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INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO ANTECEDENTES DA LUTA
PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO. NAS ESCADARIAS DO TEATRO MUNICIPAL, CENTRO DA CIDADE DE SÃO PAULO, EM 07/07/1978. DA ESQUERDA PARA A DIREITA, ANTÔNIO LEITE, PROF. EDUARDO OLIVEIRA, HAMILTON CARDOSO (QUE DISCURSA), OSCARLINO MARÇAL E MILTON BARBOSA. ©JESUS CARLOS
A FRENTE NEGRA BRASILEIRA OUSOU UM PROJETO POLÍTICO PARA O BRASIL
MÁRCIO BARBOSA*
Nem sempre o protagonismo afro-brasileiro é lembrado de forma positiva ao longo da história. A nós, os relatos oficiais geralmente reservam o papel de coadjuvantes nos grandes eventos, especialmente naqueles que ajudam a definir a situação sociopolítica do país. Quando não nos dão esse papel, tentam desqualificar nossa luta rotulando-a de diversas maneiras negativas (…). O pós-abolição, por exemplo, é rico em termos de criação de associações afro-brasileiras, na sua maior parte com atividade de lazer e de cultura. Outras entidades tinham caráter assistencialista. Algumas se dedicaram à publicação de jornais numa época em que os índices de analfabetismo eram terríveis. Em São Paulo, uma das entidades mais conhecidas foi o Centro Cívico Palmares, fundado em 1926. Essa associação ultrapassou os limites das entidades recreativas ao pautar o tema da participação política.
Em 1931, surgiu a Frente Negra Brasileira, aprofundando os temas que o Palmares esboçara e atingindo um nível de organização e atuação que a tornaria lembrada através das décadas. Fundada no dia 16 de setembro no salão das Classes Laboriosas, constituiu sede posteriormente na Casa de Portugal, na avenida Liberdade, na cidade de São Paulo. Nesse local, a Frente Negra manteve escola, departamento de assistência social e jurídica, grupo de teatro e jornal, além de promover palestras e os grandes bailes organizados pelo grupo das Rosas Negras, dentre outras atividades.
*PESQUISADOR E INTEGRANTE DO QUILOMBHOJE LITERATURA. ADAPTAÇÃO DO TEXTO NO LIVRO FRENTE NEGRA BRASILEIRA: DEPOIMENTOS, ENTREVISTAS E TEXTOS. SÃO PAULO: QUILOMBHOJE, 1998.
É importante notar o contexto em que a Frente Negra surge. Em depoimento para o livro Frente Negra Brasileira, Aristides Barbosa afirma que, ao chegar a São Paulo vindo da cidade de Mococa, encontrou no bairro da Bela Vista os homens negros desempregados nas ruas. Eram as mulheres que, trabalhando como domésticas, arcavam com o sustento das famílias.
Na época, grassava a tese racista e pseudocientífica, para a qual a mestiçagem resultava numa raça degenerada, e por isso negros e mulatos estavam fadados ao desaparecimento. Entre os ideólogos dessa concepção estavam Nina Rodrigues e Monteiro Lobato. Essas teses sustentaram políticas públicas como o incentivo à imigração europeia, dando corpo ao desejo de embranquecimento, pois, para as classes dirigentes do início do século XX, o país só atingiria o status de “civilizado” quando a “raça degenerada” desaparecesse do seio de sua população. Os jornais da época estampam anúncios que procuram por empregados brancos.
Nesse sentido, a Frente Negra estabeleceu um projeto político de inclusão do povo negro na sociedade brasileira. Nos estatutos da Frente afirma-se que a entidade “visa à elevação moral, intelectual, artística, técnica, profissional e física; proteção e defesa social, jurídica, econômica e do trabalho da Gente Negra”. Esse objetivo amplo foi seguido com tenacidade, podendo-se destacar nesse passo três diretrizes centrais de ação: a construção da ideia de comunidade, independentemente de cor de pele, com uma história comum, um passado comum, com heróis como Zumbi e Henrique Dias – elabora-se uma identidade negra; a educação como um fator de superação da situação atual (a educação pode ser formal, como na escola frentenegrina, mas pode ser mais geral, humanista, como nas palestras, no teatro, nas leituras de poesia, no incentivo à leitura de livros); e a atuação político-partidária para alcançar objetivos mais amplos.
Deve-se notar que essa ação é pensada em termos nacionalistas. Para os frentenegrinos, o negro, por sua contribuição à construção do país, deve levar sua luta em termos nacionais, tem direito à terra, tem direito a participar da vida política e da tomada de decisões. E, especialmente, deve pensar na disputa de poder. Embora houvesse informação dos movimentos internacionalistas, como o da volta à África, de Marcus Garvey, a Frente concebe sua atuação somente em termos de Brasil.
A unidade pretendida pela Frente Negra teve resultados concretos. Alguns autores afirmam que ela chegou a ter 200 mil filiados em todo o
Brasil, com ramificações em vários Estados. No Recife, o poeta Solano Trindade chegou a criar a Frente Negra Pernambucana. A carteirinha da Frente valia como um documento de identidade. A participação feminina na Frente Negra revela o papel da mulher na direção das atividades educativas, assistenciais, artísticas e de lazer, especialmente as atividades organizadas pelo departamento feminino denominado Rosas Negras.
Em 1936, a Frente foi registrada como partido político. Apesar da breve duração, pouco mais que um ano, até hoje é lembrada por ser o primeiro partido político negro brasileiro. Dirigida por afro-brasileiros que tinham superado a barreira do analfabetismo e se tornado professores, a Frente teve de lidar com diversas contradições.
O primeiro presidente, Arlindo Veiga dos Santos, era patrianovista, isto é, monarquista e, embora sempre afirmasse que essa sua posição não interferia em seu papel como frentenegrino, as maiores críticas à Frente e muitas das cisões que surgem derivam dessa postura e da linha autoritária que a diretoria teria imprimido à Frente, com a formação, por exemplo, de uma milícia. Logo no seu início, o grupo do jornal Clarim da Alvorada, de José Correia Leite, rompeu com a Frente Negra. Na Revolução de 1932, ela decidiu por se manter neutra, não aderindo à luta empreendida pelos paulistas. No entanto, houve uma cisão, e de dentro da Frente saiu um grupo que formou a Legião Negra, para lutar ao lado dos paulistas.
Em 1937, um decreto de Getúlio Vargas que colocava na ilegalidade todos os partidos políticos atingiu também a Frente Negra, provocando seu fechamento. Ela ainda tentou se rearticular como União Negra e depois como Clube Recreativo Palmares. Em décadas posteriores, houve tentativas de se reconstruir a Frente Negra empreendidas por Francisco Lucrécio (ex-primeiro secretário) e outros, mas a época de ouro havia terminado.
Porém, a Frente permanece atual, pois teve o mérito de elaborar um projeto político para o negro e para o Brasil. Nesse projeto político de inclusão, a raça seria um fator de mobilização e coesão, e não de segregação, como vista e sentida no dia a dia. Agindo no sentido de privilegiar a educação, a ação cultural e a participação política baseada no que poderíamos chamar hoje de voto étnico, suprapartidário, a Frente supriu carências imediatas de parte da população negra. Ainda surgirão muitos estudos sobre a Frente, muitos deles tentando desqualificá-la, mas os temas que pautou permanecem atuais.