Revista Poder | Edição 125

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DIVÃ

QUE REI SOU EU? Oprimido entre a projeção mítica do eterno herói e a perda de papel de protagonista no trabalho e em casa, o homem enfrenta a encruzilhada. Se a inversão de funções com as mulheres parece menos problema que solução para certos extratos, para outros o resultado é a reinsurgência do velho machismo. Ainda mais no Brasil, onde 52% das mulheres economicamente ativas sofrem assédio

E

POR PAULO VIEIRA

m sua única obra teatral, O Homem da Tarja Preta, de 2009, o psicanalista e escritor Contardo Calligaris coloca em cena um personagem solitário. Trata-se de um homem – ou melhor, “do” homem. Não o herói, o velho arcano masculino, o sujeito que considera a própria sobrevivência um tema menor, expondo-se assim sucessivamente ao risco. O personagem, que ao fim do monólogo se pergunta “que homem sou eu?”, está mais para o bilhão de homens que nasceram, nascem e seguem a nascer sob a sombra dessa figura arquetípica. “Ecce homo.” Eis o homem, e eis um homem dividido. Que não é, nem jamais será, um Aquiles enlouquecido a saquear Troia; e que tampouco é capaz de se livrar da projeção simbólica do herói a vergar-lhe as costas. Sua sina é fracassar na missão que lhe foi confiada desde sempre: emular os passos decididos do herói. Mas há um agravante nestas últimas décadas, já que o mundo não aceita mais tão bem a figura

26 PODER JOYCE PASCOWITCH


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