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Sabe o que é “síndrome de Bonnie e Clyde?

Cheias

de charme

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Divertidas e fabulosas, não existe uma só pessoa que não tenha gargalhado com elas. Bem antes de Tatá Werneck e Dani Calabresa brilharem, foram essas quatro mulheres que marcaram a comédia brasileira

por renato fernandes

Em toda a nossa história existiram várias comediantes que marcaram para sempre a dramaturgia com um estilo único de fazer as pessoas rirem. Dercy Gonçalves era uma delas e triunfou absoluta. Mas outras mulheres também brilhavam no rádio, no teatro e na TV com muita graça. J.P relembra aqui quatro delas, Renata Fronzi, Consuelo Leandro, Nair Bello e Berta Loran.

RENATA FRONZI – A FABULOSA

Renata Fronzi nasceu em Rosário, na Argentina, em 1925, durante uma turnê da companhia de operetas dos pais. Aprendeu a engatinhar no palco e isso diz muito do que ela se tornaria. Linda e divertida, Renata logo estava participando de chanchadas épicas como Massagista de Madame, de 1959, e Vai que É Mole, ao lado de Ankito e Grande Otelo. Intercalava filmes e peças no teatro de revista e foi uma das nossas grandes vedetes. Nessa época, casou-se com César Ladeira, um dos maiores radialistas do Brasil, com quem teve dois filhos, e, em 1967, conquistou de vez o público ao interpretar a mama Helena da Família Trapo, ao lado de Otelo Zeloni e Ronald Golias – programa que foi sucesso absoluto durante anos. E comédia sempre foi a dela, que nunca engatou dramas. “Gosto de coisa alegre. Tristeza a gente tem

“(...) rir de si mesmo pode trazer grandes verdades ao ser humano” - Renata Fronzi

Na pág. ao lado e acima, Renata Fronzi, que passou das chanchadas para a Família Trapo

tanta na vida. Para que vou me aborrecer? Quero é fazer algo que me divirta também, que eu sinta que o público ri com a gente. Isso que é gostoso”, declarou ela em sua biografia Chorar de Rir, escrita por Wagner De Assis.

Na Globo, fez novelas importantes como Pecado Rasgado, de 1978, e Transas e Caretas, em 1984. Participou do humorístico Planeta dos Homens e é lembrada com alegria pelos colegas, sempre de bem com a vida. “Era uma pessoa ótima, elegante, divertida, e excelente companheira de camarim e de bate-papo”, diz a atriz Marlene Silva para J.P. Amiga dos amigos, reunia, em seu apartamento no Jardim Botânico, todos os sábados, antigas vedetes para uma bela macarronada, entre elas Anilza Leoni e Íris Bruzzi. Amava atuar, mas se conformava em dar lugar aos jovens, apesar de não gostar nada de papéis pequenos. Na sua biografia, uma lição: “Não posso deixar de dizer que rir de si mesmo pode trazer grandes verdades ao ser humano”. Renata Fronzi faleceu em abril de 2008, em decorrência de diabetes. CONSUELO LEANDRO – A GAY QUEEN

“Mas sabe o meu marido Oscar, podre de rico?” Quem não se lembra da nova rica Cremilda nas praças de humor, personagem icônica de Consuelo? Foi Carlos Alberto de Nóbrega quem criou para ela, mas o jeito divertido veio de cedo. Quando era adolescente, ingressou na escola de dança do Teatro Municipal e, aos 20 anos, foi fisgada pelo teatro de revista e não parou mais. Foi nos bastidores que conheceu o humorista Agildo Ribeiro, com quem se casou no fim da década de 1960.

Chegada ao glamour do high society do Rio e de São Paulo, todos a adoravam. Tinha bom gosto e saía nas revistas mostrando sua casa e as antiguidades que trazia das viagens pelo mundo. Seu estilo de falar era único: “Ela era a autêntica mulher bicha”, diz o promoter Ovadia Saadia. “Ela tinha bom gosto, sabia se vestir muito bem e dominava todas as regras de etiqueta”, continua a produtora Perla Nahum. E se ela era “mulher bicha”, algo era certo: gays e travestis não viviam sem ela. Morando em São Paulo, em 1976, fez o espetáculo O Mundo É das Bonecas ao lado de 12 travestis. “Ela contava piadas e no fim descia uma escadaria como ninguém”, relembra o historiador Jaime Palhinha. Em 1978, filma O Bem Dotado – O Homem de Itu, interpretando uma madame que fica louca pelo personagem central, papel de Nuno Leal Maia.

Além de divertida, Consuelo era chiquérrima e no seu closet não podiam faltar peças desenhadas pelo estilista Dener, famoso na época. Na Globo, fez Consuelo Leandro começou apenas uma novela, Cambalacho, no teatro de revista e era a de Silvio de Abreu. Ele fez ques“autêntica mulher bicha”. Acima, com o humorista Chocolate tão de escrever para ela a cantora

de telegrama animado Lili Bolero, mãe de Tina Pepper, vivida por Regina Casé. Lili tinha raiva da cantora Angela Maria que teria ofuscado sua carreira no rádio e a cena em que joga ovos em Fernanda Montenegro é antológica. Frequentadora assídua da noite paulistana, vivia no Gallery assim como na boate gay Medieval. Faleceu em julho de 1999, aos 67 anos, vítima de câncer.

NAIR BELLO – A ELEGANTE

Diferente das colegas, a paulistana Nair Bello nunca foi vedete, nunca fez teatro de revista e só subiu ao palco para atuar aos 45 anos. Seu início foi no rádio, em 1949, como locutora e rádio-atriz. “Comecei como atriz dramática, ia tudo bem, até que dei de olho com o contrarregra tentando imitar um cavalo trotando. Ele segurava duas cuias de coco e batia no peito. Não aguentei e caí na gargalhada”, conta ela em sua biografia, Mamma Mia!, escrita pela filha, Maria Francisco. Por azar – ou seria sorte? –, o dono da emissora estava passando e ordenou: “Tire essa louca daí!”. E foi assim que chegou à Rádio Record, já começando como comediante. Sua beleza a levou também para a televisão e Nair foi uma das nossas primeiras garotas-propaganda.

Sua marca registrada era a elegância: adorava se vestir bem. Não era uma mulher que gostava de joias como sua amiga íntima Hebe Camargo, mas gastava em roupas e sapatos. “Só se sentia bem com sapatos de salto alto. Até o chinelo que usava tinha que ter um saltinho. Adorava um Chanel”, conta a filha. “Meu pai que escolhia e comprava para ela. Ela não gostava de ir até as lojas, tanto é que a estilista Ornella Venturi sabia seu estilo e mandava as novas coleções para casa para ela escolher o que lhe caía bem”, continua. Pagava tudo, claro.

Além de muito glamour em casa – sempre estava com robes de chambre de seda – Nair gostava também de receber amigos para uma noitada de carteado e jogos de azar. Quando levou os filhos para a Disney, conseguiu dar uma escapadinha até Las Vegas. E por falar em filhos, a atriz perdeu um, Manoel, em um acidente de carro, em 1975. Ele saíra alcoolizado da boate Hippopotamus e bateu contra uma árvore próximo à residência dos pais, no Pacaembu. “Rezei muito para voltar sorrir. Se eu me entregasse, ia acabar com a minha família e me tornaria uma pessoa chata”, disse a atriz tempos depois. Em 1977, aceitou fazer a peça Alegro Desbum, ao lado de Marcos Caruso, e nos ensaios sempre pedia para ir ao banheiro. Com o tempo descobriram que ela saía para chorar, e nunca deixava uma única lágrima transparecer. Durante uma turnê da peça, em Goiânia, ela recebeu uma mensagem de Chico Xavier: era uma carta psicografada de seu filho. A partir daí, conseguiu tocar a vida com mais força. “Minha mãe era muito procurada por pessoas pedindo ajuda e mandava uma cópia da carta para as mães que perdiam seus filhos”, conta a filha.

Quando o assunto era trabalho, Nair era exigente. É o que entrega o diretor de TV Nilton Travesso na biografia da atriz: “Quando o público não ria, ela ficava brava, saía falando palavrão e carregava para casa essa frustração. Ficava deprimida quando suas expectativas não eram atendidas”. Não foi à toa, já que Nair foi responsável por criar personagens inesquecíveis na televisão, como Santinha, de Zorra Total. Dizem que

FOTOS REPRODUÇÃO

“Quando o público não ria [Nair], saía falando palavrão e carregava para casa essa frustração”

À esq., Nair Bello em momento de glamour com Agnaldo Rayol. Na pág. ao lado, com Consuelo Leandro e Elias Gleizer. Abaixo, Berta Loran em três momentos. Berta foi homenageada com um prêmio em 2019

existe um outro motivo pelo qual ninguém esquece dela: Nair era doida por laquê. O cabelo nunca tinha um fio fora do lugar.

BERTA LORAN – A MAGNÍFICA

Ovacionada, aplaudida em pé durante vários minutos. Foi assim a homenagem a Berta Loran, no dia 19 de março deste ano, quando recebeu o Prêmio de Humor das mãos de Fábio Porchat no Jockey Club do Rio. Aos 93 anos, ela não para e conta com exclusividade seus segredos para J.P: “Sinceramente? Acho que é muito bom ser generosa, ajudar as pessoas, com amigos e minha família. Isso eu sempre fiz”. E não há quem desminta. O espetáculo Divinas Divas, que virou filme em 2016, foi dirigido por ela, mas Berta não cobrou nada da amiga Jane Di Castro, idealizadora do show. Quando João Luiz Azevedo resolveu contar a história de sua vida, no livro Berta Loran - 90 Anos de Humor, ela fez o mesmo: todo o dinheiro das vendas foi para ele.

Berta nasceu em Varsóvia, em 1926, e mudou-se para o Brasil em 1939, dias antes da invasão alemã. Fez parte de uma companhia de teatro internacional e conheceu seu marido durante uma turnê pela Argentina. “Ele era um ator chapliniano, eu tinha 20 e ele 51 anos. Absorvi dele tudo que podia”, conta. O casamento acabou porque ele era viciado em jogo e Berta investiu na carreira: trilhou pelo teatro de revista e contracenou com todos os grandes mestres, como Otelo Zeloni, Grande Otelo, Oscarito e Renato Corte Real. Marcou com o espetáculo Os Três Marinheiros, com Zeloni e Chocolate. Jô Soares não ficava sem ela e participou de todos seus programas de humor na Globo. Quando Jô foi para o SBT, ela ficou na emissora e passou para os programas do Chico Anysio. “Não gosto de quando falam mal da Globo: sou aposentada com 37 anos de emissora. Tenho o melhor plano de saúde, sou muito grata, isso sim.”

Berta conhecia Renata Fronzi, eram amigas e esteve com ela até sua morte. Já Nair Bello, ela admirava sua elegância: “Nair era muito chic”. Apenas de Consuelo diz que não tem boas recordações: “Substituí Consuelo em um espetáculo e, imagina só, ela dizia que eu rezava para entrar no lugar dela. Nunca fiz mal a ninguém!”, defende-se. Diz, orgulhosa, que manteve seus 54 quilos em seu 1,57 metro, mesmo peso de anos. Seu segredo? “Malho duas vezes por semana e com personal.” Do humor de agora é categórica: adora Paulo Gustavo e Cacau Protásio. “Gosto de humor limpo, elegante, no qual não se fala palavrões e nem se coloca perucas horrorosas. Gosto dele feito com glamour.”

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