Revista Poder | Edição 147

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EPÍLOGO

BIOGRAFIA DO

IMPEACHMENT Professor de Direito da USP e autor de Como Remover um Presidente, Rafael Mafei discute as condições jurídicas, políticas e sociais para afastar presidentes no Brasil e explica como evitar que nossa democracia esteja sob permanente ameaça de quarteladas ou parlamentadas

m meio a uma série de denúncias envolvendo contratos para compra de vacinas contra a Covid-19, tem crescido a pressão pelo impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido). Na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que tem o poder de decidir sobre o andamento do processo, já são mais de 130 pedidos protocolados – e barrados pelo apoio parlamentar costurado pelo Planalto. Os denunciantes acusam o presidente de cometer crimes de responsabilidade na condução da pandemia (ao promover aglomerações e demorar a comprar vacinas, por exemplo), assim como ter participado de atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), ou supostamente interferir em instituições como a Polícia Federal. Contudo, nenhum dos pedidos teve o mérito analisado. Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Rafael Mafei, poupar Bolsonaro de sequer ser ameaçado pelo impeachment traz sérios riscos à democracia. Autor do recém-lançado Como Remover um Presidente – Teoria, História e Prática do Impeachment no Brasil (ed. Zahar), Mafei argumenta que o presidente comete crimes em série e não há dúvidas sobre a viabilidade jurídica de seu impeachment. No entanto, é preciso fechar a complicada equação política para colocar o processo em marcha.

PODER: QUAL A EQUAÇÃO NECESSÁRIA PARA A ABERTURA DE UM PROCESSO DE IMPEACHMENT? RAFAEL MAFEI: Impeachments prosseguem quando um

determinado conjunto de circunstâncias está presente. Primeiro a popularidade do governo vai mal e há um grande descontentamento popular. Porém, não basta

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que esse descontentamento exista dentro da cabeça das pessoas, privadamente. É preciso que ele se externe em manifestação pública e isso, normalmente, é feito com o povo nas ruas em atos que costumam ser motivados por conta de um episódio específico, um escândalo que faça com que o descontentamento privado se transforme na comunhão em torno de um protesto. O [Fernando] Collor, por exemplo, tinha um governo contestado, impopular, seriamente abalado por denúncias de corrupção. Em determinado momento, por iniciativa dele próprio, aquilo se transformou em manifestação pública quando ele convocou as pessoas para irem às ruas com uma peça de roupa nas cores da bandeira do Brasil demonstrar apoio ao governo. E todo mundo foi para as ruas, mas vestindo preto, em sinal de desaprovação. Um segundo ponto importante é que quase sempre a impopularidade de um governo é determinada pelo seu desempenho econômico – é muito difícil que um presidente sofra ameaça de impeachment, não importa a magnitude do escândalo que o atinja, se a economia estiver indo bem. Depois, este determinado fato negativo precisa ser continuamente ecoado pelos canais de informação e, então, os políticos do Congresso Nacional, que são as pessoas que controlam juridicamente o impeachment, precisam ser compelidos a agir – mas aí entra um cálculo político porque eles avaliam se a situação deles vai melhorar ou piorar em uma eventual troca de governo. Ou seja: economia ruim, impopularidade, denúncias e escândalos, manifestação de descontentamento popular, reverberação pública pelos canais de circulação de informação e conjugação de uma estratégia política dentro dos partidos.

FOTO RENATO PARDA/DIVULGAÇÃO COMPANHIA DAS LETRAS

E

POR DADO ABREU


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