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O primeiro ataque

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Biografias

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Estava tão satisfeito em ter escapado de Long John que co

mecei a apreciar a situação e a olhar em volta com algum interesse

por aquela terra estranha.

Cruzei um alagadiço cheio de salgueiros, juncos e outras árvores estranhas e bizarras. Depois, cheguei à beira de um trecho aberto de solo arenoso e ondulado, salpicado de poucos pinheiros e um bom número de árvores retorcidas, com tronco e galhos parecidos com os do carvalho, mas com uma folhagem pálida. Do

outro lado do terreno aberto, erguia-se um dos morros, com dois

picos esquisitos e escarpados.

Sentia pela primeira vez o prazer da exploração. Fui para lá e para cá entre as árvores. Aqui e ali havia plantas com flores que me eram desconhecidas. Vi até uma cascavel em uma saliência de rocha.

Cheguei afinal a um bosque que se estendia desde a parte mais alta do terreno arenoso até o brejo. Era composto por aque

las árvores parecidas com carvalhos, que depois fiquei sabendo se

rem azinheiras 3 . Cresciam baixas sobre a areia como espinheiros,

3 Azinheira: árvore

de copa ampla e folhas espinhosas. Chega a medir 10 metros de altura. Comum na região da Europa Mediterrânea e no norte da África.

os ramos curiosamente torcidos, a folhagem compacta como palha. Debaixo do sol forte, nuvens de vapor subiam do pântano, e o contorno do Morro da Luneta tremia através da cerração. De repente começou uma espécie de alvoroço no meio do junco, e um pato selvagem voou com um grasnado, seguido por outro, e logo depois toda a superfície do pântano foi coberta por uma grande nuvem de pássaros que levantaram voo gritando e fazendo círculos no ar. Imaginei que alguém estava contornando a borda do brejo. Logo depois ouvi uma voz humana, primeiro muito baixa e distante, depois se aproximando e ficando cada vez mais alta. Isso me deixou com muito medo, e rastejei para me esconder embaixo da azinheira mais próxima. Fiquei agachado ali, ouvindo com atenção, tão silencioso como um camundongo. Eram pelo menos duas pessoas.

Reconheci a voz de Silver e percebi que a conversa era franca e até mesmo feroz, mas não consegui distinguir nem uma só palavra. Afinal os dois pareceram parar de conversar e talvez tenham se sentado, pois os pássaros começaram a se acalmar e a pousar de volta.

Nesse momento, pensei que, já que tinha sido tão audacioso em vir para terra com aqueles desesperados, o mínimo que deveria fazer era escutar o que falavam em suas conversas. Engatinhando de forma lenta mas constante, avancei na direção de onde tinha escutado o som, até que, afinal, levantando a cabeça até alcançar uma abertura entre a folhagem, pude ver a clareira ao lado do pântano onde Long John Silver e outro membro da tripulação conversavam. O sol os iluminava por inteiro. Silver tinha largado o chapéu no chão ao seu lado, e seu rosto grande e claro brilhava com o calor. — Camarada — estava dizendo —, só quero o melhor para você. Pode confiar nisso! Se não fôssemos tão próximos, acha que estaria aqui o avisando? É para salvar seu pescoço que o estou alertando e, se um daqueles selvagens souber disso, me diga, Tom, o que vai ser de mim? — Silver — disse o outro homem, e pude notar que seu rosto estava muito vermelho, e sua voz muito rouca e tremida —, você já está velho e tem fama de ser um homem honesto. E tem dinheiro também, ao contrário de um monte de marinheiros pobres. E é valente, ou estou muito enganado. E agora vem me dizer que está envolvido com esse bando de mandriões? Não pode ser! Prefiro perder uma mão que...

E foi interrompido por um barulho. Eu tinha acabado de descobrir quem era um dos marinheiros honestos. E quase ao mesmo tempo fiquei sabendo sobre outro. Do pântano veio,

de repente, um som parecendo um grito de raiva, então outro som em sequência, e depois um berro longo e horrendo. As pedras do Morro da Luneta ecoaram algumas vezes o grito, e todo o bando de aves do pântano alçou voo de novo, escurecendo o céu de uma só vez. O grito da morte continuou soando na minha mente, mesmo depois que o silêncio se restabeleceu, e a tarde abafada era perturbada apenas pelo sussurro das aves pousando e pelo estrondo das ondas distantes.

Tom deu um pulo quando ouviu o som, como um cavalo esporeado, mas Silver nem piscou. Ficou onde estava, apoiado de leve na muleta, observando fixamente seu companheiro como uma serpente pronta para dar o bote. — John! — disse o marinheiro, esticando a mão. — Não encosta em mim! — gritou Silver, pulando para trás com a velocidade e precisão de um ginasta treinado. — Calma — disse o outro. — Somente o peso na cons ciência pode fazer você sentir medo de mim. Pelo amor de Deus, me diga o que foi aquilo. — Aquilo? — devolveu Silver, sorrindo. — Aquilo? Imagino que tenha sido Alan.

Foi quando o pobre Tom assumiu ares de heroísmo. — Alan! — gritou. — Que descanse em paz! E quanto a você, John Silver, por muito tempo fomos amigos, mas isso acabou. Vocês mataram Alan, não é? Matem-me também, se puderem, faço o desafio.

E, com isso, esse sujeito corajoso virou as costas para o cozinheiro e saiu andando em direção à praia. Mas não chegou a ir muito longe. Com um grito, John se agarrou a um galho de uma árvore e arremessou sua muleta como se fosse um míssil pelo ar. Ela acertou o pobre Tom em cheio e com violência impressionante. A ponta de madeira o atingiu bem entre os ombros, no meio das costas. Suas mãos se levantaram, deu uma espécie de suspiro e caiu.

Se estava muito ou pouco machucado, ninguém nunca saberá, pois nem houve tempo de ele sequer recobrar os sentidos. Silver, sem perna nem muleta, estava sobre ele no momento seguinte, enterrando duas vezes a faca até o cabo no corpo indefeso. Do lugar onde eu estava escondido, pude ouvi- -lo arfando alto enquanto desferia os golpes.

Quase desmaiei. Tudo pareceu flutuar à minha volta, Silver e as aves, o alto cume do Morro da Luneta, girando e girando, e todos os sons pareciam como sinos tocando e vozes distantes gritando no meu ouvido. Não sei quanto tempo passou, mas, quando voltei a mim, o monstro já limpava a lâmina suja de sangue em um tufo de grama, numa tranquilidade assustadora. Eu mal podia acreditar que havia ocorrido um assassinato e que uma vida humana tinha sido interrompida com crueldade havia pouco, diante dos meus olhos.

Em seguida John levou a mão ao bolso, pegou um apito e soprou uma série de toques modulados. Mesmo sem saber

do que se tratava, isso logo despertou meus temores. Outros homens viriam. Eu poderia ser descoberto. Já tinham matado duas pessoas honestas. Depois de Tom e Alan, eu seria o próximo?

Imediatamente comecei a engatinhar de volta, com o máximo de pressa e silêncio que conseguia, até a parte aberta da mata.

Assim que lá cheguei, pude ouvir o velho pirata e seus comparsas trocando chamados, e esse sinal de perigo me deu asas. Assim que saí do arvoredo, corri como nunca havia corrido antes, sem me importar muito com a direção da fuga, minha urgência era me afastar dos assassinos. Enquanto corria, o medo crescia cada vez mais, até que virasse uma espécie de frenesi.

Realmente, naquele momento podia alguém estar mais perdido do que eu? Quando o canhão fosse disparado, como poderia ousar descer até os botes entre os demônios, ainda fedendo aos seus crimes? Será que o primeiro que me visse não torceria meu pescoço como se eu fosse um pobre marreco? Será que minha ausência já teria servido como evidência do meu alarme e, portanto, do meu conhecimento dos seus planos? Era meu fim. Tudo estava acabado, pensei.

Cada vez mais desesperado, corria sem prestar muita atenção e acabei me aproximando do pequeno morro com os dois picos, numa área da ilha onde as azinheiras cresciam mais

esparsas e se pareciam mais com árvores normais. Misturados com elas havia uns poucos pinheiros dispersos, alguns bem altos. O ar era bem mais fresco e cheirava melhor que perto do pântano.

Foi quando um novo alarme disparou meu coração e me imobilizou.

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