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PESSOA (JURÍDICA) DO BEM

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ESTANTE

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PESSOA

(JURÍDICA) DO BEM

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Empresas interessadas em melhorar o mundo se estruturam em torno do Sistema B, fundação internacional que valoriza o capitalismo com propósito social e as capacita para esses desafios

por antonio mammì

Era 2005 e os empresários Jay Coen Gilbert, Seth Berger e Tom Austin estavam inquietos, prestes a talvez nunca mais ter de se preocupar com dinheiro na vida. As negociações para vender a AND1, empresa de artigos de basquete que fundaram, estavam avançadas. Faltava apenas fechar o preço. Mais do que o valor global da transação (que acabou saindo por US$ 250 milhões), o que os inquietava era o fato de o mercado não precificar da forma que consideravam justa aquilo que na opinião do trio a empresa tinha de melhor: o uso de matéria-prima orgânica em seus produtos, a gestão de pessoas, as relações com a comunidade.

Um ano depois, os três empresários criaram a B Lab (B de benefit, “benefício”, em inglês), uma organização sem fins lucrativos que busca incentivar empresas a gerarem “valor compartilhado”, conceito que estabelece que o sucesso de um negócio não depende apenas de seus lucros, mas também do seu impacto socioambiental. Para isso, o trio elaborou 160 indicadores para avaliar a performance das organizações em cinco áreas: governança, relações com trabalhadores, meio ambiente, comunidade e consumidores. A empresa que participa do processo e atinge uma certa pontuação ganha uma certificação e se torna “B”.

O movimento ganhou capilaridade: hoje são 2.200 empresas “B”, em 50 países. A chegada à América do Sul foi pelo Chile, em 2012, por meio do Sistema B, parceiro oficial da organização americana. No ano seguinte, o projeto iniciou suas atividades no Brasil, onde há mais de 80 empresas certificadas.

As métricas que devem ser atingidas para fazer parte do movimento não são triviais e a auditoria conduzida pela organização é rigorosa. É necessário, por exemplo, que a empresa altere o seu contrato social para inserir, dentre seus objetivos, a geração de impactos sociais e ambientais.

As companhias que integram a comunidade não têm um perfil definido

e os setores de atuação são diversos: construção civil, gestão de resíduos sólidos, energia, alimentos orgânicos etc. As empresas de pequeno e médio porte predominam, representando cerca de 70% do movimento mundial.

Mas as multinacionais estão querendo fazer parte do grupo: a Natura obteve o certificado em 2014 e o conglomerado educacional Laureate (dono da Universidade Anhembi Morumbi e das Faculdades Metropolitanas Unidas, entre outras) é a maior companhia B do mundo com ações listadas em bolsa. A Danone colocou como meta se tornar B até o fim de 2030 e a Unilever vem adquirindo empresas do gênero, como a sorveteria Ben & Jerry’s. Não parece muito crível que empresas alterem suas práticas e às vezes até seus modelos de negócios para obter um certificado, mas isso ocorre. Para Ana Sarkovas, diretora-executiva do braço brasileiro da fundação Sistema B, um dos motivos é que há organizações que, mais do que serem reconhecidas como as melhores do mundo, querem ser vistas como melhores para o mundo. “Esses impactos positivos gerados dão a elas outro grau de credibilidade”, diz.

A executiva menciona outras razões para que as companhias passem pelo processo de avaliação. Dentre elas, o fato de o formulário, acessível na internet, poder servir inclusive como ferramenta de gestão para as companhias. “Hoje, mais de 60 mil empresas já entraram na avaliação de impacto. Dessas, 15 mil completaram o processo inteiro e, no fim, apenas 2 mil obtiveram o certificado.”

Para Graziella Comini, professora da Faculdade de Administração e Economia da USP, um chamariz para que as empresas ingressem no “lado B” é a ideia de pertencer a uma certa vanguarda corporativa. “As organizações percebem como positivo o fato de se sentirem num clube onde os mesmos valores são compartilhados. Nos Estados Unidos elas já se integram num mesmo mercado, estreitam suas relações comerciais”, conta. Exemplo dessa relação de interdependência entre empresas B são os investidores de impacto, por exemplo. No Brasil, há dois fundos com essa característica: Mov e Vox. “Os investidores estão olhando as questões de impacto social e ambiental como oportunidade de negócio e não como risco de investimento porque entendem que essas são as empresas que vão perdurar na nova economia”, diz Ana.

Sobre o engajamento do setor público, há a percepção de que é preciso avançar bastante. Por isso, para Graziella, mais que uma mudança de hábitos do consumidor para fortalecer empresas responsáveis, deve-se estimular que as compras públicas e licitações privilegiam as empresas “B”. Ana também vai nessa linha: “O governo deveria considerar critérios de impacto positivo, pois a economia tradicional pode gerar inclusive custo para o contribuinte”.

É cedo para saber se as empresas B permanecerão como um nicho ou se terão um dia o condão de mudar a cara do capitalismo. O que se tem como consensual é que hoje o certificado é secundário – o que vale é a mudança de práticas que ele incentiva. “Hoje o grupo é pequeno, mas extremamente seleto, e vai influenciar mudanças positivas na cultura e nas normas sociais. A tendência é que a comunidade incentive uma mudança sistêmica e o capitalismo evolua para não ser unidimensional do ponto de vista econômico, mas também para ser social e ambiental”, diz Marcel Fukayama, cofundador do Sistema B no Brasil e sócio da Din4mo, consultoria (B, claro) que assessora empreendedores sociais.

Para a professora Graziella, os millennials, que formam a nova geração de gestores a chegar ao mercado, têm mais intimidade com esse, digamos, “capitalismo de propósito”. “Na hora em que o jovem procura emprego e vê uma vaga numa empresa B, ele se sente mais entusiasmado em participar daquele processo seletivo.” E vaticina: “A empresa que não cultivar valores diferenciados vai ficar para trás”.

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