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O FESTIVAL COMUNITÁRIO NEGRO ZUMBI (FECONEZU) REUNIÃO DE QUILOMBOS E QUILOMBOLAS
LUIZ FERNANDO COSTA DE ANDRADE*
*COORDENADOR EXECUTIVO DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DA PREFEITURA DE ARARAQUARA
TEXTO ADAPTADO DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO O MOVIMENTO NEGRO E A CULTURA POLÍTICA NO BRASIL (1978- 1988): O CASO DE SÃO PAULO, UFSCAR, SÃO CARLOS, 2016.
O 1º Festival Comunitário Negro Zumbi (Feconezu) tem por objetivo finalizar as comemorações em homenagem aos 283 anos da morte de Zumbi. É um trabalho promovido pela Federação de Entidades Afrobrasileiras do Estado de São Paulo (FEABESP), organizado e patrocinado por entidades afro-brasileiras. A proposta é que o Feconezu seja realizado anualmente, em cidades diferentes e sob a responsabilidade das entidades locais. O 1º Feconezu será realizado na cidade de Araraquara (SP), sob a responsabilidade do Grupo de Divulgação e Arte e Cultura Negra (Gana). Contamos com a sua presença e participação. Local: Gigantão – Araraquara (Jornegro, ano 1, n. 5, nov. 1978).
Dentre as iniciativas organizativas do Movimento Negro contemporâneo paulista, o Feconezu 11 foi talvez o que mais se preocupou com o alcance e a coletivização da cultura negra e dos valores mais fundamentais associados a essa noção de cultura, especialmente em sua dimensão popular. O Feconezu completa quarenta anos, mas as
palavras e ideias aqui registradas são alusivas ao estudo da primeira década da sua organização.
O festival foi marcado pela reunião de vários membros e entidades que trabalhavam com cultura no estado de São Paulo, principalmente com práticas teatrais, tradicionais, populares e musicais. Uma peculiaridade, ele apenas ocorreu em cidades do interior do estado e, de modo itinerante, ano a ano realizava encontros em uma nova cidade, com vista a inserir, nos municípios onde os encontros ocorriam,
11. Evento itinerante que por mais de quatro décadas percorre as cidades do interior paulista. Acontece no mês de novembro, cada ano em uma cidade do interior para homenagear a data nacional – Dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. O festival surgiu em 1978, ano de grande efervescência cultural e política entre ativistas antirracistas da capital e interior de São Paulo. Promove e difunde a cultura e a arte negra, atividade esportiva, lúdica infantil, conferência e debate, desfile de moda e beleza negra. As atividades se encerram com um grande baile, onde predominam os vários estilos de música negra.
discussões sobre a questão étnico-racial, associando aspectos culturais, sociais e políticos, ainda que a ideia de “comemoração” fosse a maior divulgadora do encontro.
A ideia fundamental era fortalecer e “plantar sementes” em cidades onde as organizações eram incipientes, visando à realização do debate étnico-racial, ao mesmo tempo em que se vivenciariam, na prática, aquelas ideias e questões na construção do Festival e, principalmente, nos dias de sua realização.
A autointitulação “Organização Quilombola” e a frase que caracteriza a iniciativa – “O melhor do Feconezu é sua gente” – oferecem a leitura do caráter popular dessa organização, dos valores então muito em voga de recuperação do quilombo como referência e fundamento para se pensar a coletividade, e de Zumbi dos Palmares como símbolo e inspiração.
Principalmente em sua primeira década de ocorrência, o Festival, originalmente pensado como um momento de confraternização em homenagem a Zumbi dos Palmares no seu aniversário de morte, foi ganhando relevância como foro de troca de experiências, ideias e debates acalorados, promovendo novos espaços de formação tanto de pessoas não alinhadas
a debates teóricos ou políticos, quanto de militantes já em atividade e de grupos importantes como o Quilombhoje, MNU, Grupo Negro da PUC, Vissungo/SP e diversas entidades e associações político-culturais do interior de São Paulo.
Encontramos em uma das edições do Jornegro relatos da experiência construída em torno da proposta do Festival com os preparativos do 3º Feconezu, realizado na cidade de São Carlos (SP) em 1980. O 3º Feconezu contou ainda com um registro muito especial. No documentário Ôrí – uma produção de Raquel Gerber, texto e narração de Beatriz Nascimento –, lançado em 1989, temos cenas e discussões de grande densidade que ilustram situações que auxiliam no entendimento e na caracterização do Feconezu, sendo o Ôrí um dos principais registros fílmicos do Movimento Negro Brasileiro entre as décadas de 1970 e 1980.
O Feconezu, por seu alcance e sua pluralidade, propicia que existam diversas e diferentes narrativas sobre sua história e memória.
Não é incomum conhecer pessoas que se entenderam e reconheceram positivamente como negras nos encontros do Festival Comunitário Negro Zumbi. Parte da intelectualidade e da militância negra histórica, ou mesmo mais recente, tem e teve avaliações distintas do Feconezu, e o ponto central dessas avaliações encontra amparo em uma “falsa dicotomia” entre cultura e política. Se à época a questão poderia ser dividida entre aquelas e aqueles que entendiam a “via política”, ou a “via cultural”, como principal bandeira para a luta dos negros no Brasil, hoje se tem maior adesão à ideia de que tais dimensões são indissociáveis, e que o combate ao racismo precisa ser feito em todas as frentes, entendendo que, na maioria das vezes, uma dimensão da questão favorece os debates da outra, e vice-versa.
Três ideias sintetizam um tipo de sentimento particular sobre a importância do Feconezu, mas que certamente vão ao encontro de muitos outros sentimentos particulares. A primeira frase é: “Muitos querem ser Zumbis, poucos querem ser quilombolas”. A outra é pensar o significado da frase “(Re)Viver Palmares”, diante dos velhos e novos desafios, e dos absurdos do século XXI. E, por último, a frase: “O melhor do Feconezu é sua gente”. Parecenos que o pensamento emblemático subjacente às frases é que apenas juntos podemos entender e apreciar, de fato, o Feconezu.