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Eliane Dias: advogada, ativista e produtora cultural

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CARTAS

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SEM ENDERE ÇO

Ter escritório fixo é coisa do passado no mundo corporativo. Em busca de economia, grandes e médias companhias de diversos setores têm trocado suas bases por espaços coletivos ou sistema home office de funcionários

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POR CHICO FELITTI

Asala branca está vazia, com exceção da escultura de uma águia levantando voo. Nela surge uma mulher com o cabelo raspado apenas na parte esquerda da cabeça e roupas góticas que parecem saídas do filme Blade Runner. Ela coloca a mão contra a parede. Empurra. A divisória cede e revela um segundo cômodo branco, com 20 banquetas de madeira ao redor de uma mesa retangular para mais de 200 funcionários que trabalham no local. Bem-vindo à agência de publicidade mais cool de São Paulo.

O presidente da empresa explica, minutos depois no único espaço de reunião do prédio, que a mobília é intencionalmente desconfortável: “É para ninguém ficar muito cômodo”, diz ele, que, segundo contam, pede para que todos os funcionários vistam preto quando, muito raramente, eles vão à sede para uma reunião. “É datado isso de ter um local de trabalho. O local de trabalho é o mundo”, afirma o empresário.

O exemplo da agência na Vila Madalena é real e dá para classificá-lo como a ponta de um iceberg que está abalando a estrutura do mundo corporativo no Brasil. Por aqui, só aumenta o número de companhias que têm optado por trocar o quartel-general por espaços de coworking ou deixar seus funcionários trabalhando de casa.

O maior coworking a aportar no Brasil é o WeWork, companhia avaliada em US$ 16 bilhões que ganhou grande impulso ao desembarcar por aqui. Já são sete escritórios espalhados por São Paulo e Rio de Janeiro. Belo Horizonte também ganhará uma unidade ainda este ano. A taxa de ocupação declarada é de 100% e o Brasil é o quinto maior mercado do mundo para a empresa, que está presente em 20 praças.

“É muito mais flexível, ainda mais para nós que trabalhamos com uma demanda elástica. Às vezes preciso de 50 funcionários, às vezes 250”, diz Carlos Silva, diretor de uma banca de advocacia que nos próximos meses se muda para um espaço do tipo.

Os preços são variáveis. A taxa mensal por funcionário começa em R$ 1.400 e pode chegar ao dobro desse valor. “Pode ser vantajoso para uma empresa que tenha um escritório de alto padrão numa área nobre da cidade adotar o coworking. Mas trata-se de trocar um custo altíssimo por custo alto”, analisa a especialista em mercado imobiliário Ana Silvia Lima, da consultoria Mega.

Engana-se quem pensa que esses espaços são habitat exclusivos de designers que trabalham sozinhos nas bancadas, tomando altas doses de café e protegidos do mundo por fones de ouvido gigantes. Apenas 5% dos clientes da WeWork no Brasil são usuários de hot desk (mesas co

Pode ser vantajoso para uma empresa que tenha um escritório de alto padrão adotar o coworking. Mas trata-se de trocar custo altíssimo por custo alto

Ambientes de dois escritórios distintos da WeWork em São Paulo, empresa de coworking que está em 21 países do mundo

munais sem lugar determinado). Os outros 95% alugam um lugar fixo ou um escritório.

Agências de publicidade como a LiveAD e a Garage abriram mão do QG próprio para serem inquilinas dessa categoria de imóvel, em contratos que vão de um a dez anos. O Facebook, por exemplo, migrou seu laboratório de inovação para o prédio de coworking na avenida Paulista. Mesmo corporações mais tradicionais, como o Bradesco, aderiram. O banco, no caso, montou um prédio inteiro na avenida Angélica que tem cara e jeito de coworking para abrigar o inovaBra, seu braço de inovação e fomento a start-ups.

QUERO A MINHA BAIA

O espaço compartilhado de trabalho traz com ele uma estética peculiar. Quadros com mensagens de autoajuda em inglês coalham as paredes e a cozinha comum fornece chope de graça (no período da tarde), café e água sem restrições.

Olhando-se de fora, parece uma relação ganha-ganha, com economia e um ar de modernidade. Mas quem está dentro nem sempre bate palmas para a mudança. “Parece muito bom. Só parece”, diz um especialista em mídias sociais que já trabalhou em três empresas sem sede. “Pergunta para esses patrões modernos se os funcionários ganham vale-alimentação e vale-transporte”, sugere ele, que é terceirizado há seis dos seus oito anos de carreira. “E nunca tive plano de saúde”, completa.

O modelo não é unânime, dizem especialistas. “Há profissionais que precisam dessa separação, do espaço de trabalhar e do espaço de viver”, indica Jay Mulki, especialista em trabalho virtual na Northeastern University, em Chicago. “E há empresas em que essa lógica não funciona por questão da natureza do trabalho.”

Para o professor Mulki, tendem a se beneficiar dessa maior flexibilidade espacial empresas com trabalhos sazonais, como produtoras de cinema ou grupos de gestão de crise. “Agora, imagine dissolver o ambiente centralizado de uma corretora de ações, em que as pessoas precisam estar atentas e em contato umas com as outras o tempo todo. Parece mais difícil.”

Nos Estados Unidos, 2,5% da população economicamente ativa considera sua casa como local de trabalho. Pode parecer pouco, mas o crescimento entre 2010 e 2015 foi de 66% na pesquisa conduzida pela Telework Research Network. No Brasil, um estudo da consultoria SAP apontou que, em 2014, 36% das empresas adotaram práticas de home office, ainda que de forma eventual. A maioria dessas companhias, 75% delas, está em São Paulo.

Ademais, a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt) estima que 12 milhões de brasileiros trabalhem em casa. Mas é preciso calma para olhar a cifra portentosa. A contagem inclui profissionais liberais que vendem cosméticos na sala de casa, por exemplo, e não representa só os funcionários de grandes corporações que fazem home office. A baia ainda resiste. n

Exercício de cidadania

Há 40 anos, o advogado RUBENS NAVES abria as por- tas de seu escritório na capital paulista com um objetivo além do financeiro: articular por uma sociedade mais jus- ta. “Nossa preocupação é realizar uma advocacia atenta ao desenvolvimento social. Que mundo nós queremos? Apenas sermos bons advogados? Não, nos interessa de- senvolver um trabalho adequado, numa sociedade justa que não seja desigual”, explica Naves.

Seu trabalho é também ativismo, uma vez que Naves começou a advogar em plena ditadura militar. Tanto ele quanto o sócio, Belisário dos Santos Jr., foram ferrenhos defensores da democracia. Enquanto Naves se articu- lava exigindo maior protagonismo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Santos defendia presos políticos e travava uma luta feroz contra a tortura. Ao participar ati- vamente da luta pela redemocratização e pelos direitos humanos, o terceiro setor tornou-se o esteio do escritó- rio Rubens Naves Santos Jr. Por essa razão, são conside- rados os maiores especialistas na área, atendendo, sobre- tudo, casos de entidades e empresas que mantêm intenso relacionamento com o Estado. “A Constituição atribuiu um papel importante ao terceiro setor, que são essas or- ganizações de interesse público, porque não visam lucro. Isso propiciou um engajamento da cidadania nas mais va- riadas áreas”, avalia.

Naves acredita que a construção de uma sociedade democrática é demorada e, enquanto cidadãos, é im- prescindível cobrar respostas dos representantes e enti- dades políticas. Foi daí que surgiu o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI), uma articulação de seu escritório com a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado de São Paulo e organiza- ções sociais, com o intuito de cobrar do governo a criação de novas vagas para a educação infantil. “Sou otimista porque, mesmo na crise, precisamos vislumbrar novos caminhos. Nesses 40 anos nós buscamos arranjos nos quais você costura soluções envolvendo o Estado, em- presários e o terceiro setor”, finaliza.

PODER INDICA

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