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CULTURA INC
POR LUÍS COSTA
ATERRADORA
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Nas pegadas do thriller e do slasher, Gabriela Amaral Almeida lança primeiro longa-metragem com uma trama de clausura e brutalidade

Um chef grosseiro, uma atendente insatisfeita, um cozinheiro trans, um casal de clientes esnobe, um aposentado deprimido, dois assaltantes e a invasão de um restaurante decadente. Está montado o argumento de O Animal Cordial, filme de Gabriela Amaral Almeida. Roteirista de TV e cinema, diretora de curtas premiados, a baiana de 37 anos embarca na primeira direção de um longa-metragem.
“A diferença do roteiro cinematográfico em relação ao romance é que você tem ali uma partitura para ser executada e calhou de essa partitura pedir para ser realizada por mim mesma”, explica a cineasta. Na trama, um jogo de máscaras e uma tensão mortífera conduzem as horas de clausura no único ambiente do filme. “É um thriller porque a gente não sabe o que vai acontecer e tem vidas em perigo. É um slasher [subgênero de filmes de
terror envolvendo assassinos psicopatas] porque a violência gráfica é utilizada em algum ponto central das cenas”, diz Gabriela.
A etiqueta de gênero não esgota nem limita a veia autoral. Gabriela lembra que a antiga oposição entre filme de autor e filme de gênero é matéria hoje superada no cinema. “São personagens complexos, com questões que vão além dessa mecânica primeira do gênero”, revela. “Eles poderiam estar em qualquer trama.”
Além da densidade psicológica, os personagens – entre arrogância, discriminação e brutalidade – representam marcas de desigualdades no país. “A gente não vive em um tubo de ensaio”, ressalta Gabriela. “São relações de poder que você pode absorver e observar, não apenas do ponto de vista sociológico, mas do ponto de vista humano”, afirma. “Quis que o espectador sentisse que são as diferenças que levam aos embates humanos, diferenças que se encaixam na nossa estrutura social, política e econômica.”
Elogiado pela crítica, O Animal Cordial entra em cartaz ao mesmo tempo em que Gabriela Amaral Almeida se prepara para estrear o segundo longa, A Sombra do Pai, este mês no Festival de Brasília. O filme teve assessoria do diretor americano Quentin Tarantino, que Gabriela conheceu depois de selecionada para um laboratório de roteiro no Sundance Institute, criado pelo diretor Robert Redford, em Utah, nos EUA. No drama fantástico, uma menina de 8 anos tenta trazer a mãe dos mortos ao ver o pai deprimido depois da perda de um amigo. n
LITERATURA
COMO SE ESCREVE?
A nova casa da literatura de São Paulo, na bela e cool Vila Beatriz, tem o nome de um pássaro que habita certas regiões de Portugal cujo piado lembra o som de uma máquina de escrever. A ideia da Escrevedeira é oferecer oficinas de iniciação à escrita e de escrita criativa, como uma conduzida pela crítica literária Noemi Jaffe (na foto). Mas há uma verdaeira plêiade de professores, como Franklin Leopoldo e Silva (da USP) e Cadão Volpato.

ARTE NO PAPEL
Conhecida pelas esculturas monumentais de madeira pensadas para espaços públicos, a artista plástica Elisa Bracher lança Encarnadas (BEI Editora, R$ 89), livro com 30 desenhos em papel-arroz. A obra inclui ainda um ensaio da historiadora da arte Elisa Byington e a transcrição de um bate-papo entre ela, Elisa Bracher e a também artista Iole de Freitas. A conversa é sobre o processo criativo que resultou em Encarnadas.

CINEMA MORAES MOREIRA, CANTADOR
Em disco de músicas inéditas, artista se inspira na literatura de cordel para evocar o sertão dos tempos de menino
Até os 17 anos, Moraes Moreira, menino de Ituaçu, no sertão baiano, não conhecia o mar, mas já sonhava em fazer música na capital generosamente banhada pelo Atlântico. “Cheguei a Salvador por volta de 1967, dizendo que ia fazer vestibular para medicina, mas na verdade a música já tomava conta da minha cabeça”, lembra Moreira, que dois anos depois seria um dos fundadores do lendário grupo Novos Baianos.
Agora, os sons e os ritmos daquela meninice voltam em Ser Tão, disco de inéditas inspirado na literatura de cordel. Ocupante da cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Moreira mergulhou no universo dos cantadores nordestinos para compor as faixas do novo disco. “O cordel já se fazia presente em minhas canções, só que ainda não observava os seus rigores”, diz.
Inspiradas pela poesia oral das ruas e das feiras, as canções evocam as métricas, rimas e orações que são a síntese do texto de cordel. Ele faz quadra, sextilha, septilha, décima, entra no passo da chula e do samba de roda, no ritmo da viola e da sanfona sertaneja. Fala da música popular, do cordel, da evolução do universo. Fala também de sonho e resistência, como em “I Am the Captain of My Soul”, inspirada pelo poema vitoriano “Invictus”, do britânico William Ernest Henley (1849-1903). “Não é à toa que Nelson Mandela em seus momentos de grande angústia, no cárcere, se ape

gava a esse poema. Em mim bateu forte e fiz a canção com grande entusiasmo”, conta Moreira.
Composta em proparoxítonas, que Moreira chama de “rimas perigosas” no cordel, a faixa “Nordestino do Século” homenageia Luiz Gonzaga, o maior nome da música nordestina e peça fundamental na sua formação musical. “Ouvia Gonzaga nos alto-falantes do interior, sempre foi o meu preferido”, lembra. “Meu primeiro instrumento foi a sanfona e isso influencia até hoje a minha música.”
Aos 71 anos, o Moreira cantor diz

que faz agora sua transição para cantador. “Sem renegar o meu passado, que considero vitorioso, agora me sinto mais comprometido com alguns valores culturais que acho essenciais para reafirmar perante ao mundo: o valor da nossa gente, que se acha na diversidade e na capacidade de harmonizar diferenças” diz. “Quanto mais regional, mais universal”, afirma.
O cantador agora se desdobra entre a turnê da volta dos Novos Baianos, que preparam novo disco de inéditas para 2019, e a agenda de shows do disco solo. “Alvorada dos Setenta”, que fecha o disco, fala sobre essa fase de redescoberta de Moreira. “Abandonei a zona de conforto e fiz algo que me leva de volta pro sertão, que me lava a alma.” n
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VOLPI E IONE (1)
Em homenagem aos 30 anos da morte de Alfredo Volpi (1896-1988), a Galeria de Arte Ipanema, no Rio, abre a exposição Alfredo Volpi e Ione Saldanha: o Frescor da Luminosidade no dia 24 de setembro. São 66 obras de Volpi e 20 da pintora e escultora gaúcha Ione Saldanha (1919-2001). A curadoria é de Paulo Venâncio Filho.
MESTRES DA ÓPERA (2)
A Academia de Ópera e a Orquestra Jovem do

Theatro São Pedro, de São Paulo, apresentam, nos dias 29 e 30 de setembro, um repertório formado a partir de três dos nomes mais emblemáticos do período clássico da ópera: Mozart (Così Fan Tutte e As Bodas de Fígaro), Beethoven (Fidelio) e Gluck (Orfeu e Eurídice).
O RETRATISTA E SEUS RETRATOS (3)
O fotógrafo paulistano Bob Wolfenson é o centro de uma exposição individual que segue até 9 de dezembro no Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo. Nos registros de 45 anos de carreira, um conjunto de retratos – e retratados – de peso: Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Gisele Bündchen, Lula, Pelé, Caetano Veloso. Além deles, há muitas outras personalidades do Brasil e do exterior.
SÃO FRANCISCO VIAJA (4)
Tiziano, Perugino, Carracci e outros grandes mestres italianos do renascimento e do barroco

mostram sua visão de São Francisco de Assis. As 20 obras vêm de 15 museus italianos distintos. Em Belo Horizonte, a exposição, na Casa Fiat de Cultura, segue até 21 de outubro – depois a mostra ancora no Rio, no Museu Nacional de Belas Artes. Na capital mineira há ainda a possibilidade de vivenciar uma experiência de realidade virtual. O espectador é conduzido por imagens da Basílica de São Francisco de Assis, do século 13, com afrescos de Giotto e Cimabue.