Revista J.P | Edição 160

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DE CONVERSA EM CONVERSA POR ANTONIO BIVAR

O SOL NA BANCA DE REVISTA

P

or causa da idade, de um tempo pra cá os jovens estão me chamando de mestre. Daí que, quando posso, me vingo, tirando uma de aprendiz dessa mesma juventude. De modo que, sempre que dá, matriculo-me em algum curso de verão. Nesses cursos acabo sempre por aprender o que não era da lição. O curso no qual me inscrevi, mês passado, foi mais um curso de escrita criativa. Ministrado por dona Clotilde Paranhos, por ser ela mesma também muito jovem, foi um curso bem diferente dos outros que fazia tempo eu não cursava. Embora o curso durasse um mês, nele os alunos só se encontraram duas vezes com a professora: no primeiro dia da aula e no término, para entregar o trabalho e tê-lo avaliado pela mestra e comentários dos colegas. O que essa escola de verão diferenciava das outras foi os participantes terem total liberdade na escolha do tema. A coisa funcionou assim: dona Clotilde mandou que os alunos esco-

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lhessem um lugar e saíssem a vivenciar como é que é o dia no lugar escolhido, sumissem da vista dela (Clotilde) para só voltar dali um mês, com os frutos da experiência. Os alunos, levando a sério o estudo, vibraram com o prospecto. Uma aluna, com forte espírito gótico evidente nas tatuagens, escolheu para sua pesquisa o Cemitério do Araçá; sua amiga, mais radical, escolheu, para a dela, o crematório da Vila Alpina. Teve um, com inclinação para chef gourmet, que escolheu a cozinha escaldante de um restaurante popular, na Praça da Sé. Eu, para minha comodidade em não precisar ir muito longe, escolhi passar um mês como aprendiz a ajudante do rapaz que toma conta da Banca Portal, aqui do lado de casa. Fazia tempo que eu vinha notando a transformação nas bancas de jornais e revistas. E minha observação foi depois confirmada, por Graydon Carter, no seu editorial de despedida, como editorin-chief da Vanity Fair americana, passando o posto que

ocupou mais de década para uma editora mais jovem, até então sua assistente. Nesse editorial, Graydon Carter escreveu sobre a transformação sofrida pelas tradicionais bancas de jornais e revistas. De um tempo pra cá tornaram-se verdadeiros armazéns, ou supermercados. Verdade. Em São Paulo mesmo observamos a mudança, nas bancas que durante décadas enchiam nossos olhos “de alegria e preguiça” (como na música do Caetano): as bancas glamourosas da Ipiranga com a São Luís, a da Praça Vilaboim, a dos Jardins. E as menos glamourosas bancas dos bairros. Eu, como antigo rato de banca, reparei que, na cidade, uma das únicas a ainda conservar a antiga aura das boas bancas, é a da avenida Paulista, quase esquina com a Augusta, frente ao Conjunto Nacional. Nela, as melhores revistas estrangeiras fazem vista, de tão bem expostas. Nela sempre encontro um número da inglesa culta, The Spectator, por sinal a revista mais antiga do

FOTOS GETTY IMAGES; FREEPIK; DIVULGAÇÃO

O cotidiano e suas mil histórias: nosso colunista passou um mês acompanhando o vaivém de transeuntes de uma banca de jornal


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