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O ADAPT e as forças que estão moldando o futuro da sociedade

Por Carlos Coutinho, sócio e líder de varejo da PwC Brasil

OWeb Summit é um evento bastante especial, que trata de inovação e concentra uma diversidade enorme de pessoas, países, culturas e especializações. Concentra também conteúdos que passeiam por tecnologia pura no seu estado-da-arte, varejo, mercado de consumo, saúde, educação, lazer e diversos outros campos da economia global. Como se não bastasse, nos fornece pistas relevantes de como a nossa sociedade está caminhando para o futuro. Insights importantes sobre o que nos espera, o que nossos filhos podem encontrar.

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Tive o prazer de participar, junto com o time do OASISLAB e um grupo especialíssimo de curadores, das discussões sobre “Future of Society” e fiquei impressionado em relação ao quão impactantes foram as discussões que tivemos. Foi um presente poder participar desse time, pois as discussões que tivemos convergem em muito com a minha participação em um grupo global de sócios da PwC Brasil que discute o futuro, o futuro das nossas sociedades e como esse movimento está sendo desenhado.

Os impactos e os desenhos sobre o futuro, tanto aqueles vistos nas discussões do Web Summit como a forma como discutimos na PwC Brasil, falam muito sobre as transformações que estão moldando as nossas sociedades. Na PwC Brasil, resumimos esse conjunto de transformações sob o acrônimo ADAPT – sigla em inglês que conjuga as cinco forças que, funcionando de forma conjugada e interdependente, estão influenciando o nosso futuro: Asimmetry, Disruption, Age, Polarization e Trust.

Mas como esses termos se conjugam e convergem com as discussões que tivemos no Web Summit sobre o “Big Reset”?

O ponto inicial do ADAPT é o “A” de Asymmetry. A assimetria de prosperidade ou desigualdade de renda tem sido um fenômeno marcante em escala global – e isso não é novidade. O que é, de fato, novo no entendimento da desigualdade global, quando olhamos o tema numa perspectiva de pelo menos 30 anos, é a forma como ela está distribuída. Diferentemente da já conhecida desigualdade entre países, temos o recrudescimento da desigualdade entre ricos e pobres dentro de um mesmo país.

Se numa perspectiva global a disparidade de renda entre os países tem diminuído, principalmente com o crescimento econômico experimentado em países asiáticos como China, Vietnã e Indonésia, entre outros, a desigualdade dentro dos países tem aumentado de forma considerável.

Pela primeira vez na nossa história recente, um percentual significativo de pais e mães acreditam que seus filhos irão viver sob condições materiais menos favorecidas que eles. Menos de 1% da população global detém mais de 45 % do total da riqueza produzida no planeta. No conjunto dos países pertencentes à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o percentual da população representativa da chamada classe média tem diminuído de forma consistente e significativa nos últimos 30 anos. Nos Estados Unidos e no Canadá, a participação da classe média no total da população caiu de 66 % para aproximadamente 50% da população local, enquanto o número de bilionários tem crescido de forma relevante. Um dos fatores importantes para esse deslocamento, ocorrido principalmente nos países da OCDE, é diretamente influenciado pela globalização, que determina, como um dos seus elementos centrais, o movimento livre de capitais em busca de vantagens competitivas, entre as quais baixos custos de produção e uma nova divisão internacional do trabalho.

Países asiáticos, tais como Vietnã, Índia, China e Indonésia, além de estimularem seus respectivos mercados internos, foram capazes de atrair percentual relevante de investimentos estrangeiros, em um movimento de capital sem precedentes nos últimos 50 anos. Essa migração de empresas e empregos, alimentada pela globalização, exponenciou o valor das ações das grandes corporações, proporcionando a 147

seus donos um crescimento quase três vezes maior que o crescimento da renda média dos trabalhadores dos países onde se localizam os “headquarters” dessas multinacionais.

Não obstante, mesmo nesses países que “importaram” postos de trabalhos e se beneficiaram do livre movimento de capitais, como a Índia, o aumento relevante no PIB de US$ 500 bilhões em 1990 para US$ 3 trilhões em 2019 não foi suficiente para reduzir de forma proporcional a desigualdade de renda local. De fato, de acordo com o The Borden Project, organização especializada no estudo sobre desigualdade econômica e pobreza global, em seu estudo Poverty in India, de 2019, o número de indivíduos com renda declarada inferior a US$ 3.650 equivalia, em 2018, a 97% da população total da Índia.

Apesar das políticas bem sucedidas de melhora no padrão de renda da população, do notável crescimento econômico e estar entre os maiores PIBs do mundo, a desigualdade ainda continua marcante. Dito de outra forma, o país enriquece, mas esse enriquecimento não é partilhado de forma a reduzir proporcionalmente a desigualdade local. Ela ainda persiste.

Considerando que os indivíduos moram nos países e nas suas cidades, o local onde você nasce e vive é o que mais afeta a realidade que o cerca – e as diferenças de rendas nesse local são aquelas que irão afetar os indivíduos. Pouco importa se o PIB do país “A” o coloca em uma posição melhor no ranking global se o indivíduo não percebe melhora no seu padrão de vida. Essa crescente disparidade de renda dentro dos países e a distribuição desigual dos efeitos da globalização alimenta de forma contundente três outras forças que estão consideradas no ADAPT: Age (A), Polarization (P) e Trust (T). Ou melhor, a falta de “Trust”.

Falemos sobre “Age”

O empobrecimento da população, a redução gradual da classe média e a incapacidade de formação de poupança pelos indivíduos, aliadas ao fenômeno de envelhecimento da população, tendem a causar efeitos significativos na capacidade dos indivíduos conseguirem se aposentar com uma renda adequada para a sua subsistência. De acordo com o GOBankingRanks, em pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2019,

55% dos respondentes com idades entre 55 e 65 anos tinham economizado menos que US$ 10.000 para a sua aposentadoria.

Em países como a Rússia, com sistemas de aposentadoria controlados pelo Estado, o número de aposentados tem crescido mais de 10% nos últimos anos, sendo que a população, de maneira geral, tem crescido somente 1,4% ao ano. Esse descompasso coloca uma pressão enorme no sistema previdenciário russo, ameaçando a sustentabilidade do regime de pensões. Países como o Brasil, cujo bônus demográfico está chegando ao fim, tendem a começar a experimentar esses problemas de forma ainda mais contundente, como se não bastassem todos os demais entraves que atrapalham o nosso crescimento.

Polarização e “Trust”

Como resultados desses elementos, duas outras forças do ADAPT ganham ainda mais relevância: o “P” de Polarization e o “T” de Trust. Polarização significa ausência de consenso e completa incapacidade de definir uma agenda plural e abrangente que deixe as partes seguras de que as decisões tomadas são norteadas pelo bom senso e pelo bem comum. Em uma sociedade marcada pela ausência de confiança nas instituições. no Estado, na política, no ambiente empresarial e nas outras pessoas, existe um campo fértil para as posições radicais, para o isolacionismo e para o populismo, pela distorção dos fatos e diversidade de narrativas.

Escrevo esse texto no momento em que vejo, pela televisão, a invasão ao Capitólio, o Congresso dos Estados Unidos. Não consigo ver, nesse momento, maior exemplo do que a polarização extremada que estamos vivenciando pode fazer com a sociedade. Essa polarização reflete um conjunto de negacionismos que vai desde a rejeição da expertise, passa pelas suas consequências na narrativa sobre os fatos e a definição do que é importante para a população e culmina, de uma forma mais abrangente, com rupturas relevantes sobre o entendimento dos problemas da nossa sociedade (mudanças climáticas, combate a pandemias, fome, desigualdade, multilateralismo x isolacionismo) e suas causas.

E a disrupção?

Por último, temos o “D” de Disruption. Em um mundo impactado pelo movimento das forças associadas à Assimetria de prosperidade e renda, ausência de confiança (Trust) nas instituições e Polarização, a Disrupção tecnológica ganha contornos extraordinários e serve, a um só tempo, como elemento catalisador de crises, criador de esperança e espelho brutal da desigualdade. É catalisador de crises, uma vez que o festival vertiginoso das redes sociais e a conectividade em tempo real de bilhões de indivíduos espalhados pelo planeta serve tanto para levar informação rápida para qualquer indivíduo e facilitar processos de compra, aproximar pessoas e viabilizar negócios nas suas mais diversas formas, como para espalhar fantasias sem consequência ou compromisso, em um ambiente de regulação e controle complexos.

Todavia, o lado encantador da disrupção é materializado pelos enormes avanços tecnológicos que permitem, por exemplo, que a humanidade possa conceber e produzir uma vacina, em escala global, em apenas 20% do tempo necessário em um passado não muito distante, nos trazendo esperança em meio ao caos. Por derradeiro, a tecnologia ainda nos revela, no canto do espelho, um ponto que Narciso não quer olhar, posto que neste ele já não é tão belo.

Os efeitos dos avanços tecnológicos não chegam ao mesmo tempo para todos. A tecnologia define o passo e o trajeto pelo qual as sociedades, pessoas e países caminham em direção ao futuro. O acesso à tecnologia é que viabiliza e encurta o tempo de chegada ao futuro. São as assimetrias de renda, porém, que provocam assimetrias no acesso à tecnologia e no acesso ao futuro.

Neste momento de pandemia, cerca de dois terços da população infantil global em idade de estudo não têm nenhum tipo de acesso à internet. Nestes tempos de isolamento social, portanto, essas crianças não têm acesso à educação formal e estão se perdendo no caminho para o futuro. Diminuindo a sua velocidade e ficando para trás.

São essas forças representadas no ADAPT que estão moldando o futuro da nossa sociedade. Precisamos entender as consequências e propor soluções. O “Big Reset”, sobre o qual Barbara Copolla, CEO da IKEA, nos falou durante o segundo dia do Web Summit, é um chamado para esses e outros problemas, para um recomeço, para uma civilização moderna e digital que não perca a capacidade de incluir pessoas na caminhada para o futuro.

Este é o nosso desafio enquanto sociedade: incluir pessoas no futuro. E o Web Summit, em três dias, nos deu milhões de alertas sobre as formas como isso pode acontecer.

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