NAS ASAS DE DUMONT

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NAS ASAS DE NAS ASAS DE NAS ASAS DE DDUMONT DUMONT UMONT

EDITORA OLYMPIA

F825 Franco, Carlos (organizador)

Editora Olympia, 2023

Pág. 244

ISBN 978-65-86241-07-5

1.1. Ficção brasileira - Contos I. Título

CDD B869.301

CDU 821.134.3 (81)

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DEDICATÓRIA

Ao mineiro Alberto Santos Dumont que deu asas à imaginação e transformou em realidade o sonho do mitológico Ícaro.

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AGRADECIMENTOS

A todos os que contribuíram com seus múltiplos talentosparaqueestaobraalçasse voonesteanode 2023 em que é celebrado o sesquicentenário do inventor Alberto Santos Dumont.

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APRESENTAÇÃO

Alberto Santos Dumont nasceu em 20 de julho de 1873 na cidade mineira de Palmira, o antigo arraial de João Gomes nas bordas de Juiz de Fora e onde, a 16 quilômetros do centro da cidade, ficava a região de Cabangu, que abrigava a casa da família Dumont, hoje um museu da aviação. Foi neste local de mata escura na língua tupiguarani dos povos que deram origem ao Brasil caa (mata)/bangu (escura) que há 150 anos viria ao mundo aquele que transformou em realidade o sonho de voar do mitológico Ícaro.

Sexto filho de Henrique Dumont, engenheiro formado pela Escola Central de Artes e Manufaturas de Paris, e de Francisca de Paula Santos de um total de oito filhos, sendo três homens e cinco mulheres, Alberto, desde pequeno, mostrou interesse por balões e os furava para ver o que havia dentro.

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Seu pai participou na região que hoje carrega o nome de Santos Dumont da construção do ramal ferroviário D. Pedro II ligando Minas ao Rio de Janeiro. A obra terminou quando Alberto tinha 6 anos e a família retornou ao município de Valença no Estado do Rio de Janeiro. Seus pais, no entanto, venderam no retorno às terras fluminenses a fazenda que tinham e compraram outra na paulista Ribeirão Preto. Depois, enviaram Alberto para estudar em São Paulo, capital. Ele não foi um aluno brilhante até porque seu interesse passou a se voltar completamente para a mecânica, o que deixou o pai orgulhoso.

É a partir deste ponto que Alberto Santos Dumont inicia o relato de sua vida e de sua formação no livro publicado em 1918, O que eu vi, o que nós veremos, texto de domínio público que abre esta obra coletiva que a Editora Olympia tem a honra de oferecer aos leitores.

Mais que um simples relato de Alberto Santos Dumont por Alberto Santos Dumont, o texto revela muito do inventor e constitui também uma espécie de testamento do homem que supostamente teria tirado a própria vida no dia 23 de julho de 1932 num dos quartos do Grand Hôtel La Plage, no Guarujá, em São Paulo.

Foi sepultado no túmulo que comprou no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, para abrigar os pais e a si mesmo, onde está uma réplica do Ícaro de Saint Cloud, erguido na França em sua homenagem em 1913.

Neste ano de 2023, quando se completam 150 anos do nascimento do inventor, a Editora Olympia convocou escritores a produzirem contos curtos sobre o prazer de voar, esse desejo de Santos Dumont que tornou-se realidade.

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O resultado desta obra é um passeio em diferentes estilos e situações, inclusive o do próprio homenageado que o leitor poderá conferir nas páginas a seguir. Uma viagem que tem também o objetivo, próprio das antologias, de dar visibilidade a novos e consagrados talentos.

Voe, portanto, por estas páginas.

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EDITORA

APRESENTAÇÃO — PÁGINA 5

O QUE EU VI, O QUE NÓS VEREMOS PÁGINA 11

15-BIS: A BICICLETA VOADORA PÁGINA 71

A AVENTURA DE VOAR — PÁGINA 76

A CASA ENCANTADA — PÁGINA 79

AÇÃO DE ÁGUIA PÁGINA 82

AS ASAS DA IMAGINAÇÃO — PÁGINA 84

A FÁBULA DA AVIAÇÃO — PÁGINA 87

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SUMÁRIO
EDITORA OLYMPIA 9 ANOS LOUCOS PÁGINA 91 AS PEDRAS CLAMARÃO — PÁGINA 97 AS RAJADAS DA ARROGÂNCIA — PÁGINA 103 ENCANTADORES DE CÃES PÁGINA 106 FAFANTEANDO PÁGINA 110 GATE 36 — PÁGINA 112 HABITUÉ — PÁGINA 117 HERDEIROS DOS CÉUS PÁGINA 123 INSPIRAÇÃO AO VOO — PÁGINA 131 NAS ASAS DA IMAGINAÇÃO — PÁGINA 137 NAS ASAS DA MENTE PÁGINA 141 NAS ASAS DO AVIÃO — PÁGINA 148 NAS ASAS DO TEMPO — PÁGINA 151 NUANCES NAS ALTURAS PÁGINA 155 O COFRE DAS EMOÇÕES PERDIDAS PÁGINA 158 O ESPÍRITO DE AVENTURA PÁGINA 163 O GRANDE VOO TUPINIQUIM – PÁGINA 166 O SUSTO PÁGINA 170 O TREM DE POUSO PÁGINA 177

O VOO DE A.S. PÁGINA 183

O VOO DE JOSÉ PÁGINA 187

O VOO DE SAMUEL — PÁGINA 192

PASSAGENS PÁGINA 195

PORQUE UM DIA ALGUÉM SONHOU PÁGINA 200

PROEZA SEM PROVA — PÁGINA 206

QUANDO MEU PAI FOI VIAJAR — PÁGINA 209

QUEM INVENTOU O RÁDIO ? PÁGINA 214

TERRA DE ASAS — PÁGINA 219

UM CÉU DE BRIGADEIRO — PÁGINA 224

UM PETELECO INESPERADO PÁGINA 230

VOA — PÁGINA 233

VOCÊ PODE VOAR — PÁGINA 235

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O QUE EU VI, O QUE NÓS VEREMOS

Santos Dumont inventor

São Paulo 1918

Estas notas são dedicadas aos meus patrícios que desejarem ver o nosso céu povoado pelos Pássaros do Progresso

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Meu caro Sr. Santos-Dumont

Nova York, 15 de maio de 1918

O Aero Club da América envia-nos uma mensagem de congratulações pela inauguração do primeiro Serviço Postal Aéreo neste País.

Confiamos em que a Linha Postal Aérea inaugurada entre Nova York, Filadélfia e Washington, que vos leva esta mensagem, será um primeiro passo para uma rede de linhas postais aéreas que cobrirá o mundo e será fator predominante na obra de reconstrução que se seguirá à guerra, quando os exércitos aliados houverem alcançado a vitória gloriosa e final pela causa da liberdade universal.

Ao rápido desenvolvimento da navegação aérea no continente seguir-se-ão, em breve, extensos voos sobre os mares, e teremos grandes aeroplanos cruzando o Atlântico, os quais facilitarão não só o estabelecimento da linha postal aérea transatlântica, como a entrega de aeroplanos dos Estados Unidos aos nossos aliados.

O Aero Club da América, que tem propugnado pelo desenvolvimento da aeronáutica desde os vossos primeiros ensaios, ativado e auxiliado por todos os meios a criação do serviço postal aéreo desde 1911, sente-se altamente compensado com o estabelecimento desse novo serviço através dos ares.

Esta carta veio encher de legítima alegria o meu coração que, há já quatro anos, sofre com as notícias da mortandade terrível causada, na Europa, pela aeronáutica.

Nós, os fundadores da locomoção aérea no fim do século passado,

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tínhamos sonhado um futuroso caminho de glória pacífica para esta filha dos nossos desvelos.

Lembro-me perfeitamente que naquele fim de século e nos primeiros anos do atual, no Aero Club de França que foi, pode-se dizer "O ninho da aeronáutica" e que era o ponto de reunião de todos os inventores que se ocupavam desta ciência, pouco se falou em guerra; prevíamos que os aeronautas poderiam, talvez, no futuro, servir de esclarecedores para os Estados Maiores dos exércitos, nunca, porém, nos veio à ideia que eles pudessem desempenhar funções destruidoras nos combates.

Bastante conheci todos esses sonhadores, centenas dos quais deram a vida pela nossa ideia para poder agora afirmar que jamais nos passou pela mente pudessem, no futuro, os nossos sucessores, ser "Mandados" a atacar cidades indefesas, cheias de crianças, mulheres e velhos e, o que é mais, atacar hospitais onde a abnegação e o humanitarismo dos rivais reúne, sob o mesmo teto e o mesmo carinho, os feridos e os moribundos dos dois campos.

Pois bem, isso se repete há quatro longos anos, e quem o "manda fazer"? - O Kaiser!

Façamos, pois, votos pela vitória dos aliados; triunfem as ideias do Presidente Wilson e se extinga na terra o militarismo prussiano. Assim como com a Polônia atual a sociedade suprimiu os cidadãos armados, suprima as matanças da guerra o desejado Exército das Nações.

Confiante nesse futuro, reconfortou-me a mensagem do presidente do Aero Club da América, em que ouvi falar, de novo, da aeronáutica para fins pacíficos, realização de minhas íntimas ambições, sonho daqueles inventores que só viram no aeroplano um colaborador da felicidade dos homens.

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Creio, deveria ser chamada "época heróica da aeronáutica" a que compreende os fins do século passado e os primeiros anos do atual. Nela brilham os mais audaciosos arrojos dos inventores, que quase se esqueciam da vida, por muito se lembrarem de seu sonho.

Enchem-nos, hoje, do mais justo entusiasmo os atos de bravura dos aviadores do "front", como nos encherá de orgulho a notícia da travessia do Atlântico, que prevejo próxima.

Essa coragem, porém, que os consagra como heróis, creio, não é maior que a dos inventores, primeiros pássaros humanos, que, após heróica pertinácia em estudos de laboratório, se arrojaram a experimentar máquinas frágeis, primitivas, perigosas. Foram centenas as vítimas dessa audácia nobre, que lutaram com mil dificuldades, sempre recebidos como "malucos", e que não conseguiram ver o triunfo dos seus sonhos, mas para cuja realização colaboraram com o seu sacrifício, com a sua vida.

Não fosse a audácia, digna de todas as nossas homenagens, dos Capitães Ferber, Lilienthal, Pilcher, Barão de Bradsky, Augusto Severo, Sachet, Charles, Morin, Delagrange, irmãos Nieuport, Chavez e tantos outros - verdadeiros mártires da ciência - e hoje não assistiríamos, talvez, a esse progresso maravilhoso da aeronáutica, conseguido, todo inteiro, à custa dessas vidas, de cujo sacrifício ficava sempre uma lição.

Penso, a maior parte dos meus leitores serão jovens nascidos depois dessa época, que já se vai tanto ensombreando na memória: suplico-lhes, pois, não se esquecerem destes nomes. A eles cabe, em grande parte, o mérito do que hoje se faz nos ares...

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A princípio tinha-se que lutar não só contra os elementos, mas também contra os preconceitos: a direção dos balões e, mais tarde, o voo mecânico eram problemas "insolúveis".

Eu também tive a honra de trabalhar um pouco, ao lado destes bravos, porém o Todo Poderoso não quis que o meu nome figurasse junto aos deles.

As primeiras lições que recebi de aeronáutica foram-me dadas pelo nosso grande visionário: Júlio Verne. De 1888, mais ou menos, a 1891, quando parti pela primeira vez para a Europa, li, com grande interesse, todos os livros desse grande vidente da locomoção aérea e submarina.

Algumas vezes, no verdor dos meus anos, acreditei na possibilidade de realização do que contava o fértil e genial romancista; momentos após, porém, despertava-se, em mim, o espírito prático, que via o peso absurdo do motor a vapor, o mais poderoso e leve que eu tinha visto. Naquele tempo, só conhecia o existente em nossa fazenda, que era de um aspecto e peso fantásticos; assim o eram, também, os tratores que meu pai mandara vir da Inglaterra: puxavam duas carroças de café, mas pesavam muitas toneladas...

Senti um bafejo de esperança quando meu pai me anunciou que ia construir um caminho de ferro para ligar a fazenda à estação da Companhia Mogiana; pensei que nestas locomotivas, que deviam ser pequenas, iria encontrar base para a minha máquina com que realizar as ficções de Júlio Verne. Tal não se deu; elas eram de aspecto ainda mais pesado. Fiquei, então, certo de que Júlio Verne era um grande romancista.

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Estava em Paris quando, na véspera de partir para o Brasil, fui, com meu pai, visitar uma exposição de máquinas no desaparecido "Palácio da Indústria". Qual não foi o meu espanto quando vi, pela primeira vez, um motor à petróleo, da força de um cavalo, muito compacto, e leve, em comparação aos que eu conhecia, e... funcionando! Parei diante dele como que pregado pelo destino. Estava completamente fascinado.

Meu pai, distraído, continuou a andar até que, depois de alguns passos, dando pela minha falta, voltou, perguntou-me o que havia. Contei-lhe a minha admiração de ver funcionar aquele motor, e ele me respondeu: "por hoje basta".

Aproveitando-me dessas palavras, pedi-lhe licença para fazer meus estudos em Paris. Continuamos o passeio, e meu pai, como distraído, não me respondeu. Nessa mesma noite, no jantar de despedida, reunida a família, entre nós, dois primos de meu pai, franceses e seus antigos companheiros de escola, pediu-lhes ele que me protegessem, pois pretendia fazer-me voltar a Paris para acabar meus estudos. Nessa mesma noite corri vários livreiros; comprei todos os livros que encontrei sobre balões e viagens aéreas.

Diante do motor a petróleo, tinha sentido a possibilidade de tornar reais as fantasias de Júlio Verne.

Ao motor a petróleo dei, mais tarde, todo inteiro, o meu êxito. Tive a felicidade de ser o primeiro a emprega-lo nos ares.

Os meus antecessores nunca o usaram. Giffard adaptou o motor a vapor; Tissandier levou consigo um motor elétrico. A experiência demonstrou, mais tarde, que tinham seguido caminho errado.

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Uma manhã, em São Paulo, com grande surpresa minha, convidoume meu pai a ir à cidade e, dirigindo-se a um cartório de tabelião, mandou lavrar escritura de minha emancipação. Tinha eu dezoito anos. De volta à casa, chamou-me ao escritório e disse-me: "Já lhe dei hoje a liberdade; aqui está mais este capital", e entregou-me títulos no valor de muitas centenas de contos. "Tenho ainda alguns anos de vida; quero ver como você se conduz: vai para Paris, o lugar mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se você se faz um homem; prefiro que não se faça doutor; em Paris, com o auxílio de nossos primos, você procurará um especialista em física, química, mecânica, eletricidade, etc., estude essas matérias e não se esqueça que o futuro do mundo está na mecânica. Você não precisa pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver..."

Chegado a Paris, e com o auxílio dos primos, fui procurar um professor. Não poderia ter sido mais feliz; descobrimos o Sr. Garcia, respeitável preceptor, de origem espanhola, que sabia tudo. Com ele estudei por muitos anos.

Nos livros que comigo levara para o Brasil, li nomes de várias pessoas que faziam ascensõesem balão, por ocasião de festas públicas. Eram as únicas que, então, se ocupavam da aeronáutica.

Sem nada dizer ao meu professor, nem aos meus primos, procurei no Anuário Bottin os nomes desses senhores, desejosos de fazer uma ascensão. Alguns já não se ocupavam mais do assunto, outros me apavoraram com os perigos de subir e com o exagero dos preços. Um, porém, houve que, após me informar de todos os meios, pediume mais de mil francos para levar-me consigo, devendo eu pagar, ainda, todos os estragos que fossem causados pelo balão na sua volta à terra.

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Era ameaçadora a condição, pois esse senhor já uma vez tinha derrubado a chaminé de uma usina, outra vez, descera sobre a casa de um camponês e, incendiando-se o gás do balão, em contato com a chaminé, pusera fogo à casa...

Vieram-me à memória os conselhos de meu pai e os seus graves exemplos de sobriedade e economia. Ia eu gastar em algumas horas quase que a renda de um mês inteiro e, muito provavelmente, a renda de todo o ano!

Desanimei de fazer uma ascensão. Era muito complicado...

Durante vários anos, estudei e viajei.

Segui com interesse, nos jornais ilustrados, a expedição de André ao Pólo Norte; em 1897, estava eu no Rio de Janeiro quando me chegou às mãos um livro em que se descrevia com todos os seus pormenores, o balão dessa expedição.

Continuava eu a trabalhar em segredo, sem coragem de pôr em prática as minhas idéias; tinha pouca vontade de arruinar-me. Esse livro, entretanto, do construtor Lachambre, esclareceu-me melhor e decidiu inabalavelmente minha resolução.

Parti para Paris...

Quero subir em balão. Quanto me pedem por isso?

Temos justamente um pequeno balão no qual o levaremos por 250 frs.

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Há muito perigo?

— Nenhum.

Em quanto ficarão os estragos da descida?

Isso depende do aeronauta; meu sobrinho, aqui presente, M. Machuron, que o acompanhará, tem subido dúzias de vezes e nunca fez estrago algum. Em todo caso, haja o que houver, o Sr. não pagará nada mais que os duzentos e cinquenta francos e dois bilhetes de caminho de ferro para a volta.

Para amanhã de manhã o balão!...

Tinha chegado a vez...

Fiquei estupefato diante do panorama de Paris visto de grande altura; nos arredores, campos cobertos de neve... Era inverno.

Durante toda a viagem acompanhei as manobras do piloto; compreendia perfeitamente a razão de tudo quanto ele fazia.

Pareceu-me que nasci mesmo para a aeronáutica. Tudo se me apresentava muito simples e muito fácil; não senti vertigem, nem medo.

E tinha subido... ***

De volta, em caminho de ferro, pois desceramos longe, transmiti ao piloto o meu desejo de construir, para mim, um pequeno balão.

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Tive como resposta que a fábrica a que ele pertencia, tinha, havia pouco, recebido amostras de seda do Japão de grande beleza e peso insignificante.

No dia seguinte estava eu no atelier dos construtores.

Apresentaram-me projetos, mostraram-me sedas... Propuseramme fazer construir um balão de 250 metros cúbicos...

Tomei a palavra:

— O Sr. disse-me ontem que o peso dessa seda, depois de envernizada, é de tantas gramas; o gás hidrogênio puro eleva tal peso; desejo uma barquinha minúscula e, pelo que vi ontem, um saco de lastro me será bastante para passar algumas horas no ar; eu peso 50 quilos; conclusão: quero um balão de cem metros cúbicos.

Grande espanto!

Creio mesmo que pensaram que eu era doido.

Alguns meses depois, o "Brasil", com grande espanto de todos os entendidos, atravessava Paris, lindo na sua transparência, como uma grande bola de sabão.

As suas dimensões eram: diâmetro 6 metros, volume 113 metros cúbicos, a seda empregada (113 metros quadrados) pesava 3"500, envernizada e pronta, 14 quilos. A rede envolvente e cordas de suspensão pesavam 1.800 gramas. A barquinha, 6 quilos. O guiderompe (corda de compensação), comprido de 6 metros, pesava 8 quilos, uma ancorazinha, 3 quilos.

Os meus cálculos tinham sido exatos: parti com mais de um saco de lastro.

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NAS

Este minúsculo "Brasil" despertou grande curiosidade. Era tão pequeno que diziam que eu viajava com ele dentro da minha mala!

Nele e em outros, fiz, em vários meses, amiudadas viagens, em que ia penetrando na intimidade do segredo das manobras aéreas.

Comprei um dia um triciclo a petróleo. Levei-o ao "Bois de Boulogne" e, por três cordas, pendurei-o num galho horizontal de uma grande árvore, suspendendo-o a alguns centímetros do chão.

É difícil explicar o meu contentamento ao verificar que, ao contrário do que se dava em terra, o motor do meu triciclo, suspenso, vibrava tão agradavelmente que quase parecia parado.

Nesse dia começou minha vida de inventor.

Corri à casa, iniciei os cálculos e os desenhos do meu balão n.º 1.

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O MEU PRIMEIRO BALÃO

O MENOR

O MAIS LINDO

O ÚNICO QUE TEVE UM NOME: BRASIL

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Nas reuniões do Automóvel Club - pois o Aero Club não existia ainda disse aos meus amigos que pretendia subir aos ares levando um motor de explosão sob um balão fusiforme.

Foi geral o espanto: chamavam de loucura o meu projeto. O hidrogênio era o que havia de mais explosivo!

"Se pretendia suicidar-me, talvez fosse melhor sentar-me sobre um barril de pólvora em companhia de um charuto aceso".

Não encontrei ninguém que me encorajasse.

Não obstante, pus em construção o meu n.º 1, e logo depois o n.º 2. As minhas experiências no ar começaram em fins de 1898. Foram grandemente interessantes, não pelo resultado obtido, mas pela surpresa de ver, pela primeira vez, um motor trepidando e roncando nos ares. Creio mesmo que foram estas experiências que deram lugar à fundação do Aero Club de França.

As experiências com esse modelo não surtiram o resultado desejado. Eu tinha sido audacioso demais, fabricando um balão demasiado alongado para os meios de que, então, dispunha.

Abandonei essa forma e construí um balão ovóide.

Com o primeiro tipo tive uma terrível queda de várias centenas de metros, que muito me ameaçou de ver naquele o meu último dia. Não perdi, porém, o alento. Com esse novo aparelho, o meu n.º 3, atravessei a cidade de Paris.

Houve grande barulho em torno dessa experiência. Creio mesmo que, se as primeiras deram lugar à fundação do Aero Club, esta foi que determinou a instituição do prêmio Deutsch.

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De fato, com a travessia que fiz de Paris, começou-se a discutir se seria possível ir de um ponto a outro e voltar ao de partida, em balão.

Grandes controvérsias...

A uma das assembleias do Aero Club compareceu um senhor, desconhecido de todos nós, muito tímido, muito simpático, que ofereceu, ele, Deutsch de la Meurthe, um prêmio de cem mil francos ao primeiro aeronauta que, dentro dos cinco anos seguintes, partindo de St. Cloud, que era então onde se achava o Parque do Club, circunavegasse a Torre Eifel e voltasse ao ponto de partida, tudo em menos de 30 minutos. Acrescentou mais, que no fim de cada ano, caso não fosse ganho o prêmio, se distribuíssem os juros do dinheiro entre os que melhores provas tivessem obtido.

Era sentir geral que cinco anos se passariam sem que o prêmio fosse ganho.

A direção do balão, naquele tempo, era um desejo sem promessa.

No dia seguinte à instituição do prêmio Deutsch, iniciei a construção do meu n.º 4 e de um hangar em St. Cloud.

Opinei novamente pelo balão fusiforme, pois precisava atingir a uma velocidade de mais ou menos 30 km por hora, o que seria difícil com um balão ovóide. Adquiri o motor mais leve que encontrei no mercado; tinha a força de 9 HP e pesava 100 quilos.

Era a maravilha de então...

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Com esse balão, no ano de 1900, pouco consegui de bom. Meu único concorrente ao prêmio foi o Sr. Rosc, cujo balão não conseguiu nunca subir; os juros do prêmio Deutsch me foram entregue, pois.

Durante o inverno pus em construção o meu famoso n.º 5, que experimentei no Parque do Aero Club.

Em 12 de julho de 1901, às 3 horas da madrugada, auxiliado por alguns amigos e meus mecânicos, levei-os para o Hipódromo de Longchamps; comecei a fazer pequenos círculos com o dirigível, que era verdadeiramente dócil; fui ao bairro de Puteaux e evoluía por cima de suas inúmeras usinas quando, de repente, ouço um barulho terrível: uma a uma todas as usinas tinham posto a funcionar seus apitos e sirenes.

Fiz duas ou três voltas e cheguei novamente a Longchamps.

Fiz um conciliábulo com meus amigos. Pretendia fazer a volta à Torre Eifel; eles me querem dissuadir disso, por não estar presente a Comissão do Aero Club. Não me pude conter; o esporte me atraía; parti. Tudo correu bem até as alturas do Trocadero, quando senti que o balão não me obedecia mais. Arrebentara-se o cabo que ligava a roda do governo ao leme da aeronave. Diminuo completamente a velocidade do motor e manobro para tocar em terra. Fui muito feliz, desci mesmo no jardim do Trocadero, onde, por ser ainda muito cedo, havia muito poucas pessoas.

A ruptura se dera em ponto dificilmente acessível; era necessário uma escada. Vão buscá-la; quatro a cinco pessoas a sustem de pé e, por ela, consigo subir e consertar o cabo.

Parti de novo, circunaveguei a torre e voltei diretamente a Longchamps, onde já havia muita gente à minha espera, inquieta da demora.

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Foi um sucesso colossal quando cheguei e parei o motor.

Nesse mesmo dia a imprensa anunciava ao mundo inteiro que estava resolvido o problema da dirigibilidade dos balões.

O número 5 em Longchamps 12 de julho de 1901.

Aproveito a ocasião para agradecer à imprensa do mundo inteiro a simpatia com que me cativou e, principalmente, a que dispensou à "Idea Aérea".

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Foi graças a isso que se instituíram prêmios de estímulo e o cérebro dos inventores se pôs a trabalhar para o aperfeiçoamento da aeronave, até podermos, em 1918, possuir aeroplanos e dirigíveis que parecem o resultado de uma evolução milenária.

Se quando nas ruas de Paris apareceu o primeiro automóvel e se quando a Torre Eifel foi circunavegada,não tivesse a imprensa incentivado essa iniciativas, acompanhando de perto o seu progresso, não teríamos hoje, estou certo, as locomoções automóvel e aérea, que são o orgulho da nossa época.

Foi neste dia que começou a minha grande popularidade em Paris; aproveito, pois, também a ocasião para pagar um tributo ao povo de Paris.

Foi graças aos constantes aplausos e encorajamento que recebemos, os meus colegas e eu, que encontramos forças para, diante de tantos insucessos e perigos, continuarmos na luta. É pois, à clarividência do povo da Cidade Luz que o mundo deve a locomoção aérea.

Não só o povo me encorajava nas minhas experiências, mas também a sociedade, as altas autoridades e todos os escritores.

No meu hangar encontravam-se pessoas de todas as classes e opiniões. Um dia apanharam numa fotografia a ex-imperatriz dos franceses ao lado de Rochefort. Tinham sido os maiores inimigos; pois bem, no meu atelier, do qual Rochefort era um frequentador assíduo, estavam um ao lado do outro!

Rochefort cobriu-me também de elogios; não falemos na legião de

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escritores, especialistas, como François Peyrey, Besaçon e todos os outros, pelos quais até hoje tenho uma profunda gratidão.

No dia seguinte, em um artigo de fundo, M. Jaurés disse que "até então tinha visto procurando dirigir os balões à "sombra dos homens" hoje viu "um homem".

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NESTA MANHÃ DE 12 DE JULHO E NA TARDE DE 23 DE OUTUBRO DE 1908 VIVI OS MOMENTOS MAIS FELIZES DE MINHA VIDA

Recebi felicitações do mundo inteiro; entre elas, porém, uma, certamente a que mais me honrou e para mim a mais preciosa, veio assim endereçada, numa fotografia do maior inventor dos tempos modernos:

"A Santos-Dumont o Bandeirante dos Ares Homenagem de Edison".

Naquela época, em que a aeronáutica acabava de nascer, não era muito ser considerado o seu Bandeirante; hoje, porém, que ela existe e vai decidir a sorte da guerra, me é infinitamente preciosa essa apreciação do homem pelo qual tenho a maior admiração.

No dia 13 de julho de 1901, às 6 horas e 41 minutos, em presença da Comissão Científica do Aero Club, parti para a Torre Eifel. Em poucos minutos, estava ao lado da torre; viro e sigo, sem novidade, até o Bois de Boulogne.

O sol, mostra-se neste momento e uma brisa começa a soprar, leve, é verdade, porém, bastante, nessa época, para quase parar a marcha da aeronave. Durante muitos minutos, o meu motor luta contra a aragem, que se ia já transformando em vento.

Vejo que vou sair do bosque e talvez cair dentro da cidade. Precipito a descida e o aparelho vem repousar sobre as árvores do lindo parque do Barão de Rotschild. Era necessário desmontar tudo, com grande cuidado, afim de que não se danificasse, pois pretendia reparar minha embarcação para concorrer de novo ao prêmio Deutsch.

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Nesse dia tinha despertado às três horas da manhã para, pessoalmente, verificar o estado do meu aparelho e acompanhar a fabricação do hidrogênio, pois, de um dia para outro, o balão perdia uns vinte metros cúbicos. Sempre segui a divisa: "Quem quer vai, quem não quer manda"...

Já o dia ia findando e eu não abandonava o meu balão um só instante, a despeito da fome terrível.

De repente, - deliciosa surpresa! - apareceu-me um criado com uma cesta cujo aspecto traía iniludivelmente o seu conteúdo; pensei que algum amigo se tivesse lembrado de mim enquanto almoçava...

Abria-a e dentro encontrei uma carta: era da senhora Princesa D. Isabel, vizinha do Barão Rotschild, que me dizia saber que eu estava trabalhando até aquela hora, sem refeição nenhuma, e me enviava um pequeno lunch; pensava também nas angústias que deveria sofrer minha mãe, que de longe seguia as minhas peripécias, e declarava ter à minha disposição uma pequena medalha, esperando daria conforto a minha mãe saber que eu a traria comigo em minhas perigosas ascensões.

Essa medalha nunca mais me abandonou.

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“Sr. Santos Dumont, envio-lhe uma medalha de São Bento que protege contra acidentes. Aceite-a e use-a na corrente de seu relógio, na sua carteira ou no seu pescoço. Ofereço-a pensando em sua boa mãe e pedindo a Deus que o socorra sempre e ajude a trabalhar para a glória de nossa Pátria.

Isabel, Condessa d’Eu” *

*Em seu original, Alberto Santos Dumont não incluiu o texto recebido que, assim como a medalha, pertencem ao acervo público. Em seu exílio na França, após a proclamação da República, Isabel passou a viver com o Conde d’Eu e os filhos em propriedade limítrofe a de Edouard Rotschild, onde o aviador se acidentou. Incluímos o texto como forma de identificar a medalha que Dumont, desde então, passou a usar no pulso.

Sobre essas experiências, publicou "L'Illustration" as seguintes notas:

"La première du mois de Juillet 1901 a été signalée par deux événements qui pourralent bien marquer deux grandes dates dans l'Histoire de l'humanité, et qui semblent dans tous les cas promettre qu'en matière de conquétes scientifiques le vingtième siècle ne sera pas inférieur au dix-neuvième. A dix jours d'intervalle, le sous-marin "Gustave-Zédé" a fait ses preuves en Corse, et le ballon dirigeable Santos-Dumont a fait les siennes à Paris meme. Dans deux numéros consecutifs, l'Illustraction a pu consacrer la gravure de première page à ces deux exploits - les premiers - acomplis dans le domaine de la navigation aérienne. Le ballon de M. Santos-Dumont, qui vient d'effectuer deux jours de suite le voyage aller et retour de St. Cloud à la tour Eiffel est le cinquième aérostat avec lequel cet ingénieur de vingt-huit ans a tenté de resoudre le problème de la dirigeabilité.”

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“Enfin, c'est par le déplacement du guide-rope, suspendu sous la quille et pesant 38 kilogrammes, qu'on obtient l'inclinaison voulue du système les mouvements d'ascension ou de descente.” ***

A 7 heures, le Santos-Dumont nº 5 doublait la tour Eiffel en la contournant un peu au-dessus de la deuxième plate forme. Ce virage est executé avec précision remarquable.

***

“Attendons-nous à le voir un de ces jours planer sur Paris et descendre, par example, sur la terrasse de l'Automobile Club, place de la Concorde.”

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NAS
O Nº 5 PARTINDO DE ST CLOUD

Reposto o balão em estado de funcionar, revistas e consertadas todas as suas peças, cheio de novo, fiz experiências preliminares. Convocada novamente a Comissão do Aero Club, parti para a Torre Eiffel que circunaveguei de novo; mas, ao voltar, desarranjou-seme a máquina nas alturas do Trocadero. Manobro para escolher um bom lugar para descer. Supunha ter sido feliz em minhas manobras e esperava descer em uma rua, quando ouço um grande estrondo, grande como o de um tiro de canhão; era a ponta do balão que, na descida, que foi rápida, tocara o telhado de uma casa.

Um saco de papel cheio de ar, batido de encontro a uma parede, arrebenta-se, produzindo um grande ruído; pois bem, o meu balão, saco que não era pequeno, fez um barulho assim, mas... em ponto grande. Ficou completamente destruído.

Não se encontrava pedaço maior do que um guardanapo!

Salvei-me por verdadeiro milagre, pois fiquei dependurado por algumas cordas, que faziam parte do balão, em posição incomoda e perigosa, de que me vieram tirar os bombeiros de Paris.

Os amigos e jornalistas me aconselharam a ficar nisso e não continuar em minhas ascensões,da última das quais me salvara por verdadeiro milagre. O conselho era bom, mas eu não pude resistir à tentação de continuar; não sabia contrariar o meu temperamento de sportsman.

Convoquei-os para nova experiência daí a três semanas. Eu sabia dos elementos com que podia contar; já conhecia, em Paris, umas vinte casas especialistas, cada qual, de um trabalho, e já tinha conquistado a simpatia dos contramestres e operários de quem podia esperar a maior dedicação e serviço rápido.

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Iniciei a construção de um novo balão e novo motor, este um pouco mais forte, aquele um pouco maior.

Três semanas, contadas dia por dia, após o último desastre, meu aparelho, o n.º 6, estava pronto.

O tempo, porém, continuava mau. Em 19 de Outubro (1901), à tarde, pois a manhã foi chuvosa, subi de novo, contornei a Torre, a uma altura de 250 metros, sobre uma enorme multidão que aí estacionava à minha espera, e passei por Autenil, sobre o hipódromo do mesmo nome, que ficava em meu caminho.

Havia corridas; a minha passagem, tanto na ida como na volta, despertou um delírio de aplausos; ouvi a gritaria e vi lenços e chapéus arrojados no ar; eu distava da terra apenas de 50 a 100 metros...

Da minha saída ao momento em que passei do zênite do ponto de partida, decorreram 29 minutos e 30 segundos. Com a velocidade que levava, passei a linha da chegada - como fazem os yachts, os barcos a petróleo, os cavalos de corridas, etc. - , diminuí a força do motor e virei de bordo; então, voltando, e com menos velocidade, manobrei para tocar a terra, o que fiz em 31 minutos após minha partida.

Pois bem, alguns senhores quiseram que fosse esse o tempo oficial!

Grandes polêmicas.

Tive comigo toda a imprensa e o povo de Paris e também Son Altesse Imperiale le Prince Roland Bonaparte, presidente da Comissão Científica que ia julgar o assunto.

O voto me foi favorável.

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EDITORA OLYMPIA 35 O MEU Nº 6 CIRCUMNAVEGANDO A TORRE EIFFEL

Não se tinham passado dois anos e eram ganhos os cem mil francos do prêmio Deutsch, que, acrescidos aos juros e mais prêmios pequenos, perfazia o total de 129.000 francos, que foram assim destinados: 50.000 francos aos meus mecânicos e operários das usinas que me tinham auxiliado; e o restante a mais de 3.950 pobres de Paris, distribuídos, a pedido meu, pelo Sr. Lepine, Chefe de Polícia, em donativos de menos de 20 francos.

Por essa ocasião, o saudoso Sr. Campos Sales, então Presidente da República, enviou-me uma medalha de ouro e, logo, em seguida, fui agradavelmente surpreendido com o recebimento com o prêmio de 100:000$000, que me foi oferecido pelo Congresso Nacional; além destas, duas outras medalhas recebi: uma do Instituto de França, outra do Aero Club de França.

Depois do meu n.º 6, construí vários outros balões, que não me deram os resultados desejados. Há um ditado que ensina "o gênio é uma grande paciência"; sem pretender ser gênio, teimei em ser um grande paciente. As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso, em que não deve haver lugar para o esmorecimento.

Consegui, afinal, construir o meu n.º 9; com ele pude alcançar alguma coisa; fiz dezenas de passeios sobre Paris, fui várias vezes às corridas, dele me apeei à porta de minha casa, na Avenida dos Campos Elíseos, e nele, quase todas as noites, fiz corso sobre o Bois de Boulogne.

A minha presença com ele na revista militar de Longchamps, em 14 de julho de 1903, causou um imenso sucesso.

Foi o mais popular de todos os meus... filhos, só mais tarde suplantado pela minúscula "Demoiselle"

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Depois... eu ouvia chalaças deste gênero: "O Sr. não faz nada?" "Está sempre fechado em seu quarto, a dormir!"

Nesse ínterim vim ao Brasil; no Rio de Janeiro, em São Paulo, Minas e Estados do Norte, por onde passei, me acolheram os meus patrícios com as mais cativantes festas de que jamais me esquecerei e que tanto me penhoraram.

Durante as minhas horas de intensa alegria e felizes sucessos, só uma saudade me fazia triste: era a ausência de meu pai. Ele que me dera tão bons conselhos e os meios de realizar o meu sonho, não mais estava neste mundo para ver que eu "me tinha feito um homem".

É costume oriental fazer recair sobre os pais todo o mérito, toda a glória, que um homem conquiste na vida. Esta maneira de ver pode ser criticada ou desaprovada, porém, no meu caso, ela seria muito justa, pois, tudo devo a meu pai: conselhos, exemplos de trabalho, de audácia, de economia, sobriedade e os meios com os quais pude realizar as minhas invenções.

Tudo lhe devo, desde os exemplos.

Nascido na Cidade de Diamantina, o Dr. Henrique Dumont, formou-se, em Engenharia, pela Escola Central de Paris e, depois de trabalhar vários anos na E. F. Central (foi em uma casita situada na garganta João Ayres que eu nasci) dedicou-se à lavoura no Estado do Rio. Vendo que aí nada de grande podia fazer, partiu com minha mãe e oito filhos, então todos crianças, para Ribeirão Preto, que se achava a três dias de viagem a cavalo da ponta dos trilhos da Mogiana.

Explorara, antes, o interior do Estado de São Paulo e ficou

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maravilhado com as matas de Ribeirão Preto.

MEU PAI

Neste país essencialmente agrícola, ele foi o protótipo do fazendeiro audacioso, e, com uma energia tão grande como a sua confiança no futuro, desbravou sertões e cultivou o solo, aí trabalhou durante dez anos, ao cabo dos quais, por ter sido acometido de uma paralisia, vendeu aquelas "matas", então transformadas em cerca de 5.000.000 de cafeeiros, servidos por uma estrada de ferro particular, por ele construída e que os liga a Ribeirão Preto.

Hoje, para que não morresse na memória dos homens a lembrança do valor desse audacioso, os ingleses, em significativa homenagem, conservaram em seu nome na companhia proprietária atual daquelas terras.

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Em 1905, a Dumont Coffee Company colheu, naquele cafezal, 498 mil arrobas; em 1911, obteve uma renda bruta de 3.883 contos de réis.

Um de nossos grandes estadistas, depois de uma visita que fizera a meu pai, escreveu, numa impressão de viagem, referindo-se àquela fazenda: "Ali tudo é grande, tudo é imenso; só há uma coisa modesta; a casa onde mora o fundadorde tudo aquilo".

Dormi três anos e no mês de julho de 1906 apresentei-me no campo de Bagatelle com o meu primeiro aeroplano.

Perguntar-me-á o leitor porque não o construí mais cedo, ao mesmo tempo que os meus dirigíveis. É que o inventor, como a natureza de Linneu, não faz saltos; progride de manso, evolui. Comecei por fazer-me bom piloto de balão livre e só depois ataquei o problema de sua dirigibilidade. Fiz-me bom aeronauta no manejo dos meus dirigíveis; durante muitos anos, estudei a fundo o motor a petróleo e só quando verifiquei que o seu estado de perfeição era bastante para fazer voar, ataquei o problema do mais pesado que o ar.

A questão do aeroplano estava, havia já alguns anos, na ordem do dia; eu, porém, nunca tomava parte nas discussões, porque sempre acreditei que o inventor deve trabalhar em silêncio; as opiniões estranhas nunca produzem nada de bom.

Abandonei meus balões e meu hangar no parque do Aero Club.

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Em completo silêncio trabalhei três anos, até que, em fins de julho, após uma assembleia do Aero Club, convidei meus amigos a assistirem minhas experiências, no dia seguinte.

Foi um espanto geral. Todo mundo queria saber como era o aparelho.

As suas dimensões eram: comprimento, 10 metros; envergadura, 12 metros; superfície total, 80 metros quadrados; peso, 160 quilos; motor, 24 HP.

Era um aparelho grande e biplano e assim o fiz, apenas, a fim de reunir maiores facilidades para voar, pois sempre preferi os aparelhos pequenos, tanto que me esforcei para inventá-los, o que consegui com o minúsculo "Demoiselle", o aeroplano ideal para o amador.

Continuando na minha ideia de evolução, dependurei o meu aeroplano em meu último balão, o n.º 14; por esta razão, batizaram aquele com o nome de 14-bis. Com esse conjunto híbrido, fiz várias experiências em Bagatelle, habituando-me, dia a dia, com o governo do aeroplano, e só quando me senti senhor das manobras é que me desfiz do balão.

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ASPRIMEIRASEXPERIÊNCIASDO14BIS 1906

É verdade que sempre fui de uma felicidade, de uma sorte inaudita em todos os meus empreendimentos aéreos; tive uma boa estrela.

Atribuo, também, essa sorte à minha prudência.

Nesta ordem de ideias; o primeiro problema que tive a resolver foi a possibilidade de levar-se um motor à explosão ao lado de um balão cheio de hidrogênio.

Uma noite, tendo suspenso a alguns metros de altura o motor no meu n.º 1, pu-lo em marcha; estava com o seu silencioso notei que as fagulhas que partiam com os gases queimados iam em todas as direções e poderiam atingir o balão.

Veio-me a ideia de suprimir o silencioso e curvar os tubos de escapamento para o chão. Passei da maior tristeza à maior alegria, pois, quanto maiores eram as fagulhas, com maior força eram jogadas para a terra e, por conseguinte, para longe do balão. Estava, pois, resolvido este problema: o motor não poria fogo ao balão.

Só o que precisava impedir era que, em caso de escapamento dos gases do balão pelas válvulas, estes não viessem alcançar o motor.

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Para impedir isto, eu sempre coloquei as válvulas bem atrás, à popa do balão, por conseguinte, longe do motor.

O ponto fraco nos aeroplanos era o leme; dei, pois, sempre a maior atenção a este órgão e seus comandos, para os quais sempre empreguei os cabos de aço de 1ª qualidade que são usados pelos relojoeiros nos relógios de igreja.

Lutei, a princípio, com as maiores dificuldades para conseguir a completa obediência do aeroplano; neste meu primeiro aparelho coloquei o leme à frente, pois era crença geral, nessa época, a necessidade de assim fazer. A razão que se dava era que, colocado ele atrás, seria preciso forçar para baixo a popa do aparelho, a fim de que ele pudesse subir; não deixava de haver uma certa verdade nisso, mas as dificuldades de direção foram tão grandes que tivemos de abandonar essa disposição do leme. Era o mesmo que tentar arremessar uma flecha com a cauda para a frente.

Em meu primeiro voo, após 60 metros, perdi a direção e caí.

Este meu primeiro voo, de 60 metros, foi posto em dúvida por alguns, que o quiseram considerar apenas um salto. Eu, porém, no íntimo, estava convencido de que voara e, se me não mantive mais tempo no ar, não foi culpa de minha máquina, mas, exclusivamente minha, que perdi a direção.

Com grande velocidade, consertei rapidamente o aparelho, fiz-lhe algumas pequenas modificações e, durante algumas semanas, "rodei" em Bagatelle a fim de me aperfeiçoar no seu difícil governo.

Logo depois, em 23 de outubro, perante a Comissão Científica do Aero Club e de grande multidão, fiz o célebre voo de 250 metros, que confirmou inteiramente a possibilidade de um homem voar.

Esta última experiência e a de 12 de julho de 1901, me proporcionaram os dois momentos mais felizes de toda a minha vida.

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Creio interessante citar a opinião de algumas revistas sobre esses meus vôos, por elas amplamente apreciados. Não o faço por não ter à mão, pois nunca me preocupei em colecionar artigos que se referiam a mim.

Dentre todas, porém, lembro-me que "L'Aerophile", a mais importante e antiga das revistas de Aeronáutica, considerou-os um acontecimento histórico.

"L'Illustration" e "La Nature", cujos números aqui encontrei, assim os consignaram:

"L'ILLUSTRATION" SAMEDI 27 OCTOBRE 1906

M.Santos-Dumont, dèja vainqueur du prix Deutsch, de 100.000 fcs. grace à son dirigeable, vient de remporter aussi, mardi dernier, la Coupe Archdeacon, réservée aux appareils d'aviation. Monté sur cet appareil original, M. Santos-Dumont, a parcouru, l'autre matin, d'un breau vol, une distance de 60 mètres. La photographie que nous donnons ici est, croyons-nous, la seule qui ait été authentiquement prise au cours de cette passionnante expérience; elle montre que l'aéroplane ne s'est pas elevé à une bien grande hauteur audessus du sol: 2 mètres environ. La, d'ailleurs, n'était pas la question, et le grand intérêt de l'experience était de dèmontrer que l'on peut, sans le concours d'un support plus léger que l'air, réaliser le vol plane. Cette démonstration est aujourd'hui faite.

Eis aqui parte do artigo que publicou "L'Illustration" e a fotografia que o acompanhava.

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"La Nature" disse:

"La journée du 13 Septembre 1906 sera désormais historique, car, pour la prémiere fois, un homme s'est elevé dans l'air par ses propres moyens, Santos-Dumont, sans cesser ses travaux sur le "plus léger que l'air" fait aussi de três importantes études sur le "plus lourd que l'air", et c'est lui qui est parvenu à "voler" en ce jour mémorable, devant un public nombreux.

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il rest un fait acquis, c'est qu'il s'est éléve dans l'espace, sans ballon, et c'est une victoire importante pour les partisans du "plus lourd que l'air"

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C'est donc maintenant (23 Octobre) la victoire complète du "plus lourd que l'air; Santos-Dumont a démontré de façon indiscutable qu'il est possible de s'élever du sol par ses propres moyens et de se maintenir dans l'air."

Um público numeroso assistiu aos primeiros voos feitos por um homem, como tais, reconhecidos por todos os jornais do mundo inteiro. Basta abri-los, mesmo os dos Estados Unidos, para se constatar essa opinião geral. Podia citar todos os jornais e revistas do mundo, todos foram, então, unânimes em glorificar "esse minuto memorável na história da navegação aérea".

No ano seguinte o aeroplano Farman fez vios que se tornaram célebres; foi esse inventor-aviador que primeiro conseguiu um voo de ida e volta. Depois dele, veio Bleriot, e só dois anos mais tarde é que os irmãos Wright fazem os seus voos. É verdade que eles dizem ter feito outros, porém às escondidas.

Eu não quero tirar em nada o mérito dos irmãos Wright, por quem tenho a maior admiração; mas é inegável que, só depois de nós, se apresentaram eles com um aparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia de um que tinham construído antes dos nossos.

Logo depois dos irmãos Wright, aparece Levavassor com o aeroplano "Antoinette", superior a tudo quanto, então, existia; Levavassor havia já 20 anos que trabalhava em resolver o problema do vôo; poderia, pois, dizer que o seu aparelho era cópia de outro construído muitos anos antes. Mas não o fez.

O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois que apresentaram em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo

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sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma melhor lâmpada elétrica, telefone ou aparelho de telefonia sem fios dizendo que os tinha construído antes deles?!

A quem a humanidade deve a navegação aérea pelo mais pesado que o ar? Às experiências dos irmãos Wright, feitas às escondidas (eles são os próprios a dizer que fizeram todo o possível para que não transpirasse nada dos resultados de suas experiências) e que estavam tão ignoradas no mundo, que vemos todos qualificarem os meus 250 metros de "minuto memorável na história da aviação", ou é aos Farman, Bleriot e a mim que fizemos todas as nossas demonstrações diante de comissões científicas e em plena luz do sol?

Nessa época, os aparelhos eram grandes, enormes, com pequenos motores, voavam devagar, uns 60 quilômetros por hora ou pouco mais.

Mandei, então, construir um motor especial de minha invenção, desenhado especialmente para um aeroplano minúsculo.

Este motor possuía dois cilindros opostos, o que traz a inconveniência da dificuldade de lubrificação, mas, também, as vantagens consideráveis de um peso pequeno e um perfeito equilíbrio, não ultrapassado por qualquer outro motor.

Pesava 40 quilos e desenvolvia 35 HP.

Nunca se conseguiu um motor fixo, resfriado a água, e de peso insignificante, somente igualado, mais tarde, pelos motores rotativos, aos quais, entretanto, fui sempre contrário, desde o seu aparecimento. Hoje, 10 anos passados, parece-me, confirma-se esta minha apreciação, pois o motor fixo tem tido uma aceitação geral.

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A "Demoiselle" media 10 metros quadrados de superfície de asas; era 8 vezes menor que o 14-bis! Com ela, durante um ano, fiz voos todas as tardes e fui, mesmo, em certa ocasião, visitar um amigo em seu Castelo. Como era um aeroplano pequenino e transparente, deramlhe o nome de "Libelule" ou "Demoiselle".

Este foi, de todos os meus aparelhos, o mais fácil de conduzir, e o que conseguiu maior popularidade.

Com ele obtive a "Carta de piloto" de monoplanos. Fiquei, pois, possuidor de todas as cartas da Federação Aeronáutica Internacional: - Piloto de balão livre, piloto de dirigível, piloto de biplano e piloto de monoplano.

Durante muitos anos, somente eu possuía todas essas cartas, e não sei mesmo se há já alguém que as possua.

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Fui pois o único homem a ter verdadeiramente direito ao título de aeronauta, pois conduzia todos os aparelhos aéreos.

Para conseguir este resultado me foi necessário não só inventar, mas também experimentar, e nestas experiências tinha, durante dez anos, recebido os choques mais terríveis; sentia-me com os nervos cansados.

Anunciei a meus amigos a intenção de pôr fim à minha carreira de aeronauta, - tive a aprovação de todos.

Tenho acompanhado, com o mais vivo interesse e admiração, o progresso fantástico da Aeronáutica. Bleriot atravessa a Mancha e obtém um sucesso digno de sua audácia. Os circuitos europeus se multiplicam; primeiro, de cidade a cidade; depois, percursos que abrangem várias províncias; depois, o "raid" de França à Inglaterra; depois, o "tour" da Europa. Devo citar também o primeiro "meeting"de Reims que marcou, pode-se dizer, a entrada do aeroplano no domínio comercial.

Entramos na época da vulgarização da aviação e, nessa empresa, brilha sobre todos, o nome de Garros. Esse rapaz personificou a audácia; até então, só se voava em dias calmos, sem vento. Garros foi o primeiro a voar em plena tempestade. Logo depois, atravessou o Mediterrâneo.

O estado atual da aeronáutica todos nós o conhecemos, basta abrir os olhos e ler o que ela faz na Europa; e é com enternecido contentamento que eu acompanho o domínio dos ares pelo homem:

É meu sonho que se realiza.

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O QUE NÓS VEREMOS

Estava na Europa em 1915, quando recebi da Diretoria do Aero Club da América um convite para tomar parte no Segundo Congresso Científico Pan-Americano, onde se fizeram representar, pelos seus filhos mais ilustres, todos os países do nosso continente.

Aproveitei a oportunidade, que tão especialmente se me oferecia, para, mais uma vez, exprimir a minha inteira confiança no futuro da navegação aérea.

Escolhi, para isso, este tema:

Como o aeroplano pode facilitar as relações entre as Américas.

As condições topográficas do continente sul-americano, tornando economicamente impossível a construção de estradas de ferro e, portanto, o transporte e comunicação adequados, têm retardado a estreita união, tão desejável, entre os estados do hemisfério ocidental. Cidades importantes, situadas em grandes altitudes, ficam isoladas. Algumas, em verdade, parecem estar, praticamente, fora do alcance da civilização moderna.

A longa e penosa viagem, o tempo que nela se gasta, em vapor, vai demorando a aliança íntima dos países sul-americanos com os Estados Unidos, para quem parecem inacessíveis, por tão remotos.

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Estemonumento,mandatoerigir,emSTCloud,peloAeroClubdeFrança,meéduasvezesgrato.Éaconsagraçãode meus esforços e, homenagem que se prestou a um brasileiro,reflete-sesobreapátriatoda.

Um largo tempo de percurso nos separa, impedindo o desenvolvimento de proveitosas relações comerciais, reciprocamente interessantes, sobretudo agora que a guerra anormaliza o mercado mundial.

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Quem sabe quando uma potência europeia há de ameaçar um estado americano? Quem poderá dizer se na presente guerra não veremos uma potência europeia vir apoderar-se de território sul-americano? A guerra entre os Estados Unidos e um país da Europa é impossível? Uma aliança estreita entre a América do Norte e a do Sul redundaria em uma força formidável.

Eu vos falei do comércio e da dificuldade do seu desenvolvimento, das facilidades de transporte e comunicações e do incremento das relações amistosas. Estou convencido que os obstáculos de tempo e distância serão removidos. As cidades exiladas da América do Sul entrarão em contato direto com o mundo de hoje. Os países distantes de encontrarão, apesar das barreiras de montanhas, rios e florestas. Os Estados Unidos e os países sul-americanos, se conhecerão tão bem como a Inglaterra e a França se conhecem. A distância entre Nova York ao Rio de Janeiro, que é agora de mais de vinte dias de viagem por mar, será reduzida a 2 ou 3 dias. Anulados o tempo e a distância, as relações comerciais, por tanto tempo retardadas, se desenvolverão espontaneamente. Teremos facilidades para as comunicações rápidas. Chegaremos a um contato mais íntimo. Seremos mais fortes, nos nossos laços de compreensão e amizade.

Tudo isso, Srs., será realizado pelo aeroplano. Não me parece muito longe o tempo em que se estabeleça o serviço de aeroplanos entre as cidades dos Estados Unidos e as capitais sul-americanas. Com um serviço postal em aeroplano e a comunicação entre os dois continentes se reduzirá de vinte para dois ou três dias. O transporte de passageiros entre Nova York e os mais longínquos pontos da América do Sul não é impossível. Creio, Srs., que o aeroplano, com pequenos aperfeiçoamentos, resolverá o problema por que tanto temos lutado.

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A possibilidade da navegação aérea entre os Estados Unidos e a América do Sul, é mera especulação fantasiosa?

Intimamente creio que a navegação aérea será utilizada no transporte de correspondência e passageiros entre os dois continentes. Algum de vós demonstrará incredulidade e rirá desta predição.

Sem embargo, faz 12 anos que eu disse que as máquinas aéreas tomariam parte nas futuras guerras e todos, incrédulos, sorriram.

Em 14 de julho de 1903, voei sobre a revista militar de Longchamps. Nela tomavam parte 50.000 soldados e em seus arredores se acotovelavam 200.000 espectadores. Foi a primeira vez que a navegação aérea figurou em uma demonstração militar. Naquela época, predisse que a guerra aérea seria um dos aspectos mais interessantes das futuras campanhas militares. Minha predição foi ridicularizada por alguns militares; outros, entretanto, houve que, desde logo, alcançaram as futuras e imensas utilidades da navegação aérea.

Dentre estes, é, para mim, grato recordar o nome do General André, então Ministro da Guerra da França, de quem recebi a seguinte carta:

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MINISTÈRE DE LA GUERRE

Cabinet du Ministre

Paris, le 19 Juillet 1903

Monsieur,

Au cours de la revue du 14 Juillet, j'avais remarqué et admiré la facilité et la sureté avec les-quelles évoluait le ballon que vous dirigiez. Il était impossible de ne pas constater les progrès dont vouz avez doté la navigation aérienne. Il semble que, grace à vous, elle doive se prèter désormais à des applications pratiques, surtout au poin de vue militaire. J'estime qu' à cet égard elle peut rendre des services très sèrieux en temps de guerre...

GENERAL ANDRÉ

Consideremos, entretanto, os acontecimentos desde aquela época. Consideremos o valioso trabalho que o aeroplano tem produzido na atual guerra.

A aviação revolucionou a arte da guerra.

A cavalaria, que teve grande importância em momentos valiosos, deixou de existir.

No meu livro "Dans l'Air", publicado em 1904, eu dizia:

"... Je ne puis toutefois abandonner ce suject sans faire allusion à un avantage maritìme unique de l'aéronef: je veux dire la faculté que possède le navigateur aérien d'apercevoir les corps en mouvement sous la surface des eaux. Croisant à bout de guide-rope sur la mer et

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se maintenant à la hauteur qui lui parait convenable, l'aéronef pròmene librement en tous sans le navigateur. Cependant, le sousmarin qui poursuit sa course furtive sous les vagues est parfaitement visible pour lui, quand, du pont d'un navire de guerre, il reste absolument invisible. C'est un fait d'observation et qui tient à certaines lois de l'optique. Ainsi, chose vraiment curieuse, l'aéronef du xxo siècle peut devenir, à son dèbut, le grand ennemi de cette autre merveille du xxo siècle, le sous-marin! Car tandis que le sousmarin est ímpuíssant contre l'aéronef, celui-ci, animé d'une vitesse double, peut croiser à sa recherche, suivre tous ses mouvements, les signaler aux navires qu'il menace. Et enfin, rien n'empêche l'aéronef de détruire le sous-marin en dirigeant contre luí des longs projectiles chargés de dynamite et capables de pénétrer sous les vagues à des profundeurs où l'artillerie ne peut atteindre du pont d'un cuírassè."

Vemos que hoje se realiza, inteiramente, essa previsão, feita há doze anos, quando a Aeronáutica acabava de nascer.

O aeroplano provou a sua importância suprema nos reconhecimentos. De seu bordo, podem-se locar as trincheiras inimigas, observar os seus movimentos, o transporte de tropas, munições e canhões. De bordo do aeroplano, por meio de telegrafia sem fios, ou de sinais, pode-se dirigir o fogo das forças. Por meio de informações transmitidas pelo telégrafo sem fios, grandes peças de artilharia podem precisar seus tiros contra as trincheiras e baterias inimigas......... O avião é de maior valor na defesa das costas do que os cruzadores.

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A aviação demonstrou-se a mais eficaz arma de guerra tanto na ofensiva como na defensiva. Desde o início da guerra, os aperfeiçoamentos do aeroplano têm sido maravilhosos.

Quem, há cinco anos atrás, acreditaria na utilização de aeroplanos para atacar forças inimigas? Que os projéteis de canhões poderiam ser lançados com efeitos mortíferos de alturas inacessíveis ao inimigo?

Desde o começo da guerra, os aparelhos têm melhorado. Têm sido aumentados em dimensões e alguns, hoje, são feitos exclusivamente de aço. Os motores igualmente se têm aperfeiçoado. O mais espantoso acontecimento foi o desenvolvimento dos canhões para aeroplanos. A princípio, o recuo dos canhões, ao atirar, constituía a maior dificuldade relativa aos ataques aéreos. Os constantes e repetidos choques do contragolpe do disparo mesmo de pequenos canhões, logo bambeavam as frágeis estruturas dos aeroplanos assim utilizados, pondo-os fora de uso. Este inconveniente já está sanado. Novos canhões foram inventados, que não produzem contrachoque. Consistem em um tubo do qual são expelidos dois projéteis, por uma única explosão. No momento de atirar, um dos projéteis, uma mortífera bala de aço, desce velozmente em direção ao inimigo, e o outro, de areia, é descarregado no sentido contrário; dessas duas descargas simultâneas resulta a ausência de contrachoque. Imaginai o poder deste terrível fogo lançado de um aeroplano!

Se o aeroplano, Srs., se tem mostrado tão útil na guerra, quanto mais não o deverá ser em tempos de paz?

Há menos de dez anos o meu aparelho era considerado uma maravilha. Nele havia lugar para apenas uma pessoa; eu me utilizei de um motor de menos de 20 hp. A princípio apenas consegui voar alguns meros, e pouco depois alguns quilômetros. Meu recorde foi de

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20 quilômetros. Eu carregava gasolina suficiente para um vôo de 15 minutos. Naquela época o aeroplano era considerado um brinquedo. Ninguém acreditava que a aviação chegaria ao progresso de hoje. Nesses tempos voávamos apenas quando a atmosfera estava tranquila, geralmente ao nascer do sol ou ao seu pôr.

Acreditava-se que um aeroplano só poderia voar quando não houvesse vento. Hoje fabricam-se aparelhos que podem transportar 30 passageiros, capazes de viajar nos ares durante horas, de percorrerem cerca de mil milhas sem tocar em terra, movido por motores num total de mais de mil cavalos. Um aeroplano já atingiu a altura de 26.200 pés, e já se manteve no ar durante 24 horas e 12 minutos, e entre o levantar e o pôr do sol, percorreram-se, em aeroplano, 2.100 quilômetros. Não tememos mais ventos nem temporais; o aparelho moderno de voar atreve-se em qualquer céu e atravessa tempestades de qualquer velocidade, e pode, ainda, elevarse acima das regiões tempestuosas. Ainda agora o aeroplano está em sua infância. No espaço de dez anos ele progrediu mais rapidamente que o automóvel.

Por meio do aeroplano, estamos hoje habilitados a viajar com velocidade superior a 130 milhas por hora. Para fins comerciais e comunicações internacionais, tanto as estradas de ferro como os automóveis, chegaram a um ponto em que a sua utilidade termina. Montanhas, florestas, rios e mares, entravam o seu progresso. Mas o ar fornece um caminho livre e rápido para o aeroplano; para ele não há empecilhos. A atmosfera é o nosso oceano e temos portos em toda a parte!...

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Eu, que tenho algo de sonhador, nunca imaginei o que tive ocasião de observar quando visitei uma enorme fábrica nos Estados Unidos. Vi milhares de hábeis mecânicos ocupados na construção de aeroplanos, produzidos diariamente em número de 12 a 18.

Melhorado pelas necessidades e exigências da guerra, o aeroplano — desviado dos fins destruidores - provará o seu incalculável valor como instrumento dos objetivos úteis da raça humana. No momento atual é bem possível que qualquer dos atuais grandes aparelhos possa fazer viagens de Nova York a Valparaíso, ou de Washington ao Rio de Janeiro. Um ponto de abastecimento de combustível poderia ser facilmente instalado em cada 600 milhas de percurso.

A principal dificuldade para a navegação aérea está no progresso precário dos motores. Francamente, o motor atual ainda não atingiu o que deveria ser. O aeroplano em si desenvolveu-se mais rapidamente que o motor.

Penso, entretanto, que, em breve, o motor do aeroplano se aperfeiçoará a tal ponto que não terá maiores imperfeições que os dos melhores e mais perfeitos automóveis, hoje fabricados. Atualmente, um motor de aeroplano precisa ser relativamente leve e, ao mesmo tempo, resistente a grande trabalho contínuo.

Já o aço tem sido melhorado e tornado mais resistente por processos especiais; ninguém sabe até que ponto poderíamos continuar a melhorá-lo ainda. Se inventores como Edison, Tesla, Henry Wise Wood, Spery, e Curtis, etc., dedicassem sua energia a este assunto, estou convencido que em pouco tempo teríamos um motor perfeitamente satisfatório.

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Outra dificuldade, que se apresenta à navegação aérea, é a de localizar-se o aeroplano. É agora impossível o uso do sextante nos ares.

Creio que um horizonte artificial, produzido por meio de um espelho, mantido em posição horizontal por um giroscópio, resolverá este problema. Com a aplicação do giroscópio os cientistas têm conseguido resultados maravilhosos. Não somente um aeroplano pode ser hoje mantido em equilíbrio, por meio de um giroscópio, como um grande vapor.

Com o motor aperfeiçoado e meios precisos de guiar seu curso, o aeroplano está certamente predestinado a figurar como um dos fatores mais importantes no desenvolvimento do comércio e na aproximação das nações que se acham separadas pelas grandes distâncias.

Os países onde faltaram as boas estradas de rodagem foram, creio, os primeiros a adotar as estradas de ferro.

Nos países novos da América do Sul, não há abundância de estradas de ferro.

Há cidades a tal altitude que a estrada de ferro dificilmente as poderia atingir, e é a essas cidades que o aeroplano levará a civilização e o progresso.

Prevejo uma época em que se farão carreira regulares de aeroplano, entre cidades sul-americanas, e também não me surpreenderá se em

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poucos anos houver linhas de aeroplanos funcionando entre as cidades dos Estados Unidos e a América do Sul.

Além das vantagens provenientes da aproximação dos países sulamericanos entre si e com os Estados Unidos, há ainda um ponto para o qual chamo vossa atenção. Todos os países europeus são velhos inimigos e aqui no Novo Mundo devemos ser todos amigos. Devemos estar habilitados a intimidar qualquer potência europeia que pretenda guerra contra um de nós, não pelos canhões, dos quais temos tão pequeno número, mas sim pela força da nossa união. No caso de uma guerra contra uma potência europeia nem os Estados Unidos, nem, tampouco, qualquer dos maiores países sul-americanos, nas atuais condições, poderia convenientemente proteger suas extensas costas. Seria irrealizável a proteção das costas brasileira e argentina por uma esquadra.

Unicamente uma esquadra de grandes aeroplanos, voado a 200 quilômetros por hora, poderia patrulhar estas longas costas... Aeroplanos de reconhecimento poderão descobrir a aproximação da esquadra hostil e prevenir os seus navios de guerra para a luta.

Estarei eu falando de coisas irrealizáveis?

Lembrai-vos de que há dez anos ninguém me tomou a sério. Agora temos ocasião de observar o que tem feito o aeroplano na Europa, fazendo reconhecimentos, dirigindo batalhas, movimento de tropas, atacando o inimigo e defendendo as costas.

A falta de comunicação nos antigos tempos foi a origem básica de uma Europa desunida e em guerra. Esperemos que a navegação aérea traga a união permanente e a amizade entre as Américas.

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Aqui acabo de expor, em resumo, o que eu disse na minha conferência de Washington, e não tenho razão de desdizer-me. Pelo contrário, cada vez mais, creio maior e mais próximo o futuro da navegação aérea. As revistas especiais que recebo falam constantemente do problema da travessia do Atlântico. Podemos, pois dizer que a ideia está no "ar"; é, pois, uma questão talvez de meses e, então, saberemos que um aeroplano partido do Novo Mundo foi ter ao Velho em talvez um dia! Colombo para fazer a viagem em sentido inverso levou 70. Saberemos também que 3 ou 4 audaciosos que pilotavam essa máquina, sofreram muito do frio, da chuva, etc., porém, cara leitor, tenhamos um pouco de paciência; em breve existirão transatlânticos aéreos com quartos de dormir, salão e também, o que é muito importante, governados automaticamente por giroscópios e acionados por vários motores com um grande excedente de força, para o fim de, em caso de avaria em um deles, serem os outros bastante poderosos para manter o vôo do aparelho.

Um pouco de paciência!

Quem ler o n.º 1 de "Je sais tout", 1905, verá que em meu artigo publicado nesse número eu dizia: "La guerre de l'avenir se fera au moyen de croiseurs aériens rapides se tenant à d'inaccessibles hauteurs, et bombardant à leur guise les forts, les armées et les vaisseaux".

Este artigo foi ridicularizado por alguns militares. Haverá hoje, talvez, quem ridicularize minhas predições sobre o futuro comercial dos aeroplanos. Quem viver, porém, verá.

Esta minha conferência de Washington foi bem aceita e eu creio que uma das provas está em me ter o Aero Club da América, logo após ela,

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convidado para representa-lo no Congresso Pan-Americano de Aeronáutica, que se ia reunir no Chile.

Aceitei esta honra e parti disposto a tudo encontrar no Chile: tinha conhecido em Paris a sociedade chilena e a sabia a mais amável do mundo; tinha ouvido falar nas belezas naturais do Chile, ia pois vêlas. Ia ver os Andes, ia ver muita coisa, tudo, menos aeroplanos. Era a minha expectativa. Faça, pois, o leitor idéia do meu espanto quando logo ao meu desembarque e em uma festa que organizaram em minha homenagem, voaram mais de 12 aparelhos e os mesmos aparelhos com aviadores diferentes!! Chegando a Santiago fui visitar o campo de aviação do exército, esplendidamente bem escolhido. À minha vista, os oficiais aviadores voavam e pousavam com a maior perícia. O meu espanto ainda foi maior quando me mostraram as usinas de construção, propriedade do exército e que são contíguas ao campo!!

Parecia que eu estava de novo nos arrabaldes de Paris!! Um dos oficiais presentes, com a maior naturalidade do mundo, convida-me para voarmos até Valparaíso, que se achava a 150 quilômetros e, para ir lá, era necessário passar por cima de parte dos Andes; aceito, e hora e meia depois lá estávamos!

O trabalho, a perícia, a capacidade e o sucesso destes nossos amigos do Pacífico só é excedida pela sua modéstia, pois é verdade, não perderam momento de me pedir conselhos, ora sobre hidroaviões; quando nas usinas, sobre material, madeiras nacionais, possibilidades de aperfeiçoamentos, etc. Querem aperfeiçoar-se e deram-me a honra de acreditar-me um especialista na arte.

De lá passei à Argentina, onde de novo encontrei um grande entusiasmo pela aeronáutica e também um grande resultado obtido; aí, porém, a aviação é muito facilitada pela topografia do país. Não sei o número de pilotos que há ali, mas é o que há de mais comum encontrar moços da alta sociedade que tem carta de piloto.

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Devo aqui fazer um elogio aos nossos amigos do Prata que, podendo encontrar facilmente um bom terreno para aeródromo, a 10 minutos de Buenos Aires, o foram escolher a algumas horas da cidade, para o terem ótimo, obrigando os oficiais e discípulos a lá viver e estar de pé ao nascer do sol, que é a hora das aulas!

Lá vi também um curso para oficiais observadores!

Houve, entre os aeronautas argentinos e chilenos, uma rivalidade esportiva, em que se empenhavam para ver quem primeiro atravessaria os Andes. Era uma prova difícil, de cuja realização muitas honras viriam para a aeronáutica sul-americana.

Dois argentinos, os Srs. Bradley e Zuloaga, conseguiram fazer essa travessia.

Partidário que sempre fui da aproximação do Brasil e da Argentina e, seguro de interpretar os sentimentos dos meus patrícios, saudei-os em nome dos brasileiros, por ocasião da sua chegada a Buenos Aires, vindos do Chile pelo caminho dos ares.

Desse discurso aqui transcrevo algumas frases em homenagem a esse arrojado empreendimento daqueles dois filhos do povo amigo:

Bradley, Zuloaga:

Yo os saludo: Para vosotros, que ayer fruisteis saludados por los condores, mi saludo es insignificante.

Hoy, al cruzar los mares, pensamos en Colon... Mañana, los navegantes del espacio, al cruzar los Andes, recordaran los nombres de San Martin, Bradley y Zuloaga y diran: "Por aquí, dos veces, los argentinos passaron los primeros".

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En su "leyenda de los Siglos" Victor Hugo dice:

"Car, devant un héros, la mort est la moins forte."

Vosotros habeis probado que el poeta tenia razon. Bravo!

Yo puedo assegurar os que veinte millones de corazones brasileños os han aplaudido.

Grande interesse, pois, no Chile e Argentina; nos Estados Unidos esse interesse chega quase ao delírio.

Depois de ter visto o interesse extraordinário que tomam pela aeronáutica todos os países que percorri, e vendo o desprezo absoluto com que a encaravam entre nós, falou mais alto que minha timidez o meu patriotismo revoltado e, por duas vezes, me dirigi ao Sr. Presidente da República.

Há dois anos, fiz ver a S. Exa. o perigo que havia em não termos, nem no Exército, nem na Marinha, um corpo de aviadores. Há um ano, escrevi uma crítica e apresentei um exemplo a S. Exa.

Nestas notas, eu assim dizia: Leio que o governo vai, de novo, tomar posse do Campo dos Afonsos, onde será instalada a Escola Central de Aviação do Exército, e que a Marinha vai transportar para a Ilha do Governador a sua escola.

Primeiro trataremos do Campo dos Afonsos. Há dois anos o Exército, creio que reconhecendo a pouca praticabilidade desse Campo, o abandonou........ O Aero Club ali instalou o seu Campo de Aviação. Convidado pela diretoria desse clube, há anos, para visitar e dar a minha opinião sobre o dito Campo, disse que o achava mais do que ruim: achava-o péssimo. Aconselhei que procurassem uma grande

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planície ou, melhor ainda seria, que o Club se ocupasse primeiro da aviação náutica, já que nos deu a natureza um aeródromo náutico único no mundo. O Aero Club não seguiu os meus conselhos.

É grande a minha tristeza ao ler que o Governo vai de novo tomar posse desse terreno para ali instalar o campo central de aeronáutica!!!

Os franceses tiveram a sorte de encontrar bons campos perto de Paris, porém, as vantagens de um campo ótimo são tão grandes que eles foram instalar os seus novos campos quase no extremo da França, em Pau, onde encontraram imensas "landes". Eu estou certo que, ao sul, nós devemos possuir planícies iguais às de Pau, onde se poderá trabalhar sem perigo, nem para o futuro aviador, nem para o aeroplano e onde o ensino será infinitamente mais rápido, graças a poder-se empregar "Pingouins" para o ensino dos principiantes.

Um principiante, que se familiarize com um desses aparelhos, necessitará de poucas lições para voar. Nos Estados Unidos as escolas de aviação estão muito longe da capital; estão onde se encontram bons campos. Quanto à Escola naval, eu creio que ela não está mal na Ilha das Enxadas.

A minha opinião é, pois: para o Exército, a escolha de um vasto campo no sul do Brasil, ou mesmo o de Santa Cruz. Para a Marinha, creio que se deve escolher uma base, para os seus hidroaeroplanos, o mais perto possível da cidade do Rio, que é onde vivem os oficiais e alunos. Aproveito esta ocasião para fazer um apelo aos senhores dirigentes e representantes da Nação para que deem asas ao Exército e à Marinha Nacional. Hoje, quando a aviação é reconhecida como uma das armas principais da guerra, quando cada nação europeia possui dezenas de

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milhares de aparelhos, quando o Congresso Americano acaba de ordenar a construção de 22.000 destas máquinas e já está elaborando uma lei ordenando a construção de uma nova série, ainda maior; quando a Argentina e o Chile possuem uma esplêndida frota aérea de guerra, nós, aqui, não encaramos ainda esse problema com a tenção que ele merece! Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1917. SantosDumont. S. Exa. agradeceu-me e disse-me que, no futuro, se tivesse necessidade de meus conselhos, me preveniria

O parque de meus dirigíveis, que se achava em St. Cloud, media um décimo de quilômetro quadrado. Quando me lancei na aviação procurei um maior, que foi o de Bagatelle; tinha perto de um quilômetro quadrado. Logo após de meu vôo de 250 metros, vi que este campo era demasiado pequeno e fui instalar-me em Issy-lesMoulinaux, mais de um quilômetro quadrado porém, cercado de casas; vi os defeitos. Fui então para St. Cyr, campo militar de somente alguns quilômetros quadrados, porém, contíguo a grandes planícies.

Veem, portanto, que dou imensa importância a um campo de aviação; dele depende o êxito na formação de aviadores: sinto pois, que o Aero Club, do qual tenho a honra de ser Presidente Honorário, não tenha seguido os meus conselhos, de abandonar, há muitos anos, o Campo do Afonsos; sinto que ele não tenha se servido do hangar que construí na praia Vermelha, ao lado do mais lindo dos aeródromos a Baía de Guanabara. Sei que o Aero Club, vai, agora, abandonar os Afonsos.

É tempo, talvez, de se instalar uma escola de verdade em um campo adequado. Não é difícil encontra-lo no Brasil. Nós possuímos, para isso, excelentes regiões, planas e extensas, favorecidas por ótimas

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condições atmosféricas. Antes de tudo, porém, é preciso romper com o nosso preconceito de medir por metros quadrados um campo de aviação e de procura-los nos arrabaldes das grandes cidades.

Em França diz-se que um campo tem tantas dezenas de quilômetros quadrados; em Inglaterra e Estados Unidos, fala-se em milhas quadradas; no Chile e Argentina, fala-se em léguas quadradas; aqui, neste imenso e privilegiado Brasil, fala-se em "metros quadrados". É preciso considerar, antes de tudo, que, mesmo na hipótese de um milhão de metros quadrados isto seria apenas um quilômetro quadrado, apenas 1/36 de uma légua quadrada! Um aeroplano moderno, que faça 200 quilômetros por hora, partindo do centro de um campo de tais dimensões, em menos de 9 segundos estaria fora do perímetro do aeródromo!

Fora do aeródromo, está em zona perigosa, principalmente para os principiantes.

Não falemos nas desvantagens de morarem os alunos longe dos campos. Eles precisam dormir próximo à escola, ainda que para isso seja necessário fazer instalações adequadas, porque a hora própria para lições é, reconhecidamente, ao clarear do dia.

O nosso governo possui, a duas horas do Rio de Janeiro, o esplêndido e vasto campo de Santa Cruz, com perto de duas léguas quadradas, absolutamente planas.

O terreno onde houver cupim ou outras irregularidades não servirá.

Margeando a linha da Central do Brasil, especialmente nas imediações de Mogi das Cruzes, avistam-se campos que me parecem bons.

O campo de remonta do exército, no Rio Grande do Sul, deve ser ideal.

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Sinto-me perfeitamente à vontade para falar com esta franqueza aos meus patrícios, para quem a minha opinião, porém, parece menos valiosa que para os americanos do norte e chilenos. Sinto-me à vontade porque ela é inspirada pelo meu patriotismo, jamais posto em dúvida, e nunca pelo meu interesse. Nunca me seduziu uma posição oficial ou remunerada, pois pretendo levar a vida que até hoje levei, dedicando o meu tempo às minhas invenções. Há vinte anos que vivo para a aeronáutica, nunca tive privilégios, fiz vôos sempre ao lado do meu atelier para, apenas, verificar uma invenção de que nunca procurei auferir benefícios.

Penso que, sob todos os pontos de vista, é preferível trazer professores da Europa ou dos Estados Unidos, em vez de para lá enviar alunos.

Estou certo que os rapazes brasileiros que fossem ao estrangeiro aprender a arte da aviação, se fariam esplêndidos e corajosos aviadores. Entretanto, não nos esqueçamos de que nem todo aviador é bom professor. Para ensinar uma arte não é bastante conhecer-lhe a técnica, mas é preciso, também, saber ensiná-la.

É possível que, dentre 4 ou 6 rapazes que forem estudar na Europa, se encontre um, bom professor; isto, porém não passa de uma probabilidade. Mais acertado e mais seguro, portanto, seria escolher, desde logo, alguns bons professores, entre os muitos que há na Europa e nos Estados Unidos, e contratá-los para ensinar a aviação aqui, em território nosso.

Os aeroplanos devem ser encomendados às melhores casas européias ou americanas, cujos tipos já tenham sido consagrados pelas experiências na guerra.

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Resumindo, pois, penso que não teremos aviação de verdade, enquanto não possuirmos um grande campo, de léguas quadradas, ou mesmo um pequeno, de alguns quilômetros, rodeado, porém, de grandes planícies que, não obstante não pertençam à escola, ofereçam bom terreno para a descida do aparelho em caso de necessidade. Precisamos também de professores experimentados na arte de ensinar aviação e que morem, com os alunos, próximo à escola. ***

Já me fizeram sentir que eu não voava mais e, entretanto, pretendo, ainda, dar conselhos. Não obstante, tenho-os dado com a máxima sinceridade e franqueza, certo de que aqueles que me ouvem se lembram de que eu não fui apenas aviador, mas que me foi necessário estudar, pensar, inventar, construir e só depois voar! Nos Estados Unidos, Wright, Curtiss, etc., foram aviadores precursores, já não voam há 10 anos e agora estão encarregados da organização e construção da aeronáutica. Em França, Bleriot, os Farman, os Morane, etc., foram aviadores precursores, não o são mais há muitos anos e também estão utilizados pelos seus governos para a construção e organização da navegação aérea. Clement, Delauney, Marquis de Dion, Renault, etc., foram todos "chauffeurs", porém, agora, são considerados os inventores do automobilismo e estão encarregados da sua construção e organização.

Estes senhores foram "chauffeurs" ou "aviadores", como eu também o fui. Não mais o sou, como também eles também não o são; mas, o dom de inventores, a aptidão de organizadores e de construtores e este conhecimento das necessidades da arte que eles inventaram e praticaram lhes ficou, e os seus governos os têm sabido aproveitar.

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O título de aviador que continuam a dar-me, sem que o mereça, há já dez anos - pois, a última vez que conduzi um aeroplano foi em 1908tem ainda, para mim, um outro lado desagradável, e é o de causar desapontamentos a amigos e admiradores nas cidades do interior por onde passo.

No primeiro dia, grande alegria; mas quando são prevenidos que não trouxe aeroplano e que não vou voar, há um grande desapontamento. Cito um caso que se passou ultimamente. Chego a uma cidadezinha do interior e encontro um amigo e companheiro íntimo de colégio. Havia justos 30 anos que não nos víamos. Grande prazer dos dois por nos encontrarmos. Proponho passeios a pé ou a cavalo, durante os quais discorreríamos sobre os tempos antigos. O meu amigo opõe-se, pois já não está mais em idade de subir montanhas a pé, e mesmo já lhe é desagradável andar a cavalo! Nos nossos passeios, em "charrete", o meu amigo, que é muito espirituoso, fez me rir contando anedotas da nossa infância; porém, a um momento dado, para e diz: Já rimos bastante; agora vamos falar sério: os habitantes da cidade e eu, estamos muito descontentes contigo; pois vens passar aqui alguns dias e não fazes um vôo! Que custa mandares um telegrama e fazer vir o teu "realejo"? Tocarias a manivela e nos mostrarias o que és capaz de fazer!

Pois bem, caro amigo; você sente-se já cansado para fazer longos passeios a pé ou a cavalo; eu, que tenho a sua idade, com a diferença que levei a vida mais agitada que um homem pode levar, arrisquei-a centenas de vezes e via a morte de perto em várias ocasiões; pois bem, você acha que eu deva ainda praticar esse "sport", o mais difícil de todos e que exige nervos e sangue frio extraordinários?! Não! não é um "realejo", e é por termos nós, os que entramos na luta nos fins do século passado, reconhecido as dificuldades da aviação, a necessidade para o aviador de possuir esplêndidos nervos, desprezo completo e inconsciente pela vida, o que só se encontra na mocidade, e, também, este outro dom dos jovens: a ambição de glória e o entusiasmo, repito, foi por havermos reconhecido tudo isto e não nos encontrarmos mais

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nestas condições que deixamos de ser aviadores. É, pois, uma grande homenagem que prestamos aos aviadores do presente. O meu amigo, um pouco confuso, responde: "A culpa não é nossa, tinham anunciado que o aviador Santos Dumont estava na cidade..."

Eu, para quem já passou o tempo de voar, quisera, entretanto, que a aviação fosse para os meus jovens patrícios um verdadeiro sport. Meu mais intenso desejo é ver verdadeiras escolas de aviação no Brasil. Ver o aeroplano - hoje poderosa arma de guerra, amanhã meio ótimo de transporte - percorrendo as nossas imensas regiões, povoando o nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.

SantosDumont

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15-BIS: a bicicleta voadora

*William R.F. Ramires nasceu em São Caetano do Sul (SP). Formado em Artes Plásticas, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), reside, desde 2006, em Andaraí (BA), Chapada Diamantina. Participando de suas primeiras antologias, colorindo e perfumando as palavras. @william.rf.ramires

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Quando eu era criança queria poder voar, pensava em ter asas e desbravar o céu infinito. Conseguia ver os redemoinhos que se formavam ao bater aquelas películas semitransparentes que saiam de minhas costas. Não eram asas com penas, tipo asas de anjos ou de pássaros, queria ter aquelas asas das libélulas, transparentes com veios de reforço, quatro asas batendo numa confusa sincronia. Pairando no ar, voando subindo descendo num ziguezague pelo espaço.

Observava os pássaros, as borboletas, as libélulas, gafanhotos, mariposas, corujas, morcegos e os aviões. Como um objeto mais pesado que o ar conseguia pairar, levitar e seguir caminho pela leve atmosfera?

Minhas asas não nasceram. Mas continuava o desejo de voar, queria fazer meu avião. Tinha visto um filme onde algumas crianças faziam uma nave e iam para a lua, eu só queria voar um pouco. Sabia que para a lua seria mais difícil, precisava de roupas especiais. Juntei uns pedaços de madeira e comecei a construir meu avião. O projeto foi ficando difícil, na verdade não consegui sair do lugar.

Naquela época fui em excursão com a escola ao parque do Ibirapuera, visitar o museu da aeronáutica. Foi uma ótima excursão, não lembro de muita coisa do caminho. Ônibus cheio de crianças, o passeio por entre as árvores e lagos do parque ficou apagado da minha memória. Entretanto lembro claramente quando consegui ver a oca. Um semicírculo com janelas redondas, uma cúpula colocada no chão. A construção me chamou muito a atenção, nunca tinha visto nada igual. Toda de concreto, parecia um observatório de estrelas enterrado.

Essa imagem do museu ainda é bem viva em minhas lembranças, deste ponto em diante lembro de tudo, do percurso dentro do museu, o caminho com o grupo em todos os espaços escutando o que a professora falava, e quando deram alguns minutos para gente

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descansar, sentei e fiquei o tempo todo admirando boquiaberto a maior invenção que o homem já fez.

Logo que entrava no museu o inacreditável 14-bis saltava aos olhos. O primeiro avião a sair do chão com impulso próprio. Santos Dumont fez o seu avião, o nosso avião e mudou a história da humanidade e não foi só isso, fez muito mais, sem patentear sua obra acabou ajudando no avanço rápido e eficiente do transporte aéreo no mundo.

Me identificava com aquele inventor. Dumont queria voar, sair do chão. Mas vivia numa época que o homem não conseguia sair do chão de maneira simples. Os balões eram arriscados e dependiam da ausência de ventos. Os dirigíveis perigosos e pouco precisos, mas o avião que o pai da aviação criou era a revolução. Pensei naquele momento e visualizei o avião que faria. Comecei a analisar o 14-bis: era feito de bambu e tecidos, rodas de bicicleta e cordas, e um cesto de vime.

Sai daquele museu decidido e com a receita do meu avião. Tinha aprendido diretamente com o pai da aviação, consegui ver o próprio Santos Dumont me entregando o precioso projeto do 14-bis, me olhava com aquela cara de bondade, o bigode sobre o lábio e seu chapéu panamá com uma faixa preta.

Em casa peguei uns lençóis velhos com minha mãe, arrumei pedaços de cordas, a bicicleta sempre estava ao meu lado, não tinha a chave de boca para tirar a roda, mas dava para adaptar. Fui cortar os bambus que nasciam próximo ao rio, voltei com umas quatro varas de largura media para não pesar muito meu avião. Só faltava o cesto de vime.

Minha mãe tinha uma espécie de baú onde guardava uns pratos com desenhos de flores. Perturbei a mulher até ela não aguentar mais e me dar aquele baú de vime. Pobre de minha mãe colocou os pratos

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empilhados no armário sem sua caixinha. Mas agora tinha todos os ingredientes pra fazer um avião.

Comecei a construção, o projeto estava todo em minha cabeça e nascia conforme avançava. Amarrei bambu no quadro da bicicleta, consegui formar as asas, coloquei um lençol em cada lado. Foi difícil deixar tudo equilibrado, mas no final deu tudo certo, não parecia o 14-bis, mas mesmo assim dei o nome de 15-bis a bicicleta voadora, e com todo cuidado fui empurrando meu objeto voador até o alto da ladeira.

Quando sentei no cesto de vime, que estava embocado no banco da bicicleta e comecei a pedalar ladeira abaixo, eu voei.

A bicicleta começou a subir, as asas funcionaram plainei uns dois metros do chão, os lençóis vibravam no ar, sentia o vento batendo em meu rosto. Pássaros voavam ao meu redor, foi um voo rápido, consegui pousar em segurança, mas no fim da ladeira os bambus quebraram e as asas caíram. Transeuntes que andavam na rua aplaudiam o feito, eu pegava os pedaços do meu 15-bis e junto com a bicicleta corria em direção de casa gritando, tentando explicar para minha mãe que tinha voado.

Hoje olho para o canto e ainda estão lá meus projetos inacabados ou destruídos, as madeiras da primeira tentativa e os pedaços de bambus e lençóis amarrados com o resto da corda. Deixo ali no canto para mostrar que já construí um avião e voei, não tenho registros fotográficos nem alguém que confirme, mas tenho vestígios, as provas não me deixam mentir. A cesta de vime eu devolvi quase inteira para minha mãe, os pratos especiais voltaram para seu baú.

A bicicleta se desfez com o uso, também não me serviria mais porque tinha ficado pequena. Meus objetivos agora são outros, não existem mais obstáculos para voar. Não consegui ter as asas de libélulas, nem construí meu próprio avião, entretanto a oca do museu, o 14-bis e

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Santos Dumont sempre estarão presentes voando em minha imaginação, mesmo que o museu não exista mais na bela oca de concreto.

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A aventura de voar

Luiz Ulhôa*

*Luiz Duarte de Ulhôa, 86 anos, é profissional de saúde aposentado, escritor e contador de casos e causos. É autor, entre outros, de “O gato sommelier”, “A mansão dos sonhos” e “O trágico e o cômico em Luiz Ulhôa em meia dúzia de faz-de-contos”.

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Minha primeira viagem de avião, primeira, é claro!

Tudo tem um início na primeira vez: a primeira aventura, o primeiro sucesso, o primeiro “fora”, a primeira surra, a primeira vitória, a primeira vez “dela”, a primeira vez “dele”, a primeira vez a dois, (não querendo dizer com isso que foram os mesmos um com o outro ou com a outra)...

Bem, mas sempre tudo se inicia pelo começo e como tal, tem que haver uma primeira vez. Acontece que quando nos lembramos de fatos acontecidos, alguns nem sempre são muito agradáveis.

Eu, como de costume, quando faço uma autorreferência para relembrar os acontecimentos da minha vida, recorro ao meu talento especial para ver as coisas pelo lado negativo. Esse desvio de autoestima tem sido meu companheiro desde muito cedo, e agora que já estou beirando os 90, não mudou nada. Continuou o mesmo.

Só que desta não fui participante, mas espectador. Vejamos o exemplo:

Meu primeiro contato com o descendente do XIV-Bis, foi em uma viagem aérea como presente de aniversário pra São Paulo, (isso lá em 1948) em um dos eternos Douglas DC3.

Como eu era “de menor”, fui acompanhado por um tio. Sujeito sério, vetusto, de poucas palavras, mas extremamente sarcástico e ferino.

Junto com ele na mesma fileira, estava um cidadão dos mais apavorados que não deixava de alardear aos quatro ventos que era a primeira vez e que nunca “andara de avião”...

Ora era também minha primeira vez e não fazia alarde, já que o medo não me deixava muito loquaz. Tudo bem até aí. Acontece que a referida aeronave não ficava retinha quando estacionada em posição horizontal de maneira que, quando nos assentamos, ficamos meio deitados. Então, a comissária de bordo (que antes era conhecida como

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aeromoça e que também não era comissária, pois era um rapaz que fazia as honras) nos pediu para colocar os cintos de segurança.

Assim que o aparelho tomou velocidade, ainda no solo, ele nivelou.

Depois de uma decolagem tranquila e com todo mundo querendo disputar uma visão pelas janelas, aconteceu a tragicomédia.

O avião entrou numa esteira de turbulência e começou a corcovear como um cavalo chucro e todo mundo ficou incomodado, principalmente o que nunca “andara de avião”. Ele ficou inquieto. A consequência foi o apavorado passageiro “chamar o Juca” em cima de meu tio, que já “estava de “ôio” no prezado e se virou a tempo para não pegar uns respingos do almoço daquele que estava ao seu lado.

Vendo que podia vir mais como “sobremesa”, meu tio tratou de dar ao lambão um daqueles saquinhos de material impermeável para evitar futuras lambanças. E a viagem continuou com o aeromoço dando um jeito de limpar a sujeira até que chegamos ao fim da viagem.

Ao desembarcarmos em Congonhas, o artista vomitador se aproximou de meu tio e, muito sem graça, se desculpou comentando o ocorrido e que notou que no saquinho “pró vômito” estava escrito as letras V.A.S.P...

Seria o logotipo da companhia aérea? perguntou.

Ao que meu tio, muito sério e compenetrado, como um mestre dando uma explanação sobre a Teoria da Relatividade, respondeu:

É, pode até ser, só que ali está abreviada a seguinte recomendação:

Vomite Aqui Seu Porco!

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A casa encantada

Carlos Franco*

*Carlos Franco, escritor e jornalista, foi editor e repórter especial no Jornal do Brasil, Última Hora, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Correio Brazilense. É autor entre outros de “A bolsa dos brasileiros” (Bovespa) e “O inferno de Zaragoza” (Francis).

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A rua do Encanto, em Petrópolis, abriga nesta região serrana de passado imperial do Estado do Rio de Janeiro, uma casa literalmente encantada e encantadora no alto de uma de suas colinas. Projetada por Alberto Santos Dumont e construída pelo arquiteto Eduardo Pederneiras, a Encantada, como ficou conhecida, é símbolo da criatividade e inovação do aviador.

O homem que inventou com a ajuda do amigo francês Louis Cartier o relógio de pulso, dando origem ao modelo Santos, um dos mais reluzentes da grife francesa, também criou o primeiro chuveiro com água aquecida usado no Brasil. Uma engenhoca fazendo uso de álcool e bastante funcional que se integra ao ambiente da casa. Minimalista, seu guarda-roupas modesto reserva espaço para poucas peças de vestuário, facilitando as viagens e Dumont, pois, não é exagero dizer, que ele tinha asas nos pés. Detalhe: todo o mobiliário foi planejado e é embutido, uma grande inovação para a época, o início do século 20.

Para entrar na Encantada, seguindo superstição portuguesa, é preciso pisar no primeiro degrau da escada de acesso com o pé direito. Em forma de raquetes, a escada é o convite inicial para um passeio mágico no universo de Dumont. O local onde ele escreveu, em 1918, a obra “O que eu vi, o que nós veremos”, é absolutamente fantástico, dá vontade de nele entrar e ali morar. E, se na entrada é preciso entrar com o pé direito, na parte interna, é o esquerdo que comandará os movimentos dentro dos três andares mais uma espécie de ponte que leva a uma oficina com ferramentas que ele usava e que também dá acesso a um pequeno mirante onde o aviador contemplava as estrelas no céu a ser dominado pelos balões e pelas asas as quais deu vida.

Sem paredes, a casa preserva um pé direito alto, de onde pendia um lustre do Império do Brasil, com o qual o presenteou a princesa Isabel, a filha de D. Pedro II, com quem manteve relação de amizade e cordialidade. A escrivaninha, em forma de asa delta, tem ao seu redor uma biblioteca funcional de poucos volumes, onde é possível ver na

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estante planejada nos seus mínimos entalhes as obras de Victor Hugo e Júlio Verne, que influenciaram a visão de mundo de Dumont e são constantemente citadas em seus escritos, cartas e até discursos.

Outro detalhe que chama a atenção dos visitantes desta casa, hoje museu, é a ausência de cozinha. Num tempo em que sequer se pensava em “delivery”, o aviador encomendava suas refeições no Palace Hotel, que ficava em frente à Encantada e que hoje abriga a Universidade Católica de Petrópolis. Ele tinha um cardápio em mãos, fazia os pedidos que sua governanta levava, e um garçom se incumbia de o servir e a seus convidados.

Os jardins que circundam a casa preservam árvores frutíferas e plantas exóticas, como as bromélias, num espaço que, não se pode negar, é encantado e preserva, em detalhes espalhados por todos os cantos, a força criativa deste mineiro hoje encantado porque, como diz o também mineiro Guimarães Rosa, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”.

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Ação de águia

Guilherme Otávio Viveiros Arruda*

*Guilherme Arruda, natural de Brasília, servidor público na área jurídica, amante da escrita, ávido pelo autoconhecimento e pela espiritualidade e viajante do mundo,participa pela primeira vez de um projeto literário.

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Incipiente se entremostra minha pulsante vontade de despertar esta águia interna. A luz que a acompanha se encontra lá no fundo, por detrás dos burburinhos, dos obstáculos midiáticos, das falácias, dos entorpecimentos sociais. A despeito dos desafios, o caminho já vem sendo traçado há bastante tempo, aguardando o momento perfeito para que seja trilhado pelos pés vacilantes, que vão aumentando a velocidade dos passos, correndo, até levantar voo, num impulso estimulado pelas asas ainda inocentes e duvidosas. A tremenda força interior sempre trouxe a insegurança e o medo do que daí poderia advir, dos resultados que poderia alcançar, das pessoas que poderia tocar. Tudo bem, tudo a seu tempo, a preparação e a precaução surgiram como necessidades prementes para que nada fosse atropelado e que a ansiedade não tomasse conta. Agora sinto e intuo ser a oportunidade divinamente exata para a ação. Abre suas asas, dê um salto quântico, sinta o vento suave em seu corpo e alcance o espaço azul sobre esse lindo vale verdejante.

Aqui vamos nós!

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As asas da imaginação

Daiane Macedo*

*Daiane Macedo, natural de Caririaçu, Ceará, descobriu na escrita uma forma de superação, o que culminou na publicação de dois livros “O Divórcio do Defunto” e “O Beijo Assassino”, além de participar de diversas antologias.

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Era uma vez um garoto chamado Deni, que vivia no sítio Barriguda.

Desde muito novo, ele sonhava em voar e sempre dizia a si mesmo que um dia realizaria o seu sonho.

As suas histórias favoritas sempre envolviam aviação, e as suas brincadeiras eram inspirados no feito de Alberto Santos Dumont. Todos os dias, quando acordava, Deni passava alguns minutos olhando o céu e os aviões que eram pequenos devido à distância.

Naquele instante, o menino teve uma ideia, apressado, correu em direção à sua melhor amiga, Judy.

Sabendo que ela seria a única pessoa a quem podia confiar a sua brilhante ideia, ele falou seu plano e a levou para o sótão.

Judy estava ansiosa para começar o projeto.

Deni havia rascunhado, e Judy com o seu talento para desenhar, consertou alguns detalhes. Os dois foram à oficina de artesanato atrás de materiais.

Será que essa quantidade de palha está boa? Perguntou Judy, enquanto Deni pegava alguns arames.

— Sim, já temos tudo o que precisamos.

Mais uma vez, na casa de Deni, as crianças colocaram as ripas de madeiras na horizontal e vertical. Cuidadosamente, amarraram palhas de cocos na lateral de sua engenhoca. Foram horas de trabalho, mas no fim, os dois ficaram maravilhados com o resultado.

— Nossa, Deni, nem acredito que terminamos.

Nem eu. As crianças não conseguiam para de elogiar a sua criação.

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As crianças marcaram de se encontrar pela manhã naquele mesmo local, Deni se despediram e logo a noite chegou. Da janela do seu quarto, Judy olhava o céu estrelado imaginando como seria a experiência incrível de voar. Lendo a trecho em que Ícaro sonha em voar, o menino adormeceu.

Nos primeiros raios solares, Deni e Judy retiraram o seu avião do porão. Antes que alguém os visse, os dois apressadamente levaram a sua construção para uma área alta e aberta onde poderiam testar. Contanto com a força do vento, do alto da montanha, os dois embarcaram em seu avião e, com impulso deram sequência às asas da imaginação.

Os dois voaram livres como se fossem passarinhos. Para Judy e Deni, foi uma das melhores aventuras que tiveram. A população os viu voar, ficando maravilhada com o feito. Logo o avião pousou, e as crianças decidiram que guardariam aquele momento para sempre.

Felizes por terem tido sucesso em sua invenção, Deni e Judy ficaram cada vez mais cumplices e tiveram muitas aventuras juntos. Anos depois, em mais uma história antes das crianças dormirem, Judy e Deni contaram a sua aventura para os seus filhos, Melânia e Seth.

As crianças pediram para os seus pais repetirem o feito. Consciente do perigo, Judy e Deni negaram o pedido, porém, prometeram mostrar o avião protagonista da sua principal aventura. Quando Seth e Melânia adormeceram, Deni e Judy foram à sala onde o avião está guardado.

Em frente ao avião, o casal reviveu momentos que viveram e agora são agraciados em compartilhar com os seus filhos. Ali, os dois fizeram votos de que, independentemente de quanto tempo passasse, jamais perderiam a sua essência e sempre dariam asas à sua imaginação.

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A fábula da aviação — no limiar

da vida

Thiago Valeriano Braga*

*Thiago Valeriano Braga é membro da Academia de Letras de São João del-Rei e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

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O céu parece mais azul que de costume nos dias longos de verão (...) Época do sol radioso, em risos e raios, sob a cabeça dos homens.

Dentre esses, 'um, em especial', nascituro, se destacou no seu tempo. Alberto Santos Dumont,mineiro de alguma cidade por nome Palmira, ocioso de criar e recriar um mundo próprio chamado AVENTURA☆.

Acima dos olhos e abaixo das nuvens! Quem nos dera ter um balão, seja este cinza ou multicor, para oferecermos como mimo {da sua legião de seguidores/estudiosos ávidos de experimentarem a fórmula do prazer de voar}. Tanto outros, simples passageiros, na viagem sem o turbilhão dos ventos e das folhas, pelas páginas de algum livro. Este é o homenageado de agora!

Bom moço, de inteligência rara, entregue às asas do sonho.

Conquistou os seus pares. O teu imaginar fértil criou pernas, superou limites, invadiu espaços invisíveis. Garantia plena de 'um alguém' voltado à cultura personalíssima do eu quero. Determinação sem igual. Sempre confiante em um futuro, de início no presente, inspirado no labor 'passado' a limpo. Era ali, o modesto aviador, com espírito de luta, que deixaria de ser comum, para ganhar as páginas dos anais da história universal. Ousou construir máquinas, máquinas de porte e ao reverso da pequenez, de sobressalto, ETERNIZADAS NAS GALÁXIAS. Trabalho alcandorado com base no tamanho, no peso e na utilidade. A bem da verdade, trouxe, com dito esmero, o progresso aguardado por quem 'ama o novo'. Não poupou esforços para que isso acontecesse, como aconteceu, de modo formidável♡. De lá para cá, tanto se transformou, no entanto, nada subtrai o seu valor como pessoa do povo e o valor da sua criação atraente para todos (as) sem exceção casual.

Santos Dumont, o brasileiro incomum, dava provas de um trabalho sério, com base na melhor virtude, que é a honestidade, querendo servir e ser servido de veículos dimensionais. O 14bis, ah o 14bis, não há espaço para tamanho regalo. Fábula da aviação. Um brinquedo gigante, com asas em forma de silhuetas vivas, apto para ganhar o

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horizonte longevo. Quantos caminhos se firmaram a partir dali, num elo gigante de sabedoria e altivez, dignificando o pequeno grande homem da conquista soberana. Nossos aplausos, nossos serenos e inquietos aplausos. Queria nós, ter a ampulheta principal do tempo, para marcar o talento e a solicitude deste inventor. O famoso 'pai da aviação' mira-nos a imagem de um criador sentado à margem da própria história {hoje contada com vagar por nossa saliência}. A tua identidade batiza ruas, escolas, parques, pontes, dentre outros logradouros públicos. Marca semi-perfeita da sua atividade ímpar. Daí a forte conotação do seu trabalho que nunca envelhece, em contrapartida, se mostra autêntico.

Dumont, revive em nosso meio. Figura peculiar de O HERÓI DOS ARES ou O HOMEM DE ASAS. Sua criatividade ultrapassa limites. Seu desejo de ordem, quem sabe, movimenta cada plano. Obras de luxo? Entendemos que sim, graças ao 'aceite' de um desafio, alimentado pela fé e pelo jeito hábil para construir coisas, sobretudo, esperança de dias mais risonhos. Quantos outros, se inspiraram e se inspiram no seu legado extraordinário?! Não resta dúvida que deixou, como presente para a humanidade, uma feitura grandiosa. Tem o Brasil a grata satisfação de sediar os seus primeiros passos para a velha e nova vanguarda elitista. O "avião", em si, ostenta toda a essência de uma sociedade futurista, vendo no hoje, a possibilidade de caminhar, ou melhor, VOAR. O rapaz de bigode arqueado, chapéu de lado e paletó escuro/discreto... Deixa boa presença, lembrada com entusiasmo, outrossim aprendizado, para quem de direito, almeja ganhar atenção pelo que faz. Bela profusão de conhecimento tido na prática. Terna gratidão, entendo. A fonte é única, os inventos insuperáveis.

Santos Dumont, o gênio entre os gênios, do seu e do nosso tempo, resvalando a satisfação de ter algo fora do teste, portanto, em uso e ocupação maravilhosamente atestado mundo afora. Merece sim, e como merece, tecermos comentários acerca da sua obra, "porta aviões", com o perfil clássico dos filmes. Sua vida já é um filme, diga-

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se de passagem. Incrível, linda e lida, curiosa, meticulosa, sábia e dinâmica. Tivera objetivos, correu atrás, fez e refez projetos, aglutinou LABORATÓRIO DAS BOAS IDEIAS. Tal é o Dumont que desfila em nosso texto, um conto, sem elegância alguma, que culmina, aliás, a nossa admiração pelo grandeaviador. Ufano, pois, de ser exemplo para tantos, dentro muitos, movidos pela perspectiva da invenção. À ele, a graça; a nós, a inspiração insigne. Saibamos olhar para o alto e suspirar: ao vôo indelével de um pássaro, o seu 'molde seguro', invadindo o decurso celeste☆. Eis um ideal azul tateado pelo bom jeito de desafiar a gravidade. Conseguiu, com esplêndida habilidade, SUBIR e DESCER, VOLTAR e PROSSEGUIR.

'O bater de asas', emerge com 'a franquia do vôo', ambos caracterizados pela altitude e pelo equilíbrio. Elogiáveis! A ave, como filha da natureza; o avião, reflexo do homem - ser pensante. Herança dadivosa, senhores leitores amigos! Coube a Santos Dumont, traçar o ponto estratégico do século XX. Não somos, no entanto, caçadores de aventura. Sejamos justos com a história épica. Nela está gravado o nome que por tantas e tantas vezes pronunciamos com reverência. Desde sempre e para sempre. A sua vinda a este ciclo representa o que de melhor um ser humano pode fazer um pelo outro respeitando, de maneira condescendente, o potencial de cada um. Alberto, por sua vez, guia-nos pelo doce decolar da imaginação. Outros existirão! Você, porém, possui o seu caminho a seguir. Lembrá-lo-ei do firmamento, das estrelas, dos astros, inclusive dos 'astros vivos', sonhando hoje, um amanhã mais seguro. A bonança está por vir!+

Crescitinegregiosparvajuventaviros

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Anos Loucos

Sueli Ramôa*

*Sueli Ramôa nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1947. Educar foi seu ofício e lidar com as palavras, a diversão preferida. Aposentada, decidiu colocar sua voz no papel. Daí surgiram crônicas, contos e poemas emdiversasantologias.Em2013,lançouseuprimeiro romance - "Era uma vez, 2012" e em 2020, o segundo"Una". E segue por aqui, por enquanto...

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Cecile andava acelerada pela Segunda Avenida quando o salto de seu sapato quebrou. Mal sabia ela que esse simples fato seria o primeiro sinal de que seu dia não terminaria bem. Ela corria para a entrevista de emprego, o cargo de secretária se ajustava perfeitamente às suas necessidades. O tecido leve do vestido esvoaçava com a brisa leve do verão, a jaqueta de seda bordada e o chapéu “cloche” aqueciam com eficiência sua ansiedade. A silhueta reta indicava sua modernidade, fora o sacrifício do espartilho, o conforto agora dita as regras. As várias voltas do colar de pérolas, marca registrada de Madame Chanel, adornavam seu colo quase descoberto. A boca carmim da noite de sábado não apresentava o mesmo colorido nesta manhã. Que noite havia sido aquela! Assistir ao show de jazz da banda Dixieland, recém chegada de New Orleans, foi um presente especial de Frank. A vida noturna em New York anda em ebulição, os night clubs fervem ao ritmo do foxtrot, que Cecile dança muito bem. Ela vive intensamente o seu tempo e frequenta a Broadway com assiduidade.

Filha de mãe brasileira e pai americano, Cecile alia a brejeirice de Carmem Miranda, que ainda não havia aparecido por aqui, ao suingue de Louis Armstrong, a esta altura, um astro consagrado. Não é rica, mas pode se dar ao luxo de pedir demissão do antigo emprego, a economia do país vai bem. Na sala de espera do escritório de contabilidade onde aguarda ser chamada, observa os detalhes da nova decoração, estilo art deco. As linhas geométricas e simples do mobiliário lhe agradam. Cecile é uma mulher de bom gosto e presa aos detalhes. Enquanto espera, escolhe no robusto revisteiro, uma publicação científica para se distrair. Caso algum figurão atravessasse aquele espaço, sua opção de leitura poderia contar pontos em sua avaliação. O artigo sobre o físico alemão Albert Einstein, que recebeu há sete anos o prêmio Nobel de Física, ocupa mais páginas do que a reportagem sobre a recente descoberta da penicilina pelo biólogo Alexander Fleming. As ideias de Freud, que seu grupo de amigos não se cansa de discutir, tornaram Ego e Id palavras habituais, embora pouquíssimos dominem os seus verdadeiros significados.

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Frank, o noivo, de Cecile trabalha em Wall Street, numa corretora de valores. É um rapaz culto, que adora os esportes: boxe e tênis são seus preferidos. Filho único de família abastada, ele faz planos para o casamento com Cecile, marcado para o próximo ano, as famílias incentivam a união. Ele acaba de fazer a sua mais alta jogada financeira com os recursos da sua família. Ela acredita que dessa vez ele se tornará um milionário, o que em nada abala sua disposição para o trabalho. Por temperamento, ela jamais seria uma mulher dependente do marido. O casal representa com fidelidade a sua geração, são otimistas e acreditam no capitalismo como o sistema que vai ordenar o futuro. O progresso vem da produção e do consumo, a facilidade de crédito é a base da prosperidade.

Cecile cultiva bons hábitos culturais. Depois de conhecer a obra de Virginia Woolf, Mrs Dalloway deixou marcas profundas em seu jeito de ser. Trechos de O Grande Gatsby, o badalado romance de Scott Fitzgerald, servem de base, com frequência, a seus modestos escritos. Sim, ela tem aspirações literárias. Cecile também adora cinema e não perdeu a exibição do primeiro filme sonoro da Warner Brothers –“The jazz Singer”, mas seu ídolo é sem dúvida Charles Chaplin. Nas artes plásticas encanta-se com o surrealismo de Salvador Dali, Miró, Klee; o mundo em novas formas, ousadas e inusitadas, como ela pretende ser.

Antes de sair de casa, rumo à entrevista, Cecile havia recebido um telefonema; Tarsila, sua amiga brasileira, confirmava a chegada para o domingo seguinte. O quarto de hóspedes já está preparado para a grande pintora que tem no cubismo sua fonte de inspiração. Conheceram-se numa exposição, logo após a Semana de Arte Moderna, um importante evento realizado em São Paulo. Cecile aguarda novidades do país onde pretende passar sua lua de mel; o calor dos trópicos e a simpatia do povo embalam a ideia. Ela acompanhou de perto o movimento comandado por Mário de Andrade que atingiu a literatura, as artes plásticas, a música, a arquitetura e causou uma revolução na vida cultural do Brasil. Sob os

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novos acordes de Villa Lobos, foi declarado o rompimento com a estética do século anterior. O avanço da comunicação parece também não ter limites, depois do telégrafo e do telefone, que garantem a informação, surge agora através das ondas do rádio, o entretenimento.

A porta da sala de um dos diretores da AT&T abre-se e dela surge Cecile com um largo sorriso nos lábios; havia sido contratada. O calendário da mesa da recepcionista marca com um x vermelho a data de 24 de outubro de 1929. À tarde, em seu apartamento, à espera de Frank para comemorarem a conquista do novo emprego, ela ouve no rádio a notícia do dia. O locutor sensacionalista anuncia a quebra da Bolsa de Valores de New York. Cerca de 70 milhões de ações foram postas à venda sem que houvesse compradores interessados. Esse dia, conhecido como quinta-feira negra, levou à falência milhares de empresas e muitos investidores individuais perderam boa parte do seu patrimônio. A economia americana entrava em recessão, carregando com ela o resto do mundo. O telefone, na casa de Frank, toca sem parar e ninguém consegue localizá-lo. Cecile, em pânico pensou o pior, porém mais tarde logo se acalmou, o noivo havia sido encontrado, justificadamente, em coma alcoólico num hospital próximo.

Tarsila chegou em má hora. Não apenas por perder o fantástico musical Paris que marcou o retorno do compositor Cole Porter aos palcos, encerrado seis meses antes. Mas principalmente pela crise econômica na qual o país estava envolvido. Há três dias a cidade de Nova York estava às avessas. Mas como compensação trazia na mala, para Cecile, um presente inestimável. Um moderníssimo relógio de pulso, com mostrador retangular em prata e pulseira de couro. Impossível não associar o mimo ao amigo querido que atravessava um mal momento na vida, Alberto Santos Dumont. Cecile ainda não havia despertado nenhum interesse pelo mineiro, conterrâneo de sua mãe, que há quase duas décadas vinha revolucionando o espaço aéreo com suas invenções. Mas diante do encantamento com que a amiga

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relatava seu histórico de conquistas, viu crescer sua admiração por aquele brasileiro obstinado que desde o início do século dedicava seu gênio a colocar o homem no ar.

Em 23 de outubro de 1903, com 30 anos, depois de ter participado, meses antes, dos festejos de 114 anos da Queda da Bastilha, Santos Dumont apresentou-se em Bagatelle, na França com o Oiseau de Proie II, uma modificação do modelo original, percorrendo mais do dobro da distância predeterminada e cumprindo as condições impostas pela competição. O feito inédito concretizou o primeiro voo de um avião tripulado impulsionado por seus próprios meios. Dumont concorreu ao prêmio de novo em 1906 e seus voos foram os primeiros registrados por uma companhia cinematográfica, a Pathé. A talentosa artista desfiava seu relato detalhado com gosto. Sem esquecer, feminista que era, o nome da primeira mulher a pilotar uma aeronave, Aída de Acosta. E continuou entusiasmada ligando os pontos da história do Velho e do Novo Mundo. Cecile, apesar de atenta ao mundo, é jovem e só agora teve sua atenção voltada para aquele que seria considerado o pai da aviação. Ao descobrir que desenvolviam ambos, Cecile e Alberto, uma curiosidade especial pelos instrumentos de precisão, Tarsila redobrou o esforço de memória para ilustrar ainda mais sua história.

Em agosto de 1914, a França foi invadida pelas tropas da Alemanha. Era o início da Primeira Guerra Mundial. Alberto ofereceu seus serviços ao Ministério da Guerra Francês, mas quando os aviões começaram a ser usados na guerra, em combates aéreos violentos, mergulhou numa terrível depressão. Em 1915, com a saúde muito abalada, depois de participar do 11º Congresso Científico PanAmericano nos Estados Unidos, retornou ao Brasil, destruiu todos os seus diários, cartas e desenhos. Refugiou-se em Petrópolis, onde construiu uma casa com diversas criações próprias, como um chuveiro de água quente e uma escada diferente, em que se é obrigado a pisar primeiro com o pé direito. Supersticioso, Alberto tem dividido seu tempo entre a Europa e o Brasil, desde 1922.

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Em meados de 1925, internado na Suíça, ainda apelava à Liga da Nações para que não utilizassem os aviões como armas de guerra. Aquele doce coração não poderia mesmo suportar o peso das suas criações.

A campainha tocou no exato instante em que a visitante ia lamentar não ter, há um bom tempo, notícias do querido amigo. Frank surgiu acabrunhado na porta do apartamento, dias depois da inusitada bebedeira, mas o abraço esfuziante de Cecile mudou de imediato seu humor. Foi uma noite de alegria individual e dor coletiva. O mundo não permitia esperança a longo prazo para todos. O navio em que Tarsila do Amaral voltou para o Brasil ainda não havia aportado no Rio de Janeiro quando Frank e Cecília marcaram a data de seu casamento. Como a água sempre procura o oceano, a fortuna da família não sofreu o abalo previsto. A vida seguia o rumo planejado pelo feliz casal na América, enquanto Tarsila se afirmava como um expoente da pintura brasileira. O tempo se encarregava de colocar nos eixos as poucas possibilidades de alguns. O que ninguém poderia imaginar, naquele tempo, era, que na manhã de 23 de julho de 1932 o delegado de polícia do Guarujá, teria nas mãos um terrível caso a desvendar. Partiria deste mundo o gênio brasileiro, Alberto Santos Dumont.

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As pedras clamarão!

Marcus Vinicius de Melo Oliveira*

*MarcusViniciusé biólogo, pesquisador, professorde Ciências e Biologia e Gestor de Parque em Guarulhos. Desde criança gostava de livros de ciência, documentários e criar insetos. Aos 12 anos tornou-se cristão, leu a Bíblia toda com 15 anos e hoje acredita que ciência e fé andam juntas!

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Há muito tempo atrás...

Em um rio muito distante daqui!

Perto da margem, debaixo da água, morava uma pedra lisa. Mas essa pedra era diferente das outras pedras!

Ela era muito alegre e esperançosa, e o mais interessante é que tinha um grande sonho!

E ela dizia:

EU vou VOAR!

Ao ouvirem isso as pedras lisas, Ardósia e Anfibolito deram risada!!! E disseram:

Olha essa pedrinha acredita que vai voar!

Você lembra Ardósia quando nós éramos grandes rochas dentro da Terra?

Sim lembro Anfibolito! Nós éramos enormes do tamanho de montanhas até que um dia nós aparecemos na superfície.

É mesmo, e foi aí que começamos a diminuir e diminuir...

- Foi mesmo, ficamos milhares de anos, recebendo chuva, vento, calor do sol e frio da noite e fomos perdendo pequenos pedaços nossos, por vários anos até que viramos essas pedras lisas tão pequenas que fomos carregados pela correnteza da água até chegarmos nesta parte do rio.

E o mais engraçado é que nestes milhares de anos, passando por tudo isso, nós nunca voamos, só fomos diminuindo e sendo arrastados para lá e para cá!

Só ladeira abaixo!

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E deram risada! Mas a pedrinha sonhadora mesmo depois de ouvir essas histórias continuava a insistir e disse para as duas:

Mas eu vou voar!

As duas pedras olharam para pedra sonhadora e ficaram sem reação, quando viram que mesmo rindo dela, ela continuou a acreditar no seu sonho.

No entanto uma outra pedra lisa, com uma cara bem cansada e parecendo ser bem mais velha que as demais, começou a falar:

— Eu sou o Arenito, sou bem mais velho do que a Ardósia e o Anfibolito, antes delas serem formadas, eu já existia. Hoje também sou uma pequena pedra levada pela água, mas eu já existia quando os dinossauros andavam pela terra, assisti inúmeras mudanças climáticas, presenciei todo tipo de acontecimentos e posso afirmar para você, pequena pedra, infelizmente você não vai voar!

- E depois de mais alguns milhares de anos você vai virar pequenos grãos de terra ou areia sem nunca sair do chão só quando for leve o suficiente para ser levado pelo vento.

Depois de ouvir atenciosamente o que o Arenito contou, a pedra sonhadora, fechou os olhos, respirou fundo, abriu os olhos e disse:

— Mas eu sei que vou voar!

Por sua vez uma outra pedra lisa que estava próximo tomou a palavra e disse:

EU JÁ VI UMA PEDRA VOAR!

E as outras pedras arregalaram os olhos e ficaram surpresas com o que ela disse!

Você já viu uma pedra voar? Mas quem é você? Perguntaram atônitas!

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Ora eu sou o Feldspato, mais antigo ainda que o Arenito!

E as pedras ficaram ainda mais surpresas. E ela continuou!

Eu era feito de magma derretido no interior da terra, até que devido uma enorme pressão, fui expulso da terra pela boca de um vulcão em erupção e me tornei lava e escorri para fora e comecei a esfriar até me tornar uma rocha.

Neste dia que o vulcão entrou em erupção, eu vi várias pedras serem lançadas pelo ar, voando para bem longe!

— Mas infelizmente pequena pedra, como não estamos nem perto de um vulcão será impossível você voar, então terá que se contentar em ser apenas uma pedra neste rio.

A pedra sonhadora, olhou para cima, e depois olhou para os lados, pensou e disse:

— Eu não sei como que vai ser, eu só sei de uma coisa... Eu vou voar!

Logo em seguida uma mão entra na água e começa a pegar as pedras!

E as pedras são colocadas em um lugar escuro sem saber o que estava acontecendo e para onde estavam indo!

O que está acontecendo, onde estamos e para onde estamos sendo levados? Disseram a Ardósia e o Anfibolito desesperadamente!

Ai, Ai, Ai estamos sendo levados para sermos transformados em pontas de lanças! Eu já vi vários amigos meus serem lascados até ficarem pontiagudos! Disse o Arenito sem esperança!

— Pior seremos derretidos para sermos transformados em alguma espada ou ferramenta! Disse o Feldspato categoricamente!

E começaram a murmurar, e gritar e a chorar!

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No entanto a pedrinha sonhadora disse para todas elas corajosamente!

Não temam meus amigos, Deus me deu um sonho que eu iria voar e até esse sonho se realizar, nada acontecerá conosco!

As pedras se acalmaram e de repente, o lugar escuro onde elas estavam para de se mexer...

Um silêncio ...

E então acima delas uma voz, de um jovem começa a dizer:

“Você vem contra mim com espada, com lança e com escudo. Eu, porém, vou contra você em nome do SENHOR dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem você afrontou...

Toda esta multidão saberá que o SENHOR salva, não com espada, nem com lança. Porque do SENHOR é a guerra, e ele entregará todos vocês nas nossas mãos.”

Logo após essas palavras as pedras sentem tudo começar a se mover e chacoalhar cada vez mais rápido, as pedras sentem um nó na barriga e seguram o fôlego, e em meio a esse balanço para todos os lados acelerando sem parar... a parte de cima de onde elas estavam se abre, iluminando o lugar onde elas estavam!

Uma mão pega a pedra sonhadora!

Coloca a pedra em uma funda e começa a girar, e girar, e girar...

As outras pedras começam a gritar... pedrinha sonhadora!!!!

E ela começa a gritar com toda força de seus pulmões!

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EU ... VOU ...... VOAR!!!

E de repente ela é lançada pelo ar em direção a testa de um gigante em meio a uma grande multidão!

E as pedrinhas gritam alegres!

ELA VOOU!

ELA VOOU!

ELA VOOU!

ELA VOOU!

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As rajadas da arrogância

Maria Beatriz Rotta*

*Maria Beatriz Rotta, natural de Curitiba, estudante,12 anos. Apaixonada por livros e música. Escreve contos desde os 5 anos de idade, mas este é o primeiro projeto literário que participa.

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Desde que nasceu, sempre foi implicante e arrogante. Achava que todos os pássaros viviam em volta de si e tudo o que faziam era apenas e unicamente para si. A melhor comida, o melhor ninho, tudo isso era apenas para ele em sua cabeça, aquela pequena andorinha-do-marártica. Nunca teve amigos e nunca teria se continuasse agindo dessa maneira. O que os outros diziam era irrelevante e apenas o seu modo de pensar era válido.

Quando cresceu, ele pensava que já era o líder e mandava em tudo e todos. Para não arranjar briga, os outros apenas seguiam as suas ordens durante as migrações, até que um dia, o mais idoso de todos e mais alguns pássaros, falaram tudo o que achavam em relação a atitude dele e que já estavam fartos de como ele agia em todas as migrações, também, afinal eles eram um grupo. Após escutar tudo o que os outros tinham a dizer, o pássaro arrogante se achou insultado e disse que dessa vez iria migrar sozinho, já que não precisavam dele. Os outros pássaros falaram que era escolha dele, então foram embora.

O grande arrogante saiu antes de todos e começou a migrar velozmente até a Antártida. Durante o caminho, pela primeira vez, refletiu em suas atitudes e percebeu que em grupo tudo era mais leve e devia ter valorizado os amigos sinceros que o tentaram ajudar, mas neste momento, era tarde demais e ele não poderia voltar e ir com o seu bando, então, teria que arcar com as consequências. A cada forte rajada de vento, o pássaro arrependido perdia mais velocidade e as tempestades no caminho o deixavam mais desanimado, pois suas asas estavam pesadas.

Em um dado momento da viagem, se virou para trás e viu o seu bando. Pediu desculpas a todos e perguntou se poderia seguir viagem com eles. Alguns não queriam a sua companhia, mas aqueles que tinham reclamado de sua pessoa, o aceitaram calorosamente.

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O resto da viagem, depois, foi tranquila. Todos cortavam as rajadas, voavam velozmente dançando no ar e passavam facilmente por todas as tempestades.

Naquele dia o arrogante pássaro aprendeu o valor da amizade e que em grupo tudo é melhor.

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Encantadores de cães

Juracy Ribeiro*

*Juracy Ribeiro é escritora, poetisa, revisora, consta no site Poesia Ibero-americana, de Antonio Miranda. Antologiada pela Brasiliense, em 1993, livro Eróticacontos eróticos escritos por mulheres.

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Meus amigos Martí, Domingo, venezuelanos, e eu não estávamos conformados com a perda de Wilson, na floresta amazônica, do lado da Colômbia. Precisávamos agir rápido. Os militares da Colômbia procuraram Wilson por vinte dias apenas. É certo que, quando o encontraram ele estava arisco e não se deixou apanhar. Vi no Twitter a hashtag #VamosPorWilson. Fui à casa de Martí e conversamos a respeito do cachorro perdido. Ele já sabia. Imediatamente ele pensou no Domingo. Será que o Fulgêncio não toparia também? Tínhamos que ser rápidos. Logo estávamos os quatro em casa arrumando nossas mochilas. Teria que ser tudo em segredo. Como falar aos nossos pais e outros amigos dessa aventura? Adentrar a Floresta Amazônica. Meu Deus! Colocamos os blusões, manta de fibra pra cada um, lanternas, pães, latas de salsichas, de sardinhas, de atum, e abridor de latas. Peguei umas garrafas de água mineral na geladeira. Fulgêncio só levaria as águas. Martí levaria as latas de mantimentos, e os pães. Voltamos à casa deles pra pegar as roupas e botas.

Domingo estava receoso porque teríamos que pegar ônibus até a fronteira da Colômbia. Claro, havia policias na fronteira, mas não queríamos pensar nisso. Para nós, encantadores de cães, acreditávamos que poderíamos atrair Wilson com nossa vibração, silvos. O apito, claro, não esquecemos.

Lá fomos nós, os quatro mosqueteiros, rumo à floresta. Parecia complicado e agora é tudo tão simples, tão claro. Pouco dinheiro. Nossa vaquinha entre nós foi a conta certa. Tem tudo pra dar certo nessa empreitada.

Era feriado e não havia muitos guardas. Parece que estávamos invisíveis. Descemos do ônibus e em poucos minutos estaríamos na mata. Chegamos. Andamos muito. Eram 11h30 e teríamos muito tempo ainda porque à noite estaríamos em casa e seríamos recebidos como heróis ao lado de Wilson, são e salvo.

Andamos uma hora e nos sentamos pra tomarmos lanche. Fulgêncio se lembrou dos guaranás, o que nos daria um gás a mais pra

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caminharmos. De repente, vimos uma cobra na árvore em frente a nós. Jesus Cristo! Ficamos paralisados, petrificados. Era imensa, como nunca tínhamos visto. Minhas pernas tremiam.

Devagarinho, nos levantamos e saímos daquele lugar.

Mira, hermanos, vamos a nos perder a cá.

Já estou começando a me arrepender, suspirou Martí.

— Temos um objetivo, uma tarefa a cumprir.

Domingo, sensato, nos trouxe à razão. Wilson é o foco.

Caminhamos uns trinta passos e... quem estava caminhando, magro, cansado do outro lado, perto do rio? Wilson! Com cuidado pra não espantar nosso novo amigo, razão de tanto esforço descomunal, fomos nos aproximando dele devagarinho.

Wilson, eu disse bem baixinho. Vamos para casa.

Martí abriu uma lata de salsicha e começou a colocar as salsichas no chão, e ele ia devorando todas. Assim, ele foi se aproximando mais e mais de nós. Resolvemos voltar porque Wilson já caminhava lado a lado com a gente. Companheiro nosso, o quinto companheiro na caminhada.

Saímos da floresta com tanta tranquilidade quanto entramos. E, chegando na fronteira os guardas nos abordaram. Como assim? Vocês encontraram Wilson?

O presidente da Colômbia nos convidou pela TV para a cerimônia e Wilson seria recebido com todas as honras de herói por ter achado os rastros das crianças perdidas na Floresta.

Tudo estava indo tão bem, mas ainda estávamos muito cansados. Exaustos.

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Abri os olhos e a comissária de bordo estava à minha frente, sorrindo, tocando meu ombro.

-- Sr. Wilson, o comandante pediu pra despertá-lo. Todos já desceram. Fizemos uma boa viagem.

Céus! Como a Austrália é longe! Oceanos, Oceania.

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Fafanteando*

Sandra Ribeiro**

* Fafanto, a borboleta, faz parte da Escrita Adinkra, originária do povo Acã de Gana, na África. Símbolo da ternura, delicadeza, honestidade, fragilidade e transformação.

**Sandra Ribeiro é doutoranda em Letras pela UniversidadeFederaldoRioGrande,poetisa,idealizadora do Projeto Flores Negras. Ama escrever e fotografar, se dedicaàEscritaAdinkraeàliteraturanegrafeminina.

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O sol já aqueceu a manhã como nunca o fizera antes. As minúsculas flores de grama espreguiçam suas pétalas na direção dos seus raios luminosos como que para receber o abraço da luz que envolve os campos goticulados pelo orvalho noturno. E as formigas, apressadas em retirar, grão a grão, toda a terra abaixo do velho tronco da árvore centenária que caíra com o vento da idade durante a último temporal de inverno não se importam com o meu sobrevoo.

Visitei roseiras, pessegueiros, lavandas e orquídeas.

Nossaaa! Quase virei almoço de um louva-a-deus orquídea! Ainda bem que o desperfume da flor de baobá me atraiu... caso contrário eu seria apenas uma lembrança agora; por isso danço ao sabor do vento morno que energiza o meu corpo e me faz flutuar sobre os riachos, nas minúsculas gotas sobre as cachoeiras, no remanso dos lagos, nas doces flores das palmeiras ou ainda sobre uma rocha em frente ao mar.

Não! Não serei comida de pássaros e nem mesmo me aproximarei das lagartixas que espreitam a minha existência com suas línguas grudentas e certeiras. Será que naquela videira, lá embaixo, eu conseguirei colocar mais ovos para perpetuar a minha espécie? Preciso tentar!

Tenho espalhado centenas de minúsculos ovos na esperança de que eles sejam felizes e eclodam no tempo certo e quem sabe belas pupas!!!! Lindas lagartas!!!

Não devo pensar nos pássaros com aqueles bicos em formato de agulhas sedentos por uma de nós bem gorda e suculenta, não! Isto parece um pesadelo! Não quero nem pensar! Não!

Trimmm...trimmm...trimmm... O alarme soou... preciso levantar e ir para o trabalho. Mais um dia sentada, presa ao telefone no serviço de telemarketing!!!

Estranho... sinto como se tivesse passado a noite inteira voando!

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Marta Cortezão*

Marta Cortezão (@martacortezaopoeta), de Tefé/AM, é escritora e poeta. Possui publicações em antologias nacionais e internacionais. Livros de poesia publicados: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), Zine “Aljavas para Cupido” (2022) e “meu silêncio lambe tua orelha” (TAUPEditora,2023).

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No saguão do aeroporto, sentada à espera do voo que me devolveria de volta ao Amazonas, meus sentidos, atordoados pela espera, capturam a realidade à minha volta e dão um pouco de colorido emocional ao tédio das longas horas que se arrastam preguiçosamente... tanta gente, tantas pernas ziguezagueando diante de mim, pernas bem torneadas, outras nem tanto, outras curvadas pelo peso da idade, outras ainda cheias de vigor, de vida, umas e outras bem tuíras, meio cor canela de urubu, até que um cremezinho Nívea não cairia mal! Outras estilo Garrincha, porque sim... Eita! E essas que passam levando uns glúteos tão bem definidos, talvez na academia à custa de muito suor! Ou não, quem sabe a boa genética lhes tenha em total apreço… talvez. Acho que preciso levar mais a sério a academia, sinto que, quando dou um tchauzinho, estilo princesa Kate Middleton, meu tríceps também se despede...

Quantos narizes pendurados em rostos de tantas raças que aqui se misturam no portão de embarque 36 de Viena! Uns, estilo Mozart, outros, pontiagudos, arrebitados, que parecem crescer a cada pausa de minha espera, mas o meu e o de uma outra senhora, à minha frente, são bem similares, aplanados e têm protuberantes asinhas para combinar com o voo que se espera, coisas do destino, vamos dizer assim, porque tenho a cansativa mania de amarrar todos os cabos soltos, como uma boa virginiana que sou e que acaba de entrar na Era de Aquário... O relógio marca 3h06 da tarde primaveril austríaca... 3 mais 6 são 9, um bom número, simboliza a luz interior, prioriza ideais e sonhos, experienciados mediante às emoções e à intuição; representa a ascensão a um grau superior de consciência e a capacidade de sair pelo mundo espalhando amor aos outros.... Claro, vai que por culpa de qualquer fio solto, a incoerência do tal destino coloque um ponto final à vida… uma turbulência... sei lá… nunca se sabe! Espero que a última mão que eu segure forte, em clima de despedida, seja pelo menos as de um passageiro bonitão..., só porque lembrei de Belchior cantando “foi por medo de avião/que eu

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segurei/pela primeira vez a tua mão”... Bem, melhor nem pensar nisso!

Um senhor elegantemente vestido, charmoso até, se senta em uma das cadeiras de descansar nádegas cansadas de passageiros, abre a pasta de empresário, retira um tablet e põe cara de homem de negócios conectado com o mundo das finanças, parece super concentrado, até que passam diante dele umas pernas torneadas com umas leggings super coladas... assim que os olhos do businessman se esticam para apreciar as passantes pernas e, no caminho de volta, seu olhar esbarra com o meu, e rapidamente nossos olhos serelepes e desorientados desviam a direção, como se fôssemos nos comprometer naquele encontro visual... uma sensação estranha, égua! Ficamos nessa lenga-lenga umas quantas vezes, havia uma sensação nítida de que eu era a raposa e ele, as uvas, até desejei um beijo roubar, mas nenhum de nós tinha laquê no cabelo... O que diria Reginaldo Rossi disso?

De repente, meus sentidos foram sequestrados pelos ósculos ardentes do jovem e assanhado casal beijoqueiro sentado a meu lado, eram beijos estalados e sussurros ao ouvido, com direito a cafungadas no cangote... essas coisinhas que animam o espírito das diabruras de quem se sente alcançado pelo “fogo que arde sem se ver”... Nisso, um rapaz bem engomadinho e engravatado avisa, via megafone, num inglês britânico, que dentro de bilhões de segundos o embarque se iniciaria. Rummm, pra que, maninha? Aqueles passageiros do gate 36 imediatamente avançam em marcha, em movimentos mecânicos, como se fossem saúvas cortadeiras, carregando cada uma o seu quinhão de folhas. Que saco! me vejo obrigada a abandonar meu confortável lugar de espera, justo quando o clima erótico começava a esquentar... Fui me reunir às outras companheiras saúvas da gigantesca fila. A saúva da minha frente tinha um pescoço que pedia beijo, juro!... Cruzes! Acho que aquele jovem casal me contagiou de

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amores..., mas não vou me render a esse louco e convidativo pedido, nego-me terminantemente, não estou aqui para isso!... E se estivesse? “Ah, para com isso, boba, o universo deseja a sua felicidade!”, me repetiu aquela vozinha amiga interior que sempre me anima para o pecado. Bem que seria uma boa ideia... as horas passariam até mais rápidas e prazerosas!

E se eu tropeçasse em minha pequena folha de 10 kg e caísse esparramada nesse saúvão da frente?! Ai, melhor esquecer isso.

Passeio os olhos e vejo meu ex sentado, abraçando a namorada, ela dormindo apoiada em seu ombro e ele roçando carinhosamente seu rosto ao dela... Que cretino! Nunca me fez um carinho assim e sequer me abraçou tão apaixonadamente em público... Prefiro admirar o amor do jovem casal que continua sentado praticando a religião dos ósculos ardentes e que agora mesmo tem braços e pernas entrelaçados... Como eles podem ser tão flexíveis assim?! Claro, o amor é flexível, não precisa ser forte, basta ser dócil, complacente e transigente... Não! já basta a longa espera, nada de fazer conexão com a filosofia, né, maninha!? Caramba, não é meu ex, mas o primo dele, tenho certeza, claro, o primo foi sempre mais bonito e mais carinhoso, é isso mesmo! Sempre gostei do primo, mas como ele nunca me deu bola, fiquei com o arigó do Gerisney para fazer ciúmes e deu no que deu, afff! Se arrependimento matasse, já havia retornado ao pó, segundo o Gênesis, amém! Estava tudo muito claro para mim, como pude me enganar! O primo do meu ex e a namorada saem abraçados, como dois pombinhos, e juntam-se às outras saúvas que aguardavam a entrada na monstra fila rumo ao formigueiro alado.

Nossa! Não acredito! Tem um viking lindo, na fila ao lado, cheio de barbaridades no olhar e outra vez acontece a mesma coisa estranha que sucedeu com o businessman: nossos olhares se encontram e outra

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vez saem correndo espavoridos para ensimesmarem-se nas respectivas e assanhadas entranhas... Mas deu tempo de sentir o viçoso verde daqueles olhos... Meu cartão de embarque foi ao chão juntamente com o passaporte, nos agachamos quase ao mesmo tempo, foi como se estivéssemos apenas nós dois, tudo acontecia na Era de Aquário, no compasso de minha respiração ofegante, nossas mãos se tocaram, meu coração acelerou... Aquela barba bem povoada, tão bem feita, deixando aqueles lábios rosados e carnudos em destaque... Ele sorriu, ficamos meio atrapalhados porque nos chocamos de leve, enquanto Elvis Presley cantarolava Oh my love, my darling/ I’ve hungered for your touch... De repente, estávamos nas ilhas Maldivas, duas taças de vinho, um jantar especial, ele chegando vestido com uma saia atrevidamente escocesa (sim, foi um equívoco, ele não era um viking, como disse antes), se aproximando com um lindo sorriso na boca, voz grave, sedutora, seus braços com sede de entrelaçar-me apetitosamente, vinham em minha direção, aquela fragrância máscula inebriando-me os sentidos, desde seus quase dois metros de altura (eu suspirando enxerimentos) para dizer-me... “Senhora, faça o favor de andar, o embarque já começou!”. Abandono meu louco devaneio “p” da vida! Essas saúvas mecânicas não sabem viver o prazer da espera!

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Habitué

Fernanda Sanson Durand*

*Fernanda Sanson Durand é romancista e contista, servidora pública junto à A.G.U., paulista de Santa Cruz do Rio Pardo que vive em Santos. Já escreveu o romance psicológico O ESPELHO DE JOSÉ e o adolescente anos 80 EU, MINHA MÃE E O FUSCA, além de diversos contos, destacando-se o conto de suspense policial SUICIDAS. Siga a autora no instagram: @fernanda.sanson

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Peguei três malas até escolher uma que mais combinasse: tamanho cabine para levar a bordo e aparência elegante. Afinal, vou de avião! Para acrescentar um agasalho, abri uma última vez que logo transformei em penúltima, já que decidi levar o casaco nas mãos. Afinal, todos dizem que o ar-condicionado de avião é sempre uma surpresa.

Cheguei com antecedência ao aeroporto, mas pude notar que havia muita gente atrasada. Alguns corriam em zigue-zague, cortando a frente de outros também com aspecto angustiado.

Resolvi tentar a máquina para o check in. Queria passar a impressão de que era habitué nas viagens aéreas. Código de reserva. Número do documento. Escolher assento. Preferi um número ímpar, que me traz sorte. Janelinha, evidentemente.

Precisa de ajuda, senhora?

Tô com cara de quem precisa de ajuda? – eu pensei. Não, obrigada! Tudo certo... – eu disse.

A máquina cuspiu o bilhete. O papel prensado entre os dedos demonstrava minha ansiedade. Percebi que algumas pessoas tinham a passagem digital no celular, mas eu queria uma garantia dupla. Vai que me roubem o aparelho ou acabe a bateria... Nada poderia dar errado!

Arrastava minha mala sobre o tabuleiro de xadrez no saguão principal. Me lembrei de quando era criança e tinha manias. Me deu vontade de pisar somente nas lajotas brancas. Desisti dos pulos. Seria uma heresia com Congonhas, símbolo do glamour entre os ricos e famosos paulistanos nos anos 50.

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Subi pela escada rolante. Um jovem muito apressado passou à minha esquerda prensando a mala em minhas pernas. Senti um calafrio ao imaginar que a meia pudesse ter desfiado. Fuzilei-o com os olhos. Sustentei um sorriso complacente.

Um homem com um terno bordado no bolso ornamentava os portões de acesso à área de embarque. Três pessoas na minha frente. Uma mulher teve dificuldade e o filho retornou para ajudá-la. Entendi o jeito certo de colocar o QR code sobre a luz verde. Cara de quem faz isso todo dia, papel sobre a luz e... voilà! A catraca de vidro se abriu em duas partes e eu passei o mais rápido que pude, com medo que aquilo fechasse em meus quadris.

A fila serpenteava e a cada quatro ou cinco minutos cruzávamos com as mesmas pessoas. Uma vez a gente indo e eles vindo. Outra vez, ao contrário.

Um casal, com certeza alemão, tinham a pele e o cabelo da mesma cor ocre, camisas floridas de botões, bermuda nos joelhos e papetes com meias. Uma mulher magérrima, com um par de óculos agigantados e uma criança a agarrar-lhe pelas pernas. Dois amigos que gargalhavam o tempo todo. Outro casal, bem mais jovem digitavam seus celulares, trocavam poucas monossílabas entre si.

Uma mulher entregou-me a bandeja cor de laranja. Celular, notebook, carteira, chaves, relógio... tudo aqui!

Passei pelo portal. “Pipipipipi”

Cara de empáfia. Ah, sério isso? – eu disse.

Que frio na barriga! Meu Deus do céu! – eu pensei.

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Outra mulher apareceu com uma raquete estranha nas mãos. Passou pelos meus braços, pernas, barriga... Pode ser o cinto. Tire também os sapatos.

Foram para outra bandeja. Os olhares na fila mostravam certa impaciência. Vesti sapatilhas descartáveis.

Que emocionante! – eu pensei.

— Pode pegar sua mala e usar aquela cadeira lateral para calçar os sapatos. – disse a mulher da raquete.

Quatro telas mostravam os voos que ainda decolariam e todos os passageiros paravam em frente. Alguns por poucos segundos, outros tais quais os cachorros a salivar na frente dos frangos a girar na padaria. — Menos mal! Se eu tiver dificuldade de localizar meu voo nessa imensidão de números, não serei a única.

O bilhete mostrava portão 19. A tela apontou o número 10.

Apesar de ainda faltar mais de uma hora para o começo do embarque, saí acelerada no frisson contagiante dos estressados. Meu coração disparou como se de fato eu fosse perder o voo, indo para uma reunião de suma importância. Um rapaz parou à minha frente, esquivandose, cedendo-me a passagem em gentileza. Camaradagem entre os que entendem a dinâmica do transporte aéreo.

Começaram a chamar para o embarque. Prioritários por lei. Uma mulher arrastava o carrinho com os pés enquanto segurava o bebê no colo e o filho maior na outra mão. Um homem contava ao funcionário da companhia aérea que não tinha carteira de identidade mas um tal de R.N.E . Três amigas que pareciam ter os sapatos apertados

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afivelando os pés gordinhos. Um grupo de orientais. Um casal com ar de inconformados por serem os últimos, ainda que dentre os primeiros.

A seguir clientes Diamante. — Coisa mais chique! – pensei. Mostrei meu bilhete para uma funcionária que passava. Não, senhora. Seu bilhete é grupo 5.

Depois, pessoas que pagaram pelos lugares com mais espaço. O funcionário colocou três placas identificadoras: Grupos 3, 4 e 5. Três filas enormes se formaram. Por que razão os do grupo 5 já estão de pé, em flagrante impaciência? Pretendentes a primeiros, ainda que dentre os últimos.

Alguém explicou que não haveria finger. Arrisquei perguntar o que raios seria isso, mas não foi desta vez que minha aura de frequentadora assídua dos aeroportos seria maculada, já que um menino tagarela emendou a pergunta. Descemos para o embarque no chão ao lado da aeronave.

Um caminho de formigas passava próximo às rodinhas da minha mala. A pequenez dos bichinhos me fez lembrar que o avião grande e pesado estaria, em poucos minutos, a quilômetros acima do chão.

É o homem voando igual a um passarinho! Igual... que nada... melhor! Passarinhos já nascem com o chip de voador, com asas apropriadas, peso adequado, com penas e instinto de quem vai voar. O homem nasce para nada e para tudo, ao mesmo tempo! Pode fazer nada como pode fazer tudo. Não nasceu sabendo, teve que aprender como se voa, mas colocou seu pássaro de toneladas no ar.

Falou comigo? – disse uma senhora bem apessoada à minha frente.

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— Só estava pensando alto... bem alto!

“Mantenham seus cintos afivelados até que o sinal de atar cinto se apague.”

Como coube tanta gente aqui dentro? Que frio na barriga! Jesus, me acuda! Então é essa a tal da turbulência. Havia lido que a padroeira da aviação é Nossa Senhora de Loreto, acerca da qual eu nada conhecia, mas passei a ser íntima devota.

Pousamos. Uma mulher ao meu lado que não tirou os olhos das páginas de um livro desde que havia entrado na aeronave disse “que bom termos feito uma excelente viagem”. Concordei mexendo a cabeça, ainda com a expressão pálida de quem se recuperava dos chacoalhões.

Aquele mundaréu de gente em pé, abrindo os compartimentos de bagagem, pedindo licenças, pedindo desculpas. No fim, os últimos puderam ser os primeiros. Uma aeromoça anunciou que poderíamos desembarcar também pela porta traseira.

Um leve desequilíbrio na escada. Os cinquenta minutos no ar me fizeram desacostumar da terra firme. Talvez, da próxima vez, despache minha bagagem só para depois poder me juntar aos que ficam a bater os pezinhos e estalando os dedos enquanto aguardam ao lado da esteira.

Já conto os dias para o retorno. Afinal, de verdade, serei veterana!

Fez boa viagem? – perguntou a tia que me aguardava.

Sim... normal. Como de costume!

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Herdeiros dos céus

*Luke Negreiros, autor independente, pós-graduado em literatura e artes aplicadas, professor universitárioderedaçãocomdiversaspublicaçõesem antologias. Nascido e criado em Piracicaba, interior de São Paulo por quase toda sua vida, cresceu sob forte influência da ficção científica e quando adulto, seguiu cultivando o desejo genuíno em escrever suas próprias histórias.

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Lembro-me de correr descalço pelo quintal, com a terra molhada e fria, um convite aos dias de verão na casa dos meus avós e, posteriormente, na casa do meu pai. Pouco me recordo deles, viajantes de terras distantes que vieram para Minas Gerais em busca de algo diferente para suas vidas.

É possível que minhas memórias não correspondam exatamente aos acontecimentos naquele quintal, onde o pé da Murta-de-cheiro prosperava com suas flores brancas. Quando criança, brincava com meu pássaro de bate-bate, talhado em madeira e pintado de vermelho e branco. Corria em todas as direções até que alguém gritasse que o almoço estava servido.

A lembrança mais vívida dessa época era do meu pai saindo da garagem, uma oficina improvisada, com as mãos sujas de graxa, limpando-as com uma estopa de algodão e lã. Ele sempre reclamava de alguma peça!

Sempre senti a pressão de seguir os passos dele.

Sou Francisco Ferreira de Andrade, o filho do mecânico Sebastião Andrade, o mais velho de três. Uma criança cidadã do mundo da lua, com seus brinquedos de madeira, observando o mundo se transformar na velocidade dos motores a combustão ganhando o mundo.

Meu pai costumava me explicar, com entusiasmo, sobre cada cilindro, pistão, cabeçote e vela de ignição, detalhando seus movimentos e a explosão controlada. Eu admirava suas explicações, mais do que a matéria e a temática. Foi o que me afastou da mecânica, advocacia, medicina ou engenharia; eu não queria aprender apenas uma profissão, eu queria aprender todas e ensinar a todos.

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Entendo a preocupação do meu pai comigo, mesmo nos dias após o retorno da viagem à França, desamparado e melancólico. Nos tempos seguintes, os trabalhos na área de química não eram tão abundantes como prometido, e arranjar emprego como educador era ainda mais difícil. Mas, como meu pai costumava dizer, era o que era!

Hoje, quando olho para o quintal da casa dos meus avós, tantos anos depois, entendo sua preocupação. Dadas as circunstâncias, não posso contar a ele sobre um convite recente para trabalhar nos Estados Unidos e dizer que tudo ficará bem. Mas isso não importa, sinceramente. Meu compromisso agora é me despedir, respirar o ar de uma maneira diferente e sentir o cheiro de confiança do passado misturado às incertezas dos novos tempos. Mas, para que você possa entender melhor o ciclo de transformação, deixe-me explicar melhor quem foi o meu pai!

Sebastião Andrade, como mencionei anteriormente, era um mecânico de bondes. Ele fazia de tudo, mas não gostava de nada. Sempre impaciente, tinha a certeza de que poderia fazer melhor, dar uma volta a mais no parafuso e aprimorar o sistema de freio e suspensão. "Sempre há espaço para melhorias; é a vida, Chico. Era como era!”, costumava dizer.

Meu pai começou como aprendiz numa garagem em São João Batista da Glória, trocando baterias, cabos e sistemas de alimentação. Trabalho temporário na maior parte do tempo e percorria o caminho em direção à capital. Nunca chegou a Belo Horizonte, mas por destino acabou fixando residência em João Gomes, a 24km da Fazenda Cabangu.

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* * *

Apesar das dificuldades em encontrar meios de transporte para aplicar seus conhecimentos, meu pai conheceu de tudo. Sobravam serviços para eletricistas e manutenção dos bondes elétricos nas cidades. Ele teimava em dizer que a transição da tração animal para a elétrica foi um salto tecnológico e que o próximo seria o motor a combustão, descendente do famoso motor de explosão de gás. Uma revolução! — ele dizia.

Sebastião se dedicou ao estudo do pistão, um dispositivo responsável por queimar combustível líquido em um motor de combustão interna. Ele encontrou trabalho na inspeção, manutenção e reparo de peças salientes. Sua vocação metódica não escondia sua teimosia de uma mula, mas a realçava.

Tempos depois, conheceu Alberto Santos, filho de Henrique Dumont, um engenheiro brasileiro e pioneiro no cultivo de café. Alberto era um herdeiro burguês da cidade, que havia visitado Minas Gerais após uma longa passagem pelo Rio de Janeiro e São Paulo. Ele estava cursando a Escola de Engenharia de Minas e frequentou a oficina de meu pai por meses a fio. Alberto não se importava em sujar as mãos. Lembro-me de meu pai imitando Alberto, ainda desajeitado com graxa nas mãos, mas sorrindo de felicidade. Sabe-se lá o porquê! Ele dizia.

Em pouco tempo, eles se tornaram amigos, parceiros e confidentes. Compartilhavam conversas sobre possibilidades e sonhos coletivos com relação ao futuro, compartilhando absurdos, dividindo otimismo acerca da civilização moderna e do próprio homem, suas ambições, resiliências e criatividade.

Quando Alberto retornou de uma de suas viagens pela Europa, estava maravilhado com o que acontecera nos céus de Paris. Meu pai dizia

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que era impossível acompanhar sua eloquência e suas ideias sempre articuladas.

Os dois riram muitas vezes juntos, até o dia em que Sebastião perdeu o sorriso.

Num dia quente de primavera, debaixo do toldo da garagem, Alberto convidou meu pai para uma viagem além-mar, até o velho continente. Sebastião ficou apreensivo, confessou seus medos. Ele olhou para mim, ainda criança, e temeu pelo futuro incerto em terras estrangeiras.

No entanto, o otimismo de Alberto era contagiante. Desprovido de preocupações mundanas, ele havia organizado tudo para todos. Sebastião faria parte de sua equipe de mecânicos, e as ambições das histórias de oficina, agora ganharam altitude nunca antes imaginadas. * * *

O histórico de aventuras era impressionante. Em pouco tempo, meu pai acumulava histórias dos dirigíveis de Alberto, dos balões ousados e dos planos mais audaciosos. A mente de Alberto voava para alturas acima das nuvens, sem se preocupar com os limites físicos impostos pelo julgamento alheio. Ele testava a imaginação a cada nova volta pelos céus do Brasil e do mundo.

Em 1901, Alberto sobrevoou a cidade de Petrópolis com um zepelim, pouco depois de ganhar o prêmio Deutsch por suas conquistas em Paris no mesmo ano. Ele pilotou o dirigível n.6, partindo da sede do Aeroclube da França, circundou a Torre Eiffel e retornou ao ponto de partida em apenas 29 minutos.

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Alberto acreditava que os brasileiros precisavam ver o que era possível para então sonharem com o impossível. Ele sempre foi um patriota.

Apesar da notícia do primeiro voo controlado e motorizado dos irmãos Wright em Kitty Hawk, Carolina do Norte, Alberto não se incomodou. Suas ambições eram diferentes das de seus companheiros de aviação pelo altruísmo e esperança na humanidade. Ele deixou claro para a imprensa que suas invenções estariam livres de patentes e que qualquer um poderia aprimorar suas conquistas. Essa declaração conquistou o coração do meu pai, como ele mesmo disse. E então veio o dia em que Alberto ficou alvoroçado, dançando pelos corredores e anunciando o prêmio que recebeu por sua façanha em Paris. Antes de voltarmos para Petrópolis Alberto distribuiu o prêmio para nós, os mecânicos…, ele cantava. Era o que era!

No entanto, o caminho para o sucesso não era apenas de céu claro e ensolarado. Lembro-me do dia em que meu pai não dormiu por dois dias seguidos, marchando na sala de um lado para o outro. Ele não foi trabalhar e, temendo ser dispensado por faltas injustificadas, minha mãe o confrontou. Ele foi taxativo. O problema… não é desânimo, nem pagamentos e salários. O problema era muito, muito pior.

Apesar do otimismo e do empenho de cada membro da equipe, Alberto precisava lidar com as complicações políticas, a pressão da imprensa e as expectativas da população. Críticas eram comuns para com os inovadores e ainda mais incisivas para aqueles afetados por tais transformações. Toda mudança é dolorida! Meu pai dizia.

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* * *

Alberto começou a se ocupar cada vez mais com eventos sociais e compromissos além dos hangares de suas aeronaves. O destino do novo empreendimento se tornou incerto à medida que enfrentavam a inevitável conclusão: O motor não tem potência para o próximo voo!

O desfecho foi registrado pela história da aviação nos anos seguintes. Em 1907, ocorreu o voo do monoplano Antoinette, que viria a se tornar uma aeronave icônica na história da aviação. Em 1908, Henry Ford fundou a Ford Motor Company, desempenhando um papel significativo na indústria automobilística. No entanto, nas palavras de Alberto, era mais um passo importante nos esforços globais pela mobilidade. Em 1909, Blériot realizou o voo atravessando o Canal da Mancha, do norte da França para a Inglaterra. Em 1910, aconteceu a Primeira Exposição de Aviação em Belmont Park, Nova York. Mas em 1914, ocorreu o que ninguém esperava: a Grande Guerra.

Esse evento cataclísmico desencadeou avanços significativos na tecnologia aeronáutica devido às demandas militares, transformando as aeronaves em meios de destruição execráveis.

* * *

O maior feito de toda a equipe, sem dúvida, foi o 14-bis. Eles conseguiram contornar os limites com o motor interno e criaram de fato um avião, ao contrário das aeronaves anteriores que dependiam da flutuação para se manterem suspensas, como sugeria o nome.

Além dos motores a vapor dos dirigíveis, que usavam hélices para a propulsão, o 14-bis contava com um motor a gasolina de quatro cilindros, uma inovação considerável na época.

O 14-bis tem asas! Eles diziam.

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Sinto saudades da época em que meu pai sorria. Sempre me inspirei por essas e outras histórias. Da mesma forma, testemunhei sua tristeza ao perder um amigo em circunstâncias tão aterradoras. Em meio às expectativas que recaem sobre mim, é por causa do meu pai e sua convivência com Alberto Santos Dumont que hoje, eu me preparo para o meu voo. Uma mistura de medo e coragem se unem como combustível e comburente, alimentando meus músculos com força e determinação, devo confessar. No entanto, tenho para mim, uma urgência crescente em seguir meu próprio caminho e honrar o legado de meu pai e de Alberto.

Enquanto enfrento essa solidão que se confunde com saudades, guardo as recordações de meu pai. Em minhas últimas palavras antes de partir, expresso meu eterno agradecimento àqueles que moldaram meu caráter. Ao olhar para trás, por cima do meu ombro, vejo minha filha, neta de Sebastião Andrade, brincando em seu quintal com uma pequena escultura de madeira em forma de avião, pintada com as cores azul celeste e estrelas brancas.

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Inspiração ao voo

W. Márcia Souza*

*Me chamo Wanda Márcia de Souza e escolhi usar, nos meus textos, o pseudônimo W. Márcia Souza. Moro na cidade do Gama-DF; tenho uma filha licenciada em Letras pela Universidade de Brasília que é minha revisora, além de grande apoiadora; sempre gostei de ler, mas comecei a escrever há cinco meses, como uma das formas de terapia para a ansiedadecomexcelentesresultados;souaprendizna escrita, portanto estou fazendo pesquisas e estudos acerca do assunto para adquirir conhecimentos e vivenciar as belezas dessa arte.

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O desejo por diversas percepções, sempre esteve presente na alma do Santos, assim uma das formas de sentir prazer era voando, a exemplo de uma viagem a bordo de um avião; um voo de asa delta; pilotando um dirigível; como piloto de um helicóptero; entre outros. Seguramente, ele sabia que poderia sentir tais emoções por intermédio da leitura de um livro, da observação do vento ao chacoalhar os galhos das árvores e da vibração provocada pela risada inocente de uma criança.

Primeiramente tinha como princípios que as suas sensações precisavam ser pautadas no respeito às liberdades alheias, sobretudo a compreensão da existência das diversas maneiras de sentir, inerentes ao ser humano, pois cada pessoa possui características próprias de vivenciar seus prazeres, suas dores, seus devaneios. Por isso, ele se permitia sentir do seu jeito e zelava por não ultrapassar os limites elaborados por sua própria consciência, de acordo com esse pensamento, encontrava a liberdade em sua plenitude.

Assim, numa certa manhã, do mês de outubro de 2023, logo ao acordar, sentiu vibrando em sua alma a enorme vontade de experienciar todas as formas possíveis de voar. Certo de que essa busca poderia proporcionar a captação de energias que poderiam ser um paradoxo, levando-o de um ponto de partida sutil a um êxtase de contentamento; poderia se deparar com felicidade, euforia, regozijo ou lamento, dor, frustração.

Depois de, com um entusiasmo diferente, terminar de tomar o café, se deu mais um momento para reflexões acerca do assunto. Nesse ínterim, observou que chegavam diversas notificações em seu celular, sorriu já concluindo que só poderia ser seu primo, o Beto, imediatamente conferiu as mensagens. Conforme pensou era o Beto, convidando-o para participar de uma trilha e conhecer um lugar lindo e cheio de desafios em meio a natureza.

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Ainda por cima, poderia ser uma maneira de começar a botar em prática a decisão que terminou de tomar, devido a isso, comunicou que precisava apenas de alguns minutos para se organizar e logo se juntaria ao primo naquela aventura, assim, pegou sua mochila e no caminho foi pensando em compartilhar tudo que projetava em seus pensamentos. Logo se encontraram e seguiram o destino combinado.

Visto que, naquele momento, tudo estava propício a uma conversa descontraída, Santos, com o coração acelerado e a voz entusiasmada, falou para o Beto sobre os seus sonhos e decisões, por sua vez, Beto ouviu, pacientemente, ao mesmo tempo em que se deliciava com a vontade de viver de uma pessoa tão querida, e disse que ele estava, então, iniciando da melhor forma ao aceitar compartilhar as emoções da trilha.

Sem dúvida, a sintonia entre os dois permitiu que algumas ideias surgissem. Beto, descontraidamente, desafiou o primo a subir nas pedras da cachoeira e pular, começando do lugar mais baixo até o mais alto e depois relatando a ele quais foram as sensações que poderiam comparar as perspectivas de cada um. Imediatamente, o desafio foi aceito.

Todas as vezes que pulava, Santos, acolhia em sua alma a satisfação de sentir o ar, como a segurar seu corpo para que pudesse ser, naquele breve instante, uma pena embalada pela brisa e, em seguida, finalizar o voo envolvido por arrepios causados pela água gelada. Lodo após, sentaram-se à sombra de uma árvore para tecer os comentários.

No entanto, uma forte e inesperada chuva caiu, atrapalhando os planos, assim buscaram abrigo em uma pequena caverna que mal cabia aos dois, Santos fechou os olhos e imaginou voar com suas próprias asas ao mesmo tempo em que ouvia o zumbido que o vento provocava,

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com o aumento progressivo do fluxo da água, resolveram sair da caverna e encontrar um lugar mais alto, onde pudessem se proteger.

Graças a experiência, Beto conseguiu sair primeiro, à medida que percebia as pedras se movendo com a força da enxurrada, tentava puxar o Santos que estava com a perna presa e não tinha condições para se libertar, mais precisamente, era uma tragédia anunciada. Logo que o deslizamento de terra marcou o desalento, Beto apoiou-se em um tronco de árvore no intuito de encontrar algum tipo de ajuda.

Embora o socorro tenha chegado a tempo de salvar sua vida, não pode interferir na ousadia do destino de fazê-lo perder uma perna. O estado de coma induzido foi inevitável em decorrência da gravidade dos ferimentos e aquele, por mais estranho que possa parecer, foi o momento de indescritíveis sensações em que ele encontrou a liberdade de voar sem as amarras das crenças limitantes, sem as técnicas dos meios de transportes aéreos, sem precisar usar o ar para impulsionar a realização do sonho, sem o receio de ultrapassar algum limite ético-social ou de sua consciência.

Assim, sentiu o mundo girar sob o seu comando e num êxtase abriu suas asas, como em um prelúdio de admirações, na sequência sentiu um campo energético como um imã levando-o para cima velozmente, porém a repulsa invadiu seu coração jogando-o no centro de um furacão de emoções semelhantes a uma montanha russa, em que os altos e baixos estimulam pânico e alívio. Dessa forma vivenciou enquanto o corpo passava por diversos procedimentos médicos.

Por outro lado, ouvia vozes confusas que aos poucos iam se tornando mais claras, logo tentou abrir os olhos, mas pesavam as pálpebras e com o formigamento no corpo compreendeu que estava voltando pra vida real, tomando posse novamente de si mesmo. Porém, ouviu os médicos debatendo um assunto aterrorizador, que o fez perder a

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vontade de continuar o processo do despertar, pois agora só possuía uma perna, assim queria experienciar a morte.

Dias depois, seu primo levava conforto durante o horário de visita e, com argumentos envoltos na pureza da amizade, tentava ajudá-lo a aceitar que poderia ser feliz e realizar todos os sonhos que ficaram pendentes. Depois de vê-lo sorrindo novamente, detalhou um verdadeiro projeto de oferecer a Santos as possibilidades de voar das mais diversas formas para que ele corporifique tudo o que havia sido carregado por aquela tempestade bárbara.

Ao tempo que Santos recuperou o vigor, Beto chegou com o celular e um bloco de anotações nas mãos e encaixou a cadeira de rodas em seu carro, dessa forma seguiram para a primeira aventura do dia. Na estrada, Santos abriu toda a janela do carro e pediu pro primo acelerar, assim sentia o vento batendo forte no seu rosto e despertando uma adrenalina no corpo e na alma.

Logo que estavam na plataforma para um voo de asa delta, verificaram os equipamentos de segurança e seguindo as orientações do instrutor, olhou para a linha do horizonte e respirou profundamente, sentindo-se presente por inteiro e reavivando seu entusiasmo. Quando o instrutor permitiu que ele guiasse por uns instantes, inexplicável o quanto ter o controle em suas mãos o deixava leve por vivenciar tudo o que a liberdade oferece.

Assim, dia após dia, novas experiências, como por exemplo: a impressão de que o parapente era suas próprias asas; sentir um frio na barriga a bordo de um balão, muito cedo da manhã, movido ao sabor do vento; desfrutar de grande curiosidade ao visitar um museu para conhecer bem de perto um, antigo dirigível; a vontade de gritar palavrões ao céu, com sua perna para fora de um helicóptero sem portas.

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Desse modo, boa parte de seus desejos estavam realizados, por isso sabia reconhecer a dedicação de seu primo querido, que continuou com os planejamentos de aventuras que ofereciam conhecimento da natureza e enriquecia seu respeito por toda forma de vida, assim como sempre foi primordial que os meios de obter felicidade nunca poderiam ser desvirtuados a ponto de provocar o caos.

Conclui-se que ele descobriu que a diversidade de experiências é capaz de oferecer sensações e aprendizados múltiplos. Enquanto viajava em seus pensamento, Beto se aproximou e fez um convite para que ele fosse conhecer a cabine do piloto durante um voo em um dos aviões mais tecnológicos, ele olhou para as plantas no jardim, com uma fisionomia serena, em seguida disse que naquele momento gostaria de apreciar o flutuar daquela borboleta.

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Nas asas da imaginação

Pablo Kaschner é roteirista, pesquisador e jornalista. Nascido em 15/11/1981, formou-se em Rádio e TV pela Escola de Comunicação da UFRJ, tem pós-graduação em Artes da Escrita pela Universidade Nova de Lisboa e mestrado em Memória Social na UNIRIO. É autor dos livros "Chaves de um Sucesso", "Seu Madruga – Vila e Obra", "Só 30 contos" e “Nada a Declamar”, além de ter participadodecoletâneasliterárias.@umpabloamais

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Do alto de seus sete anos muito bem vívidos, Beto queria saber de tudo. Era um legítimo “por quê?” ambulante. Seu pai também fora uma criança curiosa, mas nunca tivera respostas convincentes a tantas inquietações infantis. Assim, para que o filho não passasse pelo mesmo, Henrique tinha sempre uma resposta na ponta da língua, mesmo que sem qualquer rigor científico: quase tudo era inventado na hora, de improviso. Importante mesmo era não deixar pergunta alguma sem resposta.

Pai, por que o céu é azul?

Hum… porque o céu é masculino. Se fosse a céu, seria rosa – e o menino sossegava.

Beto adorava aviões. Eram sua paixão desde sempre. Para agradar ao filho, Henrique o presenteava com toda sorte de brinquedos relacionados ao tema. E procurava se mostrar conhecedor do assunto, com pílulas enciclopédicas:

— O pai da aviação foi um brasileiro chamado Alberto, que nem você, sabia? Alberto Santos Dumont.

A banca de sabichão, no entanto, era logo posta abaixo pelo filho sagaz:

Depende. Tem gente que considera que são os irmãos Wright – e o constrangimento de Henrique por ter sido corrigido por um projeto de gente de sete anos era indisfarçável, ainda que viesse acompanhado de uma pontinha de orgulho.

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Um dia, o menino fez um pedido. Na verdade, uma exigência:

Quero viajar de avião!

Uma demanda daquelas era questão de tempo, e não havia motivos para negar um doce àquela criança. Bem, motivos havia: Henrique morria de medo do tal do avião. Na única vez em que se arriscara a voar, se agarrou à alavanca da saída de emergência na primeira turbulência. “Me deixem sair daqui!”, pedia, aos céus, que fosse. Com muito tato e elegância, a comissária de bordo tratou de convencê-lo de que aquela não seria exatamente uma boa ideia.

Ao mesmo tempo, Henrique tinha uma imagem a zelar diante do filho, e não convinha transparecer seu pavor de voar. Vivo que era, Beto aguardar o dia de seu aniversário para fazer o pedido. Já tinha pensado até na data de sua estreia nos ares: 23 de outubro, dia em que seu xará, o tal Alberto, fizera o primeiro voo em uma máquina mais pesada que o ar.

Henrique prometeu pensar no assunto, um tanto a contragosto, é verdade. Não jogaria por terra o herói sem capa que representava para o filho. Pressionado pela data comemorativa e pelo próprio Beto, que se articulara junto à mãe para a chantagem emocional, Henrique tirou do bolso o celular e comprou de uma vez as benditas passagens. Agora não tinha volta. Para o menino, o tempo até a data do voo passaria num piscar de olhos; para o pai, duraria uma eternidade ou duas. Chegava o natal, mas não chegava 23 de outubro.

Mas assim, um dia após o outro – e a despeito da vontade de Henrique – finalmente chegara a tão aguardada data. O dia amanhecera chuvoso e Henrique, suando frio. Ainda assim, disfarçava bem. O filho, só sorrisos. O pai também ria. De nervoso.

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Malas feitas, tomaram um táxi e, antes que o pai pudesse mudar de ideia, Beto foi logo dizendo ao motorista, sem disfarçar a ansiedade:

Aeroporto, moço!

Fizeram procedimentos protocolares e entraram na aeronave, como Beto gostava de chamar. Henrique torcia para que as cadeiras ficassem próximas a alguma saída de emergência. Nunca se sabe. Localizaram os assentos e se acomodaram. Na hora das instruções de uso do colete salva-vidas, Henrique parecia ser o único passageiro que acompanhava com atenção, e chegou mesmo a levantar a mão para tirar uma dúvida. Se não fosse tão incômodo e constrangedor, colocava o colete desde já. Prevenção, como se sabe, nunca é demais.

Em poucos minutos, o avião estaria taxiando e se posicionando para a decolagem. Quando as turbinas foram acionadas, Henrique segurou com as duas mãos na mão de Beto o mais forte que convinha para um pai. Se não a tivesse apertado tanto, o menino perceberia que estavam molhadas. Diante do olhar surpreendido do filho, e que denotava alguma dor, Henrique tranquilizou o menino:

— Não tenha medo, meu filho. Papai tá aqui com você.

Terminado o procedimento de decolagem e com o gigante a planar pelo céu cinza, Beto olhava pela janela com uma certeza: seu pai era um herói sem capa. E mesmo assim era capaz de voar.

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Nas Asas da Mente: A Jornada de

Tuiyane

para Voar com a Força dos Sonhos

Augusto Pereira*

*Augusto Pereira, natural de São Paulo, é um administrador hospitalar, cartomante, espiritualista e autor brasileiro. Formado em Marketing, sua afinidade com a leitura, especialmente nos gêneros policial e de suspense, despertou desde a infância. Seu sonho de reconhecimento literário reflete uma paixão pela expressão escrita, enquanto sua versatilidade se destaca em contos para diversas antologias. Além de sua carreira hospitalar, Augusto transcende as fronteiras profissionais, explorando as complexidades da vida com umaperspectivaenraizadanaricaculturabrasileira.

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No coração de Manaus, a vibrante capital do estado do Amazonas, onde árvores majestosas se estendem em busca dos céus e rios serpenteiam silenciosamente pela densa vegetação, encontramos Tuiyane, uma jovem de espírito aventureiro.

Desde tenra idade, seu coração ansiava pelos céus, sonhando em voar alto acima das copas das árvores que tão bem conhecia. No entanto, um destino cruel a privou de sua mãe no momento de seu nascimento, deixando-a órfã de mãe desde o primeiro suspiro, uma perda que deixaria uma marca indelével em sua vida.

Sem irmãos para compartilhar sua infância, Tuiyane cresceu ao lado de seu pai, um piloto aposentado, que passou a vida amando a aviação tanto quanto amava sua filha. Essa cidade guardava segredos e memórias de suas ousadas incursões pelos céus. Manaus era um lugar onde as águas mágicas do rio Amazonas se entrelaçavam com as exuberantes florestas tropicais.

Crescendo imersa na riqueza da Amazônia, Tuiyane era inspirada pelas narrativas de aviação de seu pai, alimentando, assim, seus sonhos de pairar acima das majestosas copas das árvores que ela tanto reverenciava.

Seu pai, Tenísio, frequentemente compartilhava relatos emocionantes de suas ousadas aventuras pelos céus. No entanto, entre todas as histórias, uma lenda particular cativava a imaginação de Tuiyane: a dos '4 Artefatos Perdidos'.

Segundo Tenísio, esses artefatos continham segredos que poderiam desbloquear a criação de um dispositivo revolucionário, permitindo que qualquer ser humano voasse.

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Essa história enigmática nunca saiu da mente de Tuiyane, servindo como constante inspiração para seguir os passos de seu pai e desvendar os segredos ocultos da aviação.

Após anos de perseverança e determinação, ela finalmente realizou seu sonho de ingressar no curso de Engenharia da Aviação. Seu desempenho acadêmico excepcional deixou seus professores impressionados, destacando seu talento inato para compreender a complexidade das aeronaves.

Na faculdade, Tuiyane se imergiu no legado de “Alberto SantosDumont”, o pioneiro brasileiro da aviação, que a inspirou a seguir seus sonhos. Ela estudou suas inovações com afinco, aprimorando suas habilidades como engenheira e piloto. Determinada a deixar sua marca na aviação, ela se formou no mesmo ano em que seu pai, Tenísio, seu mentor e herói, faleceu, deixando-a com a responsabilidade de manter viva a paixão pela aviação que ele havia transmitido. A morte de Tenísio não apenas a abalou profundamente, mas também a desafiou a testar sua resiliência e determinação.

Com o luto pela perda de seu pai, Tuiyane se viu confrontada com um vazio insondável, um silêncio que ecoava nas paredes da casa onde ambos compartilharam tantos momentos especiais. A dor de perder seu eterno mentor e herói era avassaladora, mas Tuiyane sabia que havia uma promessa que precisava manter. Seu pai acreditava em seu potencial, assim como ela acreditava em si mesma.

Assim, com determinação renovada, ela mergulhou de cabeça em seus estudos e trabalhos práticos, dedicando-se a honrar o legado de Tenísio.

Em uma rara visita à antiga cabana da família, escondida na densa selva amazônica, Tuiyane decidiu revisitar as memórias do passado. A cabana, coberta pela exuberante vegetação, guardava os segredos de sua infância e as histórias de seu pai. Ao explorar caixas empoeiradas

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e álbuns de fotos desbotadas, deparou-se com uma caixa negligenciada por décadas. Abriu-a e descobriu as enigmáticas anotações de Tenísio, repletas de desenhos e referências aos '4 Artefatos Escondidos.'

Suas emoções afloraram à medida que folheava as páginas envelhecidas, mergulhando em um mundo onde as histórias de seu pai ganhavam vida e os mistérios dos artefatos se tornavam mais intrigantes. A descoberta dessas anotações marcou o início de uma jornada que testaria sua determinação e honraria o vínculo indomável entre pai e filha.

Ao organizar os pertences de seu pai falecido, Tuiyane descobriu uma pasta etiquetada como 'confidencial'. Com as mãos trêmulas, abriu o documento e encontrou um manual detalhado descrevendo a criação de um dispositivo para voar. Era como se seu pai tivesse deixado um tesouro de conhecimento guardado por anos.

O manual revelava a pesquisa profunda de Tenísio no voo, baseada nas obras de Alberto Santos-Dumont e nos '4 Artefatos Escondidos': o 'Diário de Santos-Dumont', um 'Mapa Estelar Mágico', 'Asas Douradas' e o incrível 'Motor do Silêncio'. Tuiyane decidiu acelerar a busca por esses artefatos, acreditando que eram a chave para continuar o projeto de seu pai. Assim, renovou sua paixão e determinação na aventura de decifrar os enigmas da Amazônia, honrando o legado de seu pai e a missão de transcender gerações na busca pelo voo.

Tuiyane, sentada em uma antiga mesa na cabana, folheou as anotações de seu pai com cuidado e começou a absorver cada detalhe. Sua mente fervilhava de entusiasmo e determinação enquanto estudava as informações meticulosamente registradas nas páginas amareladas. Ela pegou um bloco de notas em branco e uma caneta de sua bolsa, preparando-se para sua própria jornada de pesquisa e

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descoberta. Cada palavra, cada esboço, e cada referência a esses artefatos misteriosos se tornaram os elementos que a impulsionariam a desvendar os segredos ocultos que seu pai jamais revelou a ninguém, honrando a inspiração que Santos-Dumont lhe proporcionara.

Enquanto examinava as anotações de seu pai, uma página solta revelou um mapa antigo, indicando a possível localização dos '4 Artefatos

Escondidos'. Tuiyane ficou surpresa e animada com as coordenadas meticulosamente marcadas. No entanto, a surpresa se transformou em perplexidade quando percebeu que as coordenadas apontavam diretamente para sua própria casa no centro de Manaus. Ela se viu inundada por uma mistura de emoções, incluindo confusão, surpresa e curiosidade.

Decidida a continuar, ela iniciou o planejamento de sua expedição, que se desenrolaria diretamente em sua residência. Tendo em mãos o manual, o mapa e as anotações, Tuiyane estava plenamente decidida a buscar os artefatos e os segredos deixados por Santos-Dumont e seu pai. A confiança em sua empreitada permanecia inabalável, pois acreditava que as recompensas superariam com folga os desafios que surgiriam.

A análise das coordenadas a conduziu à sala de sua casa, onde ela examinou meticulosamente o quadro de avião que coincidia com as informações do mapa. A perplexidade inicial logo cedeu lugar à resoluta determinação quando, com um toque hesitante, ela deslocou o quadro. Para sua surpresa, o movimento revelou uma parede oculta, escondendo atrás de si um cofre cuja existência lhe era desconhecida.

Com mãos trêmulas, Tuiyane abriu o cofre e, para sua admiração, encontrou os tão cobiçados "4 Artefatos Escondidos". O "Diário de Santos-Dumont", o "Mapa Estelar Mágico", o par de "Asas Douradas" e o incrível "Motor do Silêncio" estavam ali, tão bem preservados

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como se o tempo não tivesse tocado neles. A emoção a inundou, e ela soube que este era o legado que seu pai havia deixado, uma herança valiosa e a realização dos sonhos de Santos-Dumont.

Entusiasmada, Tuiyane se lançou em um esforço incansável que perdurou por quatro dias para construir o notável dispositivo que lhe permitiria realizar o sonho de voar. Com suas habilidades, algumas ferramentas e os cobiçados "4 Artefatos Escondidos" em suas mãos, ela conseguiu concluir a criação de um dispositivo extraordinário: uma espécie de cinturão.

No entanto, a maior surpresa veio quando ela mergulhou nas anotações. Elas revelaram que o cinturão tinha um funcionamento único e extraordinário: ele operaria apenas por meio da força da mente, por telepatia. Isso significava que, uma vez vestido com o cinturão, Tuiyane seria capaz de comandar o voo apenas com seus pensamentos, realizando seu sonho de voar de uma forma verdadeiramente notável. A lenda dos "4 Artefatos Perdidos" que seu pai costumava contar na infância se revelou não apenas verdadeira, mas também a chave para desbloquear uma jornada épica que transcenderia a imaginação e realizaria seus sonhos mais extraordinários.

À medida que Tuiyane finalizava a construção do cinturão, a tensão e a emoção cresciam. Cada componente meticulosamente ajustado, cada detalhe cuidadosamente verificado. O momento que ela havia esperado durante tanto tempo estava prestes a se concretizar.

Finalmente, chegou a hora épica de testar o cinturão. Com o cinturão meticulosamente construído e pronto para ser testado, Tuiyane decidiu que o lugar perfeito para este momento épico era o quintal ao fundo de sua casa. Era um local onde suas memórias de infância se misturavam com a determinação de seus anos de estudo.

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Com o cinturão cuidadosamente ajustado e o quintal se desdobrando à sua frente, Tuiyane tomou um momento para se preparar. Ela fechou os olhos e mergulhou nas lembranças das histórias que seu pai costumava contar, repletas de aventuras nos céus. Essas memórias a inundaram de coragem e determinação. Com uma respiração profunda, ela criou uma visão em sua mente, imaginando-se flutuando acima das copas das árvores e dos sinuosos rios amazônicos. O êxtase a envolveu, como se, finalmente, estivesse vivendo o que tanto sonhara na infância, quando ouvia as lendas apaixonantes narradas por seu pai.

Então, com o toque cuidadoso de seus dedos no cinturão, ela ativou o dispositivo com uma antecipação que parecia preencher o ar. Os motores ronronaram silenciosamente, ganhando vida e transmitindo uma sensação quase etérea através do cinturão. Tuiyane sentiu seu corpo ser envolvido por uma inexplicável leveza, como se a gravidade tivesse perdido temporariamente seu domínio. Ela começou a elevarse gradualmente do solo do quintal, testemunhando a grama afastarse lentamente sob seus pés, enquanto as árvores balançavam suavemente com a brisa que agora tocava seu rosto. Era um momento verdadeiramente mágico, onde o presente e o passado se entrelaçavam em um só, e os sonhos se materializavam diante de seus olhos.

Tuiyane estava realizando o ato incrível de voar impulsionada apenas pelo poder de sua mente, e, nesse momento, nada mais parecia ser impossível. A jornada estava apenas começando, e o futuro, que agora se estendia diante dela, estava repleto de possibilidades emocionantes que ansiava explorar

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Nas Asas do Avião: Correndo com os Pássaros de Metal

*JeffersonMachado éparaense,professorde História e jornalista, apaixonado por educação, leitura e ficção científica. Ávido fã de Star Trek e entusiasta da corrida espacial, determinado e focado em seus objetivos.

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O ano era 1963, era verão, na cidade amazônica de Portel, no Marajó. Eu tinha meus 12 anos e morava com meus pais e irmãos. Do outro lado da cidade, havia umpequeno aeroporto que recebia aviões vindos da capital, Belém. Os meninos da cidade corriam para ver aqueles grandes pássaros aterrissarem.

Eu admirava e ficava imaginando como era voar naquele monte de metal. Me questionava como era possível aquele monte de lata voar. O barulho que fazia era inconfundível. Quando passava, deixava tudo que fazia e corria para vê-lo sobrevoar. Ele vinha descendo até tocar o chão e toda a molecada corria para falar com o piloto e receber as pessoas que chegavam à cidade, que não eram muitas.

Era costume a gente ir pela manhã para a beira do aeroporto e ficar esperando os aviões chegarem. Ficávamos da grade esperando eles descerem. Alguns meninos corriam atrás dos aviões e agarravam na cauda traseira, só para sentir a adrenalina.

Certo dia, estava eu e um garoto que conheci naquele momento na rua, pulamos a grade de proteção e corremos atrás do avião.

Eu disse para ele:

— Corre, corre!

Ele correu com toda sua força e nos agarramos na cauda do monomotor.

Segura com força, não larga!

E o pequeno avião ia nos levando e correndo com mais velocidade. O vento dos motores batia em nossos rostos, enquanto a aeronave corria na pista de terra batida. Muitas vezes, a molecada dos bairros ao redor do aeroporto nos acompanhava na nossa aventura, e quando víamos, a pequena asa estava tomada daquele bando de meninos “morcegando” o avião.

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Ele se virou pra mim no final enquanto riamos daquela brincadeira, vendo o avião alçando voo:

Qual seu nome?

— Santos Dumont.

Hoje eu tenho meus 65 anos e há 40 anos que não vou à minha saudosa, Portel. Essa pequena cidade, no Marajó, da minha infância. Ao visitar a pérola do Marajó e rever parentes e amigos de longa data, passei por um terreno largo e comprido que separava dois bairros. Era ali que ficava o aeroporto, de onde desciam os aviões que faziam a alegria de toda a garotada.

Parei e fiquei relembrando tudo aquilo que vivi há mais de 40 anos. Toda a aventura que representava para os garotos e que instigava nossa imaginação.

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Nas asas do tempo

*Marjorie de Sousa Morato nasceu em Belo Horizonte – MG. Formada em Psicologia, artesã e artista por vocação. Participando de Antologias Poéticas para oferecer amor, esperança e flor ( Marjorie significa, também, Margarida) em forma de letras. @halegriaz.by.marjorie

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Hoje olho para o céu e sempre há um rastro seu. Até me engano se é Dumont ou Drummond, pois sua inspiração é uma poesia. Desenha linhas no céu que se esvaem entre os dedos longos ou curtos de crianças de todas idades que cismam em segurá-las e puxá-las para si na ânsia de voar por aí.

O avião que mãozinhas pequenas ziguezagueiam no ar são uma contemplação do céu e da terra, do ar e das águas nas lágrimas de sentimentos eternos, imagens da inocência e do lúdico em nossos corações. Desconheço quem não se encante.

O papel de parede dos filhos que vieram por mim ao mundo era de teco-tecos. E embora eles já não morem mais comigo porque cresceram, um deles, dono de um avião laranja de coleção o deixou e este se encontra sobre a estante do quarto que dormiam como ponte entre nós; e dele com suas próprias aspirações. Quando vem me visitar por vezes passa a mão sobre ele.

Deixa-me contar para você que até a cachorra aqui de casa, a Lara, tem dezesseis anos que olha para o céu quando passa um avião para que perceba a intensidade de sua criação. Alcança a percepção em vários níveis. Algo concorrendo com as aves, com o chilrear dos pássaros nos céus é de chamar a atenção.

Quando criança e viajava lembro que queria sentar na cadeira próxima a janela do avião como fazemos habitualmente em carro, queria ver Deus. Na minha cabeça as nuvens eram fofas e camas de Anjos que deitavam suas cabeças aureoladas para descansar da trabalheira que dávamos. Ver os santos, Dumont.

Meus olhos vasculhavam todo o espaço. Via a terra colorida com verdes de vários tons, descampados, cidades, fazendas, uma imensa colcha de retalhos. As pessoas e animais pequeninos. Quando apontavam a cidade destinada já disparava o coração e imaginava quais parentes estariam esperando e a alegria explícita nos abraços,

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então começava a chorar. Entendi que nuvem é muito pesada e densa já maior e mesmo assim me peguei gargalhando do jovem filho que me contou surpreso que havia descoberto essa condição que você já havia aprendido e usado em favor de todos nós.

O surgimento de um dirigível no céu é uma epopeia. E vi um na minha mocidade, era como se estivesse inserida em um filme de ficção. Algo tão grande, inflado. É uma cena que me desloca entre a realidade e ficção até hoje. Uma invenção tão descomunal, insisto em colocar tão, pois é maior que descomunal. Um elefante gigante voando. Mais amplo que gigante. Como descrever o que é maior que os convencionais superlativos no meu assombro diante daquela aparição? E voa guiado. Não ao léu. Os aviões tiveram novos significados. Ligaram continentes. Viraram ícones em filmes românticos, livros clássicos. Símbolo da liberdade.

Agora na minha idade madura, vejo-os no céu e imagino para onde vão. Pela altura, calculo se são voos nacionais ou internacionais.

Penso: Boa viagem. Vão com Deus! Observo decolagens e pousos pois no horizonte ao lado da minha casa, um sítio no alto de uma serra da nossa Minas Gerais, há um aeroporto. Sento no meio-fio para ver por detrás do morro eles descerem até sumirem ou empinarem majestosos. E penso como um avião parece com a vida. Precisamos abaixar o nariz e frear nossos impulsos para conseguirmos decolar e nos lançar a novos horizontes.

Ah, Dumont, cada um é responsável pela utilidade que dá ao que se tem. Deveria ter ficado para ver o que suas invenções geraram. Quanta solidariedade, fraternidade, respeito e amor pelo reconhecimento de consciências diversas pelo simples ato de ir a lugares que não iríamos sem seu feito. Entrar em um avião e ver as nuvens por cima é criar asas. Ver com os olhos da alma que somos todos ligados, um só quadro vasto e delicado que do alto nos homens somos do mesmo tamanho.

Hoje os aviões estão mais sofisticados, com bares, quartos. Muitas pessoas até perdem o espetáculo de estarem no ar e verem a lua, as

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estrelas ou a imensidão sem obstáculos pela exuberância ilusória. Esquecem que a maior sofisticação é a que você doou: o amor.

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Nuances nas alturas

*Gabriela Pole Teodoro nasceu na paulista Jundiaí em 25 de julho de 2008. Tem se dedicado à escrita enquanto termina seus estudos. Artista e cantora, começou a escrever bastante nos últimos anos, participando de editais e concursos literários como foram de aperfeiçoar sua escrita e encontrar o seu lugar no mundo mágico das palavras.

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Gabriela Pole Teodoro*

Nas profundezas de um vasto céu azul, um aviador solitário alçou voo em sua máquina feroz ao vento. Era como se uma parte dele pertencesse àquelas alturas, onde o vento sussurrava segredos que ninguém nunca ouvirá e as nuvens eram testemunhas silenciosas de suas aspirações.

Os motores roncavam em uma sinfonia dissonante, era como música para ele. Aquilo ecoava seu desejo intrínseco de desafiar a gravidade e suas capacidades mais profundas. As cidades e campos se estendiam abaixo, como fragmentos de um quebra-cabeça em constante rearranjo. Ele se sentia livre, mas a solidão pairava como uma sombra constante.

A sensação de voar para ele, era como uma analogia da vida em si. A liberdade que buscava nos céus era como uma metáfora para a busca da liberdade pessoal, a jornada em direção a horizontes desconhecidos buscando quebrar barreiras e sair de sua sua zona de conforto. No entanto, essa busca incessante também carregava o peso da consciência.

À medida que ganhava altitude, o aviador contemplava a dualidade da existência. A conquista das alturas era uma realização notável, mas também uma jornada solitária e introspectiva. Ele se via como Santos Dumont, explorando as fronteiras da capacidade humana, mas também consciente de que aquela mesma sensação que o fazia voar, poderia também fazê-lo cair.

À medida que o sol se punha, lançando raios dourados sobre as nuvens, o aviador percebeu que a vida, assim como o voo, era uma dança entre a liberdade e a consciência. Cada momento de serenidade nos céus era acompanhado pela lembrança da efemeridade da existência.

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E assim, ele continuou a voar, perseguindo horizontes distantes e desafiando os limites do desconhecido. Nas asas de sua máquina, encontrou um refúgio para sua alma inquieta, um espaço onde podia contemplar o mundo de cima, em toda a sua beleza e complexidade. Nos momentos mais solitários de seu voo, ele se conectava a Santos Dumont, com todos os pioneiros que desbravaram os céus. Sabia que não estava sozinho em sua busca. Cada nuvem que passava, cada estrela que brilhava no céu noturno, parecia sussurrar seu futuro.

E quando, finalmente, ele pousava com suavidade na terra, sentia-se renovado, pronto para enfrentar as desavenças e desafios da vida. Ele sabia que, assim como nossa vida, um avião corta os céus em uma jornada imprevisível. Assim como as asas que sustentam a aeronave, enfrentamos desafios que nos impulsionam a alcançar alturas inexploradas e em busca de sua própria conectividade com a profundidade, serenidade, beleza e esplendor pelos extensos céus da existência ele entendeu que isso era a sensação de voar

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O cofre das emoções perdidas

*Jean Javarini é professor de Matemática na Rede Estadual do Espírito Santo, também atuando como tutor de Administração. Com sólida formação acadêmica, é pós-graduado em Gestão Escolar, demonstrando compromisso notável com a educação. Nos momentos de lazer, revela sua paixão pela escrita, sendo um escritor nas horas vagas. Sua dedicação ao ensino e à gestão escolar o torna um profissional respeitado e admirado por seus alunos e colegas.

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Em um futuro distante, a humanidade havia conquistado a habilidade de voar de maneiras inimagináveis. A tecnologia havia evoluído a tal ponto que as pessoas podiam planar como aves mecânicas e navegar pelos céus sem esforço, explorando os limites do espaço aéreo com suas asas tecnológicas. Neste mundo, as emoções eram uma moeda de troca valiosa. Cada pessoa tinha um cofre especial em seu coração onde guardava suas emoções mais preciosas. Eram as emoções que davam cor à vida, e ninguém sabia disso melhor do que Sofia. Ela era uma inventora renomada, famosa por criar dispositivos que permitiam às pessoas experimentar as emoções de maneiras novas e emocionantes. Um dia, Sofia fez uma descoberta surpreendente. Ela encontrou um antigo manuscrito que mencionava a existência de um "Cofre das Emoções Perdidas", uma lenda que contava sobre um lugar secreto onde emoções raras e esquecidas eram guardadas. A ideia a fascinou, e ela se lançou em uma jornada ousada para encontrar esse lendário cofre. Sofia voou por terras desconhecidas, enfrentando desafios que testaram sua coragem e engenho. Ela encontrou pessoas que compartilharam suas histórias e emoções, dando-lhe pistas valiosas sobre a localização do cofre. A cada passo, a ansiedade e a excitação a impulsionavam para a frente.

Finalmente, após inúmeras aventuras, Sofia chegou ao destino final. Diante dela, um portal deslumbrante se abriu para revelar o Cofre das Emoções Perdidas. Ao abri-lo, uma onda de maravilha a envolveu. Ela viu emoções esquecidas há muito tempo: a alegria de uma criança, a paz de uma tarde ensolarada, a surpresa de uma descoberta inesperada. Sofia decidiu compartilhar essas emoções com o mundo, criando uma invenção que permitiria às pessoas experimentar essas sensações há muito perdidas. Sua inovação se espalhou como fogo, transformando o mundo em um lugar mais rico em emoções e conexões humanas. O conto do "Cofre das Emoções Perdidas" se tornou uma lenda por si só, uma história inspiradora sobre como as emoções são o verdadeiro tesouro da humanidade. O ato de compartilhar essas emoções perdidas tornou-se a nova façanha do

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mundo, relembrando a todos que, às vezes, voar alto em busca do inimaginável pode nos levar a descobertas emocionais incríveis.

Na esteira da lenda do "Cofre das Emoções Perdidas", uma transformação profunda ocorreu na sociedade. As pessoas começaram a valorizar suas próprias emoções e as dos outros de uma maneira que nunca haviam feito antes. A ansiedade e o nervosismo deram lugar à gratidão e ao entendimento, enquanto a conexão humana florescia em novos níveis. Sofia se tornou uma figura venerada, um ícone que personificava a capacidade de inovar e compartilhar. Sua invenção, conhecida como "O Dispositivo da Emoção Pura", permitiu às pessoas acessar emoções autênticas com uma intensidade nunca antes imaginada. Agora, cada indivíduo podia vivenciar a euforia de uma descoberta, a alegria pura de um momento especial, a serenidade de um entardecer tranquilo. Compartilhar emoções tornou-se uma maneira de celebrar a humanidade, e as pessoas se conectaram de maneiras profundas e significativas. O mundo estava em êxtase, vivendo uma era de maravilha e compreensão, muito além do que jamais se atreveu a sonhar. Contudo, como em toda grande história, surgiram desafios. Alguns começaram a usar o "Dispositivo da Emoção Pura" de maneira errada, buscando emoções extremas sem considerar as consequências. A inovação que unira a humanidade estava se tornando uma obsessão para alguns, alimentando a ansiedade e a apreensão em sua busca por emoções cada vez mais intensas.

Sofia, agora uma figura experiente, liderou a luta para equilibrar o uso da tecnologia. Ela sabia que a verdadeira conquista estava em encontrar paz e liberdade emocional, não em emoções extremas. Com a ajuda de muitos, eles criaram orientações para o uso responsável do dispositivo, promovendo a serenidade e a admiração genuína. O mundo aprendeu uma lição importante: o verdadeiro significado da inovação não reside apenas em criar algo novo, mas em como usá-lo para promover a harmonia e a conexão humana. E assim, a sociedade

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evoluiu para uma era de equilíbrio emocional, celebrando as emoções como a verdadeira riqueza da humanidade. O conto do "Cofre das Emoções Perdidas" continuou a inspirar gerações futuras, lembrando a todos que as emoções são a força vital da humanidade, e que compartilhá-las é o ato mais nobre de todos. Enquanto as pessoas continuavam a voar nos céus da imaginação, elas também aprenderam a voar juntas nas asas da compreensão e do respeito mútuo, tornando o mundo um lugar mais rico e emocionante para se viver.

E assim, a história do "Cofre das Emoções Perdidas" continuou a se desenrolar, com a humanidade abraçando a importância de equilibrar inovação com sabedoria. Enquanto as pessoas voavam pelos céus com suas asas tecnológicas, elas também sabiam como navegar pelas complexidades de seus próprios corações. O mundo evoluiu para uma era de compreensão, em que a conexão emocional e a empatia se tornaram o centro da sociedade. O uso responsável do "Dispositivo da Emoção Pura" ajudou as pessoas a encontrar paz interior e a reconhecer a riqueza da serenidade diante das emoções extremas. A maravilha de voar nos céus da imaginação se combinou com a maravilha da conexão humana, e a humanidade se tornou mais unida do que nunca. As façanhas emocionais eram agora vistas como atos heroicos, capazes de inspirar a paz, a gratidão e a harmonia em todos os cantos do mundo. Sofia, a inventora, viveu uma vida plena, sabendo que sua busca pelo "Cofre das Emoções Perdidas" havia mudado o curso da história. Ela havia mostrado ao mundo que, embora possamos voar nas asas da inovação, a verdadeira inovação está em como usamos o que criamos para tornar o mundo um lugar melhor.

E assim, o mundo evoluiu, tornando-se um lugar onde o voo emocional rivalizava com o voo tecnológico. O "Cofre das Emoções Perdidas" tornou-se um símbolo duradouro de como a humanidade pode superar desafios, encontrar equilíbrio e alcançar as estrelas, não apenas nos céus, mas nos corações uns dos outros. E, ao fazer isso, a

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humanidade encontrou a verdadeira e duradoura euforia que havia buscado por tanto tempo. E assim, à medida que o tempo passou, a humanidade continuou a trilhar seu caminho, voando alto, não apenas nos céus da imaginação, mas também nas asas da compreensão e da empatia. A busca pelo equilíbrio emocional se tornou uma constante, e a celebração das emoções se tornou a base de uma sociedade harmoniosa e amorosa. O conto do "Cofre das Emoções Perdidas" se transformou em um legado duradouro, lembrando a todos que as emoções são a força vital da experiência humana, e que compartilhá-las é o ato mais nobre de todos. Sofia, a inventora corajosa, sorriu ao ver a transformação que sua busca havia desencadeado no mundo. Ela soube que seu propósito estava completo. E enquanto as pessoas voavam pelos céus da vida, elas não apenas tocavam o céu com suas asas tecnológicas, mas também tocavam o coração uns dos outros. A humanidade havia aprendido a verdadeira euforia, não apenas nos momentos de extremos, mas na beleza das emoções cotidianas, na simplicidade da gratidão, na profundidade da conexão humana.

O mundo se tornou um lugar mais rico e emocionante para se viver, onde a maravilha do voo se unia à maravilha das relações humanas. E, enquanto o sol se punha sobre a paisagem que uma vez foi palco da busca do "Cofre das Emoções Perdidas", um novo amanhecer trazia promessas de um futuro brilhante, onde as emoções e o entendimento continuariam a ser celebrados, lembrando a todos que voar alto, tanto nos céus quanto nos corações, era o verdadeiro significado da jornada humana.

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O Espírito de Aventura:

Santos Dumont e a Inspiração de Júlio Verne

Jefferson Machado

Eu tinha meus 12 anos, eu era o sexto filho de oito irmãos. Minha infância toda na Fazenda Arindeúva foi de muita alegria e brincadeiras. Sempre ao fim das aulas corria para brincar na lavoura de café. Certa vez, peguei a locomotiva que havia no cafezal e dei uma volta. Era a minha diversão, passando com ela e puxando o apito da Maria Fumaça. Aquilo tudo me fascinava: o trem, as máquinas, o gosto pela ação. Eu me sentia livre. Eu brincava imaginando e construindo pequenos engenhos mecânicos. Minha maior alegria era brincar com as ferramentas de papai, que era engenheiro.

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Quando não estava me divertindo de maquinista, eu me envolvia com os livros. Devorava os relatos de Júlio Verne, como “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”. Em que eu imaginava percorrer o globo por meio de um balão, explorando horizontes distantes. Cada lida despertou ainda mais meu desejo pelo voo.

Naquela época, enquanto folheava as páginas, eu me via nos sapatos do intrépido Phileas Fogg, embarcando em uma jornada emocionante ao redor da terra. Os relatos das exóticas paradas e dos desafios imprevistos que ele enfrentava alimentavam minha fantasia. Sonhava com façanhas que me levariam a lugares distantes, assim como os personagens de Júlio Verne.

Enquanto me encantava com as viagens por balão descritas no livro, uma ideia começou a se formar em minha mente. E se eu, um dia, pudesse transformar esses sonhos em realidade? A leitura e minhas brincadeiras com máquinas me inspiraram a conhecer o mundo por meio do voo, assim como Fogg explorou o planeta.

Aquelas experiências de infância, brincando nos cafezais, manipulando ferramentas e devorando livros de aventura, plantaram as sementes que moldariam o meu destino. Elas me impulsionaram na busca pela realização dos meus próprios sonhos de voar e criar máquinas que desafiassem os céus. Assim, a criança que fui na Fazenda Arindeúva cresceu com uma paixão ardente pela engenhosidade e pela descoberta. Pouco eu sabia que esses anseios me levariam a conquistar as nuvens e a me tornar uma figura pioneira na história da aviação.

Foi também, com o Capitão Nemo e seus convidados que explorei as profundidades do oceano com o Nautilus. Com “Heitor Servadoc”, naveguei pelo espaço e me vi envolvido em peripécias emocionantes, fossem elas sob as águas misteriosas do oceano, nas paisagens alienígenas de planetas distantes ou nos cenários imaginativos e tecnológicos de veículos extraordinários. Cada narrativa inspirava em mim o entusiasmo pela exploração e pela inovação.

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Através das palavras desse escritor visionário, eu era transportado para mundos desconhecidos, onde desafios e o fenomenal se entrelaçavam. Navegar com o Capitão Nemo pelo fundo do mar, observar as maravilhas do oceano profundo e testemunhar a tenacidade e o mistério eram experiências que me instigavam a questionar, a explorar e a almejar.

Assim, por meio das páginas do pai da ficção cientifica, eu me tornava o explorador, o inventor, o aventureiro e o sonhador. Cada obra dele acendia em mim a centelha da curiosidade, da coragem e da imaginação, inspirando-me a abraçar o desconhecido e a buscar o inexplorado, fosse nos confins do oceano, nas profundezas do espaço ou nos avanços tecnológicos.

Hoje sou conhecido, como Santos Dumont, o Pai da Aviação Brasileira.

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O Grande Voo Tupiniquim

Antônio Mangas*

*Antônio Mangas é natural de Belém/PA. É escritor e professor de sociologia; autor do Blog Violão, Literatura & Cia. Tem fascínio pela escrita e toca violão para relaxar. Nesse mundo repleto de informação controversa e superficial, carente de sonhos, pretende tocar o coração dos leitores através de viagens inesquecíveis.

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O sol mal havia nascido naquela manhã de outubro de 1901 quando começaram a chegar os primeiros membros da equipe de Santos Dumont, ao hangar onde se encontrava o dirigível N° 6, no Park Saint Cloud, Local da partida. Albert, o chefe da equipe, passou a dar ordens a seus companheiros. O objetivo do aviador era levantar voo por volta de 13:00 hs. No quadro de avisos podia ser lida a sequência de procedimentos e testes, que seria a seguinte:

1º Abastecimento completo da câmara de gás e medição da pressão;

2º Abastecimento do tanque de combustível do motor;

3º Testes no motor;

4º Verificação das partes móveis;

5º Desatraque e partida.

Quando Santos Dumont chegou, a equipe de mecânicos já havia transferido o aparelho para fora do hangar, onde os trabalhos poderiam ser efetuados com mais espaço para movimentação do grupo. O aviador, ao mesmo tempo em que dava instruções e exigia cuidados com os equipamentos, não deixava de volta e meia olhar para céu, na expectativa e torcida para que o tempo continuasse como estava até o momento, com céu limpo e ventos brandos, até onde se podia observar visualmente.

Mas todo o cuidado não foi suficiente. Alguém deixou derramar certa quantidade de gasolina na grama, e o cheiro foi sentido por Albert, que reforçou aos gritos para terem mais cuidado, principalmente com o combustível.

Quase na hora da partida, quando todos os testes haviam sido completados, Santos Dumont subiu no dirigível, tomando lugar no assento de comando. Ligou a chave de ignição e pediu que girassem a hélice para a partida do motor. Por algum motivo houve escape de uma centelha elétrica e o fogo pegou na grama, no local onde o

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combustível havia sido derramado. Antes que as chamas fossem contidas, o leme triangular traseiro foi atingido, com as chamas provocando pequeno furo na tela, o que não parecia trazer problemas para a navegação, mas que de forma alguma poderia ser remediado, não agora, no momento da decolagem.

Santos Dumont colocou as duas mãos sobre o chapéu, lamentando o ocorrido.

Lembrou-se do episódio com o dirigível Nº 2, que por causa de uma chuva ficou preso entre árvores em 1899. E arrepiou-se ao lembrar-se do acidente com o Nº 5, em que ele quase perdeu a vida. Mas pensou; vida que segue e seja o que Deus quiser. Com entusiasmo, deu ordens para que desamarrassem as cordas que prendiam o aparelho ao solo, acelerou seu dirigível e partiu numa corrente fria, rumo à torre Eiffel. No meio da pequena multidão presente no Park, alguém teve tempo de gritar em português: "Mostra que o Brasil não sabe só plantar café”!

Paris daquele início de século vivia um clima de encantamento em torno de inovações tecnológicas em todas as áreas. O positivismo, com suas teorias e projetos de maravilhas inimagináveis através do progresso, era tema de discursões acaloradas em muitas rodas de conversas, e a Torre Eifel, recém inaugurada, era motivo de muita admiração e orgulho para os parisienses.

O coração de Santos Dumont começou a bater mais forte à medida que seu aparelho ganhou mais altitude. Olhando para baixo contemplou a travessia do Rio Sena, a refletir os dourados raios do sol da manhã. Como é maravilhosa a sensação de alçar voo, de sentir a brisa da manhã acariciar mansamente o corpo. Como podem muitos pensarem em não viver momentos como esses, pelo comodismo ou medo, sem provar as delícias só testemunhadas por pássaros e anjos. À esquerda, contemplou o Park Edmond e mais a frente o Bois de Boulongne. Ao olhar para trás percebe quão pequena se tornou agora a Pont Saint Cloud. Aproxima-se da grande Torre Eifel, com seus

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lindos trançados de barras e cantoneiras em aço. Do solo, e da torre, pessoas contemplam maravilhadas o espetáculo de engenho e coragem protagonizados por nosso herói, ao cruzar com seu aparelho a grande estrutura de metal.

É hora de virar à esquerda e iniciar o contorno para entrar em reta de descida de volta ao Park Saint Cloud. Santos Dumont dá um comando firme para a manobra. Entretanto, o dirigível passa a fazer uma curva muito aberta, em consequência do furo no leme, que teve durante a subida seu diâmetro aumentando e agora permite muita passagem de ar.

Terminada a manobra será necessário agora trilhar uma distância em descida bem maior que a de subida. Os cálculos do aviador são:

Distância a percorrer 5 km

Tempo restante 7,5 min

Veloc. necessária 40 km/h

Veloc. máxima 40 km/h

Foi com muita comoção que o aviador concluiu que, devido ao tempo que perdeu na grande curva, precisaria se deslocar até o pouso em velocidade máxima, e ainda assim talvez ainda não conseguisse chegar a tempo, na verdade precisaria ainda ser ajudado por ventos a favor do dirigível para cumprir o tempo estipulado de trinta minutos para o percurso total.

Com a aceleração total do motor e as válvulas para entrada de ar abertas, o dirigível passa a ganhar velocidade em reta de descida para a chegada. Entretanto, faltando 500 metros para o pouso, por motivos de segurança, o dirigível precisa ter a velocidade diminuída. Ao cruzar novamente o Sena, há poucos metros da chegada, Santos Dumont já ouve gritos de emoção da sua equipe e do público que o espera para congratular lhe pelo grande feito de abrir o caminho da humanidade para voos bem mais altos, seguros e velozes.

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O susto

Antônio Mangas

Torre do Galeão, bom dia, Asla 2535, destino Belém, solicito permissão para decolagem.

Bom dia Asla 2535, permissão concedia na pista 2.

Na cabine, lado esquerdo do Boeing 737-200 está o comandante Romeo, com sua longa experiência de dez mil horas de voo. Ao seu lado, o copiloto Dantas, que também já tem experiência com a aeronave, o que permitiria aos passageiros (se soubessem) tranquilidade para a viagem, no que depender da competência dos pilotos. Para servi-los os passageiros contam com quatro comissários de bordo: Amália, Bira, na parte de trás da aeronave; Nena e Garcia na gale dianteiro, próximo à cabine.

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Após o último Checklist os motores são acelerados, com as manetes empurradas para a posição fullpower. O Boeing corre pela pista e flutua na atmosfera carioca sendo almejado de leve pelos raios nascentes do sol daquele belo amanhecer no Rio de Janeiro. Eram exatamente sete horas da manhã. Fevereiro se fora e a maioria dos passageiros está retornando de férias da cidade maravilhosa, após passarem deliciosos dias ensolarados e terem curtido o carnaval daquele ano. Pela fonia interna o comandante dirige-se aos passageiros.

Senhores passageiros, fala-vos o comandante. Informo que nosso voo sem escalas tem previsão de chegada em Belém por volta das dez da manhã. Voaremos numa velocidade cruzeiro de 800 Km/h, numa altitude de nove mil metros. Desejo a todos uma boa viagem.

Enquanto ganha altitude com leve inclinação e curva à esquerda, num encontro com não espessas camadas atmosféricas de densidades diferentes, o avião costuma balançar, provocando algum desconforto, mesmo sem nuvens, causando algum medo aos passageiros de primeira viagem e também naqueles como eu, para quem qualquer voo parece sempre ser o primeiro. Estabilizado, o Boeing parece zombar da gravidade seguindo sua linda marcha retilínea após um leve e ligeiro balançar da extremidade da cauda, como um grande pássaro garboso a ostentar seu planeio.

O voo com céu limpo a essa hora nos permite ver no solo alguma lâmpada de casa acesa. Possivelmente dorme ainda algum morador solitário o último sono, e, enquanto seu inconsciente ouve o ruído de nossos motores, seus sonhos contêm cenas inusitadas e quotidianas, e a mente retoca a produção de estranhas e mágicas substâncias essenciais ao corpo para a odisseia diurna. É hora de agradecer por tudo, pelo sol que nasce, pelos passarinhos que cantam saudando o novo dia...

Com o avião estabilizado, é hora do café. A tripulação começa a servir aos passageiros um lanche simples, que não se compara em nada ao

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Padrão Panair, disponibilizado nas décadas de 50 e 60, nos tempos áureos e glamorosos da aviação comercial. Atendimento vip só para alguns poucos, que podem pagar bem mais caro, em viagens de primeira classe.

Na cabine, são servidos a cada um dos pilotos um copo de suco de laranja. O comandante faz um pedido ao copiloto.

– Dantas, faça uma inspeção visual no motor direito. Por um momento senti alguma vibração nesse lado da asa!

O copiloto se estica um pouco e começa a inspeção, que dura cerca de trinta segundos.

Tudo certo comandante, visualmente não percebo nada de anormal nesse motor.

Obrigado, deve ter sido alguma turbulência nesse lado. Não sinto mais nada nesse momento.

Depois de meia hora.

Comandante, preciso ir ao banheiro. informa Dantas ao piloto, demonstrando certa urgência.

— Fique à vontade, Dantas, eu tenho o comando!

Dantas dirigiu-se à toalete traseira da aeronave e após ter urinado e sentindo-se aliviado, com o semblante melhor, inicia seu caminho de volta à cabine, podendo agora com mais tempo, poder cumprimentar com cordialidade seus colegas da parte traseira e dianteira do avião. Ao tentar abrir a porta da cabine, sente que a mesma está trancada, o que é normal: normalmente tranca-se a porta por medida de segurança, para impedir que passageiros mal intencionados entrem na cabine e consigam acessar os controles do avião. Dantas digita o código de segurança, mas não tem resultado, pois o comandante o desativou. Isso impede que qualquer membro a tripulação tenha acesso à cabine.

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Nena, entre em contato com a cabine e peça para o Romeo abrir a porta, por favor!

Romeo, aqui é a Nena, abra a porta que o Dantas está aqui fora e quer entrar.

Ninguém responde. E isso não é normal. Nena faz outros chamados, mas o silêncio na cabine é total. Dantas pega o fone e faz também outros chamados mais nada de respostas. Ele resolve ir até a porta e começa a bater, mas o silêncio é persistente e preocupante. Garcia, o companheiro de Nena, a par da situação, vai a até à gale traseira comunicar Amália e Bira sobre o que está acontecendo. Os dois, sem demonstrar qualquer alarde, para não preocupar os passageiros, resolvem ir até à gale dianteira.

Dantas começa a ficar preocupado. Ele bate muitas vezes na porta sem qualquer resposta, as batidas são cada vez mais violentas.

— Romeu, está me ouvindo? Abra a porta, por favor! Eu preciso entrar! suplica Dantas, sem obter resposta.

Nesse momento, Amália olha pela janela e percebe que o avião perde altitude.

Estamos descendo! mas eles sabem que isso não é para acontecer ainda. Estão agora com uma hora de voo e a descida está prevista somente para daqui a mais quase duas horas. Os três homens e duas mulheres se entreolham com muita preocupação. Logo percebem que será necessário arrombar a porta, sob pena de morrerem todos.

Romeu ultimamente andava com problemas. O problema estava no coração.

Há cerca de um ano, conhecera uma jovem, durante uma folga. Estando ainda solteiro, com a idade de trinta e cinco anos, levava uma boa vida na cidade do Rio de Janeiro, lugar que escolheu para morar, onde se pode contar com uma vida boêmia e lindas praias. Lisa é o

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nome da sua amada, com vinte anos de idade e uma beleza estonteante.

Romeo, que antes residia em Aracaju, andava feliz da vida, ainda mais agora que havia encontrado aquela que pensava ser a sua alma gêmea. Ele já havia inclusive feito boa amizade com a família da moça e com boa parte de seus amigos. De repente a coisa ficou muito forte. Romeu apaixonou-se perdidamente. Quando deu por si estava mergulhado numa paixão avassaladora. Mas Lisa não sentiu a mesma coisa. O coração da jovem não se deixou penetrar pelo amor de Romeu. Lisa não era a sua Julieta. O apego sem disfarces do Piloto se fez notório para ela, que começou a afastar-se pouco a pouco. Primeiro disfarçadamente depois demonstrando desapego puro. Mas Romeu não perdeu as esperanças e fez de tudo para atrair o amor da menina, sem resultado. Por fim, Lisa, para afastar de vez as insistências de Romeu, o que acabou afinal dando certo, arranjou um namorado, e passou a andar com ele por todos os lugares, para a frustração total do rapaz.

Daí por diante a vida do piloto foi só sofrimento. Começou a ter depressão, chegando a consultar um psiquiatra. O médico concluiu que ele tinha síndrome psicótica depressiva com tendências suicidas. Precisou tomar remédios controlados que ao que parece não se mostraram eficazes para diminuir o sofrimento do paciente.

Ao acordar em casa, antes da viagem, decidiu por fim ao sofrimento tiraria a própria vida e para chegar ao seu intuito livrando-se daquele insuportável estado de penúria, tomou todos os requisitos necessários de forma fria e pormenorizada. Foi até a farmácia, comprou um frasco de hidroclorotiazida, remédio que estimula a liberação de líquido pela urina. Pingou razoável quantidade da substância no copo de suco do copiloto no momento em que pediu para o colega inspecionar o motor direito. Na ausência de Dantas, que não suportou a vontade de urinar, trancou a porta e desligou o sistema de entrada por senha. Em seguida, desligou o piloto automático,

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desacelerou os motores e manobrou o avião para descer até que houvesse o choque com o solo.

Entre a tripulação o desespero é total. Dantas olha pela janela e conclui que eles têm apenas uns dez minutos para evitar o choque. Ele resolve usar o machado de emergência e passa a golpear a porta com todas as suas forças.

Garcia, traga o tanque de oxigênio e vamos bater de forma alternada, rápido!

Os dois passam a golpear a porta alternadamente. A aflição aumenta na medida em que o som das batidas é ouvido pelos passageiros, que também percebem a proximidade com o solo e passam a gerar um grande murmúrio ruidoso. Amália, Nena e Bira fazem um escudo humano para impedir a invasão da gale dianteira por um grupo de passageiros alucinados que não se contentam com os pedidos de Calma! Calma! Calma! — única palavra possível de ser dirigida pelos três tripulantes. No meio da multidão são ouvidos convulsivos gritos de:

Estamos caindo!!!!!!!!!!!!!!

Deus nos proteja!!!!!!!!!!!!!

Vamos bater no chão!!!!!!!!!!!

Vamos Mooooooooorrerrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!!!!!!!!!!!!!!

Os golpes de machado desferidos por Dantas finalmente começam a abrir um buraco na porta.

Estou conseguindo! Vou conseguir entrar!

Com a abertura do orifício, Dantas consegue passar primeiramente com as pernas, depois com o corpo para dentro da cabine. A cabine está vazia. Pelas janelas dianteiras vê que o avião está a poucos metros de espatifar-se no chão. Ele rapidamente toma o comando; puxa

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cautelosamente o manche, ao mesmo tempo em que leva as manetes de aceleração dos motores à frente. O Boeing começa lentamente a levantar o nariz e a distanciar-se do solo. Dantas não pode controlar a emoção e as lágrimas nos olhos.

Garcia!!!! estamos salvos!!!!!

AAAAhhhh grita Garcia de alegria. Com a porta já aberta, ele vai até seus companheiros e os abraça; a tripulação não pode controlar o choro. Amália e Bira passam a acalmar os passageiros, que percebendo a nova atitude do avião, estão mais tranquilos. Muitos agora esbravejam palavras de alívio e oram em agradecimento.

O Boeing alcança sua altitude e velocidade de cruzeiro. Após entrar em contato com a torre mais próxima e retomar o curso, Garcia chama Bira para ser seu copiloto. Os dois questionam o que teria sido feito do comandante Romeu. A resposta vem logo em seguida, quando Garcia encontra um pedaço de tecido da camisa do piloto encravada na fechadura da janela lateral. Romeo certamente havia cometido suicídio.

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O trem de pouso

Erick Pitt Salmista das Ruas*

*Poeta, Missionário protestante e rapper, Erick Pitt Salmista das Ruas está na sétima antologia e 3 livros publicados. Esse goiano nascido em Anápolis tem nesta obra sua terceira aparição como contista na Editora Olympia

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O cenário são os prédios, o comércio, o clube do Sesi de Taguatinga Sul e a enorme igreja protestante Casa da Bênção, e na frente da catedral um pátio enorme e o estacionamento externo da igreja, onde as raias, as pipas ou os papagaios cortam os céus em cores. E lá em pé, em chão firme, um filho e um pai no auxílio do jovem Guilherme que o incentiva:

Isso mesmo Gugui! Corta para direita e dá solavancos na linha para que você tenha a técnica da imbicada da pipa! E a pipa descia de bica dançando no céu do Distrito Federal como uma cobra andando em solo quente no céu azulado da planície brasiliense.

Nas cores de um clube colorado, a pipa deixa o sorriso do Guigui radiante como o sol que o impede de firmar os olhos contra os raios, enquanto as lágrimas são o escape a insistir em não perder de vista o objeto voador em seu controle.

A parte Sul de Taguatinga, uma das cidades administrativas no centro da capital do Brasil, é também a região onde os aviões dão a sua volta final para o pouso no aeroporto e ali costumam passar bem baixo em voos rasantes, e Guigui enrola enquanto vê o gigante aproximando, e grita:

Vai bater na minha raia, papai! Olha lá o avião!

O monstro voador de asas enormes e de motor estrondoso encanta Guigui que abre um sorriso lindo e esquece do seu objeto voador ao olhar aquele, mais parecido com um pássaro e um pássaro mais lindo, um pássaro de metal.

Foi um mineiro que fez! Grita o pai de Gui, que é pastor da igreja em frente aonde estavam e também professor da escola da quadra do bairro, apontando para o pássaro de metal.

Guilherme grita de volta, duvidando e contrariando o pai, com desejo que lhe fale mais sobre:

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Mentira!

Não é mentira filho! É verdade! Fala alto, com sorriso no rosto, pelo rompendo o barulho e o espetáculo do monstro visto a olho nu. Dava até para ver o que estava escrito e também suas enormes asas. Era o horário que passava de minutos em minutos, bem à tardinha e dava para ver vários e assim que passava um, logo vinha outro. E ainda pai e filho conversavam sobre estes enormes objetos em movimentos. Guigui ainda com a imaginação aguçada, pergunta ao pai:

Como ele voa?

E o pai sem titubear: Tá ouvindo o barulho alto que ele faz? Ele responde que sim. Pois é, este é um motor potente que o faz voar tão alto.

Mas, papai eu ouvi falar que foram dois irmãos americanos que inventaram o avião.

Não filho, retrucou o pastor William, pai do Guilherme, e completou: Foi um mineiro que fez esse feito.

Guigui responde: Não acredito! Um brasileiro?

Sim, filho, um brasileiro, um mineiro chamado Santos Dumont — Continua o pai, o Senhor William, pastor ali daquela catedral que ajudava o filho a domar o brinquedo voador e ainda o ensinava nos questionamentos, se valendo do fato de ser também um pedagogo da escola local.

O pastor protestante ama ensinar os filhos sobre arte, vida e palavra.

Me falaram que Santos Dumont criou apenas o relógio de pulso, afirma Guilherme ao pai.

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Isso é verdade. Foi para contar o tempo que ficava no céu com seus balões que eram mais pesados que o ar que ele amarrou o relógio de bolso criado por seu amigo Louis Cartier em uma fita de couro. Assim, podia ver as horas enquanto pilotava seu invento no céu.

E ainda digo mais Guigui, continuava o professor pastor William:

Além desses inventos que é o avião, o relógio de pulso e ele também foi autor de outras invenções como: hangar, chuveiro quente, esqui a motor para escalar montanhas de neve chamado Transformador Marciano e foi o homem responsável por trazer o primeiro carro com motor à explosão para o Brasil. Vivia na França fazendo pesquisas de objetos voadores. Foi de lá que trouxe o primeiro carro que veio para terras brasileiras.

Guigui encantado: Meu Deus papai! Isso é incrível!

Continua o pai de Guilherme: Claro, não devemos desfazer da importante descoberta dos irmãos americanos Wright, que até fizeram um primeiro voo com a propulsão forçada que levava um enorme objeto de três eixos, a controlarem este objeto voador no ar por um pouco período de tempo, estabelecendo o padrão do piloto e da máquina que, desde então, se tornaram presentes nos outros aviões e experimentos que vieram após.

Ah sim, então eles fizeram o primeiro voo? Sim, respondeu o pai. Mas o grande e definitivo feito, o chamado avião a motor, foi um mineiro chamado Santos Dumont, observando esse e outros métodos, e também outras invenções.

Pouco tempo depois, ainda explicando o professor pastor, pai do Guilherme:

Santos Dumont vê métodos de outros de voos e se torna o patrono da aviação com seu 14 Bis, um avião padronizado e que não tinha ajuda de propulsão e sua máquina motorizada o levava a ficar mais

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tempo no céu e realizar voos, além de que sua escola na aviação a partir dos experimentos quando pela primeira vez viu um balão no céu e fez a grande façanha do dirigível.

Guilherme fala surpreso: Há, sim, no último dia 20 de julho comemoramos, na escola os 150 anos de Santos Dumont, e por isso papai, que estou falando com o Senhor sobre essas coisas porque as pessoas comentam muito sobre essa façanha de primeiro voo, descoberta e também sei que nesse dia fomos ver o voo de um dirigível que sobrevoou sobre Brasília e o ponto em que vimos o grande balão de motor foi próxima a estação de metrô.

Isso filho, esse voo foi falado mesmo que iriam fazer sobre a capital e completa:

Há mais de 150 anos atrás o avião foi feito por um mineiro. E para provar meu filho você tá vendo aquelas rodas? Sim, respondia Guilherme, olhando o céu na extremidade Sul de Taguatinga onde os rasantes e constantes aviões, passam á mostra em um espetáculo próximo ao pouso que é logo ali a frente na cidade, onde ele faz a curva à esquerda em direção ao aeroporto Juscelino Kubstcheck, no extremo Lago Sul, na região brasiliense. Antes de aterrissar ele passa sobre as casas de Taguatinga Sul visivelmente e Guigui percebe que o avião tem objetos, triciclos que se abrem antes do pouso e diz:

Ué papai, aquilo são rodas!

E o pastor responde pai do Guilherme, responde: Sim, e sabe como chama aquelas rodas meu filho?

Não sei o nome, mas, eu sei que elas servem para amortecer o pouso e também fazer o avião andar em terra firme.

O pastor professor exclama: Isso mesmo Gugui!

E o nome daquelas rodas é “Trem de Pouso”.

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Agora, duvida que foi um mineiro que fez o avião?

Não papai, claro que não! O dialeto trem é mesmo mineiro, e meu pai é professor. Também não duvido mais, que um mineiro foi quem criou o avião. Sorrisos!

Ô trem mineiro bonito aponta o próximo avião que passa sobre suas cabeças e com sorriso nos rosto de Guilherme e seu pai William que compartilham sobre o feito de Santos Dumont, um inventor, um brasileiro, um homem incrível, um mineiro que viveu no início do século XX.

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O Voo de A.S.

*Larissa Ramos dos Santos, garota de São Paulo e do séc. XXI. Descobriu o gosto pela escrita por volta dos dez anos, então começou a escrever histórias que sua mente conta. “Uma menina com sonhos desde pequena, na aula de história pegou uma caneta, no meio da guerra contada, imaginou...”

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Lim*

Os bebês geralmente ao nascerem choram, depois do choro abrem bem os olhos. No dia dois de um certo mês, nasceu uma menina nomeada Asa Souto, a quinta filha, depois de dois meninos e duas meninas - superanimados e destrutivos. A bebê só abria os olhos quando estava nos braços de alguém.

Os seus irmãos, bem astutos, inventaram de brincar com balões. Testaram com brinquedos pequeno e até com frutas, que no começo voavam, mas quando aumentava o peso não flutuavam mais.

Tramaram então de pega a irmã mais nova para ver se pegava voou, quando os pais deram as costas, testaram... E começou a flutuar naquele pequeno voo... Que durou pouco, chegou os pais zangados pegaram a menina e castigaram os culpados.

Mas, durante aquele pequeno voo, a menina que manterá os olhos sempre aberto na terra, os havia fechado bem firmemente.

Ao crescer, a menina sempre foi a menor de estatura comparado às crianças da sua idade, nas brincadeiras de cavalinho ou de ser carregada, sempre fechava os olhos, cerrava as mãos e se encolhia. Nas viagens da família era sempre de carro, nunca de avião. Seus pais tinham uma certa rotina de levá-la a hospitais para terem uma resposta de seu comportamento, como resposta diziam simplesmente que ela era tímida.

Os seus irmãos, bem astutos, inventaram novamente de brincarem com balões. Começaram por pequenos balões e depois foram para os médios. Testaram os médios com troncos de árvores, tentaram pegar um gato de rua, mas rapidamente ele fugiu – Ufa. Precisavam de algo que não fosse pequeno nem grande, pesado mais nem tanto... Foram atrás da irmã mais nova, colando balões nas duas pernas... E começou a flutuar naquele pequeno voo... Que durou pouco, a mãe que chegava da rua os pegou castigando e resgatando a filha mais nova.

Asa abriu os olhos quando foi pega pela mãe, nem antes, nem depois.

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As irmãs mais velhas de Asa participavam de muitos festivais de ciência na escola, o professor veio com um novo projeto com o tema:” Para o alto e onde bem queira”. O projeto das meninas foi um canhão.

A criação do canhão durou cinco meses, todos os cálculos haviam sido feitos, para a apresentação precisariam de uma bala de canhão comumente feita de ferro, foi aí que durante os pensamentos das meninas Asa passou pulando mascando um chiclete, naquele momento o único defeito que as meninas viram foi que a irmã não era de ferro, porém servia. Pobre Asa Souto.

Aponta!

Preparar!!

Fogo!!!

E lá foi ela. Ficaram olhando-a voar até se transformar numa estrela no céu. Primeira parada troposfera! Pena que ela nem sequer olhava.

Um belo avião passou do seu lado, as pessoas dentro dele nem sequer olharam pela janela, logo surgiu um dirigível que serviu como trampolim para a menina que acabou passando para estratosfera sendo recebida pela passagem de uma bola de fogo. Faça um desejo.

Um sorriso ameaçou aparecer nos seus lábios, apesar de não ver nada sentiu o tolo da aurora boreal, num movimento de ir e vir. E depois uma confortável nuvem a tocou. Nuvem?

Num pulo acordou, sua cabeça era agraciada pelo confortável travesseiro em forma de nuvem e seu cobertor - com o desenho da aurora boreal - sendo erguido e posto nela várias vezes pelo pai que não sabia o lado certo dele.

Ao abrir os olhos seus pais sorriram para ela, explicaram que ela estava deitada na grama do vizinho, graças as irmãs arteiras.

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E de se esperar que ela apresente pânico, mas não apresentou, naquela noite a menina desejou sonhar em está voando passando pelas estrelas, infelizmente não sonhou. Esperou a próxima noite, e novamente não sonhou, veio a próxima e próxima... Suas noites só eram como uma folha em branco, quando colocava os pés no chão queria a gravidade a puxando para baixo, começou a construir maquetes com aeronaves, anos após ano suas maquetes eram maiores como o seu sonho, seus pais a perguntaram se queria ir de avião na próxima, ela respondeu com um “não”.

Com o tempo nada mudou – a não ser o tamanho das maquetes.

Aos vinte e três, Asa se sentou no banco trás do carro dos pais, enquanto eles estavam na frente conversando, Asa observava pela janela não a paisagem, muito menos as pessoas, ela observava o chão. O carro parou, os três desceram, se abraçaram e se despediram.

Às 23:00 horas, Asa pegou seus documentos e entregou, era hora do embarque, não era no balão, nem canhão. Nada pequeno, nem médio.

Alguém chegou por trás de sua poltrona e disse:” Todos aqui, Capitã”.

E a menina mais nova da família, a aquela de baixa estatura, a mesma com medo de altura decolou no grande avião.

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O Voo de José Rafael Navarro*

*Rafael Navarro é paulistano, jornalista e trabalha com criação de conteúdo há mais de oito anos. Apaixonado por literatura, busca se aperfeiçoar constantemente na escrita de contos.

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Antes mesmo de aprender a andar, queria voar. Ele era o quinto filho de uma família que vivia no interior. Seus pais nunca haviam reparado, mas toda vez que aquele bebê rechonchudo de grandes olhos negros observava um pássaro voando pela janela, parava de chorar. Imediatamente. No berço de madeira empoeirado, ele se curvava de um lado ao outro, tentando equilibrar-se na melhor posição para assistir ao show que acontecia no céu.

A primeira lembrança de que ele se recordava era de quando tinha entre quatro e cinco anos de idade. Numa tardezinha fria, um pequeno pássaro pousou em um muro em frente a janela enferrujada do seu quarto. Os olhos grandes do menino brilharam com intensidade ao observar o rosto escuro da ave, sua plumagem marrom e os pontinhos brancos em seu peito. O bico alongado apontava para o céu. O garoto sorriu enquanto a ave abriu as asas e voou em disparada pelo céu.

Enquanto crescia, quase todas as noites, deitado na cama apertada com as costas coladas ao corpo de um dos seus irmãos, imaginava-se como um pássaro voando pelo céu escuro. A sensação era tão vívida que às vezes lhe assustava: o formigamento nas pernas enquanto impulsionava o corpo ganhando velocidade e atravessando as nuvens. O vento congelante que acariciava seu rosto. O movimentar dos braços, enquanto rodopiava dando voltas em pleno ar. As casinhas da cidade em que nasceu pequenas vistas de longe, quase imperceptíveis enquanto mantinha-se a centenas de metros do chão.

Quando completou sete anos de idade, percebeu que existiam outras formas de voar. Junto com o irmão mais velho, assistia ao televisor da casa ao lado pelo canto esquerdo de uma de suas janelas, que ficava frente a frente com a residência do vizinho. Na época, ele não sabia como chamar uma televisão, apenas conhecia aquilo como caixa mágica. Foi ali que viu um avião pela primeira vez. Aquela máquina estranha que se assemelhava a um gigante pássaro feito de aço e cortava as nuvens pelo céu dando piruetas, assim como ele fazia em seus sonhos.

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Todos os dias ao voltar da escola, o trajeto de quatro quilômetros até sua casa era composto por momentos em que esticava os braços, imaginava-se como um grande pássaro ou um potente avião, e disparava pelas estradas de terra vazia, de um lado ao outro, impulsionando-se e sentindo o ar em seu rosto tornar-se mais intenso enquanto ganhava velocidade. Era naqueles momentos em que ele realmente se sentia vivo. Não conseguia explicar em palavras, às vezes até mesmo os pensamentos em sua mente lhe pareciam confusos, mas sabia que se sentia deslocado em terra firme. Seu lugar era no céu. O céu era seu lugar.

Voava em sua imaginação com frequência nos momentos de aflição que tivera durante a infância. Não foram poucos. Sua mãe ficou doente, internada no hospital público por algumas semanas. Seu pai desempregado durante muitos momentos. Seu irmão mais novo apanhando na escola. Algumas noites todos foram dormir com fome. Conforme foi crescendo, entendeu que por mais que seus voos noturnos lhe parecessem reais, ele permanecia no chão, deitado na cama que dividia com um dos irmãos. Fincado a terra como uma grande árvore com centenas de raízes eternamente preso aquela realidade, mas com a cabeça nas nuvens.

Escreveu uma historinha em um dever de classe da aula de português e seu conto sobre o sonho de voar comoveu a professora. Ele passou a ficar na sala depois do fim da aula, enquanto a jovem alimentava seus sonhos. Ele se dedicou mais aos estudos, principalmente as aulas de português, e suas notas melhoraram consideravelmente. Resolveu que seria um piloto de avião.

Os desafios sociais eram grandes: sua família era muito pobre, ele havia nascido em uma cidade muito pequena. Ninguém parecia acreditar que um piloto sairia dali: os custos de treinamento eram altos com horas de investimentos em voos, aulas teóricas e certificações. Como seria possível realizar aquele sonho?

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Foi quando tinha doze anos de idade que a mãe ficou doente novamente e teve que deixar os estudos para trabalhar. Sua professora ficou arrasada a princípio, mas ela já havia visto aquela situação acontecer outras vezes. A sensação de voar durante as noites impulsionada por sua imaginação havia ficado dormente com a dureza da realidade. Com o passar dos anos, foi pensando cada vez menos nos próprios sonhos. Dois irmãos mais velhos haviam ido embora, sua mãe infelizmente também havia partido. Ele trabalhava ao lado do pai ajudando os irmãos menores a comer.

Quando já estava no final da adolescência, conheceu Maria. Enquanto estava com ela, sentimentos que nunca havia experimentado foram despertados. Não era como voar, mas acreditava que era o mais próximo daquilo que ele conseguiria encontrar. Ela engravidou rapidamente e o ciclo que havia acontecido milhões de vezes com milhões de pessoas tomou forma em sua vida: de filho, tornava-se pai.

O bebê nasceu em uma terça-feira de chuva intensa. Quando viu o pequeno pela primeira vez surpreendeu-se com seus grandes olhos negros. Sentiu novamente a sensação que estava adormecida há tantos anos, o sentimento de voar. Eram inseparáveis. O primeiro presente que deu ao filho foi um pequeno avião de plástico pintado nas cores branca e azul. Maria exigia que alguém vigiasse a criança quando estivesse com o brinquedo. Era muito jovem para manusear aquilo.

O bebê foi crescendo, abrindo espaço para o desenvolvimento de um garotinho curioso. Todos os dias ao chegar em casa do trabalho, o pai o recolhia em um afetuoso abraço, esticando os braços e mantendo a cabeça do pequeno muito próxima do teto da pequena casa onde viviam. Levava-o de um lado para o outro em um movimento contínuo. A criança sentia o corpo fervilhar de felicidade com a brincadeira, sempre explodindo em uma alta risada quando voltava ao chão.

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Assim como o pai, o pequeno encantava-se com pássaros e aviões. Estava em seu sangue. Sonhava com frequência e era próximo da família o bastante para sempre dividir as próprias expectativas: desejava tornar-se piloto. Não abandonou os estudos, economizaram, guardaram dinheiro e trabalharam muito.

Chegado o dia do voo de iniciação na escola de aviação, o filho pensou com frequência no pai. Escutava as orientações do instrutor sobre os procedimentos de segurança, sistemas e superfícies de controle, mas sempre com a imagem da fixada em sua mente. Sentia-o ali com ele. Tomou seu assento, olhou para a pista e deu início a aceleração.

Seguia as orientações do instrutor: com a velocidade esperada, foi elevando a aeronave e, naquele momento, era possível senti-la levantar voo pela primeira vez. O avião ganhou altitude afastando-se da pista em uma subida suave. A visão do horizonte surgiu em formas que cobriam sua visão. Ouvia ao fundo os elogios do professor. Era como se visse o pai entre as nuvens.

No intervalo do trabalho, José saiu da fábrica e olhou pra cima: havia um ponto disparando no céu. Não havia como ter certeza, mas sabia: era seu filho que estava no controle daquela aeronave. Ali, ele entendeu qual era o verdadeiro voo de um pai: dar asas para que os filhos realizassem sonhos.

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O voo de Samuel

*Jonas Matheus Sousa da Silva é membro da Família Franciscana e mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
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Jonas Matheus Souza da Silva*

Samuel Sousa, um jovem paraense de dezenove anos, estava prestes a embarcar em uma aventura emocionante rumo ao estado do Amapá para conduzir sua pesquisa em Engenharia florestal. Era a primeira vez que ele se via dentro de um avião, uma experiência que misturava nervosismo e curiosidade, mas sua paixão pelo estudo o impelia a enfrentar o desafio com coragem.

Sentado próximo à janela, ele observava o aeroporto de Belém com um turbilhão de emoções. O voo estava marcado para as dezessete horas, e à medida que a aeronave se decolava, Samuel segurava o braço da poltrona com força. A sensação de que estava flutuando no ar, longe do solo sólido que conhecia tão bem, era estranha, mas ele estava determinado a aproveitar essa oportunidade única.

À medida que o avião ganhava altitude, Samuel deixou de lado o nervosismo e se maravilhou com a vista que se desdobrava diante de seus olhos. Primeiro, ele contemplou a cidade de Belém, com o Ver-oPeso e a Estação das Docas destacando-se à beira da Baía do Guajará. Era uma visão espetacular, como se estivesse observando uma miniatura da cidade que conhecia tão bem.

Em seguida, ele se surpreendeu com o arquipélago do Marajó, suas ilhotas verdes interrompidas por rios sinuosos e igarapés que serpenteavam entre as miniaturas de árvores. Samuel se sentia como um pássaro, voando por cima da paisagem exuberante da Amazônia. Ficou especialmente emocionado ao contemplar a sinuosidade dos rios, suas curvas serpenteantes que pareciam desenhar pinturas naturais no cenário verdejante. Era um momento de êxtase, e o jovem não conseguia evitar sorrir.

Nesse momento emocionante, Samuel não pôde deixar de recordar com ternura de sua namorada, Eulália. Ele fechou os olhos por uns segundos, visualizando os longos cabelos cacheados e morenos de Eulália, que caíam graciosamente pelos ombros dela, perfumados com manjericão ou jasmins. Era como se ele a sentisse ali com ele, compartilhando aquele momento de maravilha. Ele prometeu a si

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mesmo que, logo aterrissasse, tomaria o celular e contaria todos os detalhes da viagem e os lugares incríveis que havia visto.

Conforme o avião ganhava altitude, Samuel teve a oportunidade de ver as nuvens de perto e por cima. Era como se estivesse flutuando entre algodão doce – aquele algodão doce que seus pais lhe compravam na infância ou que trocava na rua da sua casa por duas velhas garrafas de vidro quando os coletores de garrafas passavam, uma sensação de liberdade e uma saudade da infância que o deixou sem palavras.

Mas o momento mais mágico estava por vir. O sol começou a se pôr, tingindo o céu de salmão, laranja e dourado. As nuvens se transformaram em um caleidoscópio de cores, e a curva do horizonte se destacou de forma magnífica. Samuel se sentia em um mundo à parte, como se estivesse tocando o próprio céu e vendo as digitais do Criador.

À medida que o avião se aproximava de Macapá, Samuel avistou o Forte de São José e a cidade se estendendo diante dele. Era um final perfeito para sua jornada aérea, uma experiência que ele jamais esqueceria.

Ao aterrissar em Macapá, Samuel estava radiante. Ele, que só tinha conhecido aviões de brinquedo e observado aeronaves ocasionalmente sobrevoando o quintal de sua casa no nordeste paraense, estava encantado com a extraordinária experiência de seu primeiro voo. Agradeceu silenciosamente a Santos Dumont por ter tornado possível essa aventura única, e estava pronto para enfrentar os desafios de sua pesquisa com ainda mais determinação e entusiasmo, levando consigo as lembranças doces de Eulália e a promessa de compartilhar cada detalhe dessa incrível jornada com ela.

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Passagens

Maria Angélica Ferrasoli*

*Maria Angélica Ferrasoli é pesquisadora, mestre em Comunicação,pós-graduadaemHistóriaejornalista.Tem doislivrosinfantispublicados,´ACuecadoPapai´e´Caixa de Palavras´ (prêmio Off Flip, 2019). Tem premiações em jornalismo e literatura, uma delas internacional, na Universidade de Salamanca (Espanha), com o conto ´Maria,doBrasil´.

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E lá vai ele de novo, tropeçando, tropeçando, como um bebê que se levanta, cai, abre os braços feito asas, se esparrama pelo chão e de repente empina, arrebita, se põe de joelhos e passa a engatinhar. Sim, lá vai ele, senhoras e senhores, nesse tapete áspero, tão mais rude que a pele macia e gorducha dos joelhos, mas ele não desiste, não, não, veja: engatinha, move-se. Lentamente, é verdade, mas vai, segue em frente, não desvia, e agora até acelera, ultrapassa a mesa, desvia da quina, ai, que cabeçada seria, mas ele é esperto, acelera, acelera. Ops, a porta de vidro...

Ufa, contornou, e lá vai, segue ele.. Mas espera, não, não é ele, é uma menina, com certeza. Já não se arrasta, dança, seus pés flutuam como a nave que desliza e alça voo, uma nave anfíbia saída de oceanos terrestres rumo a mares lunares, uma menina que traz no pulso estrelas prateadas na pulseira. Ela sobe no sofá, ela dá cambalhotas tão altas, que parece pairar na volta, é uma menina ou um beija-flor?

Uma borboleta amarela, que reflete a luz do lampião do jardim, uma pequena mariposa cuja sombra se torna imensa nas paredes da sala, essa menina sabe mergulhar no ar como quem se despenca de um penhasco sem medo, leve, muito leve... era um iceberg no fim da queda?

Não era, não era, era uma baleia, não, menor, era um golfinho, ele pula contente entre as pedras, esparrama água por todo lado, sua pele é elástica como borracha, ele tem motores invisíveis que o deixam acima das ondas do mar quanto tempo quiser. O golfinho brinca, chama a sereia, ela não tem pernas, mas sabe ir tão fundo que parece planar nas profundezas dos universos e de todas as magias que desconhecemos, seu longo cabelo é medusa flutuante e voadora, envolve o golfinho risonho, vão juntos como cristais banhados da luz do luar, prateando uma trilha sem começo nem fim que é como tapete, tapete esparramado. Quem veio sentar agora?

Ah, só podiam ser eles, por certo, que ignorância a minha. São eles, os pequenos magos do tempo centenário de Gabo, os ciganos queridos

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detentores de toda sorte de conhecimentos capazes de nos fazer sentir o ar o vento as tempestades, sem qualquer medo, sem abalo, os ciganos que seguem viagem ondulando sobre o tapete mágico do grande criador de mistérios inexplicáveis, de intricados caminhos do sangue. Ciganos do tempo que trapaceiam histórias por eternidades, que saudade, as nuvens velozes vão se abrindo e bebemos palavras e silêncios que escorrem como rios, como prazeres finalmente rompidos, como grandes cascatas de explosões solares. Para onde vamos?

Vamos adiante, vamos adiante, só podemos ir adiante, essa correnteza escorrega e é fluída como água com sabão, são bolhas de sabão que se formam ali adiante? Quanta leveza, quantas cores, cada bolha de sabão é um arco-íris, um refúgio da infância, a casca fininha, quem precisa de casa grossa quando se está no começo da vida? Todo começo de vida é bonito, sim, sim, aprendi com aquele velho moço que brigava contra moinhos de vento reais e sonhava o mundo justo. As bolhas de sabão estouraram...

Não faz, mal, não faz mal, elas são líquidos tão finos, elas esvoaçam e me lembram daquele dia na praia, as conchas formando estrelas sem querer, nós fizemos um círculo, uma roda com pessoas que nem conhecíamos, e cantamos, e pulamos tanto, e rodamos, rodamos, que parecíamos estar muito acima do mar. As mãos unidas só por unir, as vozes cantando só por cantar, a alegria brotando só por ser. Ser vivo. Todos estávamos vivos naquele dia, o mar nos fazia delirar somente por isso, só por estarmos vivos, e nem sabíamos. A gente sempre morre, né?

Sempre morre, mas não faz mesmo diferença se um dia se esteve vivo e junto, e se sentindo amado e amando. Não vivo só de viver, mas de existir, de se saber. Vivo desses que mergulham, flutuam, voam, plainam, se esparramam como as sementes que os pássaros e os ventos carregam, pra ir brotando riso e paixão por aí, pra ir chorando também, desde que chorar seja transição, seja ponte, seja vazante,

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porque pra seguir adiante precisa navegar, precisa ter prumo, precisa correnteza.

Sem correnteza não vai, sem altitude não decola. Todos a bordo por tanto tempo, mas de vez em quando a gente precisa aterrissar.

E não é que aterrissar pode ser só uma etapa? Ah, não, não precisa ser fim, que nada, por que ser fim, se dá pra continuar? Esse campo de margaridas, tão bonito, dava até pra fazer amor por aqui, a gente sempre gostou tanto de margaridas, você me colocava no cabelo toda vez que achava pela estrada, você se lembra? Depois asfaltaram a estrada, vai ver que é por isso que de vez em quando eu sinto gosto de cimento nas palavras que hoje você me diz. Elas antes cheiravam chocolate, era sua barba misturada com tabaco, agora a gente nem fuma mais, mas tenho vontade de sentir aquela mistura de novo. Enfim, todo mundo precisa de asas pra poder voar, né?

Olha, olha, ele voltou, é o gorduchinho engatinhando? Ele é tão pesado que nem consegue, ela sim, essa lagartixinha, ela escorre pelos cantos da casa, e os dois se completam que bom, com eles a gente ainda pode abrir as asas e respirar o ar puro do tempo, das inocências, dos amores sem qualquer rancor. Será que a gente ainda tem tempo?

Minha barriga era tão pesada, mas flutuava, eu tinha certeza que estava com todas as asas abertas quando estive grávida. Uma vez elas foram cortadas, sobrou aquele conto sobre esperança e diretas-já, mas a decolagem foi forçada, não rolou, não. Das outras, ah, das outras foram meus grandes voos, eu percorri países, templos, ruínas, palácios, desertos e oceanos, eu sobrevoei todos esses lugares e outros mais, aqueles da memória dos meus dias procurando minha mãe. E pari.

Olha, olha, estou voando agora, estou voando enquanto escrevo, e quase posso ver aquelas luzes do rio, aquelas que se vê do alto da torre Eiffel que ele contornou, e onde decerto deve ter voltado muitas vezes, sempre mais acima, mais acima, mais acima, até o infinito, que não se

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vê, mas se percebe. Se veio a guerra... e ela sempre vem, né?, não tem como não entristecer, não tem... Hoje ainda, a guerra presente, drones, mísseis, aviões, nossa humanidade humilhada, no chão, nossos olhos no chão... Eu não quero. Quem quer a guerra, você sabe?

Tudo ficou meio escuro aqui agora, mas eu olho pelo vidro da cobertura e vejo o avião passando longe, a luzinha verde, a luzinha vermelha. Dentro dele pessoas assim como eu, talvez, cheias de sonho, de palavras, silêncios. Santos Dumont ia gostar de ver esse poema tão concreto escorrendo entre as nuvens, desviando por uns instantes nossos olhos terrenos. São olhos que também voam com destino a imaginários. Nem sempre dá certo, mas eu sempre reservo passagem.

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Porque um dia alguém sonhou

*Claudia Camilo da Silva nasceu no dia 05 de outubro de1975,énatural dacidadedeSerranoES.Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo. É artista plástica e restauradora. Desde a adolescência escreve bastante, e nos últimos anos vem participando de concursos literários, e por meio destes, publicado alguns contos e poesias.

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Estou iniciando a subida da ponte e já avisto o lindo horizonte que se apresenta encantador diante de meus olhos. Com as mãos firmes no volante, sem deixar de dar atenção ao trânsito, vislumbro a maravilha gratuitamente oferecida. Diante desta bela imagem, lembrei com saudade do meu querido pai. Como ele gostava deste céu amarelado que às vezes surgia no fim de tarde. De repente, uma fala dele me voltou a lembrança. Era uma coisa que ele sempre costumava me falar. “ ... Três coisas são essenciais nesta vida meu filho, que é o respeito pelas leis e por tudo que é correto, o estudo e o sonho, o sonho é muito importante meu filho, você precisa sonhar sempre.”

Curioso esta lembrança repentina num momento em que venho pensando sobre a realização dos sonhos, sobre minhas metas, planos, o que já conquistei. Agora mesmo estou trafegando em algo concreto, palpável, real, uma ponte muito bonita, considerada um cartão postal, que um dia foi o sonho de uma pessoa, afinal, certamente está bela obra foi isso, um sonho que se tornou realidade; acredito que seja assim com quase todas as coisas.

Sim, meu pai tinha razão mesmo, eu devia ter escutado melhor; não que eu não tenha sido um bom filho, porque eu fui, sempre respeitei as leis, as pessoas, e nunca deixei de estudar, dentro ou fora da sala de aula, sempre estava em busca de conhecimento, mas, acho que me faltou sonhar. É claro que me casei, sou pai, um bom profissional, mas, e os meus sonhos? Lembro que na minha infância eu dizia que um dia ia ser atleta, e acabei me tornando engenheiro. Não que eu seja infeliz por isso, mas podia sim ter sonhado mais e ter vencido os obstáculos em nome do meu sonho.

Agora, atravessando está ponte que é o principal elo entre duas importantes cidades, vejo o quanto é valioso fazer com que sonhos e projetos se realizem. Por exemplo, este carro que agora facilita minha locomoção, existe porque alguém sonhou com isso, e a partir de um único sonho, quantos outros nasceram, assim, podemos ver os inúmeros modelos, cores, tamanhos de carros, caminhões, e por aí vai.

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Se hoje o mundo pode ver inúmeras doenças erradicadas, controladas e ter pandemias e epidemias contidas foi porque alguém acreditou que era possível, sonhou, idealizou, e assim realizou, criando vacinas, medicamentos e tratamentos para que isso acontecesse. Se temos a alegria de ver pessoas com paralisias e dificuldades motoras ganhando a possibilidade de melhorar sua condição de vida por meios de novos recursos, é porque alguém insiste em sonhar. É como meu pai dizia, os sonhos podem transformar o mundo. Foi ele quem me ensinou que energia elétrica, o microscópio, os fusíveis, pilhas, rádios, fogão, geladeira, aparelhos usados por cientistas, policiais, pesquisadores; tudo foi antes sonhado por alguém.

Se a gente for pensar mais profundamente, desde o início dos tempos os sonhos fazem parte da história do homem. Até mesmo a fé e o despertar do homem para a presença de Deus está ligado a capacidade de se deixar inspirar por um sonho, afinal, homens de fé tiveram um contato mais próximo e íntimo com o divino por meio de sonhos. E, considerando que os filhos são porções de amor dos sonhos dos pais, podemos dizer que sonhar é viver.

O que os sonhos nos trazem são tesouros maravilhosos. Veja só o surgimento da escrita e a forma como ela veio se desenvolvendo até os dias atuais, as primeiras embarcações e primeiras moedas, é possível que tenha sido pensado, idealizado, sonhado. E ainda hoje nós podemos nos abastecer do saber de grandes estudiosos do passado, de filósofos impressionantes, pesquisadores; podemos nos beneficiar de coisas que foram criadas durante a revolução industrial e os grandes momentos e movimentos artísticos os quais o mundo viveu.

É verdade que os sonhos dos memoráveis pintores, escultores, que venceram, superaram os obstáculos, preconceitos se transformaram na realidade presente nas obras de valor imensurável. Ah sim, como os artistas sonharam, vomo foram pioneiros, como mudaram o mundo.

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As obras de arte nasceram da imaginação, dos sonhos de alguém. Me dá até um arrepio de contentamento ao pensar nos sonhos que gerou A Pietá, Capela Sistina, Monalisa, ou os grandes monumentos, como o Coliseu, Muralhas da China, Cristo Redentor, Convento da Penha, as Pirâmides do Egito, e tantas outras coisas maravilhosas.

Nossa, como algo tão simples como um sonho pode ser tão importante para a história da humanidade, para as principais áreas de nossas vidas, saúde, educação, tecnologias... Ah sim, e as tecnologias que temos. O computador, o surgimento do primeiro computador é a realização de um sonho grandioso de um jovem que não era muito valorizado, mas ele não se deixou vencer, persistiu e agora, praticamente tudo que o ser humano realiza passa por uma máquina destas. Coisas maravilhosas que foram sonhadas e agora estão aqui, aguçando os sonhos de tantas pessoas.

E as músicas? Já pensou num mundo sem músicas? Não consigo nem imaginar. É muito incrível saber que uma bela canção que toca a alma das pessoas nasceu de um sonho, do imaginário, de uma inspiração especial, sonhada, trabalhada e realizada. Fico feliz e agradecido por artistas que sonharam as músicas, melodias, novelas, filmes, bons livros que fazem parte da minha vida. Quantas histórias inspiradoras, emocionantes, que revelam outros sonhos.

E as brincadeiras do meu tempo de criança. Acredito que as pessoas sonharam com elas, as cantigas de rodas, os diferentes tipos de jogos. Que saudades daqueles brinquedos simples mas geniais, como bolinhas de gude, peteca, dominó, carrinho de rolimã, pernas de pau, bonecas de pano. E temos os brinquedos da era tecnológica, os games, jogos diversos, campeonatos de futebol...Brincadeiras que não só foram sonhadas, mas que agora despertam sonhos em outras gerações, incentivam, renovam; brincadeiras inspiradoras de novos sonhos. Hoje, felizmente estamos em tempos onde as escolas estão investindo nos sonhos dos estudantes. Não é difícil identificar alunos que participam de criação de robôs, equipamentos inovadores que podem ajudar na conservação do meio ambiente, proteção dos

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animais. Alunos que criam jogos para empresas, e que desde cedo já sabem que sonhar é importante para uma vida mais produtiva, com mais conquistas e realizações.

Estou até me sentindo um garoto, cheio de energia, de vontade de correr descalço num campo de terra atrás da bola com os colegas, de soltar pipas, pegar a bicicleta e sair pedalando na praça, ou sentar pra contar piadas. Sim, acho que estou saudoso até pela capacidade de me permitir sonhar, de correr atrás de novas possibilidades, abrir novos caminhos por onde eu possa caminhar, ser mais feliz, mais realizado. Não é de estranhar que os sonhos possam ser tão importantes para o desenvolvimento do ser humano e de um mundo melhor, porque o sonho é magia, é encantamento, é um baú ilimitado de possibilidades, alegria; o sonho é algo potencialmente poderoso, ele mergulha nas entranhas do ser e toca onde nada mais consegue tocar. O sonho leva o sonhador além. Quem sonha se esforça para viver melhor, para ter um mundo mais feliz. Quem sonha é num instante um homem, no outro, uma criança, ou um animal, um personagem imaginário. Quem sonha está aqui, e ao mesmo tempo lá, no mundo inteiro; e às vezes, o sonho pessoal, individual de um único homem se torna um meio de vida para todos.

Agora, já chegando no final da ponte, me deparei com um lindo avião cruzando o céu diante de mim. Céus! que beleza de aeronave. Isso me fez lembrar de um grande sonhador, um dos maiores que já tivemos na história dos inventores do planeta, e foi por meio do sonho deste sonhador das terras do Brasil que hoje o mundo tem o privilégio de voar. Foi deste grande homem que já havia sonhado outros bens os quais usufruímos agora, um dos primeiros traços, linhas, medidas, desenhos de um dos primeiros veículos capaz de voar que existiu. E por meio de sua decisão de contrariar previsões e adversidades, ousou sonhar, dar asas à imaginação, e assim, deu vida aos seus projetos, venceu a gravidade e voou nos ares da Europa. Portanto, se hoje o mundo tem esses grandes aviões, deve aos sonhos daqueles grandes homens do passado.

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Portanto, eu, agora inspirado por este belo horizonte e pelas sábias palavras de meu pai, vou também me permitir ir além, dar asas a meus sonhos, a minha imaginação, criatividade, vou me deixar tocar e inspirar por tudo que um dia foi sonhado, idealizado e criado, vou aproveitar as oportunidades que tenho para ter uma vida melhor.

Sim, que gratificante é poder contar com tudo que temos para realizar nosso trabalho, para nosso lar, lazer, nossas cidades, meio ambiente porque um dia alguém sonhou. Temos coisas maravilhosas para nos inspirar a viver melhor, porque um dia alguém sonhou.

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Proeza sem prova

Queli Rodrigues dos Santos*

*QueliRodriguesdosSantosénaturaldeBrasília/DF, esposa e mãe, graduada em História e pós-graduada em Direito Disciplinar, iniciante na arte da escrita, possui diversos contos publicados em antologias e três livros prontos para serem publicados em 2024. Apaixonada pela natureza, pelo céu e por borboletas, coleciona pedras e lembranças.

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Acordou cedo. Acordar é modo de falar, pois não pode acordar quem nem chegou a dormir, tamanha a ansiedade que sentia. Assim que os primeiros raios solares rajaram o céu, levantou num pulo e vestiu-se apressado.

Mal bebeu um copo de leite, entrou no carro, que já deixara preparado no dia anterior. Dirigiu apressado até a casa do amigo Tiago, com quem iria realizar a façanha.

O leal amigo, sempre presente, também já estava à espera. Talvez por saber que o homem não gostava de esperar, talvez por estar ansioso tanto quanto o velho Dunga.

Dunga foi o apelido que ganhou ainda na infância, não sabe se por causa do famoso anão, ou se por causa do ídolo do futebol. Mas gostava do apelido e assim se apresentava a quem lhe perguntasse qual a sua graça.

Tiago, muito animado, entrou no carro sorrindo. Finalmente iriam voar. O campo de terra foi escolhido com cuidado, para realizar a experiência. Tudo planejado, tudo sob controle, e lá se foram os dois, para a sonhada diversão.

Tiraram a tralha caprichosamente embalada de dentro do carro e montaram o equipamento. Prenderam com cuidado as asas no carrinho e o amarraram na traseira do veículo, que iria arrastá-lo até que pegasse velocidade para subir.

Para Dunga, não precisava subir muito, um metro já era um tanto bom, só queria mesmo era a sensação de libertar-se do chão. Colocou um capacete velho, que ganhou de alguém que não se lembrava, vestiu o macacão costurado na velha máquina que um dia foi da avó, joelheiras que o neto usou quando aprendeu a andar de patins, e um par de óculos de proteção, que comprou numa promoção.

Pronto, estava preparado. Verificou bem a corda, e deu a Tiago as derradeiras instruções. Ficasse atento ao retrovisor, para não haver

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acidente. Respirou fundo e sentou-se no carrinho, só um banco com encosto, mas era o bastante para seu intento.

Tiago acelerou devagar, ganhando velocidade aos poucos. Quando viu que estava aprumado, acelerou mais um pouco. Os olhos do rapaz brilharam, quando viu pelo retrovisor, a engenhoca que construíram sair do chão e ganhar um palmo de altura.

Vibraram os dois juntos, um em cada veículo, a alegria daquele momento jamais poderia ser retransmitida. Quando o carro parou, Tiago foi até o reboque, felicíssimo com a experiência, mas encontrou o amigo Dunga triste, e não entendeu a razão do seu lamento.

— Tiago, você não acredita — disse o pobre, amuado — fizemos a maior proeza, não tem como negar, mas esqueci de ligar a câmera do celular. Como vamos provar?

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Quando o meu pai foi viajar

*Júlio Ottoboni é de São José dos Campos-SP, jornalista diplomado e pós-graduado em jornalismo científico. Atuou por 4 décadas em grandes jornais e revistas de São Paulo, Rio e Paraná. Foi professor universitário e estudioso da obra e da pessoa do imortal, o poeta Cassiano Ricardo, do qual é autor da coletânea “A Flauta Que Me Roubaram” e do livro “Ramis – O Gênio Indomável”. Seus textos estão em mais de 10 livros do fotógrafo Ricardo Martins.

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No debruçar dos meus 60 anos me lembro da casa de minha infância, e nela de dois pequenos enfeites. Uma girafa e de um disforme elefantinho, ambos feitos de vidro, a balançarem na velha cristaleira, corroída pelos cupins. Móvel antigo, que minha mãe tentava de todas maneiras preservar. Eles tremiam a cada passo naquele assoalho de madeira empoeirada, cheio de frestas, numa casa também velha e pequena, de porta imensa de duas folhas, de fechadura enferrujada e travessa grossa a impedir que se abrisse num simples empurrar.

Aos cinco anos meu mundo cabia numa caixa de sapatos, cheia de lápis coloridos, alguns carrinhos, dedais, botões, carreteis vazios e bolinhas de vidro. Mas nunca me deixaram brincar com a girafa e o elefante. Meus brinquedos eram recolhidos no cesto de costura, nas sobras do cotidiano que despreza a importância de tampas, frascos vazios e até mesmo do que se perdia ao cair pelas frestas das tábuas rumo ao porão escuro.

Minha tia, que tinha um olho cego, de azul opaco que contrastava com o brilho anil do outro, me arrumava para a escola das freiras franciscanas. Camisa branca, calça curta e sapatos pretos, cabelos recém lavados e uma lancheira de alça atravessada em meio ao peito de criança. Algumas vezes ela se esforçava para pregar os botões que ameaçavam desertar, cansados dos embates surgidos nas minhas roupas.

Um dia, não me lembro o mês, mas era mais um perdido entre tantos outros de 1968. Dia em que a professora, uma freira toda de branco e cinza, alta e magra e de olhar severo, prometia projetar numa tela amarelada um desenho da Disney, me chamou pelo nome. Fez um movimento com os dedos para que fosse até ela. A mulher, de hábito engomado, estava parada na porta da sala, de onde pude ver uma outra que me aguardava. E essa me levou pela mão, com passos bem maiores e mais rápidos que os meus, sem se importar com minha preocupação de ajeitar a lancheira que balançava desgovernada em meu pescoço.

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“Seu pai foi viajar e sua mãe e sua tia vieram lhe buscar”.

Fez o anúncio e logo largou a minha mão para que acertasse minha curta caminhada em direção a elas, que me esperavam no final do corredor e me abraçaram em silêncio, como nunca fizeram. Não teria o cinema da escolinha naquele dia, apenas o andar apressado e poucas palavras num trajeto que as duas irmãs fizeram de cabeça baixa pelas ruas do centro da cidade.

Minha tia me segurava firme pela mão, como se eu pudesse escapar num voo solitário, como nas minhas fantasias, sobre os fios dos postes e acenando para elas ao me verem junto com as andorinhas. Ou então perto dos aviões errantes, tão raros no céu da cidade, que todos paravam nas calçadas, nas ruas, para admirar e acenar como se alguém, lá de cima, pudesse ver as dezenas de mãos agitadas a festejar a passagem.

Ao chegarmos a casa minha mãe tremia, sem conseguir colocar a chave na fechadura da porta alta e pintada de azul, com a tinta enrugada como sua velhice de tantas camadas sobrepostas ao longo de anos. A irmã a ajudou e entraram rapidamente.

Alguém apareceu com minha irmã, que em seus três anos carregava sua boneca sem braços. A tranca pesada foi colocada na porta, as tramelas só deixavam a brisa que vinha do Banhado entrar pelos vãos da janela. Minha mãe nos levou para uma salinha onde ficava o telefone, preto e pesado, que só tocava de vez em quando, num aviso de urgência. Ali foi improvisado um pequeno altar.

Junto a imagem de Nossa Senhora de Fátima foram acesos tocos de vela, um terço para mim e outro para minha irmã. Ficamos de joelhos e vimos ela chorar, um soluço miúdo e lágrimas que avermelharam seus olhos. E repetimos, sem entender, a oração.

Algumas vezes ouvimos batidas na porta que ecoavam pela casa e o barulho dos sapatos apressados rompendo o silêncio da madrugada.

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Cobria a cabeça com medo. Minha mãe se levantava para abrir a porta e recolher os sacos de arroz e feijão deixados na soleira.

E assim aconteceu em outras noites, em nossos dias de clausura e de perder outros botões e tampinhas nos buracos do assoalho, das bonecas mutiladas de minha irmã, e do estridente tocar de telefone e minha mãe a perguntar quando meu pai voltaria. E depois chorar. Depois de tanto tempo desço aos porões da memória em busca de vagas lembranças deste tempo. Quando pequeno, antes da distração disfarçar o esquecimento, nunca tive respostas para o choro de minha mãe, a ausência de meu pai e o medo que ficava latente dia após dia. Em algumas noites, quando a neblina vinda do rio Paraíba do Sul transformava tudo em vulto, todos deitamos na mesma cama.

Triste, ela nos via brincar, rabiscar paredes e cair exaustos no tapete puído e cochilar. E nesta sucessão de dias e horas, surgiu o ronco do motor de um carro e outras batidas na porta, desta vez sem a força e pressa que me assustava. Era um final de tarde e então ela sorriu como eu não via a tanto tempo. Meu pai havia voltado da viagem, de um lugar sem nome e nem endereço. E o telefone passou um tempo mudo, não berrava mais suas urgências, mas as velas continuavam acesas.

As vozes, as conversas em casa, agora eram baixas, muitas vezes sussurros tão estranhos como aqueles tempos. O sol ensaiava sua despedida e minha tia me pegou pela mão. Eu queria ver o Banhado e suas lagoas onde viviam milhares de sapos, vagalumes e borboletas. Ou mesmo um avião que receberia meus acenos de criança a imaginar que um dia seria visto e receberia uma resposta dos céus. Na saída da casa, alguns poucos passos para se chegar a rua, ela parou ao ver um homem fardado que passava. E me olhou tão triste e profundamente como minha mãe. Ajeitou o meu cabelo e suspirou.

Hoje, quando ingresso na velhice e muitas de minhas lembranças estão como os botões perdidos no empoeirado porão do esquecimento, vasculho o que restou de um tempo sem outros

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herdeiros. Os que vivenciaram esse momento já partiram, minha irmã, de tão pequena que era, não se recorda de nada. Apenas eu permaneci sem me esquecer desses dias que nunca abandonaram o carrossel de minhas memórias trêmulas como os enfeites na velha cristaleira. E percebo, que definitivamente, minha vida cabe numa caixa de sapatos.

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Quem inventou o rádio?

Lurembergue Pereira*

*Lurembergue Pereira, Rio de Janeiro; instrutor de helicópteros, pesquisador nas horas vagas: pesquisa lusófona,pelaUniversidadeBlaisePascalemestreem pesquisa psicanalítica pela Universidade Paul Valery, tendo como resultado obras acadêmicas entituladas “Évolution litteraire”, “La Mémoire nonconsciente” et “Rideau Sacré”. No Brasil, contos e romance psicanalíticos: “Evolução Cega e Visão Cega - ensaios de uma teoria.”

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“Sobre o ciúme competitivo há pouco a dizer do ponto de vista analítico. É fácil perceber que ele é basicamente composto pelo luto, pela dor da perda do objeto [...] que se crê perdido, e pela ofensa narcísica, [...] além disso, por sentimentos hostis contra o rival favorecido e pelo maior ou menor grau de autocrítica [...]”

(Neurose, Psicose, Perversão_ Obras incompletas de Sigmund Freud).

“Tradicionalmente, a invenção do rádio é atribuída a Guglielmo Marconi. O então jovem inventor italiano, com apenas 20 anos, realizou seus primeiros experimentos bem-sucedidos ao fazer tocar um sino do outro lado de uma sala e pressionar um botão telegráfico na bancada. Isso aconteceu em 1894.

A essa altura, o padre Landell, no Brasil, já transmitia a voz humana a uma distância de 8 km. Marconi, por sua vez, concentrou-se mais no desenvolvimento da telegrafia sem fio, e só foi transmitir a voz humana em 1914. ”

Superinteressante, Edição 304ª, maio de 2012

Parece-me confiável... Como Santos Dumont, vemos mais uma paternidade questionada. Entretanto no que diz respeito ao primeiro voo do 14-BIS, possuímos registros:

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Testemunhado pela Torre Eiffel, tendo apenas 84 anos como nação independente, o Brasil embarcou em “voo solo” rumo à História, ao lado de um dos maiores inventores de todos os tempos.

Irmãos Wright. Excelente performance e, verdadeiramente, grato pelo conhecimento em equipamentos e comandos de voo, agregados. Podemos dizer que foi uma melhoria antecipada de uma descoberta que estava por vir. Porém, Wright Flyer I era um híbrido, não um conceito…

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Uma dose de nacionalismo sempre cai bem.

E os Irmãos Wright, de forma inversa, melhoraram alguma coisa. Por isso, merecem o nosso respeito.

Porém, qual o objetivo de se chegar primeiro?

- A vitória, passar a linha de chegada!!! - Com certeza…. É o efeito torcida!

Mas vejamos por outro ângulo. Quem vai usufruir o conhecimento adquirido, após a descoberta? Como esse conhecimento será difundido?

Ele poderá ser melhorado?

Questionamentos importantes que podemos nos infligir, sem desmerecer os pioneiros; pois descobridores devem sempre ser reverenciados, como heróis solitários, geralmente incompreendidos pelos seus contemporâneos.

Cabe a nós, então, potencializar o achado de maneira diversa. Evoluílo. O ineditismo, a despeito de sua inquestionável importância, pode ser um mero acaso - brilhante, diga-se de passagem. Mas as melhorias de uma descoberta, um imponderável anónimo de incrível relevância. E esse anónimo carece de nosso apoio.

O pai da Aviação (brasileiro, pois também gosto de torcer) + a humanidade nos brindaram com aviões de diversos portes, esquadrilhas militares, ciência e tecnologia.

O pai da Psicanálise + a humanidade nos presentearam com a redução da ansiedade, a identificação da neurose e de doenças psicopatológicas, minimizaram a crítica aos curandeiros.

O padre do rádio + a humanidade, encurtaram a distância entre os povos, favoreceram o sonho e estórias contadas, difundiram a música.

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A paternidade do invento e a maternidade da civilização multiplicam e eternizam. E a lembrança do autor alimenta a tristeza de reforçar que não somos perenes e precisamos ser recordados por nossos feitos.

Porém outro grande desafio é responder à pergunta latente: - o que podemos melhorar? O mínimo que seja. O usufruto irrestrito ainda é arcaico e ancestral, devemos acrescentar.

Parece autoajuda para pesquisador. Talvez sim. Porém, sem a persistência humana, estaríamos a praticar voos em modelos antigos do 14-BIS ou a aplicar eletrochoques em pacientes histéricos.

Imagino que somar um novo avanço em resistência de materiais possa melhorar o desempenho de uma turbina, fazer-nos ascender em outras áreas da ciência e tecnologia.

Acrescentar uma palavra de compreensão, a uma pessoa neurótica, possa também iniciar um processo de cura.

O sucesso está nas pequenas descobertas e nas grandes melhorias.

Ah, e no suporte e apoio…. Pois o conhecimento é de todos e para todos.

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Terra de asas

Matile Facó*

*Matile Facó, nascida em Fortaleza, Ceará, é uma mulher multifacetada que transcende os limites de sua formação em Administração de Empresas. Como artista, ela encontra a sua expressão nas palavras, nosdesenhosenossonhos,criandoumuniversoúnico e inspirador.

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Toda minha vida, eu olhei para o céu e desejei voar. Não era um desejo comum, desses que se dissipam como nuvens passageiras. Era uma ânsia que queimava dentro de mim, uma fome inabalável. Como muitos, cresci ouvindo as histórias do grande Alberto Santos Dumont, o homem que deu asas ao nosso sonho coletivo.

Eu nasci no interior do Brasil, longe dos centros de inovação e tecnologia. Minha família vivia da terra, da lavoura e do gado. Mas, desde pequena, eu me sentia como um pássaro enjaulado, observando os céus com olhos famintos.

Não foi fácil convencer minha família de que eu queria ser aviadora. Naqueles dias, a aviação ainda era uma busca incerta, uma façanha para os ousados e os destemidos. E eu, uma garota do interior, parecia improvável que pudesse fazer parte desse mundo.

Mas eu não me deixei dissuadir. Trabalhei incansavelmente na fazenda, economizando cada centavo que podia. E quando completei 18 anos, comprei minha primeira passagem de trem para o Rio de Janeiro, onde minha jornada de voo começaria.

Cheguei à cidade grande com nada mais do que uma mala modesta e uma determinação inabalável. Inscrevi-me na escola de aviação e comecei a aprender os segredos dos céus. Não foi fácil. Os homens ainda dominavam o campo da aviação, e muitos não viam com bons olhos uma jovem como eu tentando se juntar às fileiras.

Mas eu me agarrei ao exemplo de Santos Dumont. Ele havia enfrentado desafios intransponíveis, e mesmo assim, ele havia vencido. Ele havia provado que o céu não tinha limites, apenas oportunidades. E eu estava determinada a seguir seus passos.

Os dias eram longos e árduos. Treinamento físico, mecânica de aeronaves, navegação, e, é claro, pilotagem. Eu me dedicava com paixão a cada aspecto, provando a mim mesma e aos outros que eu pertencia aos céus.

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Finalmente, chegou o dia em que entrei em um avião como piloto pela primeira vez. A sensação de liberdade que inundou meu coração naquele momento foi indescritível. Eu me tornei uma parte do avião, e o avião uma extensão de mim. Era como se juntos pudéssemos conquistar o mundo.

Minha jornada como piloto não foi isenta de desafios e preconceitos. Muitos tentaram me derrubar, mas eu continuei voando. E assim como Dumont contornou a Torre Eiffel, eu também quebrei barreiras invisíveis.

Hoje, olho para trás com gratidão por todas as asas que tive a oportunidade de usar. E, assim como Santos Dumont, vejo que o céu é um lugar de sonhos realizados. Em um país de vastidão e diversidade, descobri que as asas podem nos levar a lugares inimagináveis.

Então, enquanto celebramos o sesquicentenário de Dumont, saibam que sua influência transcendeu gerações. Ele não apenas deu asas à nossa imaginação, mas também abriu o caminho para aqueles de nós que ousam sonhar alto. A terra do Brasil é vasta, mas com asas, ela se torna infinita.

À medida que o tempo passava, minha determinação de seguir os passos de Santos Dumont só crescia. Aprendi a mecânica por trás das máquinas voadoras, cada parafuso e engrenagem, como se fossem extensões do meu próprio corpo. Não apenas queria ser uma pilota, queria entender cada aspecto da aviação.

Foi durante meu treinamento em um pequeno aeródromo no interior do Rio de Janeiro que conheci alguém que mudaria o curso da minha jornada: Pedro. Ele era um instrutor, com um olhar experiente e um sorriso cativante. Juntos, passamos horas nos céus, e foi sob sua orientação que aprimorei minhas habilidades.

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Pedro também compartilhou comigo a história de sua família. Seu avô, um talentoso inventor e mecânico, havia trabalhado lado a lado com Santos Dumont em seus primeiros experimentos com balões e dirigíveis. Pedro me mostrou fotos antigas e documentos, provando a conexão profunda de sua família com a história da aviação no Brasil.

Aquilo me fascinou. Eu já admirava Dumont, mas agora eu tinha uma conexão direta com seu legado. O avô de Pedro era uma figura quase lendária, um homem que havia contribuído para transformar os sonhos de Dumont em realidade.

Conforme eu e Pedro passávamos mais tempo juntos, nossa amizade se aprofundava. Ele compartilhou comigo histórias sobre os primeiros voos de seu avô, sobre as noites passadas discutindo projetos e planos. E, à medida que nossa amizade se transformava em algo mais, eu sentia que fazia parte de algo maior, algo que transcendia nossa paixão pela aviação.

Em uma noite estrelada, enquanto estávamos deitados no capô de um avião, Pedro olhou para o céu e disse: "Você sabia que Santos Dumont acreditava que voar unia as pessoas? Que, ao desafiarmos os limites dos céus, estaríamos mais próximos uns dos outros?"

Aquelas palavras ressoaram em mim. Nossa paixão compartilhada pela aviação não era apenas um sonho individual, mas uma herança que nos ligava ao próprio Dumont. Decidimos, naquele momento, que faríamos algo para honrar esse legado.

Juntos, começamos a visitar escolas locais, compartilhando a história de Dumont e inspirando jovens a sonhar alto. Montamos uma pequena escola de aviação, oferecendo bolsas para aqueles que não podiam pagar pelo treinamento. Nosso objetivo era abrir as portas dos céus para todos, assim como Dumont havia feito.

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À medida que nossa escola crescia, mais e mais jovens se juntavam a nós. A aviação deixou de ser uma busca solitária e se tornou uma comunidade apaixonada. Vimos sonhos se tornarem realidade, assim como o nosso próprio amor floresceu.

Hoje, olho para o céu com gratidão, sabendo que estou seguindo os passos de Dumont não apenas como uma pilota, mas como uma guardiã do seu legado. E, ao meu lado, está Pedro, meu companheiro de voos e de vida, continuando a tradição de sua família e a missão de unir as pessoas pelos céus. Como Dumont uma vez sonhou, estamos construindo pontes de asas que nos conectam, nos inspiram e nos fazem voar mais alto.

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Um céu de brigadeiro ou Flyer versus 14-BIS

Celso Lopes*

*Celso Lopes (elipse84@terra.com.br) é natural de Guará,interiordoestadodeSãoPauloeestáradicado na capital paulista há vários anos. Tem formação em Letras (USP) e Pós em Literatura Brasileira (Unicid). Atua na área de comunicação corporativa.

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Os percalços são inerentes àqueles que escrevem a história. Pode-se até afirmar, de forma quase leiga, como nos disse Murphy em complemento a sua própria lei: “ certas coisas, às vezes, só podem dar certo, se derem errado primeiro.”...

Assim, é bem provável que os irmãos americanos Wilbur e Orville Wright, natural de Dayton,USA, e o brasileiro Santos Dumont, da cidade mineira de Palmira, nascido em 20 de julho de 1873, durante sua estada em Paris, na França, cada um desses inventores, a seu modo, buscasse navegar “um céu de brigadeiro” para fazer coroar os desafios de colocar o chamado mais-pesado-que-o-ar em plena navegação pelos ares e mares do mundo. Mas, por certo, fazendo jus à Murphy, em grande parte, vivenciaram um dia a dia carregado de erros, acertos, desconfianças, tentativas e tropeços, descobrindo, os inventores, que o ar não era assim tão leve e nem tão suave... Ao contrário, certamente, esses “engenheios do ar” navegaram à deriva e num voo-cego à cata de persistência e resiliência para atingirem os resultados esperados...

Tal proeza, conservada as distâncias territoriais e temporais, fez parte também da Comitiva Real, deslocada às pressas de Portugal nos idos de 1807, para aportar, separadamente, em terras brasileiras. A história registra que a esquadra lusitana navegou às escuras, tendo muitas vezes pela frente, além das águas turvas e revoltas, um sol escaldante, os perigosos rochedos e, naturalmente, o vazio sem fim e a falta de rumo...

Santos Dumont, algumas décadas depois, partia do seu provinciano país para se tornar o futuro “ás dos ares”, mas sempre na esperança de encontrar – e por vezes, até encontrou – um céu de brigadeiro, para mostrar ao mundo as suas mais importantes invenções.

Quem sabe, D. João VI teria sido o nosso ‘Santos Dumont’, que ao pousar numa colônia longínqua e desconhecida (e com tudo por fazer), dera fé às palavras do escritor britânico Christopher Lee, para

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quem “as pessoas fazem a história, mas elas nem sempre se dão conta do que estão fazendo”. Sendo assim, a vinda da Corte em 1808, teria permitido a ‘invenção do Brasil’. E o ‘14-bis’ de D. João VI, eclodiria multiplicado em navios singrando as águas marinhas, abrindo caminhos para o intercâmbio social, cultural e econômico com os principais centros mundiais...

Por sua vez, Santos Dumont foi o nosso ‘Príncipe Regente’, benquisto pelo povo, reconhecido pelo mundo, que aportara nos rincões parisienses em busca de conhecimentos maiores, capaz de ajudá-lo a erguer os seus balões dirigíveis e a manter sobre controle o seu desafio de domar e dominar o mais-pesado-que-o-ar...

O inquieto menino sonhador, Alberto Santos Dumont, nascido no Brasil, mas de ascendência francesa, alguns anos à frente do “rei do Brasil”, com sua insistência infinita, com tamanha generosidade, e às suas custas, mantinha-se de pé, literalmente, diante das dezenas de tombos e imprevistos, das quedas e dos desastres que sempre o rondaram em cada etapa ... Enquanto D. João VI chegava à colônia pelas águas, tendo o seu olhar voltado às matas, aos mares, à geografia, às artes e aos aglomerados urbanos, Santos Dumont, por sua vez, inquietava-se olhando os ares, os céus, a direção dos ventos, as pradarias, os galpões de construção, os motores, as estruturas técnicas e os novos cânones da engenharia mundial...

Aqui, o panorama do país, de norte a sul, nunca mais fora o mesmo. Por isso, há quem afirme que “quando a família real portuguesa aportou em Salvador, no dia 22 de janeiro de 1808, o Brasil começou a ser inventado”. E de forma a fortalecer esse conceito, o escritor Laurentino Gomes destaca: “num intervalo de apenas 13 anos, entre a chegada da corte e a volta do rei para Lisboa, uma colônia atrasada e ignorante ficou pronta para se tornar uma nação soberana” .

O passo seguinte, portanto, seria inevitável: o Brasil aspirava por liberdade, ansiava pela independência; o país, agora, seguiria para

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alcançar o seu voo-livre, e para tal, precisaria fazer-se um bom piloto, tornar-se um bom comandante, aprender a dirigibilidade, manejar os instrumentos de bordo, enfim, rasgar os céus, conquistar os ares, tal qual Santos Dumont fizera, quase cem anos depois, culminando com aquele voo histórico do seu 14-Bis em 12 de novembro de 1906, em Paris, no Campo de Bagatelle!...

E assim, poderíamos perguntar, e então: - TUDO BEM?... TUDO CERTO?..- ALL GOOD?... ALL VERY WELL?...- TOUT BON?... TRÈS BIEN?...

Mas a história é fiel em deixar lacunas, portanto, não há confirmação precisa sobre o fato, no entanto, ninguém duvidaria que Santos

Dumont, da janela do seu aposento, cuja vista espraiava-se os jardins dos Champs-Elysées parisiense, estancado o curto passo, relia pela décima terceira vez a palavra inglesa Catapult, soletrada quase silenciosamente no sotaque francês: “ -Catapulte...Catapulte...”

Seria, portanto, uma premonição do nosso inventor?.... Santos

Dumont previa um porvir como uma pedra no sapato, criando dúvidas e interrompendo o seu caminho de sucesso?

Nada disso. Quem pudesse ver e ouvir o pequeno grande inventor, dirigindo-se para o seu quadro-negro, a sua lousa de anotações, perceberia, nitidamente, que da sua mão sairiam dois riscos formando um grande XIS sobre a palavra Catapulte. Com o grau necessário de intimidade, à francesa, com o nosso talentoso inventor, ouviríamos, quem sabe, 13 vezes, o som martelado pela sua voz inquieta: - qétápiult... qétápiult... qétápiult....

E impiedosamente, da mesma maneira, ouviríamos em complemento, o décimo terceiro “não”, afrancesado, e em alto e bom som:nún...nún...nún...

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A tarde esmaecia, visivelmente, no Champs-Elysées. Sob a luz de um pequeno abajur, tendo à sua frente anotações diversas, Santos Dumont, ainda celebrava e delirava-se sobre o feito de suas experiências com os balões. E claro, num sorriso leve, aguçou o próprio ego, ao olhar as correções prudentes que fizera sobre o ato de controle, que o levaram a criar o primeiro dirigível da história, o número 6, que dera a volta estupenda no entorno da Torre Eiffel, praticamente, com 30 minutos sob total domínio e direção do condutor, ou seja, Santos Dumont, cujo feito valeu-lhe uma premiação alemã, o Prêmio Deutch, pela criação inovadora, cuja parte financeira – 100 mil francos - destinou à instituições de caridade. Como diríamos nós, os brasileiros, festejando em ditado bem apropriado: “ - uma conquista de tirar o chapéu!...”

Mais de uma vez o Nun Qétapiult veio ao encontro do inventor. Quem o visse nessa euforia, compreenderia logo que a recusa tinha objetivos e meta. Aos olhos e mente de Santos Dumont, o gesto de mãos-à-obra sobre a prancheta, pedia, claramente, um desafio maior, ou seja, subir, subir, subir... e voar...voar...voar pelos ares com absoluto controle dos instrumentos de navegação... Nun Qétapiult...Nun Qétapiult...

Se a mente do inventor já fervilhava, os números ganhavam recorde, velocidade e ascendência evolutiva em contagem gradativa:

...6...7...8...9...10...11...12...13... A data entrou para a história e mais: com registro visual documentado e sob os olhares boquiabertos de centenas de pessoas...

O 14-BIS planou com recursos próprios, sem a muleta da catapulta, em torno de 3 metros do chão, ao longo de mais de 50 metros, numa apresentação pública invejável e majestosa na espraiada do Campo de Bagatelle na França. O nosso herói nacional, a seguir, em 1907 não deixaria por menos: do seu esforço e talento veríamos o primeiro ultraleve da história – o Demoiselle!...

Nun Qétapiult... Nun Qétapiul...

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Ainda que esse “mântra” o perseguisse e desse a Santos Dumont os méritos de uma recusa simples ou simplista, quer seja, evitar a qualquer custo, subir ao ares com o uso de Rampa ou arremessado por um equipamento, Catapulta, o que o impediria de elevar-se do chão por conta própria, essa espécie de premonição que o inventor brasileiro carregou, na verdade, ganhou fórum de realidade. Distante dali, os irmãos Wright, americanos da cidade de Kitty Hawk, fizeram crer que anteciparam a data do desafio de levar ao ar o maispesado...e pasme-se: subiram com o uso de uma “Catapulta” para colocá-lo no alto, fato esse, que fora observado apenas por algumas poucas pessoas. Sim, é certo, que utilizaram o motor... é certo, também, que estaria sujeito a aperfeiçoamentos. A história registra que em 1905 o aeroplano dos “irmãos” conseguiu voar 30 km sob controle de altura e direção...

Flyer versus 14-BIS, eis questão?...

Nessa briga de patentes pela história, nosso inventor sai de cena. A ele bastava os cânones da humildade, com a certeza de que sempre fez valer sua verve criativa diante das suas reconhecidas invenções. Nosso engenheiro dos ares, movido a estudos, tropeços, avanços e comprometimento diante dos seus desafios sempre límpidos como um céu de brigadeiro, nos faz retomar as palavras do escritor: “ as pessoas fazem a história, mas elas nem sempre se dão conta do que estão fazendo”. Santos Dumont, nosso inventor brasileiro, nosso herói visionário, aos olhos do mundo o “Le Petit Santos”, passou ao largo desse mandamento, pois não somente fez a história, mas levou e elevou-a ao topo do mundo com toda a sua ética humanitária...

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Um peteleco inesperado

*Gaúcho,deCaxiasdoSul/RS.Funcionáriopúblicona Universidade de São Paulo, Professor de Filosofia, desenhista, compositor e escritor. Publicou "Fiuuinn, o último aviso à terra", e "Contos de areia de Itanhaém".
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Depois de ter lido dezenas de laudas sobre o aeronauta Santos Dumont e os seus voos experimentais, para conhecê-lo melhor, eu, outro dia, realmente dormitei em meio a uma palestra que assistia sobre a história da aviação. Naquela oportunidade eu assistia num evento no auditório da Faculdade e, em certo momento o cansaço me venceu e aconteceu o que mais temia: cochilei na plateia. Nisto, como por encanto, pareceu que me desprendia do acento como se minha alma, num sobressalto, fosse voar pela primeira vez. Fui subindo leve, paulatinamente, como um balão de gás, e esvoacei ao vento, puxado acima de grandiosas nuvens brancas e frias. Sentia tocar levemente as gotículas no meu rosto, sem, no entanto, pretender olhar para baixo, visto que tinha vertigens às alturas, ou receio de despencar do nada. Em meus sonhos noturnos muitas vezes me pego em verdadeiros desequilíbrios à beira de precipícios, altos edifícios, montanhas, etc. Também me apavorava subir indefinidamente no espaço aberto. Era uma outra sensação dramática mui pessoal minha. O sentimento sonambúlico de poder cair, ou cair mesmo, sempre me fazia acordar em desespero, tendo vários pesadelos desse tipo. Hoje já não me importava tanto.

A palestra do professor catedrático era boa — sim, mas boa até demais pra pegar sono! Então, não deu outra, caí como uma pedra na soneira, não por que quisesse, mas há de se convir que ninguém curtiu muito o ilustre palestrante em suas elucubrações enfadonhas, quase ensejou que os americanos rivais, talvez tenham pairado primeiro no ar. De fato, o ultraleve também o faz, contudo nunca deixa de ser ultraleve. Mas... ainda só é indubitável o fenômeno demonstrado. Ai meu Deus do céu! Me tira dessa!

É o mesmo caso da fábula, que se conta acontecida de Cristóvão Colombo: certo dia, num banquete alguém ralhou que qualquer um poderia ter descoberto o Novo Mundo. Então, Colombo propôs uma charada: quem era capaz de pôr um ovo em pé? À princípio tudo parecia ter virado uma comédia. Entrementes, todos tentaram, porém ninguém sabia como fazê-lo. Depois de ralar muito tentando o pessoal

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desistiu – era fisicamente impossível fazê-lo! O almirante, então pacientemente, demonstrou o feito quebrando a ponta do ovo com um peteleco: e fincou o ovo em pé na mesa. Daí todos disseram que assim sabiam fazê-lo! Mas porque não o fizeram? O mesmo aconteceu com Santos Dumont. Só depois que ele demonstrou como fazer, todo pessoal do ramo pode sair a projetar aeronaves e voar pelos ares. O tal do meu cochilo na plateia, na verdade foi muito rápido, porque o assunto sempre me foi, e continuava sendo, de interesse especial. Destarte, nestes segundos cruciais de “desacordado”, divisei de longe um pássaro de grandes asas voando por grandes e altas montanhas. Aquelas aberturas das asas como uma águia, ou falcão, aquele movimentar-se no espaço aberto sobre uma brisa marinha, livre ao vento, fez-me em sonhos flutuar ao encontro daquele tão fabuloso pássaro de envergadura magnífica. No entanto, ele percebendo muito mais à frente que eu o seguia rumou para o cimo de uma alta montanha ao lado do “Dedo de Deus” – da Serra dos Órgãos, próxima à Petrópolis onde residia Santos Dumont.

Então, o meu espírito planou seguindo naquela direção. Em breves instantes, a distinta águia ao longe, pareceu pousar e ao pousar, recolhendo suas asas, voltou-se de frente a mim e percebi transformar-se num jovem alado, ou quiçá, num verdadeiro anjo, um arcanjo de um plano celestial, e seu corpo então tomou as características humanas de um jovem de vestiário simples com aquelas magníficas asas semiabertas angelicais. Em me aproximando mais percebi as feições naturais do jovem amigo Santos Dumont. Naquele supremo átimo de segundo de satisfação, ele se esplandeceu na bela figura juvenil da estátua de Ícaro do monumento de Saint Cloud na França. Neste mesmo instante, contagiado por tão belo êxtase, alguém me deu um peteleco na nuca, então imediatamente me acordei com a mão na cabeça. Olhei para trás e pedi desculpas!

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Voa

Brunno Vianna de Andrade*

*BrunnoViannaéhistoriador,tem35anos.Écarioca, venceuoConcursoLiterárioMachadodeAssis(2008) e o Prêmio Polo Cultural de Multiartes na categoria Poesia (2022).

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Um livro aberto na mão, emoção.

Escritores e escritoras falam sobre Santos Dumont.

Ao fundo toca uma canção.

Muita gente visita aquela casa.

Sobe aquela escada.

Degrau após degrau.

Um pé. Depois o outro. E sobe.

E observa com atenção aquele chuveiro.

Aquela casa.

O tempo, que voa.

Voa o avião que passa.

Passa feito passarinho.

E o tempo voa.

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Você pode voar

Margarida Montejano*

*Margarida Montejano, poeta paulista, escritora, produtora do canal "N’outras Palavras, no Youtube. Autora dos livros "Fio de Prata",Ed. Siano –Juiz de Fora MG, 2022 e, em 2023, “Chão Ancestral”, Ed. TAUP,Curitiba,PR.Participadecoletâneasliterárias nacionais e internacionais; Selo Poetrix; @montejanomargaridaescritora.

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Sexta-feira, 13. Junho. 1986. Acordei assustada com o barulho de carros na rua e não com o despertador que mês sacudia, “delicadamente”, de segunda a sexta-feira. Algo aconteceu que o impediu de tocar, mas meu relógio interior, como se diz por aí, fez um barulho danado, acordando-me. Então, entre um espreguiçar apressado e outro, meu cérebro rapidamente elaborou: deve ter faltado energia durante a noite! Mas, que estranho! O relógio marcava a hora correta e me lembrava que eu chegaria atrasada na primeira e mais importante reunião de trabalho marcada para aquele dia, o que lamentavelmente seria péssimo para minha carreira profissional de roteirista de cinema.

Após um rápido banho e sem pensar duas vezes, vesti uma camisa florida e um terninho preto que eu guardava para ocasiões especiais. Quanto ao café? Não rolou! Muito acelerada, peguei uma maçã na fruteira e, enquanto a comia, pegava minha bolsa, pasta e lenço. Ao engolir sem respirar a fruta, adivinha! O inevitável aconteceu. Engasguei feio, chegando a soltar água pelos olhos e, para meu azar ou, por sorte de quem divide a casa consigo mesma, ninguém para bater em minhas costas ou chamar o tal do São Brás. Paciência! Sequei o rosto, limpei a garganta, peguei minha bolsa, pasta e lenço e desci as escadas, correndo. Pensei em ir de ônibus, mas desisti em seguida, dizendo a mim mesma:

Sem chance! Vai demorar muito. Melhor chamar um táxi.

Já na rua, em frente ao prédio em que morava, iniciei um verdadeiro ballet, me contorcendo toda para que os motoristas que passavam na avenida pudessem me avistar e que, entendendo a minha urgência, parassem o carro. Mas, como dizia minha avó, Que esperança! Eles passavam ao largo e nem se davam ao trabalho de olhar para a calçada, tampouco para esta pobre operária da escrita que, atrasada, estava. Assim se passaram uns 20 minutos de espera, que mais pareceram uma eternidade.

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Confiante de que algo bom aconteceria naquele dia que mal começava, respirei e repeti a mim mesma, a ordem:

Tenha calma! Problemas acontecem! Continue tentando!

E não é que, enquanto eu aguardava nervosa, um elegante carro estacionou ao lado da calçada e à minha frente, impedindo-me de ver e me fazer visível aos motoristas de táxi que passavam!

Quando ia emitir um xingamento daqueles que saem pela boca sem passar pelo cérebro, fui surpreendida pelo homem que conduzia o carro:

Com licença, senhorita. Bom dia! Você me parece ansiosa e atrasada. Aceita uma carona?

Por um instante, parecia ter engolido a língua e como não conseguia falar, mil coisas passaram por minha cabeça, dentre elas, a voz de minha mãe dizendo para nunca aceitar carona e bebida de desconhecidos! Sempre a achei sensata nisso mas, por alguma razão, me veio à mente um refrão da música de Guilherme Arantes que dizia: No fio da navalha correm dois trens da central... Pronto! Lembrei-me que precisava correr e da hora que corria veloz em meu relógio, mostrando-me que eu precisava ir.

Olhei para o homem à minha frente parado. Não era um chofer de táxi. Nem motorista de transporte alternativo, tampouco uma fada madrinha! Ora! Era um sujeito educado, elegante e sensível que, muito provavelmente, percebeu minha aflição e por conta disso, parou para me socorrer, pensei!

Que loucura é esta que se passa comigo? Rapidamente o velho ditado popular de que, quando a esmola é demais, o santo desconfia, me inundou o pensamento. Desconfiei. Contudo, meio inebriada por tanta caraminhola na cabeça e aflita por não perder meu compromisso, deixei-me conduzir pelo clima que se instalava,

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olhando fixamente nos olhos daquele estranho com a mão a mim estendida:

Senhorita! Por favor! disse-me ele, abrindo-me a porta do carro, num gesto de gentileza.

Para onde devo conduzi-la? perguntou.

Gente! Aquilo não poderia ser verdade! Belisquei-me para ver se eu estava sonhando. Não, não estava, pois além de sentir a dor produzida pelo beliscão, tinha clareza de que uma reunião de trabalho me aguardava. Mediante essa consciência, falei num impulso:

Para o Teatro Municipal, por favor!

Olhando o relógio no pulso e me acomodando no banco traseiro do carro, tentei colocar as ideias em ordem. Precisava de uma boa justificativa para o meu atraso e, como não a tinha, resolvi que era melhor assumir a ideia do antes tarde do que nunca. O que sei é que, naquele momento, o mais importante era seguir logo para o Teatro. A carona especial era a minha salvação e resolver meu problema era o que eu desejava.

Mas, vocês já ouviram aquela expressão de que, quando o dia começa mal, tudo parece dar errado? Pois é. Olhei novamente as horas e pela sinalização do tempo, com trânsito normal, eu estava atrasada em 10 minutos. E o que são 10 minutos?

Detalhe, como naquela época não havia celular para avisar as pessoas que me aguardavam, de que me atrasaria, não havia alternativa. Tinha de me concentrar e rezar para que tudo começasse a dar certo, e não é que lá vinha outra frase pronta na minha cabeça! Calma! A esperança é a última que morre!

Enquanto o carro se movia na grande avenida, eu tentava raciocinar sobre o que se passava comigo naquela manhã, contudo, meus pensamentos foram interrompidos pelo som da voz do gentil

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cavalheiro, que disparou a conversar pelo rádio do carro com alguém, noutra língua desconhecida. Parecia falar, literalmente, grego.

Deus do céu! Agora a situação piorou! Pensei: quem será esse estranho condutor que me leva ao destino? De que história ou filme ele saiu?

Tentei lhe falar pelo retrovisor, fazendo gestos meio desesperada. E ele, percebendo meus movimentos, parou o carro no meio do trânsito e, virando-se para trás e, em minha direção, perguntou:

— O que deseja, senhorita?

Ora! Ir para o Teatro disse eu, irritada com as buzinas dos carros à nossa volta!

E ele, sem dar a mínima para o alvoroço no trânsito, respondeu-me:

Tranquilize-se. Estaremos lá a tempo do espetáculo começar.

E, antes de eu argumentar algo, virou o corpo para frente, realinhou o carro e seguiu noutra direção.

Por Deus, pensei! Que sonho é esse em que embarquei? Será que entrei numa canoa furada? Foi então que fechei os olhos e desisti, concluindo desolada:

Acho que estou sendo sequestrada com a minha anuência. Senhor! Será? Pelo sim ou pelo não, resolvi acreditar que não. Existem pessoas boas e esse maluco há de levar essa maluca ao destino certo!

Após aquele instante tumultuado e com tanto pensamento desordenado, abri os olhos e, como a um passe de mágica, avistei a grande escadaria. Estávamos diante do monumental teatro da cidade. Ufa! Respirei aliviada! Ansiosa por chegar à sala da reunião, peguei minha pasta, a bolsa e ajeitei o lenço no pescoço. Ao virar-me no carro e na direção da porta, o belo homem ofereceu-me a mão para que eu descesse.

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E agora, pergunto a vocês.

— Sabem qual foi a minha reação?

Imagino que sim! Aceitei a gentileza daquela pessoa amável à minha frente que me retribuiu com um sorriso, dizendo:

Chegamos, senhorita!

Mas, como nada é perfeito e tudo era bom demais para ser verdade, ao sair do carro e colocar meus pés no chão, não acreditei no que vi. Na pressa de sair de casa, não calcei as sandálias pretas e sim, as chinelas de pano listradas, herança de minha avó. Desapontada comigo mesma e com vergonha dos olhos que fitavam meus pés, voltei a sentar-me no carro com vontade de chorar.

Foi aí que o conto de fadas começou.

Desistiu da reunião, senhorita? disse-me o desconhecido.

— Não posso ir assim! — respondi a ele, apontando com as mãos, os meus pés.

Naquele momento, o estranho condutor que me levou até o teatro, meneou a cabeça com generosidade e novamente me estendeu a mão, dizendo:

Vamos! Estamos atrasados para o espetáculo que circulará pelo mundo!

Resignada e de cabeça baixa, mal ouvi o que o estranho cavalheiro disse, respondendo-lhe irritada:

— Não posso ir assim! Além de atrasada, mal arrumada! Será que você consegue entender?

Depois de um silêncio que se interpôs entre nós, senti-me constrangida e então pedi desculpas pela minha indelicadeza:

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NAS

Me perdoe. Por favor! Agradeço por me trazer até aqui. Mas cheguei à conclusão de que não era para eu vir... e, pensando bem, mesmo que eu conseguisse chegar a tempo, não teria chance alguma entre os outros escritores que vão concorrer ao enredo do filme. Minha chance de trabalho está perdida completei, de cabeça baixa e com um nó na garganta.

E aquele protagonista que insistia em roubar a cena e mudar o roteiro daquela manhã desastrosa, elegantemente abaixou-se até a altura de meus olhos, secou, com a ponta de seu indicador uma lágrima sentida que rolava em minha face e, pausadamente, falou:

Minha cara. Com todo respeito. Quem a conduz? Seus sapatos ou as suas ideias? Você pode voar!

Por um instante o achei atrevido e me segurei para não falar a frase que estava na ponta de minha língua, ávida por sair. Respirei fundo.

Devo-lhes dizer que entendi, naquele momento, o valor de pensar antes de falar e o quanto faz diferença essa atitude. Enfim, com o cérebro oxigenado e a respiração controlada, pensei nas interrogações e afirmações colocadas por ele e, sem saber o porquê, lembrei-me de uma frase de Mia Couto sobre a pequenez das asas do beija-flor de que Voar não vem da asa. Levantei-me. Ergui a cabeça e aceitei seu braço que aguardava pelo meu.

Conduzimo-nos, então, para a tal reunião de trabalho como dupla. Já não parecíamos mais estranhos.

Mas afinal... Acalmem-se! As tuas dúvidas eram as minhas também. Quem era o estranho cavalheiro que dirigia o carro? O que ele fazia no bairro onde eu morava? O que fez com que ele estacionasse o carro bem à frente de minha calçada e me oferecesse carona?

Cara leitora, caro leitor... muita história por contar! Assim como é a vida, no fio da navalha e no porvir, muitas decisões a tomar e interrogações a viver, a desvendar!

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Devo lhes confessar que gosto do inusitado da vida, contudo, nunca entendi o acaso e sempre o refutei, mas agora posso dizer, com certeza que ele existe, está à espreita e sempre prestes a nos fazer surpresas.

Como já dizia Jô Soares… Gostoso mesmo é quando tudo acontece por acaso. Sem data, sem horário, apenas coincidências, ou então, destino.

E, foi assim que se deu o início de nossa história e o modo como o enredo de nosso filme nasceu.

Quanto às chinelas, as ideias, as asas, as tramas, os cenários e o desenvolvimento das cenas? Querem saber? Deixo a cargo da imaginação de vocês, pois somos todos, em potencial, escritores alados, protagonistas e coadjuvantes da mesma caminhada.

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NAS ASAS DE DUMONT 244 Avenida Rondon Pacheco, 2300/65 Uberlândia – Minas Gerais CEP 38.408-404 E-mail: editoraolympia@gmail.com

Neste ano de 2023, quando se completou o sesquicentenário de Alberto Santos Dumont, a Editora Olympia convidou escritores de todo o país para que enviassem textos sobre o prazer de voar.

O resultado é uma coletânea rica em emoções e situações diferentes, que se entrelaçam com a obra do próprio aviador “O que eu vi, o que nós veremos”. Um legado de coragem, aventura e inovação.

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