, todavia, e muito soffrerá! Pelo meu crivo, nas trevas seguirá seu afflictivo destino de guru da putaria!


THANATOPHOBIA

PSYCHOGRAPHANDO CRUZ E SOUZA [6344] Sonnettos, os fiz muitos, sim, appós morrer ahi na Terra. Mas repara, Mattoso, que insisti nessa tão clara mensagem, nesta minha aberta voz! Ainda que da morte instante atroz não falte, encontrarás logo uma rara e bella dimensão, Mattoso, para livrar-te da cegueira, desses nós! A menos que prefiras retornar à Terra, aonde, cego, tu serás fiel às perversões que Satanaz te inspira! Queres sempre esse teu lar? Mas lembra-te! Terás que chafurdar no lodo onde pés sujos dum rapaz eterno ja affundaram! Ahi jaz a vida que desejas? Vaes pagar!

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120 GLAUCO MATTOSO PSYCHOGRAPHANDO CLAUDIO MANUEL DA COSTA [6345] Compuz um epitaphio no formato exacto do sonnetto, Glauco, mas talvez sem ter descripto, dum rapaz que morre, a propria Morte, em tom exacto. Fallei de invejas, Glauco, pois constato que temos, nessa vida, linguas más. Fazemos o que, aqui, ninguem mais faz com nossos semelhantes, gatto ou ratto. Não somos superiores a nenhuma especie, nenhum genero, nem raça. Aqui ninguem admitte que se faça aos bichos mal nenhum. Só bem, em summa. Você, que é cego, vale que se assuma um bicho que, treinado na devassa cultura do sadismo, por cão passa. Aqui você melhor papel arrhuma.


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PSYCHOGRAPHANDO FRANCISCA JULIA [6347] Ja commentaste, Glauco, um lindo della, fallando dum enterro, que transmitte das coisas materiaes tudo que incite a gente a meditar, emquanto vela. A morte tudo zera. A gente zela por posses transitorias. Quem habite um outro plano pode este convite fazer-nos, quando às almas vans appella: -- Exquesçam as riquezas materiaes! Valor nenhum tem uma moedinha de pratta nas espheras como a minha, aonde iremos todos nós, mortaes! Tu, Glauco, que visão ja não tens mais, talvez não tenhas mente tão mesquinha, mas battes 'inda tua punhetinha por causa de maus cheiros corporaes!

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122 GLAUCO MATTOSO PSYCHOGRAPHANDO GILKA MACHADO [6348] Em trevas (não as tuas) Gilka appella a Deus pelos prazeres desta vida ou doutras, pois a voz por dentro ouvida suggere encarnações e dor revela. Prazeres quaes? Desejos quaes tem ella? Paresce que da morte ella duvida! Paresce não estar bem convencida da nossa salvação, tão doce e bella! A ti, que te paresce, Glauco? Ficas em paz si vozes ouves de quem sinta a falta duma nona, duma quincta daquellas symphonias? Que me explicas? Riquezas financeiras são titicas num plano onde dinheiros não são trinta! Mas falta sentirás, não ha quem minta, das musicas, ao menos das mais ricas!


THANATOPHOBIA

PSYCHOGRAPHANDO GREGORIO DE MATTOS [6349] {Gregorio um caso raro de oração deixou em vida, Glauco! Si voltasse, depois de morto, para a sua face mostrar, diria aquillo mesmo, ou não?} -- Eu acho que depende. Seu tesão ainda terá pela bella classe dos jogos de palavras. Isso nasce bem espontaneamente e vem à mão. Mas "emprestado estado" chama a vida e deixa aqui recado para ser pensado. Quem será que tem poder de emprestimos fazer? Cê que decida! Satan si for, nem mesmo um suicida excappa de pagar. Maior prazer tem elle no castigo, pois quer ver punido quem seus debitos liquida.

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124 GLAUCO MATTOSO PSYCHOGRAPHANDO LUIZ GUIMARÃES JUNIOR [6353] Será que la serei bem recebido? Será que meus amigos estarão la para me abbraçar, me dar a mão? Ou só com os extranhos eu collido? Preoccupa-me isso, Glauco! Faz sentido que, mortos, nós sintamos solidão! Ao menos os que morrem antes vão nos dar as boas vindas? Eu duvido! Luiz Guimarães Junior diz que sim, que somos recebidos com carinho, mas eu, que para a morte me encaminho, questiono-me: e si for outro o festim? Si for Satan quem olha para mim com olhos sorridentes e, excarninho, ordena-me que beije seu cuzinho? Glaucão, será que irei achar ruim?


THANATOPHOBIA

PSYCHOGRAPHANDO MARTINS FONTES [6355] Você ja reparou, Glauco, na luz que alguem exquesce accesa até de dia? Martins Fontes às luzes alludia, dizendo, destas, tudo o que suppuz. Que disse? (Tremedeira, até, Jesus, me dá!) Disse que a Morte nos vigia por meio dessas luzes! Que diria você? Que coisa disso 'ocê deduz? Eu acho que não só na luz que fica accesa a Morte sempre nos expreita... Tambem nos cellulares de quem deita e deixa alli do lado... Isso se explica! Tambem computadores dão a dica si estão sempre ligados, Glaucão! Eita! Até me dá arrepio! Uma suspeita eu tenho: Satanaz se identifica!

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126 GLAUCO MATTOSO PSYCHOGRAPHANDO OLAVO BILAC [6356] Tambem da Morte falla com expanto Bilac: a comparou com um phantasma! Quem é que não se expanta, que não pasma, à noite, meditando no seu cantho? E tu? Tambem meditas, Glauco? O manto nocturno nem percebes, não te orgasma os olhos a visão, mas algo plasma ainda a tua mente, tanto ou quanto! Terás phantasmagoricas visões? Dos livros que tu leste sahirão os seres que povoam teu tesão? Quaes seres, sem ser Milton ou Camões? Ja sei! De Satanaz aos pés te pões! Adoras o Diabo! Onde estarão os bardos que ja foram ao caixão? No limbo? Ou ja cumprindo outras missões?


THANATOPHOBIA

ULTIMAS CONDOLENCIAS [6371] Estava no velorio muita gente. Depois das dez, ainda havia quem chorasse por alli. Mas ja ninguem restava à meia-noite, excepto um ente... Querido, mas nem tanto. Tal parente brigou com o defuncto, lhe foi bem hostil em vida. Agora, triste, tem remorso. Quer rezar e mal se sente. De subito, Sentado no à volta do a raiva no

o cadaver se caixão, vira pescoço, até seu rosto. O

levanta. a cabeça que cresça outro se expanta.

De medo, quer fugir. Ai, Virgem Sancta! Olhae por um devoto que padesça! Mas, antes que dalli desapparesça, o morto o segurou pela garganta...

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128 GLAUCO MATTOSO PÉ NA COVA [6415] Sahi tarde da zona de comforto materna, mas entrei cedo na zona de guerra, litteral ou brincalhona, a mesma do maior poeta morto. Com outro me irmanei, deixei o porto em busca de emoção: peguei carona no barco que, em taes ondas, ambiciona chegar onde chegou o vate morto. Em annos cariocas, eu absorpto fiquei como o mineiro que desthrona, ou querem que desthrone, mas nem clona o luso menestrel tambem ja morto. Deitei-me em muitas camas. Com pé torto pisei na alheia praia. Fui cafona, fui joven, mas serei quem ja resomna no tumulo de todo bardo morto.


THANATOPHOBIA

MEMENTO HOMO [6422] Aqui, Alli, Alem, o rei

quer ser um homem capitão. quer ser um homem general. quer ser um homem, affinal, no seu castello, uma ambição.

Diz Loudon, bardo folk, esse que não é muito conhescido, mas é tal qual Dylan, que nós somos, em geral, fragillimos. Pouquissimos não são. Mas quer um capitão ver seu navio singrar, inabballavel, na tormenta. Quer ver um general, na violenta battalha, que jamais perdeu o brio. Si estou no meu castello, sim, confio que esteja, aqui, seguro. Mas quem tenta ser rei um dia passa dos septenta, oitenta... Ja tem medo. Sente frio.

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130 GLAUCO MATTOSO BOAS INTENÇÕES [6457] Não, Glauco, não me indagues como sei! A velha, de accidente vascular, ficou paralysada, a repousar, agora cadeirante, constatei... Mas ella pensa: "Pensam que estarei feliz só por ficar a tomar ar aqui nesta varanda? Puta azar! De Murphy confirmada foi a lei!" "Eu fico olhando para aquella gente normal que, pela rua, para ca e para la passeia! Mais me dá vontade de morrer, si estou doente!" "Acharam que melhor alguem se sente na frente dos saudaveis, quando ja perdeu os movimentos? Mais gagá e invalida me sinto, simplesmente!"


THANATOPHOBIA

SEPTEMBRO AMARELLO (II) [6524] Xingou o torcedor quem amarella por ter, numa partida, pipocado. Jargão do futebol, mas, applicado à vida, às vezes falla algo mais della. Não posso responder por quem appella ao gesto suicida, Glauco, dado que estou, ainda, vivo. Mas o lado entendo dos que encontram tal janella. Glaucão, não considero covardia a grave decisão de quem se macta! Você tambem a accapta, quando tracta da these em sua afflicta poesia! Adjuda a gente tenta dar! Um dia, porem, a solidão, a atroz e ingrata doença, algum tormento nos maltracta accyma da possivel agonia!

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132 GLAUCO MATTOSO MULHER FATAL [6574] (para Martha M.) Não tive culpa, Glauco! O gajo quiz mactar-se, ué! Problema delle! Fez errado, ué! Se macte duma vez, na proxima! Talvez seja feliz! Por minha causa? Ah, Glauco! Só quem diz tal coisa não entende que vocês, machões, performam typo bem cortez, mas fragil, nesses modos tão gentis! Quiz elle appaixonar-se por mim? Ora, problema delle! Nunca auctorizei! Quiz elle comportar-se como um gay, fazendo manha? Ah, dei-lhe logo o fora! Tentou o suicidio, mas, agora, padesce no hospital! Glauco, ja sei: culpar-me vão querer! Porem a lei do lado fica aqui desta senhora!


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HISTORICO DE ATHLETA [6581] Incrivel! No Brazil, quem essa pega, ainda que famoso ou rico, morre, excepto os vis politicos! Que porre! Teem pacto com o Demo, ninguem nega! Nem elle, no governo, nem collega nenhum nos trez poderes risco corre! Siquer mostram symptomas! Nem excorre qualquer nariz! Ninguem sem ar offega! Ruim vaso não quebra, ja dizia mamãe! Mas em Brazilia ficou tão na cara que do Demo todos são! Paresce que nem grassa a pandemia! Mas praga tambem pega, Glauco! Um dia, sim, victimas tambem elles serão, de cada general ao capitão! Si vivo, orgasmarei eu na alegria!

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134 GLAUCO MATTOSO MAL DE MUITOS CONSOLO É [6582] Sim, Glauco, uma só morte nos commove! Si for dum accidente, de doença, qualquer morte nos toca! A gente pensa: "Peor si, duma vez, vão dez, ou nove!" Mas, quando muita terra se remove no chão dos cemeterios, menos tensa a gente fica! Aquella nossa crença accaba, até que um deus alguem nos prove! Milhares, ou milhões, sim, quanto mais pessoas forem victimas, paresce que ja ninguem se importa! Ja nem prece fazemos mais! Viramos animaes! Um ai chama a attenção, mas muitos ais serão indifferentes! Si padesce um povo todo, quasi que esse estresse se exvae! Consolo torna-se, entre eguaes!


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POSTHUMAS POSTURAS [6592] Tornei-me confessor, Glauco, mas não sou padre. Dum doente terminal escuto o que quizer dizer, de mal, de bem, aos familiares, do caixão. Aquillo que ninguem quer ouvir, tão difficil de encarar, no funeral a todos digo, mesmo que geral o susto possa ser, de supetão! Parentes não lerão a confissão dum morto que revele ser veado, ser corno, ter roubado, ter mactado... Mas para mim é tudo obrigação! Fui pago para aquillo ler, Glaucão! Precisa ver a cara dum saphado que foge do velorio, ja accusado de em tudo da mulher metter a mão!

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136 GLAUCO MATTOSO CADA MINUTO [6611] Não achas, Glauco, curta por demais a vida dum cachorro? Como filho eu tracto o meu e vejo o vital brilho, fugaz, no seu olhar, lhe escuto os ais! Paresce que dizer me quer: "Tu vaes depois, muito depois!" Me maravilho com isso, mas tambem, Glaucão, me pilho chorando... Não merescem viver mais? Os deuses com bons olhos os cães vejam! Nós somos egoistas, tens razão! É curta a vida delles porque são, sim, muito soffredores! Paz almejam! Queremos que comnosco sempre estejam, porem nos exquescemos de que vão primeiro, mas, primeiro, só nos dão amor! Cada minuto nos festejam!


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I LOVE THE DEAD [6621] Preciso confessar, Poeta: amei os mortos loucamente, como o Cooper cantava! Fui do typo que até chupa as partes dum cadaver! Confessei! Glaucão, você me entende, sendo gay! Si mesmo um symbolista nós, de lupa em punho, percebemos que se occupa dos mortos com desejo, que direi? Direi que tambem posso desejar! Direi que vejo, sim, necrophilia, até num corpo ja na cova fria, a carne ja a azular ao nosso olhar! Direi que essa libido tumular é, Glauco, mais commum do que seria a sua fetichista phantasia por pés! E os dum defuncto? Os quer cheirar!

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138 GLAUCO MATTOSO THEMAS DE TELEPHONEMAS (VIII) [6723] Alô? Quem falla? Glauco? Ora, você está vivo? Pensei que ja tivesse morrido, porra! A gente até se exquesce dum cego nesse enorme fuzuê! Em plena pandemia ha quem lhe dê a minima attenção? Nem sua prece meresce ser ouvida, si eu pudesse dar minha suggestão a Deus com "G"! Um cego deschartavel seja, amigo! Ainda mais agora, que essa peste até p'ra americanos, que teem teste, remedios e vaccinas, é castigo! Me expanta que 'inda agora cê commigo esteja conversando, que 'inda eu preste alguma attenção nisso que reveste de gozo o que traz tragico perigo!


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VELHA ABNORMALIDADE [6736] Irás tu te foder, Glauco! Si estavas, ja cego, preso em casa, vaes ficar ainda mais trancado nesse lar amargo, de mil trincos, de mil travas! Amigos te mandaram para as favas ja desde que ficaste cego! O par de tennis que te deram deve estar sem cheiro, tanto faz si não o lavas! Terás que masturbar-te sem signal de vida algum! Ninguem mais te visita! Ninguem te liga! Alguem diz que te evita a todos, e elles fallam de ti mal! Que esperas? Nem siquer teu funeral terá presença! Ah, tragica, maldicta missão, a tua, Glauco! Um parasita te tornas no fatal "novo normal"!

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140 GLAUCO MATTOSO NEUROSE DA COVIDOSE [6760] Pô, Glauco! Todo dia chega alguem contando que morreu mais um daquella maldicta "covidose"! Se revela, de facto, bem lethal o virus, hem? Peguei, sim, Glauco! Leve foi, porem, a coisa, pois não tive nem sequela! Foi "uma grippezinha", si dar trella nós formos ao governo, com desdem! Mas juro, torci para que ninguem pegasse, só os politicos! Que bella limpeza, si morressem! A favella podia festejar, por cento, cem! Mas nem Jardim Tostão, Villa Vintem, nem Campos de Infernopolis parcella tiveram de curados! Mortadella total! Só pobre morre! Extranha quem?


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POISON WHISKEY [6762] Poeta, a gente vê tanta cachaça na praça, artezanal, uma amarella, às vezes branca, azul... Porem aquella vermelha de veneno, meu, não passa! Meu pae, que era briguento, um bom reaça que encrenca procurava, aquella bella cachaça tomou sempre e mattuschella ficou, até morrer! Uma desgraça! Quiz elle que eu tomasse essa bebida mortal, a tal da pinga vermelhinha, mas sempre preservei, poeta, a minha cabeça bem pensante nesta vida! É verde meu absintho, Glauco! Olvida você que todo bardo, nessa linha maldicta dos francezes, não definha por causa duma dose bem servida?

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142 GLAUCO MATTOSO FUNEBRES BREUS [6790] Proverbio ouvi dizendo que quem cria um corvo se subjeita a ter furado seu olho, Glauco! Causa desaggrado saber disso? Você não se arrepia? Quem perde a vista assim não vae, um dia, querer o suicidio? Ouço, ouriçado, aquella do John Lennon que, em estado de graça, fez um blues, rara agonia! Os Beatles não faziam blues, mas quando fizeram, bem pisaram na ferida! Glaucão, você pensou na suicida sahida, não pensou? Segue pensando? Seus olhos aguia alguma bicca, a mando de Exu, quiçá de Juppiter? Convida Satan que, no sabbath, uma lambida você lhe dê no cu? Quer breu mais brando?


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UM DE MUITOS [6811] Amigos, quando perco um de vocês e quando quem perdemos foi Kapé, que todos nós sabemos bem quem é, lembramos da resposta a alguns porquês. Foi elle professor e portuguez fallou com propriedade. Foi até dos doces sabedor. Disse, com fé: "Cannoli foi Jesus mesmo quem fez!" Um pouco todos temos de italiano e nosso Vanderley bem que sabia das coisas. Do theatro a theoria com elle reparti por mais de um anno. Deixou-nos. Não questiono, mas me irmano a muitos de vocês. Um bello dia, cannoli comerei, como comia Kapé naquella noite, emquanto humano.

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144 GLAUCO MATTOSO AFFLICTIVA PERSPECTIVA [6815] Amigos vão morrendo, dia cada, e vemos ja chegar a nossa vez, Glaucão! Ou caducamos, ou, talvez, morremos de repente, eis que do nada! Preferes morrer como, camarada? De infarcto? De derrame? Embriaguez? Das tripas? Coração? Alguem ja fez teu mappa astral? Que mais te desaggrada? Nenhuma preferencia tens, poeta? Ah, quero, tranquillão, morrer dormindo! Não achas bem mais digno, justo, lindo? É grave essa afflicção que nos affecta! Si gostas de soffrer, de ser asceta, devias preferir algum malvindo fim, Glauco! Mas, depois de tudo findo, terás nova missão e nova meta!


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DOURADAS DENTADURAS [6821] Não é daquelles habitos antigos nem moda poderá ser hoje em dia. Virou, em certos circulos, mania: doar dinheiro vivo para amigos! Em vez de edificar ricos jazigos, que tal ser quem os vivos auxilia? Em vez duma expansão na companhia, que tal prover os pobres duns abrigos? Actores ja famosos, chique gente da musica, das lettras, dos esportes estão ficando velhos e taes cortes nas comptas serão baque indifferente! Hem, Glauco? Nada veta que cê tente pedir uma graninha aos que teem sortes melhores, pois, appós as suas mortes, daqui não levarão ouro no dente!

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146 GLAUCO MATTOSO DEZEMBRO VERMELHO [6859] De tanto se fallar em pandemia, accabam se exquescendo da AIDS! É claro que duas pestes dessas não comparo, mas muita gente, Glauco, ja morria! Me lembro do Cazuza! Que agonia foi vel-o definhar! Agora raro é vermos eskeletico um tão caro artista, que rockeiro foi um dia! Mas, com Renato Russo, outro rockeiro famoso, pela peste victimado, fiquei mais commovido, pois seu lado de martyr entendi, que quasi beiro! Tambem sou bi, Glaucão, e mais cabreiro estou na pandemia! Nem veado, nem puta foder posso, aqui trancado! Você, na bronha, ao menos se sacia!


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ASYMPTOMATICOS [6865] Problema algum não vejo, Glauco, nessa fallada pandemia que se expalha de novo, horrorizando uma gentalha tão credula, que coisas pensa à bessa! Si fosse indifferente, mais depressa a peste passaria! Só me calha pensar que nada sinto! Uma navalha só corta si não vemos o que impeça! Eu vejo umas defesas actuando no corpo duma grande maioria de gente que feliz mais viveria deixando de temer um mal nefando! Mas, como poucos sabem disso, quando percebem quão inutil agonia passaram, será tarde! A pandemia mais victimas, de medo, vem mactando!

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148 GLAUCO MATTOSO PILEQUE DE MOLEQUE [6889] Cadê que se salvou o meninão que sempre desse virus desdenhara! Riu muito, nem ligou! Quebrou a cara! Agora a septe palmos foi do chão! Parentes nem tocaram no caixão, ninguem lhes permittiu! Sahiu bem cara a compta do hospital, embora avara aquella gente fosse! Né, Glaucão? Os jovens tambem morrem da maldicta doença, mas ainda na ballada insistem em ir! Fazem o que aggrada, somente! É o que entendi de quem tweeta! Mas elles se foder vão! Quem imita um "mytho" na cabeça não tem nada! Saber quer, Glauco? Mando que va cada rapaz negacionista ao bar! Nos quita!


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EXAGGERO NO DESESPERO [6901] Affirmam que maluco sou, Glaucão! Assumo que sou, mesmo, mas resalvo que muita gente está, jamais, a salvo de insanas attitudes, tambem, não! Confuso sou, por vezes, e questão até faço, dos chistes, de ser alvo! Prefiro ser doidão a ser pappalvo ou trouxa, tal qual esses que ahi estão! O mundo me deixou desesperado ja tantas vezes, Glauco, que nem sei si estive suicida, mas pensei em, antes, mactar gente que nem gado! Pensei num senador, num deputado, num padre, num juiz, num presidente... Pensei em accabar com essa gente damnada, que me causa desaggrado! Depois pensei melhor... Mais resultado terá minha loucura si, na mente, os faço de demente, de doente mental, tal como, urrando, de mim brado!

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150 GLAUCO MATTOSO ELEITOR FINGIDOR [6912] Não quero que o damnado se retracte, que peça perdão pelo que tem feito! Só quero me vingar desse subjeito! Aqui se faz, aqui se paga, vate! Politicos na bocca, nos pisa, despreza,

são foda! Algum nos batte no nariz, no pé, no peito, nosso physico defeito mas tem medo que eu o macte!

De nada addeantar vae tanto medo, Glaucão! A morte delle ja planejo! Faltar não vae jamais algum ensejo! De jeito o pego, Glauco, ou tarde, ou cedo! Emquanto não me vingo, vate, eu cedo a todos os pisões e seu desejo a custo satisfaço! Sim, rastejo! Mas é de masochismo um arremedo!


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SEGUNDA ONDA [6926] Mas vate, é sempre inutil essa gente tentar em casa achar algum canthinho seguro contra a peste! Ja adivinho aquillo que teremos pela frente! Appós esta segunda, novamente teremos outras ondas! Direitinho iremos ao inferno! No caminho os corpos ficarão, mostrando o dente! Não, Glauco! Nem vaccina addeantar irá, pois esse virus sempre muda! Só perde tempo quem a peste estuda! É o clima, vez mais cada, tumular! Não vejo outra sahida! Se mactar a gente certamente irá? Caluda! Nem quero commentar! Será que Buddha adjuda a morrer cada no seu lar?

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152 GLAUCO MATTOSO EXSPECTATIVA DE VIDA [6930] As grandes dores mudas são, diria aquella que cuidou de tanta gente edosa, aguentou tanta dor pungente dos outros, mas seu choro só ommittia. Cuidou sempre dos velhos, mas um dia tambem envelhesceu e, mudamente, guardou a dor. Agora quem a sente é sua cuidadora, tambem fria. As duas communicam-se sem nada dizerem. Uma troca seu olhar com outra, como trocam de logar. Um pouco de carencia para cada. Contou-me isso uma amiga que, coitada, está ficando velha, sem comptar com sua cuidadora. Por azar, morreu esta, mais joven. Sim, grippada.


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PERUS EM EXSTINCÇÃO [6945] Não, elles não divulgam, Glauco, não, mas muitos se mactando vão, devido à peste, por perderem quem tem ido ou pela antevisão de quando irão! Você vae se mactar tambem, Glaucão? Ja quanto a mim, lhe digo o que decido: Sabendo que peguei, me suicido, bem antes de ficar sem o pulmão! Entendo tanta gente que se macta emquanto não ficou, 'inda, sem ar, depois de seus parentes enterrar! Mas não me considero um psychopatha! Talvez, por ser propheta, tem exacta noção você de quando seu logar será desoccupado... Mas azar daquelle que visão não tem da data!

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154 GLAUCO MATTOSO ETERNO RETORNO (II) [6967] Amei, Glauco, um rapaz, mas fui trahido! Por outro me trocou, que morreria "aidetico", sim, como se dizia! Ah, Glauco, um caso desses faz sentido? Então, elle voltou e decidido fiquei a perdoar, sem alegria! Seriamos felizes algum dia? Ah, Glauco, um caso desses faz sentido? Mais annos se passaram, mas decido pensar que pouco tempo passaria! Agora confirmou-se esta agonia! Ah, vate, este meu caso faz sentido? Pois é, foi de covid! Elle, trazido de volta no caixão, a vez addia daquillo que esperei: minha phobia! Ah, vate, este meu caso faz sentido?


THANATOPHOBIA

MANUAL DO SUICIDA [6993] Não, Glauco! Um manual do suicida escripto ja foi varias vezes antes, versões até bastante interessantes, mas sem utilidade garantida! Agora, não! Ninguem siquer duvida que exsista algum recurso! Os allarmantes registros estatisticos constantes são, caso o novo virus nos aggrida! Em summa, a quem quizer mactar-se, exsiste um jeito garantido! Basta a gente pegar uma covid, ainda quente do banho! Ja fallei, ninguem resiste! Pensou que enlouquesci? Mas quem assiste, nas midias, à afflicção do presidente, ja sabe que elle, embora rindo, mente e está para morrer, inerme e triste!

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156 GLAUCO MATTOSO DIA "D" [7084] No dia que tiver que ser, será! Quem sabe? Quem souber meresce um... um... Um doce! Isso! Mas acho que em jejum irá ficar, pois data... Ah, não! Não ha! Qual hora? Muito menos! Hora "H" é força de expressão! O mais commum é mesmo dizer "um momento", "algum momento"... O tiro certo ninguem dá! Hem? Como saberemos, Glauco, qual a hora de morrermos, ou a morte mais breve e previsivel? Essa sorte só mesmo os bruxos teem, é natural! No caso dos politicos, o mal que fazem é tão grande, que mais forte é a praga do povão! Não ha quem corte o rhumo da revanche, em hora tal!


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ARES TUMULARES [7094] É, Glauco, um genocidio! Que fazer? Quem deixa, dessa forma, alguem sem ar? Não basta não haver hospitalar soccorro para todos? É dever! Mas elle não só faz por merescer a morte mais ingloria! Vae faltar ar quando seu suspiro final dar for elle, o desgraçado no poder! Ha varios desgraçados nesta terra, alguns asphyxiados numa cama, alguns obedescendo quem os chama de escravo, de cabrito que não berra! Mas chega a vez, é claro, dum que emperra governos, planos, vidas de quem ama seu proximo ou parente! Se derrama um sangue, mas a praga assim se encerra!

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158 GLAUCO MATTOSO SPUTNIK TUPYNIKIM [7203] Não morra, Glauco! Caso você tussa, expirre, tenha febre, si estiver maior e vaccinado, ja qualquer grippinha à toa nunca affecta a fuça! O virus mais se excita, mais aguça seu impeto damninho si puder pegal-o sem escudo! O que elle quer é gente que não toma a versão russa! As outras Quem toma se torna, Mas essa,

duvidosas são, Glaucão! alguma dellas jacaré si no Bozo tiver fé! a de Moscow, dá protecção!

Bem... Caso não funccione, você não precisa temer, Glauco! Pode até virar um urso! Um urso, porem, é mais fofo, mais mansinho, como o cão!


THANATOPHOBIA

MANSAS LEMBRANÇAS [7231] Vez toda que perguntam si estou bem, vez toda que se lembram de mim, é só para confirmarem que eu, até agora, não morri: "Jesus amen!" Por fora, saber querem si 'inda nem peguei um resfriado: "Tenha fé! Deus queira que você, Pedro José, não pegue essa covid!" E vão alem... Desejam-me tranquilla quarentena, com muita producção de poesia. Por dentro, todos frustram-se: "Eu queria ver esse cego morto, orra, sem pena!" Os mesmos que, com uma voz serena, me dizem que bem fique, essa alegria queriam ter, me vendo na asphyxia covidica, não numa vida amena.

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160 GLAUCO MATTOSO SOLITARIO PRIORITARIO [7235] Agora que vovô foi vaccinado verá que cada filho, cada netto morrendo vae, covidico, directo, por falta de vaccina no mercado! Inverte-se o problema, pois o lado mais fracco, o dos edosos, por completo está ja resolvido, mas repleto ficou o cemeterio do outro "gado"! Nem cuido de politica, não, mas sou joven, Glauco, quero que meu pae commigo não se juncte com quem vae mais cedo se encontrar com Satanaz! Si só vovô viver, será que faz questão de estar feliz, ou elle sae à rua só com velhos e seu ai será só de saudade de quem jaz?




SUMMARIO THANATOPHOBIA [3872]...............................................9 DECIMA DO ACCRESCIMO AO SEGUNDO TEMPO [2.22]......................10 DECRESCENTE SAUDOSISMO [2.59].....................................11 CONFIANTE PESSIMISMO [2.73].......................................12 DELIRANTE ABSENTEISMO [2.74]......................................13 TROVAS NAS TREVAS [2.93]..........................................14 CURRICULO LYRICO [0005]...........................................15 ODE AO SUICIDIO [0055]............................................16 MADRIGAL MORTAL [0066]............................................18 EXSILIO NA MORGADO [0111].........................................19 MADRIGAL ESPECIAL [0119]..........................................20 MADRIGAL FINAL [0120] .............................................21 ODE CIRCUMSTANCIAL [0121].........................................22 MANIFESTO RELATIVISTA [0126]......................................25 POSTHUMOS OCULOS [0141]...........................................31 Nossa morte é coisa certa [0149]..................................32 DISSONNETTO SUICIDA [0334]........................................33 ABSOLUTO ABSURDO [0339]...........................................34 LERDA EPHEMERDA [0373]............................................35 DISSONNETTO DODOE [0404]..........................................36 CERTIFICADO DE CONCLUSÃO [0424]...................................37 AFFLICTO MOSQUITO [0426]..........................................38 AUTOCOMPLACENTE PLACEBO [0427]....................................39 Ver pode quem quizer meu eskeleto [0432]..........................40 SEPTEMBRO AMARELLO (I) [0433].....................................42 DISSONNETTO MORTAL [0959].........................................43 SONNETTO DA JACA MADURA [1190]....................................44 SONNETTO DA VERGONHA NA CARA [1282]...............................45 SONNETTO DO MORTO DE VERGONHA [1334]..............................46 SONNETTO DA MORTE PRELIBADA [1336]................................47


DISSONNETTO DO ALTO DO PÃO DE ASSUCAR [1368]......................48 DISSONNETTO DO POSTO DO IMPOSTOR [1385]...........................49 DISSONNETTO DA SORTE MORTAL [1553]................................50 DISSONNETTO DA VIDA REPRISADA [1590]..............................51 DISSONNETTO DA BOA MORTE [1632]...................................52 DISSONNETTO PARA UM QUASI ACADEMICO FALLESCIDO [1764].............53 SONNETTO PARA UMA NOTICIA FUNEBRE [1845]..........................54 SONNETTO PARA QUEM CORRE CONTRA O TEMPO [1847]....................55 SONNETTO PARA A FALTA DE NOTICIAS [1909]..........................56 DISSONNETTO PARA UMA VELHA PERGUNTA [2046]........................57 SONNETTO PARA O SOLDADO DEDICADO [2366]...........................58 SONNETTO PARA A ULTIMA VAIDADE [2405].............................59 DISSONNETTO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [3083]...............60 MORTE AO VIVO [3394]..............................................61 SAHIDA TRIUMPHAL [3395]...........................................62 A VOLTA DO MOTTE DO CAIXÃO [3617].................................63 ANTES MAL ACCOMPANHADO! [3837]....................................64 TAPHOPHOBIA [3869]................................................65 PECCADO MORTAL [3957].............................................66 O PHANTASMA CAMARADA [4032].......................................67 O CAUTO CAUSO DO PROMPTO SOCCORRO [4139]..........................68 A VINGANÇA DO ATTIRADOR [4144]....................................69 TERRITORIO TRANSITORIO [4454].....................................70 VALLE DE LAGRYMAS [4465]..........................................71 QUADRA CLINICA [4486].............................................72 ENTERRO DE LUXO [4676]............................................73 SUPPLICA POSTHUMA [4694]..........................................74 UM CARPIDEIRO NO PICCADEIRO [4800]................................75 CADA CABEÇA, CADA PROJECTIL [4907]................................76 A VEZ DA EMBRIAGUEZ [4982]........................................77 JURAMENTO HYPOCRITA [5010]........................................78 RELENDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [5217]......................79


DISSONNETTO DUNS PAPPOS DE ELEVADOR [5453]........................80 ANALIZANDO E ANALYSANDO [5556-B]..................................81 QUEDA LIVRE [5568]................................................82 DAMNE-SE A AMNESIA! [5603]........................................83 CLAUSULA TESTAMENTARIA [5604].....................................84 COCEIRA NA SOBRANCELHA [5609].....................................85 IDYLLICO COLLYRIO [5611]..........................................86 SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE [5621]....................................87 ETERNO CALOR MATERNO [5651].......................................88 INFINDO SONHO [5667]..............................................89 PARA JUBILO DE JUPPITER [5675]....................................90 QUALQUER DIA DAS MÃES [5742]......................................91 MISCELLANEA DOS VICTIMADOS [5801].................................92 ALLEGORIA DO COVEIRO [5836].......................................93 HILARIO OBITUARIO [5838]..........................................94 ROCKEIRO PICCADEIRO [5878]........................................95 HESITANTE INSTANTE [5944].........................................96 TOO GOOD TO BE TRUE [5945]........................................97 MISCELLANEA SOBREHUMANA [6001]....................................98 MISCELLANEA DA PASSAGEM [6012]....................................99 ALLEGRO MA NON TROPPO [6066].....................................100 MOLYSMOPHOBIA [6077].............................................101 MATTOSALEM [6094]................................................102 REGIME DISCIPLINAR DIFFERENCIADO [6112]..........................103 HASHTAG VAE DAR TUDO CERTO [6120]................................104 BALLA DE PRATTA [6129]...........................................105 QUALIDADE DE MORTE [6137]........................................106 HASHTAG PROPONHO UM CHURRASCO [6139].............................107 MEME DO NEGATIVISMO [6157].......................................108 HASHTAG MELHOR MORRER [6173].....................................109 UTENSILIO TERMINAL INUTIL [6198].................................110 NECROLOGIO [6200]................................................111


JUIZO [6227].....................................................112 PRETERIDA [6264].................................................113 MORRA QUEM MORRER [6298].........................................114 ADJUDA MEHUDA [6321].............................................115 CORONANISMO [6327]...............................................116 PSYCHOGRAPHANDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [6333].............117 PSYCHOGRAPHANDO ALVARES DE AZEVEDO [6335]........................118 PSYCHOGRAPHANDO CRUZ E SOUZA [6344]..............................119 PSYCHOGRAPHANDO CLAUDIO MANUEL DA COSTA [6345]...................120 PSYCHOGRAPHANDO FRANCISCA JULIA [6347]...........................121 PSYCHOGRAPHANDO GILKA MACHADO [6348].............................122 PSYCHOGRAPHANDO GREGORIO DE MATTOS [6349]........................123 PSYCHOGRAPHANDO LUIZ GUIMARÃES JUNIOR [6353].....................124 PSYCHOGRAPHANDO MARTINS FONTES [6355]............................125 PSYCHOGRAPHANDO OLAVO BILAC [6356]...............................126 ULTIMAS CONDOLENCIAS [6371]......................................127 PÉ NA COVA [6415]................................................128 MEMENTO HOMO [6422]..............................................129 BOAS INTENÇÕES [6457]............................................130 SEPTEMBRO AMARELLO (II) [6524]...................................131 MULHER FATAL [6574]..............................................132 HISTORICO DE ATHLETA [6581]......................................133 MAL DE MUITOS CONSOLO É [6582]...................................134 POSTHUMAS POSTURAS [6592]........................................135 CADA MINUTO [6611]...............................................136 I LOVE THE DEAD [6621]...........................................137 THEMAS DE TELEPHONEMAS (VIII) [6723].............................138 VELHA ABNORMALIDADE [6736].......................................139 NEUROSE DA COVIDOSE [6760].......................................140 POISON WHISKEY [6762]............................................141 FUNEBRES BREUS [6790]............................................142 UM DE MUITOS [6811]..............................................143


AFFLICTIVA PERSPECTIVA [6815]....................................144 DOURADAS DENTADURAS [6821].......................................145 DEZEMBRO VERMELHO [6859].........................................146 ASYMPTOMATICOS [6865]............................................147 PILEQUE DE MOLEQUE [6889]........................................148 EXAGGERO NO DESESPERO [6901].....................................149 ELEITOR FINGIDOR [6912]..........................................150 SEGUNDA ONDA [6926]..............................................151 EXSPECTATIVA DE VIDA [6930]......................................152 PERUS EM EXSTINCÇÃO [6945].......................................153 ETERNO RETORNO (II) [6967].......................................154 MANUAL DO SUICIDA [6993].........................................155 DIA "D" [7084]...................................................156 ARES TUMULARES [7094]............................................157 SPUTNIK TUPYNIKIM [7203].........................................158 MANSAS LEMBRANÇAS [7231].........................................159 SOLITARIO PRIORITARIO [7235].....................................160



Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM SCENA PUNK CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTRIP


São Paulo Casa de Ferreiro 2021




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