Coleção de Manuais da Universidade Sénior Contemporânea do Porto
Manual de
LENDAS TRADICIONAIS Lendas de Portugal
Professor Doutor
Artur Filipe dos Santos
Coleção de Manuais da Universidade Sénior Contemporânea do Porto
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Ilustrações provenientes da Internet sem Direitos de Autor
Impressão e Acabamento Nativartes, Vila Nova de Gaia ISBN: -978-989-99005-3-0 Maio de 2014
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INTRODUÇÃO O que são as Lendas?
A Lenda é uma narrativa fantasiosa transmitida pela tradição oral através dos tempos. De caráter fantástico e/ou fictício, as lendas combinam fatos reais e históricos com fatos irreais que são meramente produto da imaginação aventuresca humana. Uma lenda pode ser também verdadeira, o que é muito importante. Com exemplos bem definidos em todos os países do mundo, as lendas Lenda do Rei Artur geralmente fornecem explicações plausíveis, e até certo ponto aceitáveis, para coisas que não têm explicações científicas comprovadas, como acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Podemos entender que lenda é uma degeneração do Mito.Como diz o dito popular "Quem conta um conto aumenta um ponto", as lendas, pelo fato de serem repassadas oralmente de geração a geração, sofrem alterações à medida que vão sendo recontadas. Lenda vem do latim que quer dizer “aquilo que deve ser lido”. Inicialmente as lendas contavam histórias de santos, mas estes conceitos foram se transformando em histórias que falam da cultura de um povo e de suas tradições. As lendas fornecem explicação para tudo, até para coisas que não tem explicação científica comprovada, por exemplo, acontecimentos sobrenaturais. A lenda pode ser explicada como uma degeneração do mito, porque como são repassadas oralmente de geração a geração, vão com o passar do tempo sendo alteradas, porque como diz o povo, quem conta um conto, aumenta um ponto, e assim vai. A origem das lendas é baseada em quatro teorias que tenta dar uma resposta. A Teoria Bíblica, com MANUAL DE INFORMÁTICA
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origem nas escrituras, Histórica com origem na mitologia, Alegórica onde diz que todos os mitos são simbólicos, contendo somente alguma verdade moral ou filosófica e Física usa os elementos, água, fogo e ar. A lenda é desta forma um relato transmitido por tradição oral de factos ou acontecimentos a que povo atribui um fundo de verdade. Geralmente têm algo que é real e algo que é fruto da imaginação popular. A lenda é, por isso, mais histórica e mais verdadeira do que o conto. Não é por acaso que a lenda raramente começa, tal como o conto, com a fórmula “era uma vez” – uma fórmula que nos remete, desde logo, para um passado e um lugar longínquos e indefinidos. Cada comunidade procura sempre conservar as suas lendas, pois o povo, através delas, conta também a sua história. Jacob Grimm e Wilhelm Grimm, mais conhecidos como os “Irmãos Grimm”, que viveram nos séculos XVIII e XIX, foram os maiores compiladores de lendas e tradições europeias, tendo publicado várias obras, gravando para a posteridade lendas que até então se conheciam por tradição oral. Gentil Marques, escritor, jornalista, cineasta e radialista português, foi o autor português responsável pela maior compilação de lendas portuguesas, tendo publicado uma coleção em cinco volumes com as principais lendas de Portugal. Outro autor de referência é Alexandre Herculano, escritor, publicou uma das obras de relevo para o estudo da tradição oral em Portugal, o livro “Lendas e Narrativas”.
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Lenda da Noite de S. Silvestre e da Pérola do Atlântico Conta-se que há muitos, muitos anos — tantos que a nossa memória já não os consegue somar na ardósia da vida e do tempo — existia em certo local do oceano Atlântico o mais maravilhoso de todos os países do mundo: a Atlântida. Segundo a nanativa de Platão, a Atlântida, que coubera inicialmente em partilha a Poséidon, dos amores deste deus com uma mortal chamada Clito, fora dividida depois pelos dez filhos de ambos. E destes passara sucessivamente aos seus descendentes, até que a certa altura os seus reis tiveram a louca pretensão de conquistar o mundo. Diz-se mesmo que o último desses reis levou a sua arrogância a tal ponto que ousou desafiar os Céus. — Sim! Que podem os Céus contra nós?... Que pode o mundo contra nós, que somos os reis da Atlântida? Nós temos o poder dos deuses! E conforme se diz também, nesse instante o rei escutou uma voz sobrenatural que ecoava dentro de si próprio e lhe dizia: — Enganas-te! Não há homem algum que tenha o poder de Deus! Espantado, intrigado, furioso, o rei da Atlântida olhou em redor de si sem nada ver. — Quem fala? Quem se atreve a erguer a voz na minha presença, sem me pedir autorização para tal? E a mesma voz sobrenatural respondeu de pronto, pausada e severamente: — É Deus que te fala, mesquinho rei da Atlântida, homem frágil e meu servo. Um grito de cólera saiu da garganta do rei humilhado: — Deus? Mas qual dos deuses?
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E a voz sobrenatural esclareceu, num tom ainda mais severo: — O único Deus que existe!... O criador da vida e da morte! Então, o rei da Atlântida explodiu em ameaça e em jactância: — Pois a esse tal deus que me fala, sej a ele qual for, desafio-o a que se oponha aos meus planos!... Eu não tenho medo... Eu sou o rei da Atlântida, o mais poderoso império de todos os impérios!... Tenho fortuna e forças suficientes para esmagar o mundo! E para começar vou submeter e esmagar o poder de Atenas! E a voz sobrenatural limitou-se a prevenir: — Atreve-te, rei tolo e ambicioso... atreve-te e verás o resultado!... Não se intimidou o rei da Atlãntida. Mandou que se formassem os seus exércitos, prontos para a grande batalha. — Se vencermos o poder de Atenas — e havemos de vencêlo —, o mundo será nosso! Ninguém mais se atreverá a erguer-se na nossa frente!... Nem os próprios deuses ousarão tal... Portanto, guerreiros que me escutais, segui os vossos chefes, tal como os vossos chefes me seguirão, e a vitória será nossa! Brandindo e espada refulgente nos ares, o rei da Atlântida voltou a bradar: — A vitória será nossa! E a multidão dos — A vitória será nossa!
guerreiros
repetiu
como
um
eco:
Assim se travou — conforme nos conta ainda Platão — a espantosa batalha entre os povos do Ocidente das Colunas de Hércules, comandados pelo rei da Atlântida, e os povos de Leste, chefiados porAtenas. No meio da refrega, porém, surgiu como que prodigiosamente a mesma estranha voz sobrenatural, que se sobrepôs ao fragor da luta:
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— A vitória será de Atenas, para que os reis da Atlântida, ingratos e indignos, sofram uma terrível lição. Atlântida desaparecerá para sempre e o seu nome há-de ficar, pelos séculos dos séculos, como o símbolo da grandeza destruída por sua própria culpa. Esta é a minha vontade. Esta é a vontade de Deus! E na verdade os guerreiros da Atlântida foram derrotados violentamente pelos guerreiros de Atenas. E à derrota pungente e dolorosa sucederam-se terríveis terramotos e fantásticas inundações. Num só dia e numa só noite, o que fora o esplendoroso e incomparável reino da Atlântida desapareceu por completo, engolido pelas águas do oceano. Muitíssimos anos passaram sobre esse dia... Até que certa vez, bastantes séculos depois da morte de Jesus Cristo — o Messias que aparecera para ensinar uma nova vida aos homens —, Sua Mãe, a Virgem Maria, segundo se perpetua na tradição milenária, debruçava-se lá dos Céus sobre o oceano que se estendia a seus pés. E junto dela passou, em determinado momento, um santo ainda jovem. Vendo-a tão absorta, o Santo parou e perguntou: — Senhora, que estais a ver com tanto interesse?... A Senhora Mãe de Jesus ergueu o seu olhar doce. — Ah, sois vós, Silvestre? — Sou eu, sim, Senhora... Perdoai-me, mas vinha à vossa procura… à procura dos vossos conselhos... A Virgem Maria — Que vos preocupa, Silvestre?
olhou-o
mais
profundamente.
Humildemente, ele confessou: — Senhora, esta é a minha noite...
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— Bem sei... É Ele pareceu entusiasmar-se.
a
última
noite
do
ano.
— E por isso mesmo, Senhora... É por isso mesmo que vos desejo falar. A Senhora Mãe de Jesus fez um gesto de aquiescência. — Pois falai! E São Silvestre, enleadamente, timidamente, foi dizendo: — Eu... Eu tenho pensado... enfim… acho que esta última noite do ano... a minha noite… devia significar para os homens, lá em baixo, mais alguma coisa do que tem significado até agora... Uma interrogação muda transpareceu no rosto da Senhora dos Céus. E o Santo ajuntou, já mais à vontade: — Pois bem, Senhora… se me permitis... julgo que esta noite poderia marcar uma fronteira entre o passado e o futuro... Ou seja, poderia servir para os homens se arrependerem dos erros cometidos e prometerem a si próprios esperança de melhores dias. A Virgem Santíssima aprovou com um leve inclinar de cabeça. — Acho muito boa a ideia... E logo, entusiasmando-se mais, São Silvestre completou o seu pensamento: — E vem a propósito, não achais, Senhora? Antes realiza-se a festa do Natal, a festa de Jesus, Vosso Filho e Nosso Senhor... Depois... bem, depois, viria a festa do Fim do Ano… a festa da minha noite, como chamada de atenção à consciência dos homens. S. Silvrestre
Foi a altura do rosto divinamente belo da Virgem se tomar de novo apreensivo. — Dizeis bem, Silvestre!... Cada vez mais, a consciência dos homens precisa de ser vigiada.
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Suspirou tristemente e sublinhou: — Ainda há pouco, quando chegastes, estava eu a espreitar lá para baixo... Ele suspirou também. — Eu bem vi, Senhora... E parecíeis tão triste, tão amargurada... Houve um breve silêncio. Depois, a Virgem Santíssima perguntou: — Sabeis o que eu estava a observar nesse momento, Silvestre? O Santo teve um ar de perplexidade. — Não sei, Senhora, não... E a Senhora, voltando a debruçar-se sobre o oceano esclareceu: — Pois estava a relembrar o fausto e a beleza maravilhosa dessa ilha chamada Atlântida, que Deus fez afundar para castigo dos pecados sem fim dos seus habitantes e como aviso à soberba dos homens. Dos olhos da Senhora tombaram lágrimas puras de tristeza. — Mas, afinal, eles não se emendaram!... Silvestre, eles não se emendaram!... Emocionado, o Santo olhou-a melhor. — Chorais, Senhora? — É o coração que chora nos meus olhos, Silvestre! São lágrimas por misericórdia dos homens! Num sobressalto de júbilo, São Silvestre exclamou com voz trémula. — Não são apenas lágrimas, Senhora... São pérolas... São autênticas pérolas que caem dos vossos olhos!... E, nesse mesmo instante, tal como se perpetua na tradição popular, uma das lágrimas da Nossa Senhora, por vontade de Deus, deslizou lá dos Céus e foi cair sobre o próprio local onde desaparecera a maravilhosa Atlântida... São Silvestre sentiu-se contagiado por uma alegria estranha. — Senhora, olhai!... Olhai!... Uma das vossas lágrimas caiu no oceano... Ela limitou-se a confirmar: — É verdade, Silvestre... Não sei como foi... E o Santo, como que iluminado interiormente, exclamou num êxtase: — E que bem fica ali, no meio das águas... Uma pérola, uma pérola verdadeira, MANUAL DE INFORMÁTICA
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Senhora, a crescer, a tornar-se cada vez maior e mais bela... A Pérola do Atlântico E deste modo, tal como se enraizou na alma do bom povo madeirense, nasceu a ilha de Madeira, e daí lhe vem o sobrenome. Diziam os antigos que noutros tempos, na noite de S. Silvestre — talvez, quem sabe, por inspiração da Nossa Senhora —, quando batiam as doze badaladas da meia-noite, erguia-se nos ares a visão surpreendente de um cortejo de maravilha, cheio de luz e de cores fantásticas e que deixava atrás de si um perfume estonteante... No rodopio dos anos, esse cortejo mágico da meia-noite desapareceu. Mas em seu lugar os homens criaram as esplendorosas festas do fim do ano na Madeira — a já internacionalmente famosa Noite de S. Silvestre, com o seu prodigioso fogo de artifício, que mais não é, afinal, do que a evocação dos fascinantes sonhos de antanho...
Lenda do Milagre da Nazaré O velho rei ergue a cabeça e olha. Olha e pensa. Pensa e revolta-se. Não se conforma com estar ali, quedo e aborrecido, enquanto seu filho Sancho anda correndo aventuras e perigos no Alentejo e no Algarve. E também enquanto o seu fiel D. Fuas Roupinho se bate, decerto como o valente que sempre é, em Porto de Mós, defrontando um inimigo muito superior em número e em forças... Não, não está certo! D. Afonso Henriques, o já velho monarca que lançara as raízes do novo reino de Portugal, não pode esconder a sua impaciência. Estamos no ano de 1180. Mais ou menos a meio do ano. Ficara combinado que el-rei não saísse de Coimbra sem que chegassem notícias de Porto de Mós,
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