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O FINO DA BOSSA
De Michael Jackson a Djalminha, Rincon Sapiência encarna seus vários ídolos para driblar o preconceito com a música de quebrada e injetar estilo e ginga no outrora sisudo hip-hop nacional – sem despolitizá-lo
por fábio dutra fotos pedro dimitrow styling cuca ellias (odmgt)
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Terno e camisa Ricardo Almeida, relógio IWC
uem não acompanha tanto a cena musical se assustou ao ver o prêmio Multishow 2017 de artista revelação ser entregue a um jovem de dreadlocks e nome artístico chamativo: Rincon Sapiência. O laureado, aliás, também estava surpreso. “Fui confiante para outras categorias, como produção, que levei, mas foi especial ser reconhecido como revelação, subi sem nem saber a quem agradecia de tanta coisa que tinha na cabeça. Não sabia se agradecia ao público, ao pessoal da produção do disco, à quebrada...” De lá pra cá, qualquer um que tenha ligado o rádio ou a TV já escutou a batida suingada com rimas sobre o estilo das ruas e o orgulho da cultura negra e do povo brasileiro. Mas ele continua sendo peixe fora d’água, ao menos em seu bairro natal, Itaquera. Lá é reduto do Corinthians, e o cantor é palmeirense fanático, fã de Djalminha e Alex (mesmo admitindo que esse jogador viveu seu melhor momento no Cruzeiro) e sempre acaba citando a equipe alviverde mesmo quando o assunto é outro. Ah!, sempre bom lembrar: ele deve o apelido à semelhança com o volante colombiano Freddy Rincón, ídolo tanto do Palmeiras quanto do Corinthians.
No festival Lollapalooza deste ano, camisa azul da seleção brasileira, a mesma usada nos protestos pró-impeachment, fruto de uma ação de marketing da Nike, ele cantou com um grande painel com a foto de Marielle Franco ao fundo (a vereadora carioca, ativista do movimento negro, havia sido assassinada dias antes). A apresentação foi das mais comentadas e reproduzidas nas redes sociais, uma consagração. O público, para surpresa do rapper, dançava o “passinho do manicongo”, criação sua. A dança, muito divertida, consiste em cruzar e descruzar as mãos no ritmo da batida, levando do peito ao ombro e daí à cintura. Uma macarena do hip-hop. “A música preta naturalmente é dançante, nos EUA teve o harlem shake, o snap, o jerkin, mas aqui só vinha rima e protesto, então me sinto na vanguarda com esse passinho.” Conta que nas ruas – e ele frequenta os mesmos lugares de sempre, a pé, de transporte público ou de bicicleta – as pessoas muitas vezes nem falam com ele, só olham de longe e fazem o gesto do manicongo, para deleite do criador.
Único artista agenciado full time pela Boia Fria, produtora engajada em levar ao público artistas alternativos, principalmente os ligados à música negra e de protesto, Rincon Sapiência admite que há alguma rejeição pelos puristas, que veem no rap violento dos anos 1990 de grupos como Racionais MC’s e Facção Central, a única possibilidade para o estilo. “A linguagem da rua muda e eu procuro trazer isso, as novas gírias, e tem espaço pra todo mundo se for algo legítimo e não forçado”, reflete. Ele vê com bons olhos o espaço que a música de quebrada, como sempre diz, tem ganhado na mídia, mas acha que há mais coisa ainda nas sombras e um longo caminho a percorrer. “Tem artista que lota qualquer auditório, mas não tem reconhecimento da crítica ou dos meios de comunicação, falta um programa de TV sobre hip-hop. Quero conseguir dar mais voz e poder pra quebrada”, reivindica. Para o cantor ainda existe o senhor de engenho, e a política reflete isso na medida em que a vontade popular não é respeitada: “As armas da casa-grande são maiores, têm o controle da comunicação, das marcas, do dinheiro, e ela dá esses golpes quando percebe que não consegue emplacar privilégios para a minoria no jogo democrático”, diz. Mas ressalva: “Tem muita coisa florescendo nas ruas, muita ideia nova e boa, sou otimista”.
Rincon Sapiência se vê, depois de tanto tempo, num momento de reconhecimento e equilíbrio financeiro. Ele só estourou depois dos 30 (hoje tem 32 anos). Diz que vive realizando sonhos, mas que a vida é dinâmica e ele sempre precisa sonhar pra seguir em frente. Tal qual seus vários ídolos: Mano Brown, Gilberto Gil, Alex e Djalminha, Jimi Hendrix, Leandro Lehart. “E tem muitos mais, vou lembrar quando for embora. Não são mitos, mas pessoas que eu admiro no que fazem.” De fato, ao sair, ele volta e diz à reportagem: “Michael Jackson! Esse é importante”. n
Terno, camisa, gravata e tênis Ricardo Almeida, relógio IWC, meia e óculos acervo
Costume, blusa e lenço Ricardo Almeida, tênis Converse, relógio IWC
Direção de fotografia: David Nefussi Produção executiva: Ana Elisa Meyer Beleza: Liege Wisniewski Assistente de fotografia: Adrian Ikematsu