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CADERNOS NEGROS, A HERANÇA AFRO-LITERÁRIA
ESMERALDA RIBEIRO*
*ESCRITORA,
PESQUISADORA DA LITERATURA DA
MULHER NEGRA E ORGANIZADORA DOS
CADERNOS NEGROS.
Em primeiro lugar, é preciso registrar na história do Movimento Negro Brasileiro que o território do Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), criado e recriado nos anos 1970, faz parte da história dos Cadernos Negros porque foi o lugar que abrigou muitos dos nossos e um local muito frequentado por lideranças do Movimento Negro.
Cadernos Negros é uma herança afro- -literária recebida desde o volume 21 – Poemas. E a história da antologia está sempre às voltas com poemas. Nós, os herdeiros, Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa, sabemos que tudo começou em 1978, quando surgiu o primeiro volume da série. Uma saga de oito poetas que dividiam os custos do livro, as tarefas da publicação no formato de bolso e 52 páginas. A publicação foi vendida, principalmente, no dia do lançamento. Grande lançamento. Posteriormente, circulou de mão em mão, haja vista as dificuldades de distribuição nas livrarias. O retorno foi expressivo e animou os poetas e as poetisas fundadoras.
Desde então, ininterruptamente, foram lançados novos volumes – um por ano – alternando poemas e contos com diversos estilos. A distribuição aperfeiçoou-se. Surgiram mais e mais escritoras e escritores, de vários estados do Brasil, interessados em publicar nos Cadernos Negros.
É preciso reconhecer que não existe outra antologia com publicação regular e exclusiva de autoria afrobrasileira dada à falta de incentivo à literatura desse tipo. Conquistamos visibilidade e garantimos a permanência dos Cadernos Negros, um feito importante para o fortalecimento da literatura negra. Atualmente, é
uma referência didática nacional para a educação antirracista, é fonte de pesquisa para os ensaios, teses e estudos diversos dos estudantes de letras, pesquisadores e educadores de todas as áreas e níveis educacionais.
Os Cadernos Negros, por sua estética diferenciada ou sua função social de fazer valer a resistência e o protagonismo cultural, inegavelmente se destacam e proporcionam oportunidade para que a criação literária dos descendentes de africanos se torne sujeito e objeto da própria escrita, enriquecendo a reflexão sobre o racismo, estimulando o debate a respeito da questão racial e novos caminhos para a cultura brasileira.
É um tipo especial de literatura, que respondeu satisfatoriamente a uma demanda reprimida no mercado editorial brasileiro. O seu nome tornouse uma marca editorial da consciência negra, cujo alcance vai além dos limites da distribuição e venda de livros. A maior comercialização ocorre, anualmente, no dia do lançamento de cada volume. Um evento que há quarenta anos vem marcando o calendário da cidade de São Paulo no mês da consciência negra (novembro) e às vezes se estende ao mês de dezembro, já chegou a reunir cerca de duas mil pessoas para assistir às performances poético-dramáticas e espetáculos de dança. A responsabilidade editorial é do coletivo
Quilombhoje 12 . Desde a fundação (1978), o grupo organiza de forma coletiva e cooperativada participação, colaboração e recursos entre os autores de cada volume. Uma forma criativa e responsável para superar as barreiras e dificuldades do mercado editorial.
A cada ano, a idade cronológica dos Cadernos avança. Estamos no volume 40. Que venham mais e mais volumes. Parabéns pra nós. O tempo passa. Renovamos e continuamos na resistência!
EU JURO Quando for condicional o racismo acabar sem ser atemporal juro, com todas as letras, escreverei poemas sobre flores falarei de países visitados riscarei poemas de negritude serão poemas sitiados vetarei militância poética tomarei atitude minhas novelas com enredo de novelas globais
12. Ver mais informação no site: www.quilombhoje.com.br. Contatos: quilombhoje@gmail.com e Quilombhoje Literatura (Facebook).
assim você contemplará a branquitude dos meus versos juro, com todas as letras, terei o cuidado de revisar meus pensamentos nunca usar em vão a palavra negritude etecetera e tal no capítulo da minha nova escrita serei mulher e ponto agora você pode me ler nas páginas brancas do meu livro quando for condicional e nossos jovens negros envelhecerem entre nós quando o feminicídio deixar a vida da negra mulher quando outros índices negativos deixarem as nossas vidas agora você pode me ler nas páginas brancas do meu livro poesias sobre paz, perdão, amor, amor, amor até que você sufoque nas minhas paixões
Mas... Enquanto ainda ecoar em nossos corações a pergunta: “Quantos mais precisarão morrer?”. Não dá pra jurar com todas as letras não dá pra cumprir a literária promessa porque aqui tem muitos “coisas e coisos” ainda vou ficar na minha pegada, na poética vou eternizar Marielle Franco e nos meus negros versos reforço a pergunta de Marielle: “Quantos mais precisarão morrer?”. “Quantos mais precisarão morrer?”. “Quantos mais precisarão morrer?”. ACERVO SOWETO
Esmeralda Ribeiro para a vereadora Marielle Franco, in memoriam 13
13. Poema em homenagem a Marielle Franco, vereadora negra do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que foi a quinta mais votada nas eleições municipais de 2016, no Rio de Janeiro. Assassinada no dia 14 de março de 2018, no Estácio, no centro do Rio de Janeiro. A citação entre aspas era um dos questionamentos da vereadora.