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Raquel S. Madanêlo Souza

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Nuno Júdice

Nuno Júdice

ORPHEU COMO SUPORTE: CONTINUIDADE, “ISMOS” E “MANUCURE”

/ RAQUEL S. MADANÊLO SOUZA

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Revistas: suporte e gênero

Revistas são suportes (RAGUENET, 2011, p. 108) complexos e de difícil definição. Diversificadas, multifuncionais (RAGUENET, 2011, p. 108), geralmente heterogêneas em termos de colaboradores e vinculadas a uma determinada periodicidade por escolha de seus editores ou pelas próprias condições de edição1 a que estejam submetidas, as publicações especializadas têm sido pouco estudadas, em sua especificidade, dentro do campo dos estudos literários. No caso das revistas modernistas e vanguardistas do século XX, que teriam optado pela divulgação em suas páginas de inovações artísticas pouco atraentes ao grande público, acentuar-se-ia seu caráter marginal no âmbito das produções editoriais da época. Para Olivier Corpet, o desconhecimento e o desinteresse dos estudiosos por elas seriam derivados do fato de que “a revista nunca foi considerada – e, logo, estudada – como um gênero em si, autônomo, com suas especificidades, seus ritmos, suas lógicas, sua economia, que se distingue claramente do livro e da imprensa, dos jornais e magazines” (CORPET apud RAGUENET, 2011, p. 108) Ainda segundo Corpet, co-fundador do l’Institut Mémoires de l’édition contemporaine (IMEC), seria necessário distinguir claramente entre o gênero

1 Ao definir as chamadas “Little magazines”, Michael Barsanti afirma que: “In many cases, the lack of a robust commercial apparatus meant that little magazines tended to be irregularly published and short lived, but with outsized contributions to literature and culture,(...)”. SWIFT, Megan. Literature Subject

Overview. The Routledge Encyclopedia of Modernism. Londers: Taylor and Francis, 2016. https://doi. org/10.4324/9781135000356-REMO6-1. Acesso: 17 jan. 2021

das revistas e os jornais, magazines, hebdomadários e outros objetos conhecidos pela denominação mais genérica de periódicos. O estudioso francês considerava que, ao contrário dos chamados “magazines”2 comerciais, tais publicações não realizariam estudos de mercado visando a um determinado público e nem estariam vinculadas à prerrogativa de lucro preconizado pelo capitalismo, situando-se, por essa razão, em uma posição de excepcionalidade em relação a outros meios de comunicação, e representando, assim, um lugar de resistência em relação aos mercados editoriais. Destinadas, de maneira geral, a um público reduzido e especializado e frequentemente acusadas de elitismo3, as revistas teriam chegado a uma “idade de ouro” no início do século XX, como aponta ainda o estudioso francês em uma entrevista de 1988: “au début du XXe siècle, la revue a acquis progressivement sa forme moderne, contemporaine, au tournant du siècle, au moment où l’on parle effectivement d’un « âge d’or » des revues” (CORPET, 1988, p. 283). E o fato de ter havido essa “idade de ouro” parece indiciar a posição paradoxal ocupada por esses suportes, situados ao mesmo tempo “no centro e na periferia da literatura” (RAGUENET, 2011, p. 112), funcionando ora como objetos de múltiplas funções (RAGUENET, 2011, p. 112), que abririam espaço à criação e à crítica literárias, mas exercendo – ao mesmo tempo – um papel secundário nas histórias da literatura. No caso português, o surgimento dessas publicações estaria vinculado à ascensão do jornalismo moderno, no século XIX, como aponta André Belo no artigo “Notícias impressas e manuscritas em Portugal no século XVIII: horizontes de leitura da Gazeta de Lisboa”:

Nos trabalhos de síntese mais conhecidos produzidos nesta área no século XX, autores como Alfredo da Cunha (1941) e José Tengarrinha (1989) deram expressão a esta postura, muito banhada pela ideia de progresso. Em aliança com os estudos bibliográficos, mercúrios e gazetas foram sistematicamente

2 É importante ressaltar a distinção entre o significado atribuído às “little magazines”, em língua inglesa, e o termo “magazine”, em francês: “Magazine n.m. (m. angl) Ouvrage périodique, revue, généralement illustrée, qui traite des sujets le plus divers” (PETITE LAROUSSE ILLUSTRÉE, 1920, p. 577), distintas, portanto, das “revues littéraires” a que nos dedicamos neste estudo. 3 Essa acusação de elitismo das publicações modernistas, ou seja, “commonplace that modernista turned their backs on mass audiences, publishing for coteries in little magazines na participating in what Richard

Poirier calls a ‘sob’s game’” (MORRISSON, 2001, p. 5), não é compartilhada por Mark S. Morrisson em seu livro: The public face of modernism. Em seu estudo sobre as revistas literárias modernistas de língua inglesa, Morrisson argumenta que “modernists’ engagements with the comercial mass market were rich and diverse” (MORRISSON, 2001, p. 5).

lidos como um embrião do que haveria de se formar depois, ou um mero ponto de passagem em direcção ao género jornalístico moderno, cujo modelo foi situado na segunda metade do século XIX. (BELO, 2004, p. 15).

E dentro do campo literário, as revistas entendidas aqui como gênero independente, na linha proposta por Corpet e Marc Morrisson e por outros estudiosos da área, exerceram um papel fundamental na primeira metade do século XX, ao funcionarem como espaços importantes de transgressão e de experimentação artística. Dedicadas, de maneira geral, a divulgar poemas, contos, romances publicados em fascículos, textos dramáticos e ensaios críticos, tais veículos foram considerados como laboratórios4 de produção e divulgação da arte. No entanto, estudos recentes têm proposto uma leitura diferente desses objetos:

If we consider magazines as the place where modernism appeared, as Bob Scholes and Cliff Wulfman have argued (SCHOLES and WULFMAN, 2010), then one important implication is that we must start to analyse magazines as the primary texts of modernism, rather than just viewing them as textual objects to be quarried in search of key figures. (THACKER, 2017, p. 75).

Nesse sentido, as revistas deixariam de ser apenas veículos de divulgação ou etapas intermediárias5 no âmbito das atividades literárias, para serem lidas, em seu conjunto, como principais suportes dos modernismos e das vanguardas do século XX. “Magazines, along with art exhibitions, were fundamental mechanisms for the diffusion of avant-garde movements and isms across Europe.” (THACKER, 2017, p. 70). Em Portugal, já nas primeiras décadas do século XX, além da mudança do regime monárquico para o republicano, a partir de 5 outubro de 1910, e da ampliação da liberdade de expressão decorrente dessa nova estrutura política do Estado, verifica-se um verdadeiro crescimento no número de jornais e revistas publicados no país. De acordo com Clara Rocha, foi somente a partir do século XX que esse meio de comunicação atingiu o seu auge, em função dos avanços tecnológicos

4 “Ces petites églises où les esprits s’echauffent, ces enceintes ou le ton monte, où les valeurs s’éxágerent, ce sont de veritables laboratoires pour les letres.” (VALÉRY, 1927). 5“Le travail de revue y est présenté comme une étape intermédiaire de l’activité littéraire.” (CORPET, 2014).

das tipografias, como apontado anteriormente,6 e também como resposta ao aumento da “apetência informativa” (ROCHA, 1985) do crescente público leitor de então. Comparadas aos livros, as revistas eram produzidas e vendidas a um custo significativamente mais baixo, possibilitando, assim, um maior, mais rápido e eficaz acesso dos leitores aos conteúdos ali veiculados.

A revista Orpheu

Em Revistas literárias do século XX em Portugal, Rocha assevera que as publicações periódicas literárias surgiriam como espaços de afirmação coletiva. Orpheu, como se sabe, só se tornou possível devido à reunião de um grupo de artistas ávidos por divulgar seu trabalho. Como seus antecedentes diretos, estariam os projetos de Fernando Pessoa que pretendia, como testemunham cartas trocadas com Mário de Sá-Carneiro, criar Lusitânia e, posteriormente, Europa,7 projetos que foram abandonados no momento em que Luís de Montalvôr retornou a Portugal, depois de ter vivido três anos no Brasil. À frente da direção da publicação, no primeiro número, o escritor português, Montalvôr, autor da “Introdução”, aparece ao lado do poeta brasileiro Ronald de Carvalho, numa união que revelava a tentativa de consolidar-se na cena literária configurada entre “Portugal e Brasil”. Mas essa inscrição lusobrasileira assinalada abaixo do subtítulo do número de estreia desaparece no segundo, que passa a contar com novos diretores, ambos lusitanos, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. A história e as circunstâncias de publicação dessa revista foram bastante investigadas por um grande número de críticos literários como Maria Aliete Galhoz, Fernando Cabral Martins, Nuno Júdice, Arnaldo Saraiva, Fernando J. B. Martinho, Cleonice Berardinelli, Jerónimo Pizarro, Steffen Dix, dentre outros. E é sabido que os grandes empreendedores daquele projeto foram de fato Mário de Sá-Carneiro, que colaborou não só com sua literatura, mas compareceu também com o financiamento econômico, proporcionado pelo pai; e Fernando Pessoa, que já vinha idealizando, com o amigo, a organização de um periódico, discutida na epistolografia trocada

6 Ana Luíza Martins destaca, em seu estudo, o amplo desenvolvimento das tipografias dos finais do século

XIX ao início do século XX (MARTINS, 2001). 7 Ambas estariam na gênese de Orpheu (DIX, 2017, p. 26).

com Sá-Carneiro e intensificada a partir da colaboração de ambos na segunda série da revista A Águia. Sabe-se que o objetivo de um editorial de revista ou jornal é apresentar em linhas gerais o ponto de vista de uma publicação. E, em Orpheu, a “Introducção” – em tom bastante simbolista, que parecia evidenciar uma continuidade entre este texto e o desenho da capa – não fugiu a esses princípios: “O que é propriamente revista em sua essência de vida e quotidiano, deixa-o de ser ORPHEU, para melhor se engalanar do seu título e propor-se” (MONTALVÔR, 1915, p. 5).

Figura 1. Capa do número 1 da revista Orpheu (1915).

Assim se apresentava aquele periódico: anunciando-se por meio de uma negativa (COMPAGNON, 1996), o que constituiria um gesto típico da modernidade. O intuito, ao que parece, seria não ser uma revista, pelo menos não uma que se assemelhasse às outras publicações conhecidas à época.

A photographia de geração, raça ou meio, com o seu mundo immediato de exhibição a que frequentemente se chama literatura e é sumo do que para ahi se intitula revista, com a variedade a inferiorizar pela egualdade de assumptos (artigo, secção ou momentos) qualquer tentativa de arte – deixa de existir no texto preocupado de ORPHEU. (MONTALVÔR, 1915, p. 5).

Ou seja, na opinião expressa no editorial, os artigos, seções e textos variados que compunham a estrutura de outras publicações da época inferiorizariam o papel da arte em suas páginas ao posicioná-la em pé de igualdade com outras temáticas não diretamente relacionadas àquele campo. Sendo assim, a nova publicação buscaria impor-se, como se pode ler em seu subtítulo e em seu editorial, como “Revista trimestral de literatura”, sem permitir uma só linha de crítica, um ensaio ou manifesto. E, em prosa ensaística, apenas a introdução. Acentua-se, no entanto, que para o pesquisador Jerónimo Pizarro, Orpheu deve ser compreendida, em seu conjunto, como “uma revista-manifesto” (PIZARRO, 2015, p. 44-56). Era preciso desassemelhar-se de outros veículos a fim de se apresentar o “novo” em Orpheu. Nas palavras de Montalvôr, a revista era fruto de um “exílio de temperamentos”, estruturava-se em torno de um “número escolhido de revelações em pensamento e arte” e unia um grupo de “raros” e selecionados artistas que se criam “os primeiros” (MONTALVÔR, 1915, p. 5) naquele contexto. Mencionados e definidos o meio de divulgação e o grupo que comporia a publicação, importava caracterizar o público leitor idealizado, que se esperava que fosse, assim como os outros elementos do periódico, também de “seleção” e capaz de se esforçar para compreender e aceitar a “obra literária de ORPHEU” (MONTALVÔR, 1915, p. 6). O que se pretendia era proclamar-se ao público leitor não como algo comum, “quotidiano”, mas como um projeto “aristocrático”, enunciado por Luís de Montalvôr. E, de fato, se pensarmos comparativamente em revistas como a segunda série de A Águia ou mesmo Atlântida, ambas portuguesas e contemporâneas a esse periódico, perceberemos diferenças marcantes em termos dos projetos editoriais e gráficos ali apresentados. A forma de apresentação dos textos literários impunha-se como um diferencial. Em uma comparação rápida, verificamos, por exemplo, que a segunda série do mensário portuense, publicada de 1912 a 1921, espelhada no modelo do Mercure de France, trazia poesias e textos em prosa, ao lado de ensaios variados sobre ciências exatas, filosofia e história.

Figura 2. Capa da segunda série da revista portuense A Águia (1912-1920).

Figura 3. Capa da revista Atlântida (1915-1930).

E o mesmo se pode afirmar de Atlântida, editada entre janeiro de 1915 e janeiro de 1930, que posicionava, lado ao lado, artigos também diversificados, sobre as relações luso-brasileiras e outros temas, juntamente com a arte que divulgava. Já Orpheu, em seu primeiro número, e um pouco diferentemente no segundo – que teve acrescido ao seu projeto os hors-textes de Santa-Rita Pintor –, apresentava-se com a estrutura de uma antologia literária posicionando, numa sequência de páginas, vários poemas ou prosas poéticas de um mesmo autor, sob um título inicial inscrito em negrito. Assim, no número 1, temos, apenas para exemplificar: “Treze sonetos”, de Alfredo Pedro Guisado, publicados todos em sequência e sem nenhuma vinheta ou desenho que ilustrasse a página ou definisse as suas margens; e, sob o título de “Frizos”, seguiam-se os 12 textos – em prosa altamente poética – “Do desenhador José de Almada Negreiros”. Ou seja, as 83 páginas daquele primeiro número apresentavam aos leitores pequenos agrupamentos de textos literários assim editados, formato este que seria ainda adotado no número 2 e, ainda, no terceiro, impresso apenas em “Provas de Página”.8 Os textos literários da revista, no entanto, revelam mais sobre o perfil da publicação do que a “Introducção”, com função de editorial. Orpheu pareceria corroborar o princípio de exceção proclamado, por meio das vanguardas ali propostas, mas também apresentava, principalmente do ponto de vista quantitativo, uma literatura que dava continuidade a práticas poéticas finisseculares. Sobre o sentido da tradição e da negação da tradição na revista lisboeta, afirma Paula Morão:

os próprios protagonistas da defesa do novo acabam por radicar, afinal, em estratos da tradição que quiseram rasurar. Será esse o caso dos poetas portugueses reunidos na revista Orpheu, de 1915, a começar pelo próprio título escolhido para esta publicação que se quer nova e diferente do que se faz na época: Orfeu simboliza nos mitos gregos a própria poesia, com origem no canto e na harmoniosa conjugação da palavra poética com a música. Deste modo, as inovações (se não mesmo as rupturas) que a

8Na edição de Os objectos de Fernando Pessoa (PIZARRO; FERRARI; CARDIELLO, 2013, p. 228) é apresentada em detalhe a descrição do volume das provas. Como se sabe, a publicação lisboeta contou apenas com duas edições publicadas em 1915; enquanto o terceiro volume, vítima de dificuldades financeiras dos diretores e da escassez de colaboradores, permaneceria inédito ao grande público até 1984 (Nova Renascença, edição fac-similada, Porto, 1984), ainda publicado no mesmo ano pela Editora Ática, com introdução e cronologia de Arnaldo Saraiva (1984).

revista vem propor ecoam um conceito de literatura bem ancorado num intuitivo reconhecimento do caráter ancestral da poesia, cuja historicidade é manifesta e se associa à condição do poeta como faber, como artífice que deve saber do seu ofício e da historicidade dele para o praticar plenamente e com competência. (MORÃO, 2011).

Como toda revista literária que conta com diferentes colaboradores, verifica-se a heterogeneidade nos textos inseridos em seus números. Certas práticas de continuidade das poéticas finisseculares são evidenciadas nos versos de Alfredo Pedro Guisado; de Côrtes-Rodrigues; de Ronald de Carvalho; em “O Marinheiro”, de Fernando Pessoa; no “Atelier”, de Raul Leal; em produções de Montalvôr e em alguns versos de Sá-Carneiro. Em vários textos desses autores e de outros escritores que participaram da publicação, predominavam escolhas de tópicos como o vago, o poente/ crepúsculo, a noite, o sonho. Sobre isso, é interessante notar que Fernando Pessoa, ao enviar carta a Camilo Pessanha, solicitando sua colaboração para a publicação lisboeta, já definia a revista como um suporte que abrangeria produções: “do ultra-simbolismo até ao futurismo” (PESSOA apud SILVA, 1996, p. 28), apontando assim para a heterogeneidade de poéticas abrigadas em Orpheu,como configuradoras da moderna poesia que se tentava divulgar, em 1915. Quando se pensa sobre o modernismo em Orpheu, é preciso observar ainda que essa palavra não chegou a figurar nas páginas do periódico, nem mesmo nas cartas de Mário de Sá-Carneiro, tendo sido utilizada de modo pejorativo no “Ultimatum”9 de Álvaro de Campos, publicado em 1917, na revista “Portugal Futurista”. Os ensaios pessoanos, ainda em A Águia, traziam a palavra “novo” (SILVA, 1996) como expressão do que era contemporâneo à sua produção e àquilo que ele pretendia analisar. E, em grande parte de seus textos sobre a produção contemporânea à sua, verifica-se a utilização desse adjetivo para se referir à arte sobre a qual se debruçou em artigos sobre a “Nova poesia portuguesa”, nos ensaios de estreia da revista A Águia, do Porto; e que ainda apareceria também na poesia como por exemplo, na “Ode triunfal”. Orpheu, como se sabe, não trazia manifestos nem ensaios ou textos críticos e, portanto, caberia apenas à literatura, e à pintura de Santa-Rita, que seria

9“Tu, Estados Unidos da America, síntese-bastardia da baixa-Europa, alho da açorda transatlântica, pronúncia nasal do modernismo inestético!”. (CAMPOS, 1917) Pode ser consultado na Separata a Portugal Futurista, disponível em: https://purl.pt/17263/4/res-2690-a_pdf/res-2690-a_pdf_24-c-r0150/res-2690-a_0000_capacapa_t24-c-r0150.pdf

inserida no número 2, a tarefa de dar a ver o que aquele grupo de artistas pretendia apresentar aos seus leitores. Algumas palavras, estrategicamente introduzidas no segundo número, nomeavam dois movimentos artísticos: um deles aparecia já no sumário, ao lado do título de “Chuva oblíqua”, cujos versos eram denominados como “poemas interseccionistas”. Outro, figurava na inscrição “Colaboração especial do futurista Santa Rita Pintor”, em destaque e em negrito abaixo do sumário de textos literários. O primeiro movimento deveria ser conhecido, naquele momento, apenas por alguns dos intelectuais mais próximos a Fernando Pessoa. Já o futurismo, como se sabe, era mais célebre à época, e fora divulgado em Portugal, juntamente com o cubismo, pelo próprio Santa-Rita Pintor e também por Mário de Sá-Carneiro (MARTINS, 2010, p. 301). O interseccionismo10 chegou a ser definido pelo próprio Pessoa, em carta ao editor inglês Frank Palmer, como um “quási futurismo” (PESSOA, 2005, p. 35). Ou seja, Orpheu também buscou inserir em suas páginas uma arte de vanguarda, ali incluída não só a partir da menção a estes movimentos,11 mas também por meio de algumas de suas obras. E é sobre alguns aspectos dessas vanguardas de Orpheu que se desenvolverá este estudo. No verbete do Dicionário de Fernando Pessoa e do modernismo português, Fernando Cabral Martins afirma que Pessoa teria negado a ligação de Orpheu ao modernismo; além de haver chegado até mesmo a “recusar qualquer configuração de grupo” (MARTINS, 2010, p. 568) para os colaboradores da revista.

10 “Intenção que Pessoa tinha de formar escola, tal como o conseguira Pascoaes com os seus teoremas da

Saudade” (LIND, 1970, p. 35) mantendo-se fiel ao “ideal de renovação espiritual portuguesa que anunciara nos artigos para A Águia” (LIND, 1970, p. 35). 11“Maria Aliette Galhoz conta sete os ismos que perpassam no Orpheu: paúlismo, interseccionismo, sensacionismo, simultaneismo, futurismo, cubismo, simbolismo, e podia juntar-lhes ainda exoterismo e ocultismo. É admirável rememorar aqui esta circunstância do Orpheu: passam por Orfeu mais duma vintena de ismos das letras e da pintura. Três dos ismos [paúlismo, interseccionismo, sensacionismo] são criações de Fernando Pessoa. Criações da ordem literária. Como o surrealismo criado depois por dois literatos franceses e antes de chegar também à pintura. Mas os outros ismos são da ordem da pintura e um [simbolismo] abrange o pintado e o escrito. São criações francesas e italiana. É o momento também de relembrar que estas criações literárias de Fernando Pessoa sucedem de perto as criações francesas e italiana e sobretudo fazem de Portugal o primeiro país a criar a sua vanguarda da modernidade depois da França e da Itália. No Orpheu estava a dar-se primeiro que noutra qualquer parte do mundo o que a latinidade havia feito eclodir mundialmente em Paris e Milão: o encontro das Letras e da Pintura. Este encontro continuamente aprazado para mais tarde desde o Renascimento” (NEGREIROS apud COSTA;

PIZARRO, 2017, p. 169).

Alguns aspectos da vanguarda em Orpheu

O primeiro número de Orpheu editou em suas páginas “Opiário” e “Ode triunfal”, “Duas composições de Álvaro de Campos publicadas por Fernando Pessoa”, como consta no título que antecede aqueles versos. E, de dentro do “drama em gente”, apenas Campos e Pessoa mereceram um lugar em Orpheu. Como se sabe, Pessoa não chegou a publicar muitos livros em vida. Em língua portuguesa, como mencionamos anteriormente, apenas a Mensagem, em 1934, tendo divulgado grande parte de seus textos literários e críticos em diversas revistas da época, como a Renascença; a segunda série de A Águia; Orpheu; Portugal futurista; Athena, Contemporânea; Presença, entre outras. O fato de ele haver organizado e publicado textos por escolha própria e da forma como desejava fazê-lo, em vida, deve ser levado especialmente em consideração quando se trata de refletir sobre a obra deste escritor. Nesse sentido, é muito importante ressaltar o papel preponderante das revistas para as vanguardas e para os modernismos, não só portugueses como brasileiros, norte-americanos, ingleses, franceses etc., compreendidos como elementos centrais na estruturação e divulgação das artes dos finais do século XIX a meados do XX. Resta, agora, refletir sobre o seguinte: por que Pessoa teria escolhido divulgar apenas Campos e o ortônimo naquela revista, deixando de lado Ricardo Reis e Alberto Caeiro.12 A “Ode triunfal” é um poema de vanguarda. Dar a conhecer o Álvaro de Campos que apresentaria em seus versos uma linguagem que, à primeira vista, pareceria13 aderir ao futurismo, com todas as suas onomatopeias e “rrs” a que fizera referência Mario de Sá-Carneiro, em carta a Fernando Pessoa, significava propor a vanguarda. Mas essa aparente adesão provocaria não só uma transgressão na forma e no conteúdo, mas exprimiria a “liberdade e autoliberação” que se revela no impulso de “ordem erótica” (LOURENÇO, 2003, p. 89) a que se refere Eduardo Lourenço em ensaio de Pessoa

12 O nome de Alberto Caeiro seria citado apenas na dedicatória do poema “Para além doutro oceano”, de

C. Pacheco, como consta nas provas de página do Orpheu 3. Caeiro e Reis fariam sua estreia na revista

Athena, também dirigida por Fernando Pessoa, em 1924. 13“A atitude e a valoração de Pessoa relativamente ao Futurismo são de forte reserva e mesmo de antagonismo.

Embora Álvaro de Campos seja qualificado, numa entrevista fictícia e numa publicada, como poeta futurista, já o mesmo Campos será caracterizado, nas palavras de I.L. Crosse, como quase futurista, visto que ‘ama os grandes clássicos porque eram grandes e despreza os literatos do seu tempo porque são todos mesquinhos’ [...].” (SILVA, 1996, p. 27).

revisitado. Sobre isso, importa acentuar que, para parte da crítica, a vanguarda, na obra pessoana, não se revela apenas, evidentemente, nas odes e nas obras assinadas pelo heterônimo Campos. Como observa Fernando Guimarães, há um “Sacrifício de personalidade, cujo limite é a despersonalização do texto”, e, nesse sentido, todo o jogo heteronímico seria, portanto, uma “maneira” de manifestar-se a “Vanguarda” em Portugal (GUIMARÃES, 1982, p. 14). Mas, apesar do caráter vanguardista do conjunto do heteronimismo, parece-nos que Pessoa considerava Campos como personagem mais representativo do Novo14 que ele e seus companheiros buscavam divulgar na revista E quando se pensa na busca por uma linguagem nova, empreendida pelos principais nomes do modernismo em Portugal, verificamos uma situação paradoxal no modo como se deram as publicações de livros de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Se o poeta da Mensagem deixou apenas um livro em língua portuguesa, e outros em língua inglesa, publicados15 em vida, Mário de SáCarneiro, pelo contrário, organizou pessoalmente e publicou a maior parte de suas obras em prosa e em verso, tendo deixado a cargo de Pessoa apenas os Indícios de oiro, em caderno organizado por ele mesmo, como se pode verificar no site da Biblioteca Nacional de Portugal. Nas páginas de Orpheu, entretanto, destaca-se visualmente na produção de Sá-Carneiro o seu “Manucure”, repleto de grafismos diversos que vão se somando a imagens matemáticas como a que se seleciona a seguir:

MARINETTI + PICASSO = PARIS < SANTA RITA

PINTOR + FERNANDO PESSOA

ÁLVARO DE CAMPOS

(Trecho do poema “Manucure”, publicado no número 2 de Orpheu).

14 Essa palavra aparece com alguma frequência na poesia e na prosa de Fernando Pessoa. Vítor Manuel de

Aguiar e Silva reflete sobre o uso dos termos: “moderno”, “modernismo”, “futurismo” e “novo” nas obras de Pessoa e de alguns outros escritores e artistas portugueses do início do século XX (SILVA, 1996). 15 Em vida, Pessoa publicou poesia, crítica literária, traduções, charadas e artigos em revistas e jornais variados. Sobre isso, consultar Fotobibliografia de Fernando Pessoa, de Rui Sousa (1988).

Esse longo poema que figura uma cena de escrita em que o sujeito sentado a uma mesa de café observa o que está ao redor enquanto vai polindo suas unhas e seu poema, mescla versos livres, títulos de jornais europeus e várias outras marcações estéticas inusitadas, foi muitas vezes referido pela crítica apenas como uma blague16, como afirmou o próprio Pessoa; mas este parece ter sido um texto produzido, por Sá-Carneiro, para aquele contexto, tendo sido elaborado como resultado da amizade e do diálogo entre Sá-Carneiro e Pessoa no início do século XX (MARQUES, 2016). O título que o antecedia nas páginas da revista era “Poemas sem suporte”. Sem suporte, pois de fato ele não viria a fazer parte do conjunto de poemas publicados e organizados por Sá-Carneiro, em livro. É certo que, ao observamos comparativamente toda a obra de Sá-Carneiro, não haveria suporte material para “Manucure”, que não as próprias páginas de Orpheu; há, evidentemente, naqueles versos, muito da poesia que ele havia publicado no primeiro número da revista, muita encenação dramática de modernidade e tédio dos sujeitos líricos de vários de seus poemas; muita encenação do espaço paradigmático dos cafés nas cenas de escrita de sua poesia. Mas não há nada, nas obras completas, que se aproxime da forma transgressora daqueles versos, dos desenhos tipográficos no branco da página, que se materializam em ondas, em letras grandes, em reproduções de reclames publicitários ou na sua “Assunção da beleza numérica”:

meus olhos futuristas, meus olhos cubistas, meus olhos interseccionistas, Não param de fremir, de sorver e faiscar Toda a beleza espectral, transferida, sucedânea, Toda essa Beleza-sem-Suporte

(SÁ-CARNEIRO, 1915, p.101)

Em meio a tantos “ismos” que surgem aos “olhos” sedentos do sujeito poético, afirma-se a “Beleza sem suporte”, mas o suporte de “Manucure” é Orpheu. O poema podia não fazer parte dos projetos de publicação de SáCarneiro, mas foi escrito, segundo consta na data final que acompanhava aqueles versos, em “Lisboa – Maio de 1915”. Pensando no contexto e no local de impressão de um texto como “suporte material da obra literária” (MAINGUENEAU, 1995, p. 83) ou como veículo

16“A nossa leitura de ‘Manucure’ parece nunca ter conseguido ficar totalmente imune à conhecida afirmação de Pessoa de que a intenção do poema era a ‘blague’, ou à sua observação de que a edição póstuma da obra de Sá-Carneiro incluiría o poema ‘não como arte, porém como simples curiosidade’.” (AMARAL, 2002, p. 117).

– conforme aparece indicado por Dominique Maingueneau em O contexto da obra literária – vemos que: “a maneira como ele se institui materialmente é parte integrante de seu sentido” e “intervém na própria constituição da ‘mensagem’” (MAINGUENEAU, 1995, p. 83). Ainda: “A transmissão de texto não vem após sua produção, a maneira como ele se institui materialmente é parte integrante de seu sentido” (MAINGUENEAU, 1995, p. 83). Ou seja, tomando a revista como meio para a existência social do poema ou de um texto crítico, ler “Manucure” na sequência em que se apresenta e da maneira como é inserido naquela revista é diferente de lê-lo isoladamente, em outro meio de veiculação. Pensando por esse viés, Orpheu deixa mesmo de ser apenas uma revista, no sentido estrito de meio ou veículo de divulgação, como normalmente são definidas as publicações desta natureza. Orpheu, nesse caso, é fim e é gênero. Blague ou não, “Manucure” tem o papel de contribuir para o novo expresso na publicação, para o esforço de subverter a ordem e de reforçar o sentido transgressor da revista. Uma publicação como Orpheu desafia desse modo o destino padrão das publicações seriadas, que, em função do seu baixo custo e de seu objetivo de apenas “passar em revista” seus conteúdos, estariam fadadas ao consumo rápido e a seu fatal desaparecimento da cena cultural. Orpheu permanece, compondo, junto a outras publicações periódicas literárias da época, como Contemporânea, Athena, Portugal futurista e Presença, para citar alguns exemplos, uma espécie de cânone da modernidade portuguesa. A ponto de transformar-se em um marco: “Orpheu já é sinédoque17 de Modernismo, revista-signo de um momento, cujo nome passou a identificar uma geração e uma poética” (1994) como afirma Fernando Cabral Martins na introdução à edição fac-similar desta publicação. Uma publicação que fez história e que permanece, eternizada pelo nome do mito do qual se origina, como referência fundamental da modernidade portuguesa.

17Segundo Ricardo Marques, afirmar que em Orpheu se daria o início do Modernismo em Portugal seria um falso e verdadeiro, pois A Águia, iniciada em 1912, já apresentaria uma importante faceta do “Modernismo nacionalista” (MARQUES, 2017, p.138).

Referências

AMARAL, Ana Luísa. “Manucure”. In: SERRA, Pedro; SILVESTRE, Osvaldo (Orgs.). Século de ouro. Lisboa: Cotovia, 2002.

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