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curadoria

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SÃO PAULO

PERFEITO CARIOCA

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CAMILA REGIS

Uma das figuras centrais do Modernismo nacional, Di Cavalcanti ganha exposição que evidencia seu papel na criação do imaginário brasileiro

“Ser um autêntico carioca é possuir a dignidade de existir sem ambições supérfluas. É bastar-se a si mesmo, na certeza de ser um privilegiado do destino. Deus deu o alimento sonho ao carioca”, escreveu Emiliano Di Cavalcanti. Um dos grandes nomes do Modernismo brasileiro e agente importante para a Semana de Arte Moderna de 1922, o artista, criado em São Cristóvão, tomou o cenário suburbano fluminense, o samba, o carnaval e as mulheres como temas de seus trabalhos. Escreveu sobre a cidade no livro Reminiscências Líricas de um Perfeito Carioca – publicado em 1964, por ocasião do quarto centenário do Rio de Janeiro –, no qual fala do “alimento sonho”, e pintou cenários que mais tarde seriam consagrados pela historiografia como símbolos da brasilidade. Parte dessa produção dedicada à sua terra natal, entre outras obras, integra a mostra Di Cavalcanti – Conquistador de Lirismos, na Galeria Almeida e Dale, em São Paulo. Responsável por outras quatro exposições sobre o artista, entre elas a mostra do centenário de Di, em 1997, a curadora Denise Mattar selecionou cerca de 50 obras produzidas entre 1925 e 1949. As datas foram demarcadas, segundo Mattar, devido à relevância desses anos na trajetória do pintor. “Quando ele participa da Semana de 1922, seu trabalho está mais vinculado à caricatura do que às artes plásticas. Em 1923, ele vai à Europa e isso muda a visão sobre seu próprio trabalho. Dois

Bailarina de Circo, de Di Cavalcanti, óleo sobre tela, 1938

Di Cavalcanti – Conquistador de

Lirismos, até 28/5, Galeria Almeida e Dale, Rua Caconde, 152, Jardim Paulista, SP anos depois, volta ao Brasil e começa a fazer o que conhecemos como Di Cavalcanti. Ele escolhe como tema o povo”, explica em entrevista à seLecT. Em 1949, o artista estreita laços com muralistas mexicanos, o que muda radicalmente sua produção. Essa quebra marca justamente seu retorno ao Rio de Janeiro e fim do ciclo de 24 anos escolhido por Mattar. Dividida em eixos temáticos que não seguem necessariamente uma cronologia, a mostra tem como traço marcante elementos intimamente interligados na história do pensamento social brasileiro, como raça, miscigenação, identidade nacional – e, de certa maneira, a relação desses aspectos com o regionalismo carioca. O período de datação das obras deixa essa característica mais evidente, já que a preocupação com a formação “de um povo brasileiro” torna-se mais pulsante entre meados do século 19 e o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Nesse sentido, o conjunto de obras ganha um caráter essencialmente político, criado por quem observa um Brasil (e por associação, um Rio) popular, gigantesco e mestiço. “O Rio de Janeiro do Di Cavalcanti não é a zona sul”, finaliza a curadora.

CINEMA

PROVA DE FORÇA, QUESTÃO DE FÉ

LUCIANA PAREJA NORBIATO

Passando perto de clichês sentimentalistas, filme mantém potência da experiência cinematográfica graças à espiritualidade brasileira

Poder-se-ia começar este texto afirmando que a habilidade de Marina Abramović em capitalizar sua imagem é o motor de Espaço Além, longa-metragem com direção de Marco Del Fiol, e estreia prevista em maio. Ponto pacífico, só esse argumento não explica a potência do filme, que mostra a viagem da uber artista pelos grotões do Brasil, em 2012, investigando procedimentos e rituais ligados à espiritualidade e

REVIEWS

Em viagem pelo Brasil, Marina Abramovic ´ passou por regiões como Abadiânia (GO), Vale do Amanhecer (DF) e Chapada Diamantina (BA)

Espaço Além – ´ Marina Abramovic

e o Brasil, direção Marco Del Fiol, estreia prevista para 19/5 tomando parte neles. É assim em Abadiânia (Goiás), onde ela vai se juntar às hostes energizantes de João de Deus, o famoso médium que faz operações espirituais por meio de intervenções nos corpos físicos de seus pacientes. É assim em terreiros de candomblé e em uma comunidade no sul do Paraná, que oferece purificações com ervas aos angustiados. Dois eixos seguram a produção nos trilhos do sucesso: a fotografia impecável, ajudada pela miríade de cores, filigranas e preciosidades da paisagem natural e da cultura popular do País; e um roteiro que sabe alternar momentos cômicos, ternos e diáfanos, dando leveza à narrativa. Respaldada por eles, Marina Abramović está presente e consegue criar empatia e verossimilhança com sua retórica mística, mesmo quando resvala em clichês sentimentalistas, como na evocação do abandono pelo ex-marido. O protagonismo de Abramović é, em si, a questão de fé que se coloca ao espectador: ela está realmente sentindo tudo o que diz para a câmera ou é uma ótima marqueteira de si mesma? Se o nosso lado cínico está certo da última alternativa, é aos poucos dissuadido pelo passeio entre tantas almas crentes. Colocando-se inteira em situações extremas, cômicas ou melancólicas, a artista sérvia joga para escanteio a solenidade que se costuma usar diante das câmeras, trazendo a performatividade – e a verdade – para primeiro plano. Caso das cenas em que prova um dente de alho forte demais ou de sua primeira incursão ao Santo Daime. Sua nudez sólida extrapola o mero exibicionismo e a humaniza na tela, e então podemos não só acreditar em sua verdade, mas nos identificar com ela. O âmago do filme é sintetizado no grand finale da volta a São Paulo, em 2015: a ideia de que a arte tem o poder de resgatar a plenitude espiritual do habitante das metrópoles, amputado do contato com a divindade-natureza. Ideia cara ao Romantismo, não deixa de ser uma golfada de ar fresco em tempos onde todo mundo tem uma verdade racional embalsamada no gatilho.

LONDRES

DROGUINHAS

KIKI MAZZUCCHELLI

Mesmo operando no perigoso território do vício, Jac Leirner mantém equilíbrio entre rigor construtivo e conceitual que caracteriza sua produção

Três anos após sua primeira individual na galeria, Jac Leirner retorna à White Cube de Mason’s Yard com a exposição Junkie, que reúne um conjunto de obras inéditas elaboradas a partir de materiais que começaram a ser colecionados pela artista 30 anos atrás. Aqui, Leirner continua a explorar alguns dos elementos mais característicos de sua produção: a utilização de objetos acumulados obsessivamente ao longo dos anos e a precisão formal com que executa suas peças, caracterizadas por um impressionante equilíbrio entre rigor construtivo e conceitual. O título da mostra londrina já revela de antemão que a conhecida compulsão de Leirner voltou-se, num determinado momento, para o território autodestrutivo do vício. A mostra, porém, começa na grande sala do andar térreo, que é perpassada por cabos de aço estirados e afixados em diferentes pontos e alturas das paredes, formando linhas num desenho geométrico-espacial que faz com que os visitantes tenham de se desviar deles para atravessar o espaço. Neste que é um dos trabalhos mais delicados da artista, cada um dos cabos é perpassado por elementos distintos, que são organizados de acordo com critérios de escala ou de cor. Numa das linhas, os milhares de minúsculos papeizinhos torcidos e colocados individualmente ou em pequenos grupos entre círculos de plástico transparente lembram uma versão das Droguinhas de Mira Schendel executadas a partir dos restos da droga: a pontinha de papel arrancada an-

A obra Gay (2016), de Jac Leirner, que integra individual na White Cube

Jac Leirner – Junkie, White Cube Mason’s Yard, Londres,

até 14/5, http://whitecube.com tes de se acender um baseado. Em outra, uma sequência cromática de outros milhares de filtros improvisados com a embalagem do papel de seda. A instalação The End (2016) é a prova material de dias, talvez anos, de consumo sistemático; um excesso purgado e transformado em ordem, equilíbrio e – por que não? – beleza absoluta. Mas é no vasto subsolo da galeria que Leirner expõe, pela primeira vez, as imagens das pequenas esculturas realizadas em 2010, quando passou três dias consumindo cocaína ininterruptamente e entalhando obsessivamente as pedras de droga. São fotografias pequenas, impressas linearmente sobre faixas de compensado arranjadas horizontalmente em linhas que se sobrepõem nas paredes, que mostram uma variedade de composições nas quais esculturas foram cuidadosamente posicionadas junto a objetos relacionados ou não ao hábito da artista. As minúsculas esculturas de cocaína são às vezes quase abstratas, mas há também corações e rostos esculpidos em escala mínima. É preciso dizer que Leirner sempre foi muito aberta em relação aos seus problemas com o vício, portanto, o fato de abordar o tema tão diretamente nesta série não significa que busque causar nenhum choque. No entanto, por seu próprio teor potencialmente polêmico, o tema poderia se sobressair a outros aspectos igualmente fundamentais do trabalho. Felizmente, a artista conseguiu produzir uma série plena de variações: em alguns momentos sufocante, em outros evocativa das Cosmococas de Oiticica, às vezes apenas capturando nossa atenção com as centenas de arranjos formais que nos absorvem nesse transe alucinado.

EM CONSTRUÇÃO

A CARPINTARIA DA FORTES VILAÇA

COM A INAUGURAÇÃO DA SEDE CARIOCA DA GALERIA

FORTES VILAÇA, prevista para setembro próximo, o Rio de Janeiro ganha um reforço de peso em seu circuito artístico. O espaço funcionará na antiga carpintaria do Jockey Club Brasileiro, no bairro da Gávea. A reforma começou após o carnaval e deve durar cinco meses. Com assinatura do escritório Rua Arquitetos – Pedro Évora e Pedro Rivera –, o projeto é pautado por um princípio de simplicidade e não intervenção. A área de 300 metros quadrados inclui teleiro, salas de trabalho e recepção e um espaço expositivo de 15 x 8 metros, livre de pilares, com pé-direito alto e telhado aparente. Além de oferecer à cidade a reabilitação e o acesso a um sítio histórico, a Carpintaria – como o espaço vem sendo chamado pelos diretores Marcia Fortes, Alex Gabriel e Alessandra D’Aloia – terá um projeto institucional novo e identidade própria, incorporando outras expressões artísticas, como música, filme, poesia e teatro, além das artes visuais. “A ideia é ocupar o espaço da maneira mais agregadora possível. Será uma expansão da galeria paulistana do que já fazemos em São Paulo, com mais liberdade”, diz Alessandra D’Aloia, que afirma atender não só a um desejo de expansão da galeria paulistana como a uma necessidade de transformação de antigos modelos. “Escolhemos abrir mais uma galeria no Brasil, porque acreditamos no País. O momento exige muita determinação e muita criatividade. Em toda parte existe hoje um desejo de mudança e a dificuldade é o grande trunfo em nossas mãos.” Em busca do novo, a Carpintaria deverá abrir os trabalhos com uma exposição dedicada à música, que incluirá performances e obras sonoras. PA

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