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na paliçada
Jim Hawkins retoma a narrativa: a guarnição na paliçada
Assim que Ben Gunn viu as cores da bandeira, ele estacou, me parou pelo braço e se sentou. — Devem ser seus amigos, com certeza — disse. — Mais provável que sejam os amotinados — respondi. — Aquela bandeira! — gritou. — Se fosse Silver, com certeza seria a Jolly Roger, a bandeira dos piratas. Não, aqueles são seus amigos. Eles estão em terra firme, dentro da velha paliçada, que foi feita há muitos anos por Flint. — Vamos! — disse. — Preciso reencontrar meus amigos. — Nada disso — devolveu Ben. — Você pode ir, mas Ben Gunn vai voar agora. Nem o rum me leva lá para dentro, onde está indo, não, nem o rum me leva, não antes de você ver esses cavalheiros bem-nascidos e ganhar sua palavra de honra. E você não se esquecerá das minhas palavras: “É um bom negócio (é isso o que você vai dizer), é um bom negócio ser confiável”. Quando quiserem Ben Gunn, você sabe onde encontrá-lo. Basta ir na direção de onde me encontrou hoje. E aquele que vier deve trazer alguma coisa branca na mão e deve vir sozinho.
— Muito bem — disse. — Posso ir agora? — Não vai se esquecer? — questionou, ansioso. — Bom negócio ser confiável. Bem, então — ainda me segurando — avalio que possa ir agora. E, Jim, se você visse Silver, não venderia Ben Gunn, venderia? E, se os piratas acamparem em terra firme, você poderia negar que haverá viúvas ao amanhecer?...
Nesse ponto foi interrompido por um estrondo, e uma bala de canhão veio rasgando a folhagem até se enterrar na areia, a menos de 100 jardas de onde estávamos. Demos meia-volta cada um e seguimos em direções contrárias.
Durante mais ou menos 1 hora, estrondos frequentes sacudiram a ilha, e bolas de ferro continuaram acertando as árvores na mata. Elas pareciam me perseguir enquanto ia me escondendo. O bombardeio começou a perder intensidade, mas não ousei ir direto em direção à paliçada, onde as balas de canhão caíam com mais frequência. Depois de um longo desvio para o leste, rastejei entre as árvores da linha da maré.
O sol tinha acabado de se pôr, a brisa do mar fazia a mata farfalhar e encrespava a superfície do ancoradouro. A maré estava bem baixa, e grandes extensões de areia apareciam. O ar, depois de todo o calor do dia, me refrescava através da minha jaqueta.
A Hispaniola continuava onde tinha sido ancorada, mas agora, com certeza, era a Jolly Roger, a bandeira negra da pirataria, que tremulava no alto do mastro principal. Bem nessa hora
veio um novo clarão vermelho e outro estrondo e outra bala redonda assobiou pelo ar. Era o último tiro.
Fiquei um tempo deitado, observando a movimentação. Homens estavam usando machados para destruir algo na praia, perto da paliçada. Descobri depois que era o pobre dingue. Ao longe, perto da boca do rio, uma grande fogueira brilhava entre as árvores. Entre aquele ponto e o navio, um escaler ia e voltava sem parar, com os homens, antes tão tristes, gritando como crianças enquanto remavam. Havia um tom em suas vozes que sugeria rum.
Pensei que poderia me dirigir à paliçada. Eu estava bem próximo da ponta do banco baixo de areia que protege o ancoradouro ao leste e praticamente se juntava à Ilha do Esqueleto na maré baixa. Quando me pus de pé, pude ver a certa distância, um pouco mais abaixo no banco de areia, apontando por entre as moitas baixas, uma pedra isolada, bem alta e com uma cor branca peculiar. Só podia ser a pedra branca da qual Ben Gunn tinha falado. Se algum dia precisasse de outro barco, já saberia onde procurar.
Então fui contornando por dentro da mata até alcançar o lado de trás da paliçada para logo depois ser recebido com carinho pela tropa leal.
Contei logo minha história e em seguida olhei em volta. A casa era toda feita de troncos roliços de pinheiro: teto, paredes e piso. Havia um alpendre na porta, e embaixo dele um
olho-d’água brotava em uma bacia artificial bem singular, simplesmente uma grande panela de ferro enterrada na areia “até a amurada”, como disse o capitão.
Em um dos cantos, uma laje de pedra tinha sido semienterrada na areia e sobre ela uma velha cesta de ferro enferrujado servia para fazer o fogo.
Todas as árvores, tanto no interior da paliçada quanto na encosta da colina, haviam sido derrubadas para construir a casa, e podíamos ver pelos tocos que ficaram que um bosque imponente tinha sido destruído. Bem perto da paliçada, perto demais para uma boa defesa, disseram, a mata verdejava alta e densa. A brisa fria do entardecer assobiava através de cada greta da construção, salpicando o piso com uma chuva constante de areia fina. Nossa chaminé era um buraco quadrado no teto e apenas uma pequena parte da fumaça encontrava o caminho para fora, ficando todo o resto rodopiando dentro da casa, fazendo todos nós tossir e lacrimejar.
Além disso, Gray tinha uma bandagem na cara devido ao corte que sofrera quando escapava dos amotinados, e o pobre e velho Tom Redruth ainda estava insepulto, esticado junto da parede, firme e rígido, sob a bandeira do Reino Unido.
Se nos deixassem ficar sentados sem fazer nada, teríamos caído em depressão, mas o capitão Smollett não era homem para deixar que isso acontecesse. Chamou todos e nos dividiu em turnos. Eu fiquei em um deles, com o doutor e Gray,
enquanto o barão, Hunter e Joyce ficaram no
outro. Dois homens foram enviados para ca
tar lenha seca enquanto outros dois ficaram
encarregados de cavar uma sepultura para
Redruth. O doutor foi nomeado cozinheiro e
eu fiquei de sentinela 6 . O capitão ficou o tem
po todo indo falar com cada um, ajudando onde fosse preciso.
Quando o doutor vinha até a porta para tomar um pouco de ar e descansar os olhos, afetados com tanta fumaça, sempre tinha uma palavra para mim. Certa vez, veio e ficou em silêncio por um tempo. Depois, perguntou: — Esse Ben Gunn é um bom homem? — Não sei, senhor. Não tenho muita certe
za de que seja são. — Se você ainda duvida, então não é — devolveu o doutor. — Jim, não se pode esperar que um homem que esteve três anos numa ilha deserta pareça são. É da natureza humana. Você disse que ele deseja comer queijo? — Sim, senhor. Queijo — respondi. — Bem, Jim — ele disse —, você já viu minha caixa de rapé, não viu? Mas nunca me viu cheirando rapé. A razão disso é que na minha
6 Sentinela: soldado que guarda um posto; vigia.
caixa de rapé trago um pedaço de queijo parmesão. Será um presente para Ben Gunn.
Sepultamos Redruth na areia e ficamos em torno dele por um tempo, com as cabeças descobertas e em silêncio. Trouxemos um monte de lenha seca para dentro da casa, mas o capitão achou pouco e pediu mais entusiasmo no dia seguinte. Comemos uma ração de carne de porco e cada um tomou uma boa caneca de grogue de conhaque. Depois, os três chefes se juntaram em um canto para discutir nossa situação.
Não havia muito o que fazer. Os suprimentos eram tão poucos que teríamos que nos render diante da fome muito antes de o socorro chegar. Nossa única esperança, ficou claro, era ir matando os piratas até obrigá-los a se render ou fugir. Os 19 iniciais já tinham sido reduzidos a pelo menos 15, sendo que um, o que foi atingido junto ao canhão, estava ferido com gravidade. Além disso, tínhamos dois aliados valiosos: o rum e o clima.
Já podíamos ouvi-los, bêbados, gritando e cantando. E o doutor apostava que, acampados onde estavam, no pântano, e sem remédios, metade deles estaria derrubada em menos de uma semana. — Então — acrescentou — talvez prefiram levar a escuna. É sempre uma embarcação, e podem voltar a praticar a pirataria, suponho. — É o primeiro navio que perco — disse o capitão Smollett.
Eu estava morto de cansaço e logo peguei no sono. Acabei dormindo como uma pedra.
Os demais já tinham acordado, feito o desjejum e aumentado bastante a pilha de lenha quando fui acordado por um alvoroço e o som de vozes. — Bandeira branca! — ouvi alguém dizer, e imediatamente depois um grito de surpresa. — É o próprio Silver! Pulei de pé e, esfregando os olhos, corri para um dos buracos na parede.