Fuga de Sobibor

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Sobibor Richard Rashke Tradução Felipe Cittolin Abal


Escape from Sobibor © 1982, 1995 by Richard Rashke Reprinted by arrangement with the University of Illinois Press Portuguese copyright 8INVERSO Editora Ltda. O autor agradece a permissão para referir “No Time for Tears” de Thomas Blatt, apresentadas no Santa Barbara News, em dezembro de 1977; The Song of the Murdered Jewish People de Yitzhak Katznelson, traduzida por Noah H. Rosenbloom e publicada em Israel por Beit Lohamei Haghetaot, em 1980; Story of a Secret State de Jan Karski, publicada pelo Houghton Mifflin Company, em 1944; e Inferno em Sobibor: a Tragédia de um Adolescente Juden de Stanislaw Szmajzner, publicada no Brasil pela Edições Bloch, em 1968.

Editor Responsável | Cássio Pantaleoni Capa | Canhotórium Arte Aplicada e Camila Kieling Projeto Gráfico e Editoração | Camila Kieling Revisão | Aline Vanin

Catalogação na Publicação - Cip Bibliotecária Vanessa I. Souza CRB10/1468 R224f Rashke, Richard Fuga de Sobibor / Richard Rashke; tradução Felipe Cittolin Abal. Porto Alegre: 8Inverso, 2011. 367, [19] p.; il.

ISBN : 978-85-62696-12-1

1. Segunda Guerra Mundial 1939-1945. 2. Holocausto: memórias. I. Abal, Felipe Cittolin. II. Título.

CDU 940.53

Todos os direitos desta edição reservados a 8Inverso Rua Comendador Rheingantz 50/303 Bairro: Auxiliadora CEP: 90450-020 | Porto Alegre - RS T: (51) 3237-9588 8inverso@8inverso.com.br www.8inverso.com.br Printed in Brazil Impresso no Brasil ISBN 978-85-62696-12-1


[Sumário]

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Sobibor, Polônia | 14 a 19 de outubro de 1943 . . . . . . . . . . . . . . . 9 Os prisioneiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 A fuga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 A floresta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215 Os remanescentes: um epílogo pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267 Posfácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340 Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Fontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 344 Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347


pelos mais de duzentos e cinquenta mil que n達o escaparam de Sobibor


[Introdução]

Quase todos sabem a respeito de Auschwitz e Dachau, mas poucas pessoas já ouviram falar de Sobibor, apesar de a maior fuga de prisioneiros da Segunda Guerra Mundial ter acontecido lá, no dia 14 de outubro de 1943. O porquê de essa história não ter sido contada não é mistério. Em 1945, os Aliados capturaram uma montanha de documentos alemães, deixando de herança para os historiadores uma biblioteca de guerra incomparável. Entre essas milhões de páginas, entretanto, se encontravam apenas três documentos curtos sobre Sobibor, parte da Operação Reinhard – o codinome para os três campos de extermínio secretos na Polônia ocidental. Os campos de extermínio – Sobibor, Belzec e Treblinka – eram bastante diferentes de Dachau, uma prisão, e Auschwitz, um campo de concentração com câmaras de gás para aqueles muito fracos para trabalhar. Eles eram grandes máquinas de matar. Todo judeu enviado a esses campos devia ser levado às câmaras de gás em vinte e quatro horas, com exceção de duzentos a seiscentos judeus escolhidos para manter o campo. Esses também estavam destinados a serem mortos quando a Operação Reinhard estivesse completa, se sobrevivessem por todo esse período. A Comissão Central Polonesa para Crimes de Guerra Alemães estima que os nazistas enviaram às câmaras de gás pelo menos 1,65 milhões de judeus – cerca de um quarto de todos os mortos no Holocausto – nesses três campos de extermínio. Sobibor, onde mais de duzentos e cinquenta mil morreram, era o menor de todos e o maior segredo de Himmler. Se os alemães não deixaram documentos suficientes sobre Sobibor para satisfazer os historiadores, eles deixaram registros vivos – cerca de trinta sobreviventes espalhados pelo mundo. Eu entrevistei dezoito deles nos Estados Unidos, União Soviética, Brasil, Polônia e Israel. De um lado, a maioria dessas testemunhas estava relutante em falar sobre Sobibor pela grande dor advinda de reviver um inferno pessoal. Por outro lado, grande parte desejava ter um escritor profissional para contar sua história “aos seus netos”. Eu estava surpreso, já que não sou judeu, e pensava que esse fato poderia criar uma atmosfera de desconfiança, desencorajando a abertura dos entrevistados e a honestidade de seus relatos. Pelo contrário, tive a impressão de que eu era bem recebido como escritor exatamente pelo fato de não ser judeu. A maioria dos sobreviventes que entrevistei lembrava vividamente os aspectos da história de Sobibor, quase como se ainda pudesse ver, ouvir e sentir o que ocorreu. Embora todos eles tenham contribuído para este livro, três tiveram importância especial. Alexander (Sasha) Pechersky foi co-líder da fuga de Sobibor. Ele escreveu alguns textos sobre a revolta pouco após o fim da guerra. Eu o encontrei e entrevistei na União Soviética. Stanislaw (Shlomo) Szmajzner, um planejador-chave na fuga, viveu em Sobibor praticamente do dia da abertura do campo até o dia da fuga. Ele escreveu um livro em português sobre as suas experiências. Eu o encontrei e entrevistei em Goiânia, Brasil. Thomas (Toivi) Blatt, que passou seis meses em Sobibor, fez questão de saber tudo o que pôde sobre o campo enquanto era prisioneiro e 7


depois de sua fuga. Ele escreveu um diário, cujas partes foram publicadas como artigos. Eu o encontrei e entrevistei em Santa Bárbara. A pesquisa e escrita de Fuga de Sobibor apresentaram dois problemas previsíveis. Como todos sabem, depoimentos de testemunhas sobre qualquer ponto são divergentes; alguns são, até mesmo, contraditórios. Acerca de Sobibor não foi diferente. A história básica do campo, o levante e a fuga emergiram com grande lucidez. Ocorreram, porém, algumas contradições. Algumas vezes, os sobreviventes embelezavam certos detalhes, aceitando exageros como fatos, ou confundindo rumores com realidade. Como pesquisador, filtrei as histórias, descartando o que senti serem embelezamentos e analisando as diferentes versões de cada incidente, decidindo por mim mesmo qual era mais exata. Minhas escolhas mais importantes são colocadas ao final do livro. Os diálogos trouxeram um segundo problema. O leitor perceberá que algumas partes do livro são ricas em diálogos e outras não. A razão dessa disparidade é que algumas seções puderam ser retiradas de livros, artigos, diários e entrevistas com pessoas com excelente memória; para outras partes, ou não pude encontrar testemunhas dos eventos que eu estava descrevendo, ou as que encontrei recordavam-se pobremente. As notas finais listam minhas fontes por capítulo. Grande parte deste livro e os diálogos nele contidos são memórias – uma compilação de lembranças de incidentes e conversações – de como as pessoas as recordavam quase quarenta anos após os acontecimentos. Os diálogos, portanto, são tão exatos quanto as memórias dos sobreviventes. Além disso, todos os diálogos chegaram a mim através do filtro da tradução. As testemunhas ouviam ou falavam o original em uma língua e me passavam em outra, frequentemente através de um intérprete. Na maior parte do tempo, as traduções orais eram esboços gramaticalmente incorretos, já que os intérpretes passavam de citações diretas para indiretas arbitrariamente. Eu trabalhei com esses problemas da melhor forma que pude, utilizando meu julgamento e passando os diálogos para inglês coloquial. Em suma, estou certo de que os diálogos neste livro descrevem corretamente quem disse o quê para quem, e seu conteúdo é razoavelmente fiel às palavras que foram ditas. Eu possuo um débito de gratidão com Thomas Blatt, o primeiro sobrevivente que contatei quando comecei a trabalhar no Fuga de Sobibor. Ele fez mais do que quebrar o gelo para mim. Durante os dezesseis meses em que pesquisei e escrevi o livro, eu o entrevistei por mais de dez dias. Ele compartilhou seu diário comigo, serviu como meu intérprete de iídiche no Brasil, de russo na União Soviética e de polonês na Polônia. Ele me guiou através do local onde ficava o campo e revisou a precisão dos fatos do primeiro rascunho deste livro. Eu posso apenas imaginar a dor emocional e a fatiga que ele sofreu enquanto eu cavava, selecionava e sondava os fatos, nem sempre com gentileza e sensibilidade. O Sr. Blatt é um dos poucos sobreviventes de Izbica, Polônia, que uma vez teve uma próspera shtetl* de quatro mil pessoas. Ele dedica seu trabalho em Fuga de Sobibor à sua mãe, pai e irmão, que foram assassinados lá, e a todos os judeus de Izbica que, ao contrário dele, não conseguiram escapar. Washington, D. C., Março de 1982. *

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Em iídiche: cidadezinha. Um bairro ou agrupamento predominantemente judaico (N. do T.).


[Sobibor, Polônia | 14 a 19 de outubro de 1943]

O Sargento da SS Karl Frenzel esperou até a maior parte dos tiros terem cessado e, então, tentou ligar para o quartel-general da Polícia de Segurança em Lublin, a quarenta quilômetros de distância, mas os telefones estavam mudos, e o oficial encarregado de Sobibor estava desaparecido. Franzel caminhou através do portão principal, atravessou os trilhos até a pequena estação férrea e entregou uma mensagem para o operador de telégrafo polonês: JUDEUS SE REVOLTARAM... ALGUNS ESCAPARAM... ALGUNS OFICIAIS DA SS, SUBALTERNOS E GUARDAS ESTRANGEIROS MORTOS... ALGUNS JUDEUS AINDA DENTRO DO CAMPO... ENVIAR AJUDA. A Polícia de Segurança enviou forças-tarefa da SS e da polícia à Sobibor para reagrupar os judeus ainda presos atrás das cercas. Além disso, eles mandou o exército perseguir os fugitivos e a Luftwaffe sobrevoar a floresta, à procura dos prisioneiros que escaparam. No dia seguinte, 15 de outubro, a Polícia de Segurança enviou o seguinte relatório a Berlin: Em 14 de outubro de 1943, por volta das 17h, ocorreu uma revolta de judeus no Campo de Sobibor, a quarenta quilômetros de Chelm. Eles subjugaram os guardas, cercaram o arsenal e, após troca de tiros com a guarnição, escaparam para destinos desconhecidos. Nove homens da SS foram assassinados, um está desaparecido e dois guardas estrangeiros foram alvejados e mortos. Aproximadamente 300 judeus fugiram. Os restantes foram fuzilados ou estão agora no campo. A Polícia Militar e as forças armadas foram notificadas imediatamente e tomaram a segurança do campo por volta da 1h. A área sul e sudeste de Sobibor está agora sendo vasculhada pela polícia e pelas forças armadas.

A SS caçou os 159 judeus ainda dentro de Sobibor. Alguns prisioneiros possuíam pistolas e travaram luta, os outros se esconderam como puderam. Quando os judeus foram executados na mata e enterrados, a SS desmanchou as câmaras de gás, destruiu os prédios que não queriam transferir e plantaram mudas de pinheiro onde os alojamentos ficavam. Os nazistas deixaram Sobibor – a floresta das corujas – como o tinham encontrado. No centro do que havia sido o campo estava a torre do guarda florestal, que se estendia 30 metros acima dos pinheiros. Do outro lado dos trilhos da estação de trem, havia um velho escritório postal, local no qual o Kommandant de Sobibor vivia. 9


Em 19 de outubro – cinco dias após a fuga dos judeus de Sobibor – o chefe da SS Heinrich Himmler suspendeu a Operação Reinhard. O Exército Vermelho estava a menos de quinhentos quilômetros de Sobibor e todas as evidências deviam ser destruídas antes de serem encontradas. Ademais, a Operação Reinhard fora um sucesso. Em vinte meses, através dela, foram mortos aproximadamente dois milhões de judeus (nem mesmo os nazistas sabiam o número exato, já que não mantinham registros). Não havia mais judeus a serem mortos nos guetos da Polônia ocidental, Letônia, Estônia, Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia. Himmler, porém, não pôde destruir todas as evidências. Quando os russos cruzaram o Rio Bug, entrando na Polônia e progredindo até Sobibor, as maiores evidências, os sobreviventes, escondidos em celeiros e campos ou lutando com os partisans, estavam entre os primeiros a abraçá-los.

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