HOJE TEM ESPETÁCULO? TEM SIM SENHOR!

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F825 Franco, Carlos (organizador)

Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor! Editora Olympia, Uberlândia, MG, 2024

ISBN 978-65-86241-26-6

Pág. 136

Dedicatória

Eisquededicamosestaobraatodoseatodasque lutamparamantervivaamagiaeatradiçãodocirco.

Sumário

Apresentação/Carlos Franco/Pág. 7

Palhaço misterioso/Ana Carolina Machado/Pág. 15

Estive e a máscara da honestidade/Célio D’Ávila/

Pág. 18

Contos paranormais

Estrelas cadentes: a marionete que destruiu o circo Angel Star/Célio D’Ávila/Pág. 22

Estrelas do circo: um amor encantado/Denise Camargo Lancia/Pág. 31

O circo dos sonhos: além da imaginação/Jean Javarini/Pág. 34

Circo dos sonhos: o guardião da magia/Jean Javarini/Pág. 41

Mais um medo desbloqueado, com SUCESSO/José Leandro de Souza Lima/Pág. 51

O menino que enxugava sorvetes/Júlio César Oliveira Souza/Pág. 55

Entre lonas e corações: a jornada da professora Magali e a magia do circo/Katia Aparecida Chagas/Pág. 61

O grande espetáculo de Linhares: a magia do circo na escola/Katia Aparecida Chagas/Pág. 69

O céu de lona/Monique Nibra/Pág. 74

O ladrão de mulher/Olivaldo Júnior/Pág. 78

Hoje tem espetáculo! /Rejane Luci/Pág. 88

Selene e os leões/Renata Caju/Pág. 97

No crepúsculo da magia do circo/Rui Ferrer

Trindade/Pág. 106

A justiça circense/Silas Bicca/Pág. 115

Eu não fiz nada/Tiago Malta A.K.A. Miçanga!/Pág. 125

A tenda e a importância dos vínculos/W. Marcia

Souza/Pág. 127

Trabalho, suor e alegria/William R. F. Ramires/Pág. 131

Apresentação

Nas ruas poeirentas de uma pequena cidade de interior um caminhão velho e colorido anuncia a chegada do Circo Maravilha. Em sua carroceria estão palhaços com roupas reluzentes, duas bailarinas com trajes esvoaçantes exibindo belas pernas cobertas por meias azuis com os riscos de fios gastos pelo tempo e o mágico com seu torno preto e uma cartola onde uma pomba emplumada e embalsada se equilibra entre seus dedos ágeis como os de dois malabaristas que brincam com bolas multicores. O apresentador com microfone na mão anuncia ao som estridente de dois alto-falantes que hoje tem espetáculo. Atrás deste caminhão está uma camionete onde uma banda de seis músicos enche de sons alegres a rua por onde desfila a magia do circo. Um trator na sequência puxa uma carreta. Nela, nada de animais, mais dois anões que fazem piruetas e distribuem balas e panfletos convidando para as atrações do Circo Maravilha.

“Não percam respeitável público a nossa noite de estreia ao lado da rodoviária, antiga estação de trem”, convida o apresentador de voz grave e pergunta, quando vê um aglomerado maior em frente à rádio local que também anuncia a sua chegada nesses confins: “Hoje tem espetáculo?”. A resposta uníssona do pequeno grupo, em sua maioria formado por crianças, é uníssona: “Tem sim senhor!” . Os olhos das crianças brilham quando ele anuncia as atrações do circo que tem até globo da morte e dois motoqueiros que naquele abrem alas para o desfile para, mais tarde, desafiarem a vida no globo.

Não importa o tamanho do circo, não importa se a lona é nova e reluzente ou velha e desbotada, o circo atrai e é essa a sua magia desde que o inglês Philip Astley estabeleceu, em 1768, um "anfiteatro de equitação" em Londres, onde apresentava acrobacias e truques com cavalos. Astley foi inovador ao incorporar outros tipos de entretenimento, como malabaristas, palhaços e acrobatas, criando assim o formato que reconhecemos hoje como circo. Seu sucesso inspirou outros a seguirem o exemplo, levando ao surgimento de circos em toda a Europa e, posteriormente, na América do Norte.

As trupes que já se dedicavam à italiana “Commedia dell’Arte”, onde Arlequim, Pierrô e Colombina eram as estrelas, perceberam que poderiam também abrir a lona, uma tenda colorida, e apresentar espetáculos variados com contorcionistas, malabaristas e músicos e os circos se espalharam pelo mundo.

Esses circos viajantes, muitas vezes montados em grandes tendas, tornaram-se populares, levando entretenimento para áreas rurais e urbanas. O americano Phineas Taylor Barnum (1810-1891) deu sua contribuição atrelando ao circo, animais e atrações bizarras como o homem mais alto do mundo, a mulher sereia e a mulher macaco, que acabaram por atrair ainda mais público. Também itinerante foi o criador do "P. T. Barnum Grande Museu, Zoológico e Hipódromo" que fez enorme sucesso nos Estados Unidos.

Uma inovação na Europa, com a presença de acrobatas e ciganos russos e asiáticos, trouxeram para o picadeiro os mágicos, os alvos humanos com facas e os trapezistas, se valendo da alta lona circular das tendas. Barnum, então, se juntou com James Bailey e os irmãos Ringling abrindo a lona do Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus, que

passa a ser anunciada como O Maior Espetáculo da Terra. Com a morte de Barnum, os irmãos Ringling assumiram a tarefa de continuar o legado que seria comprado anos mais tarde pela Mattel, a fabricante de brinquedos que criou a Barbie em 1958.

O filme “O maior espetáculo da terra”, de 1952, com narração, produção e direção de Cecil B. DeMille apresentando ao respeitável público cenas documentais do Ringling Bros. e Barnum & Bailey Circus selou o êxito do circo em todo o mundo, atraindo público e jogando os holofotes para o entretenimento.

Com o passar das décadas, principalmente a partir dos anos 1980, os circos espalhados pelo planeta, enfrentam um novo revés, pois se conseguiram conviver com novas mídias, como o cinema e a televisão, perderam terreno quando do surgimento das entidades em defesa dos animais. Cavalos, cães, tigres, leões, elefantes, girafas, pavões, papagaios e animais que muitos só vieram a conhecer por meio do circo, ao vivo e a cores, passaram a enfrentar sucessivas proibições legais e os circos se viram forçados a, mais uma vez, inovar.

Foi nesse momento, em 1984, que surgiu no Canadá o Cirque du Soleil, abandonando animais e focando seus holofotes em performances artísticas, acrobacias e narrativas emocionantes por meio da dança e da música. Paralelamente, os circos viajantes encontraram nos palhaços, mágicos, malabaristas e trapezistas as suas alternativas para garantir a sobrevivência. Os circos financeiramente mais poderosos atrelaram ao espetáculo parques de diversões, com rodas gigantes, tiro ao alvo e outras atrações mantendo viva a arte de entreter, enquanto o Cirque du Soleil passou a ocupar os palcos dos grandes

centros de entretenimento como a capital americana dos jogos, a reluzente Las Vegas, no estado de Nevada.

No Brasil, onde o primeiro grande circo a se apresentar ao público foi o da Companhia de Pietro Scolari no início do século XIX, as lonas se espalharam por todo o país, levando alegria. Revelaram grandes nomes da arte e da cultura como Benjamin de Oliveira, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Carequinha, Arrelia, Piolin, Chancharrão e muitos outros.

Ainda hoje, nas pequenas cidades do interior, é o circo que faz brilhar os olhos de crianças e desperta o lúdico nos adultos. Memórias que não se apagam nem se apagarão como mostram os contos aqui reunidos. E também o poema de Jorge de Lima, “O grande circo místico” (18931953), publicado em 1938 na obra “A túnica inconsútil” e que inspirou o belo musical homônimo com canções de Edu Lobo e Chico Buarque e direção de Naum Alves de Souza com a participação do balé paranaense do Teatro Guaíra. Esse espetáculo que estreou em 17 de março de 1983 mesclando música, balé, ópera, circo, teatro e poesia, lotou o Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, e o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, contando a história de amor entre um aristocrata e uma acrobata tendo como pano de fundo a saga da família austríaca proprietária do Grande Circo Knieps, que vagava pelo mundo nas primeiras décadas do século.

O Grande Circo Místico

Chico Buarque e Edu Lobo

Não

Não sei se é um truque banal

Se um invisível cordão

Sustenta a vida real

Cordas de uma orquestra

Sombras de um artista

Palcos de um planeta

E as dançarinas no grande final

Chove tanta flor

Que, sem refletir

Um ardoroso expectador

Vira colibri

Qual

Não sei se é nova ilusão

Se após o salto mortal

Existe outra encarnação

Membro de um elenco

Malas de um destino

Partes de uma orquestra

Duas meninas no imenso vagão

Negro refletor

Flores de organdi

E o grito do homem voador

Ao cair em si

Não sei se é vida real

Um invisível cordão

Após o salto mortal

Por fim, não poderíamos deixar de citar a genial contribuição para o circo do britânico Charles Chaplin (1889-1997). O filme mudo “O circo”, de 1928, não só rendeu em 1929 ao produtor, diretor, roteirista e ator um Oscar seria de melhor ator, mas foi honorário , mas também a consagração de um dos personagens mais icônicos da cinematografia mundial, o Carlitos.

Perseguido nos Estados Unidos, a meca do cinema, pelo macarthismo, pois a direita nunca soube conviver e respeitar a arte e a cultura, sobretudo quando estas manifestações espelham a verdade sobre seus atos nefastos, Chaplin deixou aquele país em 1952. Ele só retornaria em 1972 para receber o segundo e honorário

Oscar por sua contribuição ao cinema, sendo aplaudido de pé e intensamente. Quando deixou aquele país em 1952, Chaplin legou este brilhante recado, infelizmente ainda atual:

"(…) Desde o fim da última guerra mundial, eu tenho sido alvo de mentiras e propagandas por poderosos grupos reacionários que, por sua influência e com a ajuda da imprensa marrom, criaram um ambiente doentio no qual indivíduos de mente liberal possam ser apontados e perseguidos. Nestas condições, acho que é praticamente impossível continuar meu trabalho do ramo do cinema e, portanto, me desfiz de minha residência nos Estados Unidos".

Para a direita e a extrema direita, a liberdade de expressão e crítica só vale para si e os seus aliados, ou melhor, para a veiculação de mentiras contra os adversários, aquilo que hoje chamamos de “Fake News” (notícias falsas), que têm sido o combustível para as ambições as mais sórdidas como as que marcaram a trajetória do então senador

republicano Joseph McCarthy e do homossexual de direita J. Edgar Hoover, criador do Federal Bureau of Investigation (FBI). Personagens que hoje se encontram na lixeira da História, ao contrário do Carlitos de Chaplin que segue, como o circo, encantando o mundo com delicadeza e lúdicas verdades como as de “Tempos modernos” e “O grande ditador” .

É desta magia do circo que trata esta obra. Afinal, ainda que com Carlitos trajando luto por ditaduras cruéis e insensatas, como a militar que comandou o Brasil por 20 anos de 1964 a 1984, e com a bailarina na corda bamba de sombrinha, o show tem que continuar, como na bela canção “O bêbado e a equilibrista” de João Bosco e Aldir Blanc imortalizada pela voz de Elis Regina.

Boa leitura, bom espetáculo!

Palhaçomisterioso

Foi em uma noite de relativa insônia que viu a estranha figura pela primeira vez. Ele estava perto da janela esperando o sono chegar quando viu ao longe algo se aproximando. A luz fraca dos postes somente lhe possibilitou ver nitidamente quando a pessoa já estava bem perto da sua casa.

Qual foi o seu espanto ao notar que se tratava de um palhaço. Ele sempre teve um certo medo de palhaços. Achava meio assustadora a ideia de uma pessoa esconder a sua verdadeira face com toda aquela maquiagem. E aquele palhaço era ainda mais assustador devido ao horário e ao fato dele correr até o final da rua e voltar várias e várias vezes. Como se estivesse fazendo algum tipo de exercício ou até mesmo fugindo de algo que apenas ele via. Quando olhou bem notou que ele parecia estar usando uma roupa própria para ginástica.

Seu sono se foi de vez. Tinha que descobrir qual era o objetivo daquela estranha figura. A curiosidade sufocou o seu medo. Desceu as escadas com cuidado para não acordar ninguém e abriu a porta devagar. Para sua surpresa, apenas encontrou a rua vazia e silenciosa. O tempo que levou para sair foi o suficiente para o palhaço sumir. Ele ainda olhou ao redor, mas não viu nem sinal do palhaço com roupas de ginástica.

Estranhou muito, mas voltou para o quarto ainda pensando naquilo. Adormeceu com a curiosidade martelando em sua cabeça. No dia seguinte acordou

atrasado para a escola. Pensou em perguntar para os colegas se algum deles tinha visto o misterioso palhaço na rua deles também, mas no fim desistiu da idéia. Não tinha certeza se aquilo tinha sido real ou não.

Ao invés de perguntar foi pesquisar se tinha algum circo na região, pois naquela região sempre tinham circos com muitos espetáculos e palhaços, pensou que talvez o misterioso palhaço fosse de algum circo que estivesse na cidade. Pesquisou, porém não encontrou nada referente a isso.

A noite logo chegou e ele decidiu que ficaria esperando na janela, pois sabia que talvez a misteriosa figura fosse aparecer. E ela realmente apareceu: o mesmo rosto pintado e roupa de ginástica. Porém dessa vez não estava sozinho. O menino viu em um dos lados da rua uma garota quase da sua idade observando o palhaço.

Tentou descer mais rápido dessa vez. Para que não ocorresse o que ocorreu na noite anterior. Abriu a porta com receio das duas figuras terem desaparecido, porém elas continuavam lá. Se aproximou da garota pensando em fazer algumas perguntas para ela.

Ele é meu irmão. disse ela antes mesmo de qualquer saudação ou pergunta Ele age assim desde que nosso pai morreu.

Aquilo o deixou sem reação. Várias perguntas se formavam em sua mente e uma acabou saindo em sua boca:

Porque?

Cada pessoa lida com a dor de um jeito respondeu a garota desviando o olhar, talvez para que ele não notasse a lágrima. Em algumas noites ele pega sua roupa de

caminhada e sai de casa para fazer corridas noturnas como essa, ele nunca fica muito tempo na mesma rua. Mas antes de sair ele pinta o rosto como nosso pai costumava fazer. Ele foi um dos melhores palhaços que conheci, sabe? Ele era a alegria do circo em que trabalhou por muitos anos.

Sinto muito por tudo isso.

A menina agradeceu com um aceno de cabeça.

O garoto olhou na direção do irmão dela e foi como se o visse pela primeira vez. Entendeu que por trás de toda aquela maquiagem ele escondia uma tristeza que não queria sentir. Sentiu empatia por eles. Queria poder fazer algo para ajudar.

Posso ajudar de alguma forma?

Não. .. Mas agradeço a gentileza.

Depois de um tempo o irmão dela se cansou e eles foram embora. Foi como se eles fossem deixando uma melancolia no ar. Uma nota de tristeza que quase o fez lagrimar. O garoto foi dormir pensando neles. Ele ainda os viu algumas noites antes do irmão da garota continuar suas corridas noturnas em outro lugar. O menino torcia para que ele conseguisse encontrar outra forma de encarar a dor.

Estiveeamáscarada honestidade

Célio D’Ávila

Para falar a verdade, eu nunca tinha achado muita graça em palhaços, para ser totalmente exato eu jamais teria pensado em me tornar. Aquela maquiagem branca no rosto, aqueles lábios exagerados e aquelas músicas repetitivas me davam nos nervos! E o fator terror então? Pensar que o simples fato de eu estar com o palhaço poderia fazer outra pessoa ter medo! Eu causar medo em alguém? Jamais!

No entanto, quando Doutora Joyce Aglae deu uma oficina de iniciação a palhaçaria na Universidade Federal de Uberlândia, lá fui em me inscrever... acho que influenciado principalmente pelo efeito mamada “Ela é muito boa Célio, você não pode perder essa chance, dizia meu melhor na época”. Bom, só se faz a graduação em teatro uma vez na vida, exceto se você resolver fazer bacharelado mais tarde, mas o fato é que lá estava eu.

Minha dedicação era tão intensa que eu não consegui correr atrás de um nariz para a oficina, imagine... a alma do palhaço e eu não tinha comprado. Também pudera, se fosse para fazer isso, queria fazer do meu jeito e com um maravilhoso nariz que fosse inclinado para cima, semelhante a um focinho talvez? Eu achei? Claro que não!

E vejam só, a primeira aula já iria começar.

Eu não sabia nem um pouco o que esperar de uma situação envolvendo palhaçaria, mas pensava que eu teria que fazer as pessoas rirem ou que elas iriam rir de mim e isso ainda era uma questão que eu não tinha trabalho em terapia, pelo

contrário, estava a mais de dez anos de distância de começar a fazer terapia. O fato é que não tinha nada a ver com isso a primeiro momento, pelo contrário.

Joyce fez com a gente um processo intenso que envolvia muito mais de explorar a relação minha com meu interior e como o corpo está presente nessa relação, do que a busca pelo riso sem fundamento ou “só para fazer rir”, eu sai do primeiro dia em estase completo e contato as horas para ver como seria o segundo e o terceiro e o quarto onde finalmente iriamos colocar nossos nariz e ser batizados como palhaços e... ops, que nariz ?

Conversando com os outros alunos, ouvi uma moça que eu já tinha visto em círculos relacionados a teatro falar sobre um nariz para vender, nem imaginava que eu seria tão amigo da Thaisea naquela época, mas ela tinha um nariz vermelho, levemente inclinado para cima! Exatamente como eu queria! Foi uma tremenda salvação e o suficiente para eu ser tomado pelo hiperfoco e passar o dia todo pensando em como seria continuar a oficina e descobrir mais sobre meu eu palhaço.

Veio um dia em exploramos nossa relação com o corpo por meio de elementos, um dia leve e divertido, intenso e estimulante, nesse dia, em meio aos relaxamentos, o nome Estive apareceu não minha cabeça. Não conhecia nenhum Estive, não estava pensando no Steve Roger, capitão américa ou Steven universo (na época eu ainda nem conhecia o desenho), mas esse foi o nome que apareceu e anotei, pois achava que era um sinal para meu primeiro nome de palhaço.

Meu primeiro traje foi um all star azul velho, bem surrado, uma roupa entre lilás e azul com faixas coloridas e uma calça também azul, além de meiões, brancos com (adivinha

só ) azul, como toque final, um chapeuzinho como o do chaves, que dos lados de minhas orelhas soavam como as orelhas de um cachorro dessas raças com orelhas bem longas e isso foi de extrema importância na hora do batismo.

O trajeto até o batismo, foi de uma autodescoberta sem igual, parece que a medida que eu colocava a pequenas mascara em meu rosto, meu corpo perdia todas as travas sociais e mascaras e eu podia ser algo diferente, ser alguém diferente e que não esconde traços de si. Não havia julgamento quanto ao modo de andar exagerado, não haviam olhares tortos para o jeito de me vestir e de alguma forma, meu corpo parecia em um estado de atenção de completa prontidão enquanto meu cérebro não tinha filtro algum, só agia e para o efeito cômico isso era ótimo, além de me fazer não ter medo de buscar a interação com outros.

Acho que a máscara de palhaço, coloca para fora a verdadeira imagem que temos de nós mesmos. Digo isso pela confiança que eu sinto quando sou o Estive ou pela indiferença e apatia como já fui tratado por diversos outros palhaços que quase sempre são pessoas que sinto que fingem me tolerar no dia a dia. E na verdade, isso não é um problema, é uma dadiva que só a palhaçaria pode nos dar.

Quando todos os palhaços que mascaram naquela oficina foram para o piquenique de batismo, hora que chegou minha vez o nome Estive foi o escolhido é óbvio e imediatamente, um outro palhaço perguntou “Esteve Aonde” e um terceiro disse que eu parecia o Pluto por causa das abas laterais do chapéu, assim nasceu Estive Aonde Pluto, nome que até hoje uso ao fazer palhaçaria. Confesso que não faço de forma tão intensa quanto outros

colegas, muito menos tão circense, mas frequentemente o Estive vai a escola para aulas especiais, aparece em festas, quando sinto que minha energia social está acabando, e aparece para fazer cenas também.

Cenicamente me sinto um palhaço “fraco ainda” pois só tenho dois números, um que é reprodução de uma cena de uma ex-namorada, com sua permissão. A cena fazendo sumiço onde três mágicas atrapalhadas dão completamente errado nas tentativas de Estive, que na minha versão, fala o tempo todo sobre sua “mestra” Pequeno Detalhe (nome de palhaçaria da criadora original da cena). Fora ela, junto com um amigo fiz apenas uma vez a cena Estive e Tchuco em Boa noite, onde apresentávamos um divertido noticiário atrapalhado onde os jornalistas pareciam mais interessados em brigar do que em dar as notícias.

Sabe, eu acho que nunca vou ser um palhaço de circo, mas sem dúvida, conhecer a palhaçaria me fez aprender sobre humildade e sobre valorização de uma das artes mais antigas do mundo, hoje sei que ser palhaço e ter coragem de se expor e não ter medo de que o riso seja sobre você e com você ao mesmo tempo. Isso mudou completamente a minha postura quando vou em um circo, tá eu confesso que antes dessa experiência, eu sequer tinha vontade de ir em um circo.

E claro, me fez ter um ódio simplesmente mortal de toda e qualquer forma de exibição de terror que envolva palhaços, por que hoje considero elas uma maneira ridícula de fazer as pessoas terem medo de uma arte que busca as formas mais simples e honestas de riso humano.

ContosParanormais– Estrelas

Cadentes:AMarioneteque

destruiuocircoAngelStar

Célio D’Ávila

Nunca foi fácil! Quem discorda disso, certamente não teve uma vida com um terço da turbulência que eu tive! Mesmo quando eu achava que fazia parte de um simples mundo onde tudo era real e normal. Prazer, meu nome é Wymber la Mancha e essa é a história de como uma marionete destruiu uma família circense.

O circo Ângela Star foi um lugar perfeito para crescer (por mais que essa palavra seja delicada para quem só cresceu até 1,50 de altura), não que seja difícil crescer em um circo... afinal, foi isso que me fez respirar a arte desde muito jovem. Meu pai era trapezista, costumava viver nas alturas, seja por seu número ou por seu coração sonhador que me dizia desde pequeno: “Wymber, tem muitos números que você pode fazer no circo da vida. Então, não tenha pressa para escolher aquele que você mais vai amar”. Seu número mais recorrente era o voo de Ícaro, onde encenava o mito grego, voando em direção ao refletor e caindo na piscina de vidro do circo.

Ele criou esse número junto com minha mãe; a diferença é que, no fim do número, diferente da lenda grega, Ícaro era salvo por uma graciosa sereia, parte do número dela, que sempre soube prender a respiração como ninguém. Após o número de Ícaro, sempre vinha o show de manobras aquáticas de minha mãe e suas parceiras. As pessoas vibravam ao vê-las saltarem da água e passarem

pelos bambolês, apesar de minha mãe nunca ter me dito como elas faziam para ter tanto impulso.

Poderia ter dito que tive uma infância tranquila, mas não seria verdade, já que uma criança criada em um circo nunca tem a chance de passar muito tempo em uma mesma escola e fazer laços de amizade tão longos, como outras crianças que têm uma vida menos nômade. Mas não tenho do que reclamar, porque outras crianças não têm a chance de saber de verdade o que é ter uma família grande e unida como a nossa. Brigas? Claro, sempre há algum tipo de briga, ainda mais quando a maior parte da trupe eram os irmãos da minha mãe, e irmãos foram feitos para isso, brigar.

Meu principal amigo na infância foi meu tio Antônio que, por mais que me fizesse raiva quando vinha falar de futebol, me ensinou uma arte que me encantou e acabou se tornando a minha vocação de vida: a arte dos bonecos. Com cinco anos, meu tio me ensinava as técnicas mais simples de fantoches: estabelecer e manter o ponto fixo, triangular com a plateia, manter o nível do fantoche enquanto estou em cena e, o mais importante de todos, a sincronia entre a voz do manipulador e do boneco. Afinal, em um número onde estamos à vista do público, é preciso que haja sincronia; se for um número de ventriloquismo, então, os lábios não podem se mover nunca, ou quase nunca.

Somente aos 10 anos eu pude sair dos fantoches e ir para os bonecos de manipulação direta, começando por dois anos mexendo apenas os pés, outros dois anos movimentando os braços, para somente aos 15 ter a honra de começar a manipular a cabeça. Pode parecer pouco para vocês, mas garanto que nada era mais gratificante do que fazer isso entendendo minuciosamente cada parte do

movimento. E olha que o processo que meu tio fez comigo era muito mais breve do que os japoneses fazem com os bonecos Bunraku.

Os bonecos de manipulação direta eram um sonho, apesar de não poder manipulá-los sozinho. Era justamente o caráter de grupo que tornava tudo mais divertido, especialmente quando fazia isso com meus primos. Nosso personagem favorito era um boneco touro, que utilizávamos em uma cena cômica de demonstração de força com bonecos. Era muito comum ser um dos momentos com mais risadas de todo o show e, como responsável pela cabeça do boneco, eu criei a voz e direcionava o olhar para a arquibancada. Todos amavam o boneco, apesar de nós, seus manipuladores, sermos praticamente invisíveis.

Meu tio sempre me prometeu que, quando eu completasse 20 anos, ele me permitiria manipular o mais bem elaborado de todos os nossos bonecos: a marionete Bela, com todas as suas cordas e um movimento tão realista que mal dava para acreditar que era feita somente por uma pessoa. E sua voz? Meu tio realizava todos aqueles movimentos com tanta perfeição que eu nunca consegui entender como ele fazia aquilo. Mas ele sempre dizia: “Quando eu era criança, tudo era difícil. Eu fui o primeiro de todos os filhos, então todas as crianças precisavam de mais da atenção dos seus avós. Mas o mais cruel foi quando uma amiga de infância acabou morrendo atropelada. Pensei que aquilo fosse me corroer, e só quando criei a Bela eu consegui me recuperar, e foi com ela que o circo começou a crescer.”

Quem era essa amiga? Qual o seu nome? E como foi esse acidente? Ninguém nunca quis contar, e também não sabia dizer por que o cheiro daquela marionete era tão estranho e atrativo. Quando ela começava a se mover, parecia que

ninguém podia resistir a ela. Só quando comecei a investigar o paranormal foi possível saber o que exatamente havia naquele número, pena que não pude descobrir isso antes do grande incidente.

Aos 25 anos, eu já estava aprendendo a operar marionetes simples, mas, apesar de sua promessa, meu tio se recusava a permitir que eu tocasse na Bela: “Você ainda não está pronto, você ainda não tem afinidade com ela! E cada vez mais parece que você nunca terá esse tipo de afinidade!” Para falar a verdade, eram palavras um pouco duras, mesmo já sendo adulto, mas ele tinha razão; eu não tinha nem mesmo exposição ao paranormal, como poderia ter afinidade?

O emaranhado de cordas era confuso, mas, depois de alguns meses, eu consegui dominar o movimento delas e fazer até mesmo os números de dança. Parei então de participar da cena do touro com meus primos e pedi meu próprio número, onde eu usava a boneca Ema para fazer uma apresentação dançante que começava com "O Lago dos Cisnes" e terminava com algumas danças comuns dos anos 90.

Rapidamente, e sem eu entender muito o porquê, aquele se tornou o número mais pedido. Meus pais ficaram extremamente orgulhosos, e meus primos, empenhados em aprender a arte da marionete para fazermos um show em trio (já planejávamos como "Os Três Patetas" iriam fazer sucesso). Mas não há espaço para dois grandes shows de marionetes no mesmo espetáculo, e meu tio foi perdendo espaço, junto com a Bela.

Meu tio, no entanto, não parecia aborrecido com aquilo e dizia com lágrimas de orgulho nos olhos: “Está tudo bem, não poderia esperar menos de um aprendiz.” Mas a alegria

de um número novo e o orgulho aparente começaram a dar lugar ao medo quando uma série de coisas estranhas começaram a acontecer no circo. A primeira foi minha avó, matriarca da família. Ela começou a relatar sonhos estranhos, onde uma sombra começava a controlar seu corpo e quebrar seus ossos, dizendo: “Se eu sair de cena, você vai ser a próxima!”

Três semanas depois do início dos sonhos, no meio de um show, ela teve um infarto. O que alguns poderiam dizer ser aceitável em sua idade avançada não parecia normal, já que suas últimas palavras foram: “Não permitam que ela volte ao palco!” Ficamos fechados por um tempo e planejamos um grande show em homenagem à minha avó, o que foi um sucesso. Mas, dois meses mais tarde, meu avô começou a ter os mesmos sonhos e, com as mesmas três semanas, sua morte se deu da mesma forma: “Não permitam que ela volte ao palco.”

Estávamos desacreditados, as pessoas estavam com medo de ir ao circo, e tínhamos dois números a menos. Meu pai mal tinha tempo de ensaiar, tentando apoiar minha mãe. Meus tios só discutiam sobre quem teria a posse do circo agora, com exceção do tio Antônio, que cada vez parecia menos são e passava mais horas com a Bela, dizendo que tinha um novo número em homenagem aos meus avós que seria um sucesso.

Lembro que, quando eu teorizei que a “ela” que não deveria voltar em cena era a marionete Bela, todos riram e disseram que eu era um mágico, por causar risos no meio de uma situação como aquela. Mas adivinhem quem estava certo?

A lona estava parada na capital de Minas Gerais naquela época, e anunciaram esse novo grande show como uma

possibilidade mágica de ver o maior circo de Minas se reerguer. Fomos até mesmo convidados a divulgar numa final do Campeonato Mineiro, em pleno Mineirão. Meus primos diziam: “A estrela angelical vai voltar a brilhar! Não tem como isso dar errado!” Constantemente dizem que essas frases dão azar e, adivinhem, aqui não foi diferente.

Um feriado seria a data perfeita, todos falaram, e nenhum feriado é mais simbólico para Minas Gerais do que Tiradentes. Foi nesse dia que tudo foi organizado: a capital parou, linhas de ônibus especiais foram criadas, e os ingressos esgotaram tão rápido que construíram um telão lá fora para que o show pudesse ser transmitido para quem não tivesse conseguido entrar.

Eu estava apreensivo semanas antes da reestreia e via que a marionete Bela parecia mais diferente do que nunca. Seu cheiro parecia mais forte, e meu tio começava a falar sobre um amor não realizado que finalmente iria acontecer, como se ele proferisse orações sobre isso ao ouvido da marionete. Minha mãe dizia: “Não é estranho, filho. Ele parece ter se agarrado àquela marionete desde que seu primeiro amor, na infância, morreu! Claro, eu sou a mais nova, então nunca soube muito bem, mas acho lindo o carinho que ele tem por ela.”

O show começou com um discurso lindo feito por minha mãe: “Muitos anos atrás, uma história de amor se deu origem nas estrelas. Não literalmente nelas, mas por um casal que sempre olhou para esse mesmo céu que, fora dessa lona, olha por nós dia após dia. Ele era encantado com as estrelas da noite; ela dizia que as nuvens do dia eram a cama dos anjos. Do amor pelo céu, floresceu um amor pela arte que um dia fez ambos desistirem de tudo para criar um circo, ainda com seu primeiro filho bem pequeno. Senhoras e senhores, sejam bem-vindos ao

Ângela Star em uma noite de renascimento, em homenagem aos fundadores, que agora nos olham do mesmo céu que tanto admiraram enquanto vivos!”

Os aplausos foram tão longos que quase atrasaram os números. No show, apresentamos desde pequenos esquetes cômicos com os palhaços da companhia até os números mais clássicos. E, antes do intervalo, o novo número de marionete do tio Antônio começou, e o fim de nossa família também. Desde o início dos seus ensaios, meu tio trajava um estranho sobretudo com inscrições em espiral. Julgávamos que era para esconder sua verdadeira roupa, mas aquela era a verdadeira roupa.

Bela vinha dentro de uma caixa de madeira, algo completamente fora do usual. Assim que ele chegou ao centro do picadeiro, abriu a caixa. Nada de novo parecia haver ali: o rosto da marionete ainda era lindo, até que ele começou o seu discurso: “Respeitável público, dizem que o maior mistério do mundo é a morte! Mas, adivinhem só, não existe mistério sem solução! Assim como nosso circo não está morto, tenho aqui a prova de que a morte não precisa ser o fim para ninguém. Bela foi criada em homenagem a um amor de infância e, para que ela fosse tão realista, precisei pegar emprestado de seu túmulo o seu crânio!” Disse ele, enquanto arrancava a pele do rosto da marionete, revelando a bizarra forma real da criatura que deixou todos perplexos, à medida que uma espécie de fio forçava a criatura a ficar de boca aberta e um estranho lodo saía de dentro dela.

Algumas pessoas foram inteligentes e começaram a correr naquele momento, enquanto ele continuava: “Minha Bela é o maior sinal de amor que já pude ver! E por isso, neste momento, eu clamo meu amor, que o início das mortes seja o fim da sua!” Meus primos, que corriam em direção

ao centro do picadeiro para conseguir deter meu tio, não tiveram tempo de ver uma espécie de foice de ossos surgir das costas da criatura, decepando a cabeça dos dois de uma vez. O vestido que antes era amarelo, agora era uma mistura de cinza azulado com o lodo preto que escorria pela criatura, que não pisava no chão, sempre apoiada por esta foice.

Meu tio, já coberto por sangue, ficava mudo e com olhar maravilhado. Seja lá o que o levou àquele ponto, já havia dominado completamente sua mente. Outros tentaram partir para cima da criatura com paus e armas, e ainda que os tiros de escopeta tivessem surtido efeito e até arrancado um dos braços da criatura, a chacina continuava e avançava para a plateia. Nesse momento, a lona já estava pegando fogo e os policiais começavam a entrar.

Eu estava em estado de choque, paralisado, e só lembro de meus pais me dizerem para sair dali o mais rápido possível. Enquanto meu pai ia em direção à criatura e minha mãe corria junto para ajudar, meu corpo não se mexia de forma alguma enquanto eu via a criatura engolir a cabeça de algumas pessoas ou agarrar outras pela foice e usar seus corpos como escudo ou forma de dividir a dor. Repentinamente, entraram algumas vans no local, todas pretas e sem inscrição alguma. Pessoas com armas avançadas e alguns com espécies de livros nas mãos saíram enquanto eu corria. A única coisa que pensei foi em ir para a Rodoviária, tendo tempo apenas de pegar a mala com os fantoches simples que eu iria usar no meu número e pedir o ônibus para a cidade com o embarque mais próximo, Uberlândia.

Nossa família sempre se orgulhou de ser unida, mas prometíamos que, se um dia uma tragédia nos separasse, iríamos viver e procurar uma forma de nos reunir de novo,

nem que tivéssemos que nos guiar por meio das estrelas. Mas, no momento, essa primeira história termina com um bonequeiro fugido chegando em uma cidade do interior após 10 horas de viagem, sabendo que não seria reconhecido, já que sempre manipulei os bonecos atrás de empanadas e buscando saber notícias sobre minha família e as malditas vans, com as quais mais tarde me habituei perfeitamente.

Estrelasdocirco:umamor encantado

Em uma pequena cidade, havia um circo itinerante chamado Circo Mágico Aurora, que sempre encantava a todos com sua miríade de cores, sons e maravilhas. Entre as tendas e luzes brilhantes, havia uma magia que ia além das apresentações: um amor secreto, intenso e arrebatador.

Lucas, o jovem malabarista, era conhecido por sua habilidade incomparável com as mãos, lançando bolas, facas e tochas no ar com uma destreza hipnotizante. Ele tinha olhos castanhos profundos e um sorriso que cativava qualquer um. Seus movimentos eram precisos e elegantes, refletindo a paixão que ele nutria pelo seu ofício e, secretamente, por uma pessoa especial.

Essa pessoa era Elisa, a contorcionista. Ela possuía uma flexibilidade incrível, dobrando-se de maneiras que desafiavam a lógica. Seus cabelos longos e negros balançavam graciosamente enquanto ela se movia, e seus olhos brilhavam com um mistério encantador. Elisa também guardava um segredo: desde a primeira vez que viu Lucas nos bastidores, seu coração tinha começado a bater mais rápido.

O circo estava sempre animado, com mágicos que faziam coelhos desaparecerem e surgirem em cartolas, palhaços que arrancavam gargalhadas com suas trapalhadas e bailarinas que dançavam com uma leveza quase etérea. Entre eles, os animais adestrados também tinham um

papel especial: leões que rugiam em sintonia, elefantes que dançavam e cavalos que realizavam saltos impressionantes.

Numa noite estrelada, após uma apresentação especialmente magnífica, Lucas decidiu se declarar. Ele preparou um espetáculo único, destinado apenas para Elisa. Com a ajuda dos mágicos, ele enfeitou a pequena tenda onde ela costumava praticar com luzes cintilantes e pétalas de rosa. O ar estava impregnado com o doce aroma das flores e a expectativa de algo mágico.

Elisa entrou na tenda e parou, surpresa com a transformação do local. Lucas, vestido em um traje elegante, começou a lançar bolas ao ar, que se transformaram em tochas flamejantes, desenhando corações no ar. Cada movimento era um poema silencioso de amor. Então, ele fez uma pausa, tirou uma rosa vermelha do bolso e se aproximou.

“Essa rosa,” disse ele, “é um símbolo do meu coração, que há muito tempo é teu, Elisa.”

Ela sorriu, seus olhos brilhando com emoção. “Lucas, eu sempre soube. E meu coração também é teu.”

Em seguida, começaram a ouvir uma melodia suave. As bailarinas apareceram, dançando ao redor do casal, seus movimentos leves como plumas. Os palhaços, ainda com seus trajes coloridos, formaram um círculo ao redor, soltando bolhas de sabão que flutuavam e brilhavam como estrelas. Até os animais se uniram à celebração: os cavalos trotavam em um ritmo encantador e os elefantes levantavam suas trombas em saudação.

A noite foi um espetáculo inesquecível, não apenas para o público, mas principalmente para Lucas e Elisa. O amor deles se fundiu com a magia do circo, criando uma

lembrança que seria contada e recontada pelos artistas e moradores da cidade por anos.

E assim, sob aplausos do céu estrelado e das luzes cintilantes do Circo Mágico Aurora, nasceu um amor que era tão deslumbrante e eterno quanto as próprias estrelas brilhantes.

Ocircodossonhos:alémda imaginação

No reino encantado do circo, onde os sonhos ganham vida e a magia permeia o ar, havia uma tenda tão colorida que parecia ter sido pintada pelos pincéis do próprio arco-íris. Sob o picadeiro iluminado, um universo de alegria aguardava aqueles que se aventuravam a entrar. Numa noite estrelada dos anos 80, um jovem autista chamado Miguel, acompanhado de seu professor e sua bibliotecária favorita, adentrou a tenda do circo com olhos repletos de admiração e espanto. Aos poucos, a euforia tomou conta de seu coração, pois ali, naquele lugar mágico, ele sabia que os sonhos se tornavam realidade. O picadeiro ganhou vida com a chegada do palhaço, cujas palhaçadas arrancaram risos de crianças e adultos, enquanto malabaristas habilidosos faziam bolas voarem pelo ar com uma destreza impressionante.

O circo era um espetáculo de encantamento, onde a cada momento surgia uma nova surpresa, uma nova maravilha para os olhos deslumbrados de Miguel. Mas o momento mais esperado estava por vir. Quando o domador entrou na arena, acompanhado de um leão majestoso e um elefante imponente, o coração de Miguel acelerou de emoção. Ele observava, fascinado, enquanto os animais treinados realizavam suas proezas com graça e destreza, como se fossem seres de outro mundo. Enquanto isso, o professor e a bibliotecária observavam Miguel com gratidão nos olhos, maravilhados com a alegria estampada em seu rosto. Era um momento de pura felicidade, uma

verdadeira explosão de entusiasmo e encantamento que contagiava a todos ao redor. Ao longo do espetáculo, Miguel se viu envolvido por uma atmosfera de diversão e deleite, saboreando pipoca caramelada e algodão-doce enquanto admirava os artistas de circo em suas acrobacias impressionantes. Cada momento era repleto de expectativa e surpresa, uma jornada mágica que ele jamais esqueceria. Quando o espetáculo chegou ao fim e as luzes se apagaram, Miguel deixou a tenda do circo com um sorriso radiante no rosto, seu coração transbordando de felicidade e gratidão.

Naquela noite, ele havia vivido um sonho, um instante de pura magia que ficaria para sempre guardado em suas lembranças especiais dos anos 80. E assim, sob o brilho das estrelas, Miguel adormeceu, sonhando com novas aventuras no reino encantado do circo.

Enquanto Miguel adormecia, sua mente continuava imersa no mundo encantado do circo. Em seus sonhos, ele se via novamente sob a grande tenda colorida, rodeado por malabaristas, trapezistas e palhaços que dançavam ao som de uma música mágica. De repente, uma figura misteriosa surgiu diante dele: um homem de cartola e capa negra, com olhos brilhantes que pareciam penetrar na alma de Miguel. Era como se ele pudesse ler os pensamentos do jovem autista, desvendar seus desejos mais profundos. "Você possui um coração cheio de admiração e encantamento, Miguel", disse o homem misterioso com uma voz suave, mas carregada de significado. "Mas há mais mistérios a desvendar, mais sonhos a viver." Com um gesto gracioso, o homem estendeu a mão para Miguel, convidando-o a segui-lo. Sem hesitar, Miguel aceitou o convite e juntos atravessaram um portal de luz que os transportou para um lugar além da imaginação. Eles emergiram em uma terra de maravilhas, onde as estrelas dançavam no céu e os rios

fluíam com um líquido prateado. Ali, Miguel descobriu que cada emoção que experimentara no circo - desde a euforia até o encantamento - tinha um significado mais profundo, uma energia que alimentava o universo ao seu redor. Ao longe, Miguel avistou um leão dourado e um elefante branco, que o observavam com olhos sábios e serenos. Eles eram os guardiões deste mundo mágico, os protetores dos sonhos e das esperanças de todos aqueles que se aventuravam pelos caminhos da imaginação. Com o passar do tempo, Miguel explorou cada canto desse reino encantado, fascinado por cada descoberta, cada surpresa que encontrava pelo caminho. Ele se viu envolvido em aventuras extraordinárias, onde a alegria e o divertimento se misturavam com o deleite e a admiração. E quando chegou a hora de partir, Miguel olhou para trás com gratidão, sabendo que jamais esqueceria aqueles momentos de pura magia. Ao retornar ao mundo real, ele despertou com um sorriso nos lábios, sabendo que os sonhos que vivemos no circo são apenas o começo de uma jornada sem fim, onde a imaginação e a emoção nos guiam para além das estrelas.

Ao retornar ao mundo real, Miguel percebeu que algo havia mudado dentro dele. Seus olhos brilhavam com uma nova intensidade, como se uma chama interior tivesse sido reacendida pela experiência mágica que acabara de viver. Decidido a compartilhar sua jornada com seus amigos, Miguel convidou o professor, a bibliotecária e alguns colegas universitários para uma nova visita ao circo naquela mesma noite. Todos aceitaram com entusiasmo, curiosos para descobrir o que havia transformado o jovem autista de maneira tão profunda. Assim, o grupo se reuniu novamente sob a grande tenda colorida, onde foram recebidos com sorrisos calorosos pelos artistas de circo. Enquanto saboreavam pipoca caramelada e algodão-doce,

Miguel compartilhou suas aventuras no reino encantado dos sonhos, recriando cada detalhe com vivacidade e emoção.

À medida que a noite avançava, uma nova energia parecia envolver o grupo, uma sensação de conexão e camaradagem que transcendia as palavras. E quando as luzes se apagaram e o espetáculo começou, todos se viram mergulhados em um mundo de magia e mistério, onde a alegria e o encantamento reinavam supremos. Desta vez, porém, algo extraordinário aconteceu. Enquanto os artistas de circo realizavam suas acrobacias e malabarismos, uma aura de energia pulsante começou a se formar sobre o picadeiro, enchendo o ar com uma luz cintilante e uma música celestial. De repente, o palco se transformou em um portal dimensional, revelando um universo de possibilidades infinitas além das cortinas da realidade. O grupo se viu envolto por uma sensação de êxtase e maravilha, enquanto eram levados em uma jornada através do tempo e do espaço. Eles testemunharam maravilhas além da imaginação, encontraram criaturas místicas e exploraram mundos além dos limites da compreensão humana. Cada momento era uma aventura emocionante, uma experiência que desafiava todas as expectativas e expandia os horizontes da mente. Quando finalmente retornaram ao circo, o grupo estava transbordando de emoção e gratidão, seus corações cheios de novas memórias e inspiração. E enquanto se despediam dos artistas e deixavam a tenda para trás, sabiam que aquela noite havia sido muito mais do que uma simples visita ao circo fora uma jornada de autodescoberta e transformação que jamais esqueceriam.

Enquanto o grupo deixava a tenda do circo, uma figura misteriosa os observava das sombras. Era um homem vestido de preto, com um olhar penetrante e um sorriso

enigmático no rosto. Ele se aproximou lentamente, revelando-se como um mágico renomado conhecido como o Grande Zoltar. "Vejo que vocês são buscadores de aventuras", disse o Grande Zoltar com uma voz profunda e melodiosa. "Mas o que vocês não sabem é que o verdadeiro espetáculo está apenas começando." Com um gesto de sua varinha mágica, o Grande Zoltar abriu um portal para um mundo além da imaginação, convidando o grupo a seguir em uma jornada ainda mais incrível do que qualquer uma que já tivessem experimentado. Intrigados e excitados, Miguel, o professor, a bibliotecária e os universitários aceitaram o convite do Grande Zoltar e atravessaram o portal, deixando para trás o mundo conhecido e adentrando um reino de mistério e maravilha. Eles foram transportados para uma terra de encantamento, onde as árvores dançavam ao som do vento e as estrelas cantavam melodias antigas. Mas logo descobriram que nem tudo era o que parecia ser, pois o reino estava ameaçado por uma força sombria que buscava extinguir a luz da esperança.

Determinados a salvar aquele mundo mágico, o grupo se uniu em uma aventura épica, enfrentando desafios terríveis e descobrindo segredos antigos que mudariam o destino de todos. E ao longo do caminho, eles encontraram novos aliados, como um trapezista destemido e uma contorcionista ágil como uma serpente. Mas também enfrentaram inimigos poderosos, como um domador de bestas corrompido pelo poder e um acrobata traiçoeiro que buscava semear o caos e a destruição. A cada reviravolta, o grupo era testado em sua coragem, sua determinação e sua lealdade uns aos outros. No clímax da batalha final, quando tudo parecia perdido e a escuridão ameaçava engolir o mundo inteiro, Miguel descobriu dentro de si uma força que jamais imaginara possuir. Com

o apoio de seus amigos e aliados, ele enfrentou o mal de frente, lançando um raio de luz que dissipou as trevas e restaurou a paz ao reino. Ao retornarem ao mundo real, o grupo estava exausto, mas triunfante. Eles haviam vivido uma aventura que mudaria suas vidas para sempre, uma jornada de descoberta e redenção que os uniria em um vínculo eterno de amizade e aventura. E enquanto o sol se punha sobre o circo, eles sabiam que novas aventuras aguardavam, apenas esperando para serem descobertas.

Com o retorno ao mundo real, o grupo de aventureiros se despediu do Grande Zoltar e do circo, levando consigo as lembranças de suas incríveis jornadas. Miguel, o professor, a bibliotecária e os universitários voltaram para suas vidas cotidianas, mas agora carregavam consigo uma nova perspectiva, um novo brilho nos olhos que só a aventura pode proporcionar.

À medida que os dias se passavam, eles mantinham viva a chama daquelas experiências, lembrando-se das lições aprendidas e dos laços de amizade que os uniram. E sempre que olhavam para o céu estrelado, lembravam-se do circo e do mundo além da imaginação que haviam explorado juntos.

Miguel continuou sua jornada de autodescoberta, encontrando na magia do circo e das aventuras uma fonte constante de inspiração e alegria. O professor e a bibliotecária, por sua vez, dedicaram-se a incentivar outros jovens a explorar sua imaginação e a buscar seus sonhos com coragem e determinação. Quanto aos universitários, eles seguiram seus próprios caminhos, mas sempre mantendo vivas as memórias das incríveis aventuras que viveram ao lado de Miguel e dos demais. E mesmo quando a vida os separava, o vínculo que os unia permanecia forte e inquebrável, como um elo que transcendia o tempo e o

espaço. E assim, o circo continuou sua jornada pelo mundo, levando consigo histórias de magia e maravilha, de aventuras e amizades que jamais seriam esquecidas.

Pois no coração de cada um que o visitava, o circo deixava uma semente de esperança e inspiração, um lembrete de que os sonhos podem se tornar realidade, desde que tenhamos coragem para persegui-los. E assim, sob o brilho das estrelas, o circo desapareceu no horizonte, levando consigo o riso das crianças e a gratidão daqueles que haviam sido tocados por sua magia. E embora o espetáculo tenha chegado ao fim, as memórias e os ensinamentos que deixou para trás permaneceriam vivos para sempre, como uma luz que nunca se apaga.

E assim, mesmo após o circo ter partido, a magia e o encantamento daquelas experiências continuaram a ecoar nas vidas daqueles que tiveram o privilégio de testemunhar seu espetáculo. Miguel, o professor, a bibliotecária e os universitários seguiram em frente, mas sempre carregando consigo as lembranças das aventuras vividas e as lições aprendidas. E, à medida que o tempo passava, eles percebiam que o verdadeiro circo não estava apenas sob a grande tenda colorida, mas sim dentro de seus próprios corações, onde a alegria, a amizade e a magia perduravam para sempre. E assim, sob o brilho das estrelas, suas vidas continuaram, cheias de expectativa e admiração, prontas para novas aventuras que os aguardavam além do horizonte.

E na eterna dança dos sonhos, eles sabiam que, onde quer que o vento os levasse, o espírito do circo sempre os acompanharia, guiando-os em direção a um futuro repleto de magia, mistério e infinitas possibilidades.

Circodossonhos:oguardião damagia

Jean Javarini

No coração da cidade, onde as luzes da noite dançavam como estrelas cintilantes, erguia-se um circo mágico, cercado pela circunferência de sua tenda colorida. Dentro daquela redoma de encantamento, os sonhos que não vivemos ao vivo ganhavam vida, transformando-se em lembranças super especiais das infâncias nos anos 90. O picadeiro era um círculo de expectativas, onde artistas de todas as formas e tamanhos encantavam os espectadores com seus feitos extraordinários. Palhaços, malabaristas, trapezistas, todos deslumbravam a plateia com seus sorrisos radiantes e risos contagiantes. Mas havia mais do que apenas artistas no circo. Entre os artistas circenses, escondidos por trás de cartolas e sob a luz dos refletores, também havia bibliotecários transformados em mágicos, professores que se tornavam palhaços e universitários que se equilibravam em monociclos. No centro do espetáculo, um coelho saltitante saía da cartola de um ilusionista enquanto um elefante gracioso dançava ao som de uma melodia suave. Leões majestosos rugiam com poder, enquanto os artistas realizavam acrobacias de tirar o fôlego.

O suor e as lágrimas dos ensaios eram transformados em pura admiração e encantamento pelo público. Nas arquibancadas, crianças e adultos se deleitavam com as maravilhas do circo, suas faces iluminadas pela euforia e pelo fascínio. Pipocas estalavam, algodão doce derretia na

boca e o aroma tentador de churros e cachorro-quente enchia o ar. Mas não eram apenas os números no picadeiro que prendiam a atenção do público. Nos intervalos entre as apresentações, os espectadores eram convidados a explorar os bastidores do circo, onde podiam encontrar brinquedos dos anos 90 espalhados por toda parte. Game Boys antigos, ioiôs coloridos, tamagotchis cintilantes e carrinhos de controle remoto aguardavam para serem descobertos. E assim, entre sorrisos e lágrimas de pura alegria, o circo se tornava muito mais do que apenas um espetáculo. Era um lugar de magia, onde sonhos se tornavam realidade e lembranças eternas eram criadas a cada momento. Ao sair sob as estrelas brilhantes da noite, os espectadores levavam consigo não apenas a gratidão pela experiência, mas também a certeza de que, no circo, os sonhos nunca morrem, apenas se transformam em novas aventuras esperando para serem vividas.

Nos dias que se seguiram à visita ao circo, as lembranças daquela noite especial permaneceram vivas nas mentes e nos corações daqueles que a testemunharam. Cada riso, cada suspiro de admiração e cada batida acelerada do coração durante as acrobacias e os truques mágicos pareciam gravados para sempre em suas memórias. Entre as crianças, os brinquedos dos anos 90 se tornaram objetos de fascinação renovada. Os Game Boys eram disputados entre amigos em emocionantes duelos de Pokémon, enquanto os ioiôs voltavam a ser a sensação das brincadeiras nos parques e nas praças da cidade. Os tamagotchis eram cuidados com atenção meticulosa, cada apito do pequeno bichinho virtual sendo uma fonte de excitação e responsabilidade. Os adultos, por sua vez, encontravam-se frequentemente relembrando os momentos de euforia e encantamento que experimentaram sob a grande lona do circo. As conversas nas cafeterias e

nos escritórios giravam em torno das proezas dos artistas circenses e das delícias gastronômicas que só eram encontradas nos picadeiros itinerantes.

Mas havia algo mais nas lembranças daquela noite. Um sentimento de comunhão e união que parecia transcender as diferenças e os desafios do dia a dia. Nos sorrisos compartilhados e nos olhares de admiração trocados entre estranhos, havia uma conexão profunda, uma sensação de pertencimento a algo maior do que a vida cotidiana. À medida que o tempo passava, as histórias daquela noite se tornavam lendárias. Os mais jovens ouviam com olhos arregalados as narrativas dos mais velhos sobre os momentos de pura magia e os encontros inesperados que aconteciam sob as tendas dos circos itinerantes. E assim, o circo se tornou mais do que apenas um lugar de entretenimento passageiro. Era um símbolo de esperança e alegria, um lembrete de que, mesmo nos momentos mais difíceis, sempre haveria espaço para sonhos, risos e sorrisos de pura felicidade. E enquanto a grande lona colorida se erguesse sob o céu estrelado, o encantamento do circo continuaria a atrair pessoas de todas as idades e origens, unindo-as em uma jornada de emoção, diversão e gratidão pelas maravilhas da vida.

Uma semana após a grandiosa apresentação do circo, uma misteriosa carta foi encontrada por um dos artistas enquanto ele organizava seus adereços nos bastidores.

A carta estava endereçada ao "Guardião dos Sonhos", sem remetente. Intrigado, o artista abriu o envelope e leu as palavras escritas com elegância:

"Caro Guardião dos Sonhos, Espero que esta carta o encontre em boa saúde e espírito. Tenho o prazer de informar que você foi escolhido para uma missão especial. Sua tarefa é proteger os sonhos que não vivemos ao vivo no circo e garantir que eles continuem a inspirar e encantar todos os que os testemunharem. Para ajudá-lo em sua jornada, você encontrará anexada a esta carta uma cartola mágica. Dentro dela, você encontrará a chave para desbloquear os segredos mais profundos do circo e descobrir os mistérios que estão além do picadeiro. Lembre-se, o poder dos sonhos é infinito. Que você os proteja com dedicação e amor, e que seu trabalho traga alegria e inspiração para todos os corações que tocar.

Com gratidão e admiração, Um Amigo dos Sonhos"

O Guardião dos Sonhos ficou perplexo com a mensagem, mas também sentiu uma excitação crescente dentro de si. Ele guardou a carta e a cartola mágica com cuidado, determinado a cumprir sua nova missão com todo o seu coração. À medida que os dias passavam, o circo continuava sua jornada pelas estradas do país, encantando multidões por onde passava. E o Guardião dos Sonhos estava sempre lá, observando atentamente, protegendo os sonhos que dançavam sob a grande lona colorida. Enquanto isso, nos bastidores, uma aura de mistério pairava sobre o circo. Rumores começaram a circular entre os artistas sobre encontros secretos à meia-noite, cartolas que desapareciam misteriosamente e sonhos que ganhavam vida nos cantos mais obscuros do picadeiro. E assim, entre os risos e os aplausos do público, uma nova

história começou a se desenrolar sob as tendas do circo. Uma história de magia, mistério e aventura, onde os sonhos se tornavam realidade e os limites entre o mundo real e o mundo dos sonhos se tornavam cada vez mais difíceis de distinguir. E no centro de tudo isso, o Guardião dos Sonhos permanecia vigilante, pronto para proteger e preservar a magia que permeava cada momento no circo dos sonhos.

Numa noite escura e estrelada, enquanto a caravana circense se preparava para mais uma apresentação sob as luzes brilhantes da tenda, o Guardião dos Sonhos foi convocado para um encontro secreto. Ele recebeu um convite enigmático escrito em papel pergaminho, que o instruía a encontrar o remetente nos confins do circo, onde as sombras dançavam ao ritmo do vento noturno. Guiado pela curiosidade e pelo chamado do destino, o Guardião dos Sonhos seguiu as instruções do convite até chegar a uma área isolada do acampamento. Ali, sob a luz fraca de uma lamparina tremeluzente, encontrou-se com um estranho personagem envolto em mistério. O indivíduo vestia um manto escuro e uma máscara que ocultava seu rosto, tornando impossível identificá-lo. Com uma voz suave e enigmática, ele se apresentou como o "Guardião dos Segredos", um protetor dos mistérios mais profundos do circo. Sem uma palavra, o Guardião dos Segredos estendeu a mão e entregou ao Guardião dos Sonhos uma antiga chave dourada, adornada com símbolos misteriosos. Ele sussurrou palavras enigmáticas sobre portais secretos e passagens ocultas, revelando que o circo guardava segredos que iam além da compreensão humana. Com o coração acelerado pela emoção e pela excitação da descoberta, o Guardião dos Sonhos aceitou a chave com reverência. Ele sabia que sua missão agora era mais importante do que nunca. Não apenas para proteger os

sonhos que dançavam sob a grande lona do circo, mas também para desvendar os mistérios que aguardavam nas sombras do picadeiro. À medida que a noite avançava e os preparativos para a próxima apresentação continuavam, o Guardião dos Sonhos guardou a chave com cuidado, determinado a descobrir os segredos que ela guardava. Ele sentia uma mistura de empolgação e apreensão, mas também uma profunda gratidão por ter sido escolhido para esta jornada extraordinária. Enquanto o circo ganhava vida com os sons da música e as luzes cintilantes, o Guardião dos Sonhos permanecia vigilante, pronto para enfrentar os desafios e desvendar os mistérios que aguardavam nas profundezas do circo dos sonhos. E com a chave dourada em mãos, ele sabia que estava prestes a embarcar na aventura de uma vida inteira, onde os limites entre a realidade e a imaginação se tornavam cada vez mais tênues. À medida que a noite avançava e a agitação do circo alcançava seu ápice, o Guardião dos Sonhos sentiu um chamado interior, uma pulsante energia que o impelia em direção aos mistérios ocultos que aguardavam nas sombras. Com passos determinados, ele seguiu o trajeto indicado pelo Guardião dos Segredos, guiado pela luz fraca das lamparinas que iluminavam seu caminho. Ao passar pelos bastidores silenciosos e pelos corredores desertos, ele sentiu uma aura de mistério e excitação envolvendo cada pedaço do circo. Finalmente, chegou a uma parte isolada do acampamento, onde uma antiga tenda de lona estava erguida, coberta pela escuridão da noite. Era ali que os segredos mais profundos do circo estavam guardados, aguardando serem desvendados pelo toque da chave dourada. Com mãos trêmulas, o Guardião dos Sonhos inseriu a chave na fechadura da tenda e girou lentamente. Um estalo ecoou pelo ar, seguido pelo ranger suave da porta se abrindo. À medida que ele adentrava a

tenda, foi envolvido por uma penumbra mágica, onde sombras dançavam ao redor de formas indistintas. No centro da tenda, encontrava-se um círculo de luz, iluminando um pedestal antigo onde repousava um objeto misterioso. Era uma carta, semelhante àquela que o Guardião dos Sonhos recebera anteriormente, mas com uma mensagem diferente gravada em suas páginas antigas. Com mãos trêmulas, ele abriu a carta e leu as palavras escritas com uma caligrafia elegante:

"Caro Guardião dos Sonhos, Você foi escolhido não apenas para proteger os sonhos que habitam o circo, mas também para desvendar os segredos que o cercam. Dentro desta tenda, você encontrará o poder de transformar os sonhos em realidade, de dar vida às fantasias mais profundas e aos desejos mais secretos.

Mas lembre-se, com grande poder vem grande responsabilidade. Use este dom com sabedoria e discernimento, pois os caminhos da magia são cheios de armadilhas e desafios. Que você seja guiado pela luz da verdade e da compaixão em sua jornada, e que seus passos sejam protegidos pelos espíritos ancestrais que habitam os reinos ocultos do circo.

Com gratidão e admiração, Um Guardião dos Segredos"

Ao ler as palavras finais da carta, o Guardião dos Sonhos sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele sabia que sua jornada estava apenas começando, e que cada passo que dava o aproximava mais dos mistérios e maravilhas que aguardavam nas profundezas do circo dos sonhos. Com

coração cheio de determinação, ele guardou a carta consigo e se preparou para enfrentar os desafios que viriam pela frente, sabendo que estava prestes a embarcar em uma aventura que mudaria sua vida para sempre. Com a carta em mãos e os mistérios revelados diante de seus olhos, o Guardião dos Sonhos sentiu um novo sentido de propósito pulsando em seu peito. Ele compreendeu que sua jornada além do picadeiro era mais do que uma simples aventura; era uma missão para proteger e preservar a magia que sustentava o circo dos sonhos. Ao sair da tenda secreta, ele foi recebido pelas estrelas cintilantes que pontilhavam o céu noturno, como se estivessem celebrando sua descoberta.

O circo, envolto em uma aura de mistério e encantamento, aguardava ansiosamente por sua próxima apresentação, inconsciente dos segredos que estavam prestes a serem desvendados. Com passos firmes e coração determinado, o Guardião dos Sonhos retornou ao centro do circo, onde o espetáculo já estava prestes a começar. Ele sentiu uma energia pulsante no ar, uma sensação de que algo extraordinário estava prestes a acontecer. À medida que as luzes se acendiam e a música enchia o ar, o Guardião dos Sonhos subiu ao picadeiro, pronto para desempenhar seu papel na grande dança da vida e dos sonhos. Ele olhou para a plateia, seus olhos brilhando com uma mistura de determinação e gratidão, sabendo que estava prestes a embarcar em uma jornada que mudaria sua vida para sempre. Enquanto as cortinas se abriam e os artistas começavam seus números impressionantes, o Guardião dos Sonhos sentiu uma onda de emoção e admiração inundar seu ser.

Ele sabia que, no circo dos sonhos, não havia limites para o que poderia ser alcançado, e que cada momento era uma oportunidade para celebrar a magia e a maravilha da vida.

E assim, sob as estrelas brilhantes e as tendas coloridas, o Guardião dos Sonhos abraçou seu destino com um sorriso nos lábios e um brilho nos olhos. Pois ele sabia que, enquanto houvesse sonhos a serem protegidos e segredos a serem desvendados, o circo dos sonhos continuaria a encantar e inspirar todos aqueles que tivessem a coragem de sonhar. E assim, a aventura do Guardião dos Sonhos estava apenas começando prometendo um futuro repleto de magia, mistério e maravilha.

Enquanto o espetáculo se desenrolava diante dos olhos do público, o Guardião dos Sonhos sentiu uma profunda conexão com cada acrobata no ar, cada palhaço fazendo sua plateia gargalhar e cada animal treinado exibindo sua graça. Cada momento era uma homenagem à magia da imaginação e ao poder dos sonhos que habitavam aquele lugar encantado. À medida que a noite avançava, o circo ganhou vida com uma energia palpável, uma sinfonia de risos, música e aplausos que ecoava pelas estrelas. O Guardião dos Sonhos sabia que ali, naquele momento mágico, estava cumprindo sua missão de proteger e preservar a essência do circo dos sonhos.

E quando as cortinas se fecharam pela última vez e o espetáculo chegou ao fim, o Guardião dos Sonhos sentiu uma onda de gratidão inundar seu coração. Ele olhou para o rosto radiante das crianças na plateia, os sorrisos brilhantes dos adultos e a atmosfera de admiração e encantamento que pairava sobre todos. E assim, com um último olhar para o circo iluminado pelas estrelas, o Guardião dos Sonhos soube que sua jornada estava longe de terminar. Pois a magia do circo dos sonhos nunca morreria, e enquanto houvesse pessoas dispostas a sonhar, ele estaria lá para proteger e preservar essa preciosa herança. Enquanto a caravana circense partia para novas aventuras, o Guardião dos Sonhos permaneceu em seu

posto, pronto para enfrentar os desafios e mistérios que o futuro reservava. Pois ele sabia que, no final das contas, o verdadeiro poder do circo dos sonhos residia não apenas em suas maravilhas visíveis, mas também em seus segredos mais profundos, esperando serem descobertos por aqueles que ousassem sonhar. E assim, sob as estrelas cintilantes e a luz da lua, o Guardião dos Sonhos se despediu do circo dos sonhos com um coração cheio de gratidão e um espírito repleto de esperança. Pois ele sabia que, onde quer que o destino o levasse, a magia do circo sempre estaria com ele, guiando-o em sua jornada para sempre.

Maisummedodesbloqueado, comSUCESSO!

José Leandro de Souza Lima

O terreno que não estava sendo usado foi cedido pela Prefeitura em troca de algumas cortesias e de seu patrocínio veiculado nas chamadas dos espetáculos, enquanto que gambiarras na iluminação pública "emprestada" eram pagas por todos os moradores locais.

O carro de som atrapalhou sua soneca vespertina. Ao abrir a janela de casa e enxergar aqueles personagens, seu medo de infância que foi adormecido, acabara de ser acordado: um palhaço debochado, com botinas vermelhas desbotadas, tamanho 54, e uma maquiagem amadora em uma face magrela.

Quase que no automático fechou a janela e deu 12 passos em direção à cozinha e engoliu três goles de água, ainda com as mãos trêmulas.

Ufa, mais um MEDO desbloqueado!!!

No fim de tarde, sua filha chegou da escola e soltou estas palavras:

Papai, amanhã iremos para o Circo Continental, o Senhor vai comigo? E prosseguiu: Quero usar um vestido bem bonito e aquele laço de fita que tia Maria me deu no meu aniversário!! Me leva, vai...???!!!

Alberto, que não terminara de rechear a lasanha para o jantar, com um suspiro intenso respondeu:

Lorena, o papai já está com a agenda lotada, mas irei fazer o possível para te levar. Caso não dê, sua tia Maria te acompanhará até lá !!. Agora, vá até o banheiro e lave suas mãozinhas e venha jantar!!

A menina insistia: Só vou, se for contigo, Papai!!!

Como dizer um não àquela menina de sorriso frouxo e cabelos encaracolados, o que escondera durante anos, viria à tona naquela noite, porém uma prévia se instaurou naquela mesma madrugada. Ele acordou daquele sonho, ou melhor do pesadelo, como queira chamar: Enxergava imagens com tons cinzas e ouvia uma música funesta, e rostos embaçados de palhaços vieram perturbar seu sossego.

Acordou transpirando mais do que o normal, e ao virar pro lado esquerdo, avistara a jarra com água e tomou um copo ligeiramente, revirando-se na cama. Veio a lembrança da falta do calor de sua esposa, que partiu precocemente, em um acidente automobilístico, há quase 6 meses.

O despertador toca pela terceira vez, ao olhar para o mesmo, percebeu que já eram cinco para as sete. Tinha dormido demais naquele dia e Lorena chegou atrasada na escola e Alberto levou uma bronca do patrão pelos 25 minutos de atraso.

Naquela manhã, tudo parecia ser prenúncio de uma sextafeira normal, porém, sua caneta esferográfica predileta estourou em suas mãos que eram gordas e branquelas , já no almoço ao abrir sua marmita, percebeu que trouxe o pote errado (feijão sem nenhum tempero, e ainda por cima sem sal). Ah, meu Deus! exclamou mentalmente:

“Que falta não faz uma mulher em casa!", ele comentava com seus colegas: "Se Irene estivesse aqui, jamais isso iria acontecer” . Ao tentar contornar a situação, comprar uma marmita no restaurante mais próximo do trabalho, o cartão de débito foi recusado.

Seria um presságio, para mais tarde?!

O sino da matriz badalava: eram dezoito horas. Pela janela da casa era possível ver o andar lento das "carolas”, que já tinham tirado dos seus guarda-roupas os casacos de lã, cheirando à naftalina e iam de encontro à igreja rezar o Santo Rosário.

Ao sintonizar em uma estação de rádio qualquer, estava tocando o Ângelus, o sinal da cruz era feito como de costume, apressou Lorena para não perder a hora de ir pro tão famoso Circo.

Crianças correndo para lá e pra cá, muita luminosidade concentrada no letreiro do Circo, onde as letras C estavam apagadas, e sem falar nos barulhos diversos: buzinas a fole, a última passagem de som era testada, meninos pedindo cortesias de última hora, filas gigantescas lá fora, e lá dentro, pipocas mais "salgadas" do que o habitual, ou seja, iria gastar o equivalente a um dia de trabalho, em uma única noite.

Para piorar, o coração já batia bem acelerado e sua camisa azul cetim já entregava seus medos: as axilas já exalam um certo odor, por mais que no rótulo do aerossol estivesse dizendo 48 horas de proteção. Suas axilas "teimosas" já estavam nitidamente úmidas.

A cada número que encerrava, uma fisgada no peito se fazia presente, nem a beleza e a quase nudez de uma certa trapezista loira o fazia relaxar.

Sua filha se divertindo, e ele rezando para que aquele espetáculo finalizasse logo, e então, o Palhaço Azedinho entra no picadeiro.

E as suas lembranças mais íntimas da infância vieram à tona:

"Quando tinha sete anos, fora a um circo com sua turma do colégio e em determinado momento, o Palhaço tirou onda com o público. Uma plateia que era formada por muitos desconhecidos, e também colegas de sala, rindo das piadas sobre o gordinho da plateia. Alberto não soubera levar na brincadeira e os moleques passaram um mês tirando o sarro de Betinho, que foi chamado de Rabicó. Até as leituras de Monteiro Lobato ficaram de lado por uns dias, e ocasionavam uma ânsia de vômito cada vez que rememorava aquele dia.

O recreio se tornou um verdadeiro Circo dos Horrores, literalmente, as mesmas palavras eram repetidas, e aquela cena do picadeiro era reprisada em sua mente, e todo dia por volta das nove e quinze, aquele capítulo de sua "novela" era reprisado, no pátio do Colégio Doce Encanto” .

Finalmente, acabou o espetáculo, e Alberto deu um grande suspiro e falou baixinho: "ainda bem que acabou!!", enquanto sua filha, a passos lentos e cantarolando musiquinhas insistia em perguntar quando seria a próxima matinê.

E, o pai torcendo para que o "maldito" Circo fosse embora logo da cidade.

Omeninoqueenxugava sorvetes

César era um menino de doze anos de idade. Apesar de tão jovem, ele era muito responsável e circunspecto. Dos seis filhos do casal Manoel e Evanira, ele era o mais velho. Não era uma tarefa fácil para Sr. Manoel, que era assalariado manter uma família de oito pessoas. Por isso, o primogênito sempre procurava uma maneira de ajudar o pai a comprar os caros livros didáticos escolares no ano de 1979. Ora, o menino carregava marmitas para os operários de uma empresa de celulose, ora, vendia picolés.

Certa manhã de sábado, César saiu para vender picolés. Passou na sorveteria do Sr. Osmar e pediu para lhe preparar trinta picolés na caixa de isopor. O Sr. Osmar só lhe concedia vinte, devido a pouca idade e tamanho do garoto.

Sr. Osmar, hoje quero levar trinta picolés!

Nada disse menino! Trinta é muito pra você!

Por favor, Sr. Osmar, deixa! Hoje vou vender muito! Um colega meu da escola disse que chegou um circo na cidade, e muitas pessoas estão indo pra lá com seus filhos para verem os elefantes! Ele disse que há cada elefantão, lá! – completou o Menino.

O Sr. Osmar era um homem de aproximadamente 55 anos de idade. Ele era muito generoso e querido pelas crianças. Talvez porque sua esposa nunca pudera lhe dar um filho.

Todos os dias ele colocava umas cinco garrafas de águas geladas sobre o balcão para as crianças que vinham a pé de longe e no sol tórrido poderem beber. Às vezes, também, algum garoto perguntava se ele tinha algum “picolé de palito quebrado”, pois quando isso acontecia, ele doava o produto. Não raramente, ele abria o freezer para olhar, e como era difícil ter picolés de palitos quebrados, ele disfarçadamente quebrava o palito e entrega aos guris.

Tá bem, menino! Hoje, eu vou deixar você levar trinta picolés. Mas é só hoje, hem?! – disse o Sr. Osmar.

Naquela época os picolés não eram embalados com papel como os de hoje. Por isso, o Sr. Osmar sempre colocava um papel de pão sobre os últimos picolés para protegê-los e também retardar os degelos.

César pegou sua caixinha de isopor e partiu para suas vendas. Para chegar ao centro da cidade ele precisava subir um morro íngreme e descer outro quase do mesmo tamanho. Havia outro caminho, entretanto a distância era bem maior. Quando o menino terminou de subir o morro, aconteceu algo muito desagradável. Quando uma senhora lhe pediu um picolé de abacaxi, ele abriu o isopor para pegar, e neste instante um garoto malvado que estava próximo jogou uma “mãozada” de areia nos picolés. Como César havia arredado o papel de pão para apanhar o picolé, a areia caiu sobre os produtos gelados, escapando apenas o de abacaxi que estava em sua mão. César entregou o picolé à senhora, recebeu o dinheiro, sentou-se no chão e começou a chorar. Era sua primeira venda. Justo no dia que aventurou vender trinta acontecera aquela tragédia. A senhora, antes de levar seu picolé à boca, xingou o garoto cruel, e depois ajudou o pequeno vendedor a limpar cada picolé sujo de areia usando o papel de pão que o Sr. Osmar havia colocado como proteção.

Mas o dia não parecia mesmo favorável ao pequeno trabalhador. Ao chegar ao local onde estaria o suposto circo com elefantes, a surpresa: O circo era modesto e exíguo. Daqueles de periferias que só tinham palhaços e malabaristas. Jamais caberiam elefantes num circo daqueles. E cadê as pessoas com seus filhos? Não havia nada disso. E ele só vendera uns cinco picolés até aquele momento. Enquanto divagava em seus pensamentos, um homem aproximou-se e pediu um picolé de creme de ovos. César imediatamente abriu o isopor para pegar o produto.

Dizem que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas isto não se aplicava ao excelso vendedor. Um garoto que jogava bola num campinho aproximou-se com as mãos para trás e atirou uma mãozada de areia. César não acreditava no que via. Como pode uma desgraça acontecer duas vezes no mesmo dia?! Inacreditável! Pensava ele. Não lhe restou alternativa a não ser sentar na beira da calçada e chorar novamente.

Um garoto loirinho de olhos azuis que presenciava tudo, e com cara de bom moço, ofereceu ajuda.

Não, obrigado! Não há mais nada a se fazer agora! – disse César.

E se você lavar os picolés! – acrescentou outro garoto que usava um boné do Botafogo.

Lavar picolés? Que ideia maluca é essa! Vai derreter tudo! disse um garoto que segura uma bola de couro.

É a única solução pra ele. Minha prima mora ali naquele portão azul, pode ir lá. Ela é boazinha e vai deixar você lavar os picolés. – disse novamente o menino loiro de olhos azuis. César levantou-se e chamou ao portão da suposta prima do

menino de olhos azuis. Não demorou muito e veio uma moça loira muito bonita.

Pois, não, o que deseja? – perguntou a moça loira.

Quero lavar meus picolés que se sujaram de areia

Como assim? Não entendi! – disse a moça gargalhando-se.

Um garoto ‘sem coração’ jogou areia nos meus picolés. E aquele menino loiro ali disse que é seu primo, e que eu poderia lavar meus picolés aqui! – disse o guri segurando a caixa de isopor e mostrando seus produtos “arenosos”.

Vem cá, então! Não sei se é uma boa ideia lavar picolés, mas se não há outra solução…. – disse a moça gentilmente. César acompanhou a jovem de cabelos dourados até a cozinha. Colocou o isopor sobre um tamborete que a moça lhe oferecera, e começou a lavar picolé por picolé. Enquanto o menino lavava seus produtos, a moça lhe disse que não tinha primos, e que aquele menino loiro mentiu. Disse também que morava sozinha. Essa última informação assombrou César, que acabara de se lembrar da lenda da “loira do banheiro”.

Naquela época, os moleques diziam que uma loira que havia morrido aparecia nos banheiros de escola. Péssima hora para lembrar daquilo. E se aquela loira fosse a tal “loira do banheiro”? Aturdido, as pernas do menino começaram a tremer. Descerrou ainda mais a torneira e tratou-se de acelerar a lavagem dos picolés. A moça ainda ofereceu um pano de prato para que ele pudesse retirar o excesso de água nos produtos gelados. O garoto ajeitou tudo no isopor e saiu rapidamente num galope.

“Nossa, você aparenta estar assustado! Parece até que está com medo de mim”? disse a loira

É porque os picolés irão derreter logo, logo. Obrigado moça, pela ajuda! respondeu o menino que saía correndo.

Realmente os picolés começavam a derreter. O prejuízo seria enorme. Justamente no dia em que pegou trinta para vender. Enquanto gritava anunciando seus picolés, César lembrou-se de sua tia que morava no bairro São Sebastião. Era quase perto de onde ele estava. Sua tia Margarida seria uma boa investida, visto que ela tinha 10 filhos, e seu marido, o Sr. Sebastião, era gerente numa empresa multinacional. Era a “tia rica” da família. Então o menino não perdeu tempo. Subiu um pequeno morro e chegou à casa da tia.

Oi, tia Margarida, a tua bença!

Oi, César! Deus te abençoe! O que faz aqui nesta distância? –indagou a tia.

Estou vendendo picolés, uma delicia!

Nossa, veio de tão longe para vender?!

“Sim, tia. Disseram-me que havia um circo enorme aqui no bairro, mas pelo visto, me enganaram”! – disse rindo o pequeno garoto.

Eles não te enganaram. Na Verdade chegou um enorme circo no bairro Granjaria. Você deve ter entendido errado. É o circo Stankowich . Um dos mais antigos do Brasil. – respondeu sua tia.

Nossa, o Stankowich ! Vou Chamar minha mãe para me levar. Bem, se eu conseguir vender estes picolés restantes. – disse o menino sorrindo novamente. César, amava assistir o Globo da Morte, os trapezistas, as brincadeiras dos palhaços, e os domadores de animais (Naquela época ainda não era proibido animais no circo).

Sua tia ficou impressionada ao ver o menino de dez anos de idade vindo de tão longe para vender seus produtos. Como ela tinha dez filhos, tratou-se logo de comprar os picolés remanescentes.

Quantos você tem ai?

Acho que uns vinte? – respondeu abrindo a caixa.

Nossas, os seus picolés estão começando a derreter. – falou dona Margarida.

Sim, tia.

Quanto custa seus picolés? – indagou a tia. O picolé custava um Cruzeiro, entretanto, o menino lembrou-se do circo de elefantes que não encontrou, dos dois episódios das areias atiradas na caixa de isopor, da suposta “loira do banheiro” e outros percalços…. e não hesitou em dizer: - São três Cruzeiros tia!

Nossa, caro esses picolés! – bradou a tia.

- É porque esses são da Sorveteria do Sr. Osmar, o melhor picolé da cidade! – Brincou o menino, cada vez mais sorridente. Então o guri pegou o dinheiro, e foi logo separando uma quantia para pagar a entrada no circo Stankowich

Entrelonasecorações:a jornadadaprofessoraMagalie amagiadocirco

Katia Aparecida Chagas

Na pequena Regência, às margens do Rio Doce, um burburinho diferente tomava conta das ruas. Os capixabas estavam em êxtase, pois o circo havia chegado! Não era um circo qualquer; era o Circo dos Encantos, famoso por seus shows espetaculares e performances mágicas. As crianças, ansiosas, corriam para garantir seus lugares no picadeiro, enquanto os adultos rememoravam suas próprias infâncias.

A professora Magali, uma mulher magra de óculos grandes e sempre um pouco estabanada, decidiu levar seus sobrinhos e afilhados ao espetáculo. Com sua inseparável titia Glória, a madrinha das crianças, partiram em um velho carro repleto de toalhas bordadas para o Lagoa Juparanã, onde o circo estava instalado. No caminho, deram carona a várias crianças de Povoação, aumentando a alegria e a expectativa.

Chegando ao local, a grandiosa lona azul e dourada do circo destacava-se contra o céu de fim de tarde. Dentro da lona, os trapézios balançavam suavemente, enquanto equilibristas e acrobatas se preparavam para suas apresentações. Os picadeiros eram cercados por uma energia vibrante e contagiante. A professora Magali, mesmo com seu jeito atrapalhado, não podia conter o sorriso ao ver a alegria estampada no rosto das crianças.

O espetáculo começou com uma explosão de luzes e cores. Os palhaços, com suas mágicas engraçadas, arrancavam risadas de todos. Eles faziam malabares com tudo o que viam pela frente: bolas, pinos e até monociclos! Em seguida, os tigres majestosos e elefantes elegantes, comandados por domadores habilidosos, encantavam a plateia com suas acrobacias e truques de ilusionismo.

Mas o ponto alto da noite foi, sem dúvida, o número na corda bamba. Os contorcionistas e equilibristas desafiavam a gravidade com movimentos que pareciam verdadeiros sortilégios. Era impossível não ficar boquiaberto com tamanha habilidade e precisão.

Entre uma apresentação e outra, os ilusionistas realizavam alquimias que deixavam todos perplexos. Eles transformavam água em vinho, faziam pessoas desaparecerem e reaparecerem em lugares inusitados, sempre mantendo o público maravilhado com seus encantamentos.

Porém, a surpresa maior veio quando a titia Glória foi chamada ao palco para participar de uma mágica. Nervosa, ela subiu os degraus com a ajuda de um simpático palhaço.

O ilusionista a convidou a entrar em uma grande caixa e, com um gesto teatral, fez a caixa girar. Quando a caixa se abriu, para a surpresa de todos, Glória estava vestida como uma verdadeira rainha do circo, com uma capa brilhante e uma coroa cintilante.

A plateia foi à loucura, especialmente a professora Magali e as crianças, que não paravam de aplaudir. Titia Glória, um pouco atônita, mas extremamente feliz, agradeceu com uma reverência graciosa.

Após o show, todos se dirigiram para fora da lona, ainda encantados com o espetáculo. As crianças não paravam de

falar sobre os elefantes, os tigres, os palhaços e, claro, a transformação mágica de Titia Glória.

No caminho de volta para casa, a velha professora não conseguia parar de sorrir. Mesmo em um ônibus lotado, ela sabia que aquele dia seria inesquecível para todos. Afinal, a magia do circo tinha o poder de transformar até os momentos mais simples em verdadeiros contos de fadas.

E assim, o Circo dos Encantos partiu de Regência, deixando para trás memórias inesquecíveis e um sentimento de alegria que duraria por muito tempo. Pois a verdadeira magia do circo está nos encantos que deixa em nossos corações.

Quando o Circo dos Encantos deixou Regência, os capixabas continuaram a falar sobre as maravilhas que haviam presenciado. Mas a professora Magali tinha uma surpresa guardada para seus alunos e seus sobrinhos. Ela havia conversado com o diretor do circo, um homem gentil chamado senhor Giuseppe, e conseguido uma visita especial aos bastidores do circo na próxima cidade, Povoação.

No fim de semana seguinte, Magali, Titia Glória e as crianças embarcaram novamente em uma emocionante viagem. Desta vez, estavam em um ônibus colorido, cedido pelo circo, repleto de balões e serpentinas. A jornada até Povoação foi repleta de cantorias e risadas, todos ansiosos para a experiência única que os aguardava.

Chegando ao circo, foram recebidos pelo próprio senhor Giuseppe, que os guiou pelos bastidores. O primeiro lugar que visitaram foi a área de ensaio dos acrobatas e contorcionistas. As crianças ficaram maravilhadas ao ver de perto os treinamentos árduos e as habilidades

extraordinárias desses artistas. Alguns até tiveram a chance de tentar andar na corda bamba, sob a supervisão cuidadosa dos equilibristas.

Em seguida, foram levados para a tenda dos animais. Os elefantes, majestosos e amigáveis, receberam as crianças com uma reverência graciosa. Os tigres, apesar de imponentes, mostravam-se dóceis sob o cuidado atento dos domadores. Senhor Giuseppe explicou como os animais eram tratados com respeito e carinho, o que tranquilizou Magali e Titia Glória.

O próximo destino foi a tenda dos palhaços. Lá, as crianças puderam experimentar as roupas coloridas e as perucas engraçadas. Com a ajuda dos palhaços, aprenderam alguns truques simples de malabares e participaram de pequenos esquetes que provocaram muitas risadas. Até Magali e Titia Glória se juntaram à diversão, arrancando gargalhadas de todos com suas atuações improvisadas.

Mas a verdadeira surpresa veio quando foram levados à tenda dos ilusionistas. O grande mágico Lorenzo, com sua capa brilhante e olhos penetrantes, saudou o grupo com um sorriso enigmático. Ele começou a demonstrar pequenos truques de ilusionismo, transformando objetos, fazendo cartas flutuarem e até "desaparecendo" pequenos animais para logo depois trazê-los de volta.

Lorenzo, percebendo o entusiasmo das crianças, decidiu fazer uma mágica especial para elas. Pediu a ajuda de Titia Glória novamente, que subiu ao palco com um sorriso confiante desta vez. Ele a colocou dentro de uma caixa decorada e, com um gesto dramático, começou a recitar palavras mágicas. As luzes piscaram, e quando a caixa se abriu, Titia Glória estava vestida como uma verdadeira

fada do circo, com um vestido reluzente e uma varinha mágica.

A plateia improvisada aplaudiu entusiasmadamente. Lorenzo então convidou Magali para se juntar a eles no palco. Nervosa e rindo, ela aceitou. Juntos, Lorenzo, Magali e Titia Glória realizaram uma série de pequenos sortilégios, encantando todos os presentes com a magia do momento.

Ao final da visita, as crianças foram presenteadas com pequenos kits de mágica, incentivando-as a continuar explorando o mundo do ilusionismo. Senhor Giuseppe, com um sorriso paternal, se despediu do grupo, deixando uma promessa de que o Circo dos Encantos voltaria a Regência no próximo ano, com ainda mais surpresas.

No caminho de volta para casa, o ônibus estava repleto de conversas animadas e demonstrações de novos truques de mágica. Magali, observando a alegria no rosto de cada criança, sentiu-se profundamente grata pela oportunidade de ter proporcionado uma experiência tão inesquecível. Ela sabia que, por muitos anos, a magia do circo viveria nos corações de todos eles, como um lembrete de que a alegria e o encantamento podem ser encontrados nos momentos mais inesperados.

E assim, a magia do Circo dos Encantos continuou a espalhar felicidade, não apenas em Regência e Povoação, mas em cada lugar por onde passava, deixando rastros de sorrisos e memórias preciosas que seriam lembradas por toda a vida.

Na volta para Regência, a viagem foi uma festa contínua. As crianças não paravam de falar sobre suas experiências nos bastidores do circo. O ônibus, com suas cores vibrantes, parecia um prolongamento do espetáculo,

ecoando as risadas e os murmúrios de excitação. Magali e Titia Glória, agora heroínas do dia, compartilhavam histórias e brincadeiras com as crianças, criando laços ainda mais fortes.

Chegando em casa, Magali percebeu que sua vida, assim como a das crianças, estava profundamente marcada por essa experiência. Decidiu, então, incorporar um pouco dessa magia em suas aulas. Na semana seguinte, transformou a sala de aula em um verdadeiro picadeiro, com cortinas coloridas e música alegre. Cada criança teve a oportunidade de apresentar um truque ou uma habilidade que aprendera, desde pequenos números de malabares até simples truques de ilusionismo.

Entretanto, algo inesperado aconteceu. Um dia, Magali recebeu uma carta do Circo dos Encantos, convidando-a para uma reunião em Vitória. Intrigada, ela aceitou o convite e viajou até a capital capixaba. Ao chegar, foi recebida calorosamente por senhor Giuseppe e o grande mágico Lorenzo. Eles tinham uma proposta surpreendente: queriam que Magali se juntasse ao circo como uma espécie de "mestre de cerimônias" educacional, alguém que pudesse viajar com o circo e levar a magia às escolas por onde passassem.

Magali ficou perplexa. Nunca imaginara que suas aulas criativas poderiam levar a uma oportunidade tão extraordinária. Mas antes que pudesse tomar uma decisão, Giuseppe explicou que eles não queriam que ela abandonasse sua vida em Regência. Em vez disso, ela poderia participar das turnês durante as férias escolares e em períodos especiais.

Magali voltou para Regência com o coração cheio de dúvidas, mas também de esperança. Conversou com Titia

Glória, que, sempre sábia e acolhedora, a encorajou a seguir seu coração. "A magia está em você, Magali. E você tem o poder de espalhá-la ainda mais longe."

No início das férias, Magali, agora oficialmente parte do Circo dos Encantos, começou sua nova aventura. Durante a turnê, ela visitou várias cidades, incluindo Povoação e até alguns vilarejos próximos ao Rio Doce. Em cada lugar, promovia oficinas de mágica e circo para as crianças, transformando as escolas locais em ambientes repletos de encantamentos e sorrisos.

Em uma dessas viagens, durante uma parada em um pequeno vilarejo, Magali encontrou uma menina chamada Clara, que era extremamente tímida e nunca sorria. Decidida a mudar isso, Magali convidou Clara para ser sua assistente em um número de mágica. Com o tempo, Clara começou a se abrir, revelando um talento incrível para o ilusionismo. Magali, emocionada, viu em Clara um reflexo de sua própria transformação e se comprometeu a ajudá-la a desenvolver suas habilidades.

Mas o circo também guardava uma última surpresa. Em uma noite estrelada, durante um espetáculo especial em Regência, senhor Giuseppe anunciou uma nova atração: uma performance conjunta entre Magali e Clara. O número envolvia truques de ilusionismo sofisticados e malabarismos sincronizados, combinando o talento natural de Clara e a criatividade de Magali.

A apresentação foi um sucesso estrondoso. O público, composto por amigos, familiares e muitos rostos conhecidos, aplaudiu de pé. Magali e Clara, emocionadas, agradeceram com lágrimas nos olhos. Titia Glória, sempre orgulhosa, estava na primeira fila, segurando um buquê de flores para as duas.

Após o espetáculo, Magali e Clara foram cercadas por crianças e adultos, todos querendo parabenizá-las e aprender mais sobre a mágica. Foi nesse momento que Magali percebeu a verdadeira extensão do impacto do circo: não apenas entretinham, mas também inspiravam e transformavam vidas.

E assim, o Circo dos Encantos continuou sua jornada, agora com Magali e Clara como estrelas em ascensão. A magia que um dia havia encantado a pequena professora estabanada de Regência agora se espalhava ainda mais, tocando corações e criando memórias inesquecíveis.

A magia do circo, afinal, não estava apenas nos números espetaculares ou nos truques incríveis, mas nos sorrisos e nas histórias de vida que transformava. E enquanto o circo avançava em direção a novos horizontes, a certeza de que a magia estava em cada um de nós permanecia, como um encantamento eterno, nos corações de todos os que tiveram a sorte de cruzar seu caminho.

Ograndeespetáculode

Linhares:amagiadocircona

Katia Aparecida Chagas

Em uma pequena cidade do Espírito Santo chamada Linhares, havia uma escola onde a alegria e o riso eram constantes. Os alunos dessa escola eram muito especiais, pois estavam sempre prontos para aprender algo novo e, acima de tudo, adoravam quando o circo chegava na cidade.

Um belo dia, o grande circo Encanto Capixaba armou sua lona colorida no centro da cidade, despertando a curiosidade e a animação de todos, especialmente das crianças. As barracas de guloseimas, as luzes piscantes e a música alegre convidavam a todos para uma noite mágica.

Naquela noite, o picadeiro se encheu de vida. Primeiro, entrou o domador com seu majestoso tigre e o gentil elefante, que realizavam truques surpreendentes sob as palmas entusiasmadas do público. O tigre saltava em aros de fogo enquanto o elefante equilibrava uma bola enorme em sua tromba.

Logo em seguida, o palhaço Pipoca tomou o centro do picadeiro. Ele fazia piadas, soltava confetes e brincava com malabares, lançando bolas coloridas ao ar. O riso era contagiante, e todos os alunos da escola não conseguiam conter as gargalhadas.

O espetáculo continuou com o equilibrista que caminhava pela corda bamba com uma confiança invejável, seguido pelo acrobata que fazia piruetas e saltos mortais no ar. Cada movimento parecia um sortilégio, um encantamento que mantinha todos hipnotizados.

O público também foi presenteado com o incrível número do trapézio. Os artistas voavam pelo ar com uma leveza que desafiava a gravidade, cada salto e captura pareciam pura mágica. Os olhos dos alunos brilhavam de admiração.

Em um canto do picadeiro, o ilusionista fez sua entrada triunfal. Com truques de ilusionismo que desafiavam a lógica, ele transformava lenços em pombas, desaparecia e reaparecia em diferentes partes do picadeiro. Parecia até mesmo que estava realizando alquimia, tal era a surpresa e o fascínio de suas mágicas.

Mas o número que mais deixou todos de boca aberta foi o da contorcionista, que dobrava e torcia seu corpo de formas inimagináveis. Era como se ela fosse feita de borracha, desafiando as leis do corpo humano.

Para fechar a noite com chave de ouro, o monociclo fez uma aparição especial. Equilibrando-se apenas em uma roda, o ciclista realizava manobras incríveis, girando e saltando de maneira espetacular. A plateia, especialmente os alunos, aplaudia de pé.

Quando o espetáculo terminou, a magia do circo Encanto Capixaba ainda pairava no ar. Os alunos voltaram para suas casas, mas a alegria e a inspiração da noite permaneciam em seus corações. Eles aprenderam que, com um pouco de mágica, tudo é possível, e que o verdadeiro encanto está na capacidade de sonhar e se divertir.

E assim, a pequena cidade de Linhares, no Espírito Santo, foi mais uma vez transformada pela magia do circo, deixando um rastro de felicidade e memórias inesquecíveis.

No dia seguinte, a escola estava repleta de conversas animadas sobre o espetáculo da noite anterior. Os alunos não paravam de falar sobre o palhaço Pipoca, o trapézio, o tigre e o elefante. Inspirados pelo circo, decidiram que iriam criar seu próprio espetáculo para apresentar aos pais e à comunidade.

Os professores, encantados com o entusiasmo dos alunos, apoiaram a ideia. A escola se transformou em um verdadeiro circo. A quadra de esportes foi decorada com fitas coloridas e balões, imitando a lona do circo Encanto Capixaba. As crianças se dividiram em grupos, cada um encarregado de uma parte do espetáculo.

Um grupo de alunos decidiu se aventurar no malabarismo, usando bolas e aros improvisados. Outro grupo se dedicou a praticar o equilíbrio em cordas e monociclos. Houve até um aluno que se revelou um verdadeiro ilusionista, aprendendo truques simples para surpreender seus colegas.

Uma das professoras, que tinha um passado como ginasta, ajudou um grupo a montar uma apresentação de acrobacias, enquanto outra professora, que adorava teatro, ajudou na criação de esquetes engraçadas para os palhaços.

O grande dia chegou, e a quadra da escola estava lotada. Pais, irmãos e vizinhos vieram assistir ao espetáculo preparado pelas crianças. O picadeiro improvisado estava cheio de alegria e expectativa.

O show começou com os pequenos malabaristas, que lançavam suas bolas ao ar com concentração e destreza. Em seguida, vieram os equilibristas, caminhando com

cuidado sobre cordas esticadas, enquanto a plateia prendia a respiração a cada passo.

O momento mais engraçado foi, sem dúvida, a apresentação dos palhaços. Com perucas coloridas e narizes vermelhos, eles arrancaram risadas e aplausos de todos. Houve uma cena especialmente hilária onde um palhaço "perdia" o chapéu toda vez que se curvava, só para ele magicamente reaparecer na cabeça do outro palhaço.

O número de acrobacias foi emocionante. Os alunos saltavam, giravam e faziam piruetas, mostrando que com treino e dedicação, podiam realizar feitos incríveis. A apresentação do pequeno ilusionista também foi um sucesso, com truques que deixaram todos maravilhados.

Para finalizar, um dos alunos que adorava desenhar, se inspirou no espetáculo para criar um cenário especial, desenhando um grande elefante e um tigre que decoravam o fundo do picadeiro, homenageando os majestosos animais que viram na noite anterior.

O espetáculo foi um sucesso absoluto. Aplaudidos de pé, os alunos sentiram o verdadeiro encanto de se dedicar a algo com paixão e compartilhar isso com os outros. A cidade de Linhares viu que a magia do circo não estava apenas nos truques e nos artistas, mas no coração de cada um que se permitiu sonhar e criar.

Assim, com sorrisos no rosto e corações cheios de alegria, os alunos voltaram para suas casas, sabendo que a magia do circo Encanto Capixaba não apenas havia encantado uma noite, mas também plantado sementes de criatividade e colaboração em toda a comunidade. E em cada um deles, um pedacinho do circo viveria para sempre, lembrando-os de que, com um pouco de mágica e muito entusiasmo, qualquer coisa é possível.

E assim, a pequena cidade de Linhares, iluminada pela alegria e pelo encantamento do circo, descobriu que a verdadeira mágica reside na união e na capacidade de sonhar juntos. Os alunos, inspirados pela experiência, levaram consigo a certeza de que, com criatividade e colaboração, poderiam transformar qualquer dia comum em algo extraordinário. E a escola, agora mais vibrante do que nunca, continuou a cultivar a magia do aprendizado e da amizade, mostrando que a alegria compartilhada é o maior espetáculo de todos.

Océudelona

Monique Nibra

Amanheceu e ele estava lá, em frente à porta. A luz do amanhecer filtrava-se pelas cortinas, lançando sombras suaves pelo chão, mas João não conseguia mover um músculo. Olhando fixamente a maçaneta, como fazia manhã após manhã. Todos os dias ele levantava, tomava seu café da manhã, se arrumava para sair, pegava sua mochila e parava, ali, no mesmo lugar, à porta. A mão trêmula a centímetros de tocar o metal frio. Sem conseguir se mexer, ele imaginava-se abrindo a porta, seguindo pelos corredores, saindo pela rua e conduzindo seu caminho até onde a felicidade foi sua parceira por muitos anos. Mas ele não conseguia, algo acontecia, o pavor e o medo tomavam conta de sua alma e ele ficava.

Já tinha meses que não saía de casa, era como se estivesse travado, em um momento de sua vida algo estacionou, paralisou e ele ficou. Seu corpo permanecia em casa, estagnado, mas sua mente dava voltas, as lembranças de um tempo onde tudo era riso, sonhos e imaginação. Lembrava-se de quando voava, rodopiando pelo céu de lona, onde tudo fazia sentido, onde a gargalhada era o combustível e a felicidade, estampada nos rostos das pessoas, era o gerador que o mantinha de pé.

João viveu toda sua vida no circo, sua mãe era malabarista e seu pai equilibrista, a gargalhada e o gracejo faziam parte do seu ser, era o que o movimentava. Na puberdade conheceu Flávia, uma expectadora em uma das cidades por onde o circo passara. Cabelos cacheados, pele escura, olhos verdes, era uma divindade. Entre uma apresentação

e outra trocavam olhares, João estava encantado com tanta formosura. Viveram um efêmero romance que parecia ter sido iniciado em outra vida de tão intenso. Mas a temporada circense terminou e tudo teve de ser deixado para trás. Era assim mesmo, diziam para ele, somos como marinheiros, não podemos nos apegar.

Os anos se passaram, mas João nunca esqueceu aquele rosto, com linhas que se aproximavam da perfeição. Agora adulto, e principal trapezista da companhia, era mimado e desejado por muitas mulheres, mas Flávia já tinha ganhado seu coração, disso ele tinha certeza. Seus pais já haviam se aposentado do circo, resolveram criar raízes, pela primeira vez, em uma pequena cidade do interior. João os visitava quando podia, mas não era frequente. Certa vez resolveu que faria uma surpresa para seus velhos, foi uma festa, eles o receberam com todo amor e contaram as novidades, como era a vida pacata, os vizinhos, as idas às quermesses de domingo. Eles deram risadas, pois tudo era muito novo, a nova rotina era agradável, mas totalmente diferente da que eles viveram por toda vida.

João decidiu ficar uns dias e constatar toda a diversão daquela nova vida com seus pais. Indo, inclusive, na tal quermesse no domingo, para entrar no clima da vida em cidade pequena. Foi quando teve uma surpresa que quase parou seu coração. Era ela, ali parada, ele jamais se esqueceria daquele rosto. Flávia estava recepcionando a comunidade na entrada da festa e ao seu lado, seu marido, o pastor da única igreja que havia na cidade. João ficou sem reação, sua mãe percebeu e perguntou o que acontecera, ele não conseguiu falar, era como se sua garganta estivesse fechada. Disse que não estava se sentido bem e foi para casa.

A sensação era de um caminhão estacionado dentro do seu peito, estava decepcionado consigo mesmo, criara expectativas que só aconteceram dentro dele. Ela não sentiu o mesmo, do contrário teria esperado, como ele esperou. Nesse momento escutou alguém bater na porta da frente, quando abriu, era ela, estava linda como da primeira vez que a viu. Sentaram no balanço da varanda e ficaram em silêncio por um tempo, até que ela começou, disse que não pode esperar, pois precisava acertar a vida que estava de cabeça para baixo.

Flávia contou que aqueles momentos que havia passado com ele foram os mais felizes de sua vida, tanto que essa entrega gerou frutos, ela engravidou e, como ele fora embora, ficou sozinha. Seus pais ficaram decepcionados, quase expulsaram-na de casa, até que o pastor, na época novato na igreja da cidade onde morava, se compadeceu com a sua situação e resolveu pedi-la em casamento. Eles partiram logo após o casório e foram morar naquela cidade pequena, onde ninguém os conhecia. Flávia enfatizou, todo o tempo, a gratidão pela decisão dele.

Ela chorava enquanto falava: A comunidade nos recebeu muito bem, mas o que era para ser o início de uma família não durou muito, o bebê não resistiu. Flávia mergulhou em uma tristeza profunda. João só olhava fixamente para frente, com os olhos cheios de água. Ela continuou, disse viver ali desde então, e que sempre esperou por ele, mas ele nunca apareceu para salvá-la e que ela teve que encontrar seu próprio caminho. Após essa confissão, Flávia se levantou, parou por um momento ali de pé, e foi embora. Deixando João afundado em uma dor indescritível.

João ficou sentado lá até escurecer, assim que seus pais chegaram, ele informou que partiria naquela mesma noite.

Não entenderam muito bem, mas consentiram. Ele voltou para cidade, sem grandes perspectivas do que seria a sua vida naquele momento. O circo ainda demoraria algumas semanas para sair, então decidiu que alugaria um apartamento para tentar processar toda aquela melancolia que agora o consumia, e foi o que fez.

No apartamento ele ficou sentado durante dias e noites sem entender o porquê de tantos desvios cruéis do destino, tantas incertezas, que agora se fundiam em um borrão de angústia. Havia consternação para onde quer que seus olhos alcançassem e, aquele sentimento de satisfação ao voar livremente pelo céu de lona desaparecera. Não havia mais brilho, só amargor e dor. Com o passar das semanas o circo foi embora, deixando-o ainda mais isolado.

João tentou, uma, duas, dez vezes, sair de casa. As sombras das cortinas dançavam no chão enquanto ele encarava a maçaneta. Ele se viu como um prisioneiro da própria mente, incapaz de ultrapassar a barreira invisível que o mantinha no apartamento. Seu corpo estava estagnado, mas sua mente vagava por memórias vívidas e dolorosas. Então, todas as manhãs, ele parava em frente à porta, a mão hesitante perto da maçaneta, paralisado. Ele não conseguia, algo acontecia, o pavor e o medo tomavam conta de sua alma e ele ficava.

1º Ato: Ivanildo Gideão da Silva Gomes, ou simplesmenteNildo Hoje tem espetáculo? Tem, sim, senhor! Respeitável público, o Grande Circo Esperança chega à cidade de Folguedo com a missão de levar a cada um a magia do circo! e eu, menino que ainda brincava na rua, ficava encantado com a ideia de que o circo estaria novamente conosco! Isto é, não com todos, pois éramos muito pobres, não tínhamos como comprar as entradas. Isso foi em meados da década de 1960. Perdão, quase ia esquecendo de me apresentar, me chamo Pimpão, quer dizer, Ivanildo Gideão da Silva Gomes. Na época, era apenas o Nildo mesmo, com meus quase quatorze anos, cheio de sonhos na cabeça e, no prato, quase nada, mesmo o pai e a mãe dando duro na roça. Velhos tempos! Bem, o que eu quero é poder lhe contar um pouquinho da minha história. A história fabulosa de um palhaço. Está disposto a me ouvir? Então, se ajeite como der, aguente como puder, que vou falar sobre o tal ladrão de mulher.

Era o sábado de Aleluia do ano de 1965. O Brasil andava às voltas com o Golpe Militar, que tinha se instalado no País no ano anterior. Eu pouco sabia daquilo, tinha apenas quatorze anos, que eu tinha acabado de fazer, ao fim de fevereiro, e já começava a lutar nas ruas à caça de um troco. Era engraxate, a mesma “profissão” da personagem de um livro que eu viria a ler anos depois, o Zezé, do “Meu pé de laranja-lima”. Você já o leu? É triste, mas vale a pena, virou até novela, filme, é muito bom. Bem, o caso é que, justamente naquele sábado, eu estava louco para irao circo, louco mesmo. Ele tinha chegado há alguns dias à querida Folguedo, cidade paulista onde quase minha família inteira, pais, tios, avós e até mesmo bisavós tinham nascido.

Tradição.

Que circo, o quê! Cê vai é juntar grana pra gente quitar a luz! Mal começou a labuta, já quer esbanjar? bradou meu pai quando cheguei em casa, louco para um banho e, claro, circo.

Deixa o menino ir, Gideão, é para o bem dele. Distrai! tentou minha mãe, que era louca por mim. Você sabe, filho único, né? Eu tinha puxado a ela, olhos claros, bem azuis, cabelos meio encaracolados; o pai, não: moreno, grande, mais forte, era ele quem mandava em casa. Não que fosse mau, mas era duro, e eu queria o sonho!...

‘Tá certo, Rosa. Cê sabe amolecer meu peito. Vai, pirralho, vai tomar banho! Eu te deixo lá. Aproveita que eu ‘tô de bom humor hoje, hein! e eu, como se fosse um super-herói de verdade, não o palhaço que eu viria a ser, fui a jato. *** A que horas acaba o circo?

Dez horas, pai. O Chico ficou de vir também, vamos ver e desci do carro, a fila imensa à frente, as luzes todas voltadas para a lona. Que emoção! Eu estava mesmo lá! E o Chico, tal e qual tinha me dito, estava lá também.

E aí, Chico? Seus pais te deixaram vir também? e o meu amigo, moreninho, bem caboclo, caboclinho mesmo, fez que não com a cabeça e sorriu para mim, que o entendi e sorri. Vai ser bom, meu amigo, mas vamos logo, que a charanga está tocando alto! Vamos, Chico!

Hoje tem espetáculo? e a plateia respondia “Tem, sim, senhor!”. Respeitável público, o Grande Circo Esperança chega à cidade de Folguedo com a missão de levar a cada um a magia do circo! Vamos em frente? Podemos começar? e, novamente, a plateia, em êxtase, respondia a plenos pulmões que sim. Eu, não. Ao lado do Chico e com olhos maiores do que aquele circo, não queria, nem podia perder nada. Olhar também é guardar, já dizia minha avó, d. Ana, já falecida, e eu queria guardar tudo para não perder nenhum pedacinho do espetáculo.

Ao chegar em casa, depois de o pai ter deixado o Chico na casa dele, seus pais de olhos grandes à porta, com a cinta nas mãos, chegamos, e a mãe já foi logo me perguntando aflita:

E aí, filho? O que achou? Era tudo o que pensava? e eu, sem dizer nada, corri para os braços dela, os olhos faiscantes, o sorriso infinito, como o do palhaço que eu viria a ser, colorindo o rosto. O pai, sem dizer nada, sorria também. ***

Duas semanas depois, o circo estava prestes a ir embora, quando me deu vontade de ir vê-lo partir. Chamei o Chico, que, mesmo com medo, foi comigo. Ele sempre ia, coitado, e, ao fim da aventura, de volta para casa, apanhava. Que triste, sua partida… Mas falarei disso depois.

Que é isso, Nildo? Cê trouxe mala? e vi nos olhos dele, do meu amigo, que ele me entendia.

Nildo! Ô, Nildo! Cê não vem, menino? gritou Ana Luz, a bailarina do Grande Circo Esperança, para mim.

Aqui, Chico, uma cartinha para os velhos. Leva pra mim? e dei àquele amigo meu melhor abraço, o mais apertado que eu podia. Era meu ponto de partida, em ambos os casos.

Sem entender muito, os olhos vermelhos, Chico foi ficando para trás enquanto o furgão se distanciava, longe, mas cada vez mais perto do meu sonho. Dizem que Dercy Gonçalves tinha começado sua carreira assim, fugindo com um circo…

2ºAto:OpalhaçoPimpãoeomágicoEstevão

Cê sabia que seu nome, Estevão, significa "o que tem uma coroa", "coroado”, “vitorioso”? Sabia? e, de frente para a lona recém-montada, mãos na cintura, como que avaliando tudo, o grande mágico Estevão Gomes (sobrenome que ele roubou de mim), me perguntava se, por acaso, eu sabia o que significava o meu. Não, não sei, amigo. Cê sabe? e, sem maquiagem, trinta e seis anos de vida no rosto, eu o olhava como quem olha um deus.

Seu nome, Nildo, ou melhor, Ivanildo, quer dizer “Deus é cheio de graça”, “agraciado por Deus” ou “a graça e misericórdia de Deus” e “Deus perdoa” e meus olhos, que já não eram sem brilho, brilhavam ainda mais com aquele amigo, um jovem alto, moreno, cabelos crespos, como se um dos deuses do Olimpo tivesse descido àquele círculo de luzes, para nos encantar.

O espetáculo daquela noite de 1986, também véspera de Páscoa, sábado de Aleluia, me faria lembrar daquela mesma noite, mas vinte e dois anos antes, quando eu era um menino engraxate, lá em Folguedo. Ah, meus pais, quando souberam que eu tinha fugido, ficaram loucos, mas, como naquele tempo tudo era mais lento, demoraram muito até descobrirem para onde o circo tinha ido e chegarem até mim, que, mesmo sabendo que não seria fácil, não quis voltar.

Sinto muita saudade do Chico, aquele amigo que sempre acabava apanhando quando me acompanhava em minhas artes. Ele, tadinho, suicidou quando estava prestes a fazer dezoito. Não fui ao enterro, é claro, mas, tempos depois, por meio de um telefonema da mãe, ela me disse. De vez em quando, vou lhe contar, sinto que, em meio ao público, ele está lá, sentadinho, rindo…

Meus cabelos, tão encaracolados, ficaram lisos, amadureceram, e, com tanta tinta no rosto, minha aparência era de um homem mais velho. Isso, é claro, não me impedia a fama de namorador, mas, na verdade, eu tinha mesmo medo. Ladrão de mulher? Era o que diziam. Mas Estevão era tão, mas tão mais lindo, era… Bem, ele era perfeito. Será que sabia disso? Não.

3ºAto:Foradoscript,ouoshowtemquecontinuar

Estevão, no auge de sua estampa, afinal, tinha então vinte e três anos, chamava mesmo a atenção. Tanto que, para minha surpresa, o tinha visto trocando olhares com a Shirley, namorada do Enrico, nosso contador, uma bela morena, tão linda quanto ele, que, sem dar muito na vista, correspondia aos olhares dela com uma piscadinha. O esposo dela, muito fora de forma e mais velho, envenenado por más e boas línguas, já estava de olho nos dois. Eu, mais quieto, apesar da fama de ser o tal namorador daquela esfera, já tinha avisado o Estevão, mas ele não me ouvia.

Arrelia, Carequinha, Os Trapalhões, até mesmo o bom e ainda em evidência Bozo, todos, de um jeito ou de outro, me influenciavam no trabalho de fazer os outros rirem. Eu, mesmo triste, sabia que dependia de mim que o espetáculo continuasse. Pelo menos, na parte dos clowns, ou dos palhaços, já que o Dandam e o Dondom, brigados, não queriam se apresentar mais juntos. Branquinhos, um era gordo e baixo, enquanto o outro era magro e alto, tipo O gordo e o magro mesmo, lembra? Pois é, tantas referências! Até mesmo na tevê, naquela época, passava uma novela, se não me engano, chamada Cambalacho, em que havia um núcleo só de circo, com o Marcos Frota fazendo um trapezista superprotegido pela mãe, psicóloga da PUC, que não aceitava o trabalho do filho no circo. Bons tempos!

Atenção, artistas, um minuto para o espetáculo! gritou Jorjão, um homem negro, enorme, que era uma espécie de faz-tudo e nosso ajudante maior. Eu gostava muito dele, sabe? Mas muito mais de Estevão. Estevão era mais do especial para mim. Era como uma das luzes que

iluminavam noite a noite a Esperança do nome que o circo ainda tinha. Esperança, Estevão.

Em memória de Elis, morta em janeiro de 1982, cerca de quatro anos antes, o povo entrava no circo ao som de O bêbado e a equilibrista, canção do repertório da diva, que nunca deixou de ser uma estrela. Falso brilhante? Só se for o nome do disco que ela fez e do espetáculo de mesmo nome, que eu, é claro, em companhia de amigos, não deixei de ver lá em São Paulo.

Hoje tem espetáculo? e a plateia respondia “Tem, sim, senhor!”. Respeitável público, o Grande Circo Esperança chega à cidade de Folguedo com a missão de levar a cada um a magia do circo! Vamos em frente? Podemos começar? e, novamente, a plateia, em êxtase, respondia a plenos pulmões que sim. Isso mesmo, estávamos de novo na cidade em que nasci, mas meus pais já não podiam mais me prestigiar. Eu, ao lado não do Chico, que também não estava mais lá, mas, ao lado do Estevão, paixão maior da minha vida, eu estava prestes a entrar em cena. Como diz aquela canção do Ivan Lins, era mesmo “o circo de novo”. E eu entrei. Ovação, todos queriam ver o filho pródigo que a casa torna, mesmo que como um mero palhaço.

Estevão, reluzente, com sua roupa de mágico, à espera de Shirley, sua assistente (a mulher do contador Enrico, lembra?), Estevão ria de mim, das minhas palhaçadas, como um menino que se encanta pela primeira vez com o circo. Como eu mesmo já tinha me encantado.

Ao fim do meu número, os trapezistas em fila, na coxia estreita, Estevão entrou e, como se nunca tivesse se apresentado, fez seu número maravilhosamente bem, com

o frescor que ele conseguia imprimir a cada apresentação, Shirley ao lado dele, também linda, majestosa, eterna.

Hoje teve espetáculo? e a plateia respondeu “Teve, sim, senhor!”. Respeitável público, o Grande Circo Esperança sai da cidade de Folguedo com a missão cumprida de ter levado a cada um a magia do circo! Vamos embora? Podemos terminar? e, ao som de Elis Regina de novo, um a um, crianças, jovens e adultos iam saindo de cena, abrindo espaço para que os artistas descessem da corda, saíssem da estrela e voltassem à sombra de suas cabines. ***

Ouvi vozes. Eu me lembro perfeitamente disso, de ouvir vozes. Vinham do trailer de Estevão.

Canalha! Há quanto tempo isso está acontecendo? berrava o Enrico, aparentemente para… para Estevão, e eu, atônito, rondando o espaço, tentando ver algo pela janela da sala!

Cê sabe que eu o amo. Não dá mais pra esconder, Rico, eu amo o Estevão! uma apavorada e apaixonada Shirley dizia para o marido, que esbravejava. Eu, do lado de fora, acompanhando tudo, fiquei muito mais apavorado ao ver na cintura daquele homem uma arma.

Pois o casal mais importante do circo vai ter que fazer mágica de verdade essa noite! e, ouvindo isso, ciente da arma de Enrico, adentrei o trailer de Estevão, certo de que…

Bang! Bang! Bang! Bang! Bang!

O que é que você fez!!! gritava Shirley enquanto eu, isso mesmo, eu mesmo, Nildo, caía em frente a Estevão,

amor maior da minha vida, com a Shirley atrás, protegida por um dos móveis, Enrico fugindo após os disparos.

Não demorou muito, a gente do circo tomou conta da cena do crime, começando a dizer que Shirley e eu tínhamos sido pegos em flagrante, que Estevão tinha nos descoberto usando seu trailer para os encontros e contado ao Enrico, que, num gesto de fúria, lavou a honra, tudo para não dar na vista, nem levantar suspeitas de que o tal ladrão de mulher estava roubando outra.

Meu enterro foi lindo, mas ainda mais lindo o velório, com centenas, milhares de munícipes de Folguedo vindo ver o filho ilustre da Cidade, o qual, mesmo passando por sedutor, e, talvez, por isso mesmo, haja vista que o machismo imperava, era um artista. Um artista que, infelizmente, após os cinco fatídicos disparos, não pôde continuar seu show. Brás Cubas que me perdoe, mas também sou um morto que sabe contar!Aliás, eu o vi outro dia. Não, não o Brás Cubas, mas o Machado, sim, o de Assis, todo garboso, prosa de seu livro estar a mil num certo site de vendas.

Hoje, quase quarenta anos depois, Estevão não é mais mágico, nem trabalha num circo. Perdera a esperança, mas, numa casa de repouso, sem nome, continua vivendo. Shirley já veio para o plano em que estou, mas nunca a vi. Tadinha…

Dia desses, sobre meu túmulo, relembrei o que fui em vida, lendo em minha lápide uns versinhos de um poeta folguedeano que tanto me encantam. Vou lhes dizer, mas não reparem…

Aqui jaz um bom palhaço

Que, apesar da “caretice”

Desse mundo, tão sem graça

Deu graça a tudo que disse

Deu vida a tudo que é chato

O Chapeleiro de Alice!...

Que o tempo perdoe os erros

Que o Ivanildo, ou só Pimpão

Possa enfim ter cometido

Que, mesmo sendo ladrão

De mulher, dera a alegria

Da esperança a essa nação!

Ah, se o poeta soubesse quem eu queria mesmo ter roubado em vida!… Desce a lona!

Após um tempo longe da terra natal, Mariana estava voltando com o intuito de encontrar respostas e esclarecer a verdade. Ela havia deixado aquele local de forma abrupta, obrigada pelos pais quando tinha 18 anos; todavia, muitas questões ficaram mal explicadas e, por isso, ela regressava.

À medida que o trem se aproximava de Flores, local onde nascera, lembranças vinham à sua cabeça: a primeira troca de olhares, os bate-papos, os espetáculos do circo que assistiu e... o triste final! Mariana olhava para o garotinho dormindo ao seu lado e pensava: “Eu te explicarei tudo”.

Ali mesmo dentro do transporte, ela relembrava o passado...

Desde criança, eu tinha uma paixão: o circo. Toda alegria que trazia, o colorido, a criatividade, aquele certo mistério me fascinavam! Ao chegar em nossa pequena cidade uma companhia circense, quase enlouquecia meus pais para ir assistir aos espetáculos e quando ia embora, eu tinha o desejo de ir com ela. É verdade que os circos que nos visitavam eram simples, todavia o que me proporcionavam era pura emoção! Quando tinha 18 anos, um circo que esteve em Flores, marcou minha vida para sempre. Foi assim:

Certo dia, eu estava em casa lendo um livro, quando, de repente, ouvi:

Hoje tem espetáculo?

Tem, sim senhor!

Saí correndo pra janela e passei a apreciar palhaços, trapezistas, contorcionistas, malabaristas, acrobatas num belo desfile pelas ruas, ao som de uma bandinha que tocava: “Vai, vai, vai começar a brincadeira/Tem charanga tocando a noite inteira/Vem, vem, vem ver o circo de verdade/Tem, tem, tem picadeiro e qualidade...” Várias pessoas animadas, principalmente crianças, seguiam aquela passeata, dançando, cantando, aplaudindo...

Quando ia começar a aplaudir, alguém me chamou, pegando levemente em meu braço. Ao virar, deparei-me com um belo e elegante rapaz que usava uma cartola preta, paletó colorido, gravata e luvas brancas; ele entregava panfletos. Era o mágico! Olhando profundamente nos meus olhos, disse:

Vou esperar você hoje em nosso espetáculo! – estirando a mão para entregar o papel onde havia uma linda imagem do circo, seu nome e os horários dos shows.

Se eu já era apaixonada por circo, fiquei mais encantada ainda! A beleza e simplicidade daquele mágico me intrigaram. Desta forma, convidei uma amiga e fomos ao espetáculo de estreia. A magia e performance dos artistas foi incrível, mas eu só esperava o momento em que o mágico fosse se apresentar.

O número de magia foi o último e pude sentir que o mágico havia mexido comigo de uma forma diferente. Ao fim do espetáculo, quando deixávamos o circo, uma voz nos fez parar:

Você veio! Quem bom! Gostou do show?

Daí, eu, minha amiga e o mágico, de nome Marlon, conversamos até esquecermos a hora de voltar pra casa. E assim aconteceu por dias ...

Numa noite, não pude ir ao circo, por alguma razão; no outro dia pela manhã, minha mãe me chamava dizendo que havia um rapaz na porta de casa querendo me ver. Era o Marlon. Ficamos ali conversando e logo iniciamos um namoro.

Assim que meus pais souberam que eu estava namorando um artista circense, ficaram muito irritados. Me proibiram de frequentar o circo e de falar com Marlon; foi aí que passamos a nos encontrar escondido; minha amiga fazia o “correio” levando e trazendo recado, até que tivemos nossa primeira noite de amor.

Após alguns meses de namoro às escondidas, Marlon e eu achamos que era o momento de conversar com meus pais. E assim procuramos fazer: ele foi até minha casa, tentou falar com eles sobre nosso relacionamento, mas foi expulso, debaixo de xingamentos e frases do tipo:

Eu sou um advogado renomado na cidade e minha mulher é professora! Você acha que vou permitir que minha única filha namore um “cara” de circo? O que a sociedade vai dizer? Nós temos um nome a zelar!

Ficamos desolados...

Apenas dois dias depois daquela conversa mal sucedida, o circo pegou fogo! A cidade ficou em desespero, muita gente ajudou a apagar o fogo, porém muita coisa virou cinzas, principalmente a lona. Durante a tragédia, uma pessoa havia sofrido queimaduras de segundo grau no lado esquerdo do corpo. E foi ele, Marlon. Fiquei desesperada

com a notícia do incêndio e mais preocupada ainda com a situação do meu amor.

Corri até o hospital onde ele estava, na tentativa de visitálo, mas fui impedida, pois ali mesmo soube que meu pai estava sendo acusado de mandar atear fogo no circo por causa do nosso namoro.

Alguns dias depois, a companhia, com o pouco que sobrou, partiu; Marlon também se foi, sem me dá nenhuma justificativa.

Eu e meus pais também partimos de Flores logo que eles souberam que eu estava grávida de Marlon. Eu, aflita e triste; eles, temendo que os outros soubessem da gravidez. Porém, ao tomar conhecimento da nossa iminente partida, contei tudo à minha amiga, além de deixar com ela um bilhete explicando a situação para que ela o entregasse ao meu amor ou a alguém da companhia, caso aparecesse...

Nesse instante, as recordações de Mariana foram interrompidas, pois o trem parava na estação de Flores.

Além de já possuir características herdadas do pai, a paixão de Mariana pelo circo, foi passada para o filho Vítor, agora com 9 anos. A mãe já havia acompanhado o garoto a diversos espetáculos circenses, dos mais famosos aos não tão famosos que apareciam na capital, local onde passaram a residir após a descoberta da gravidez, e Vítor, mais do que amava assistir, ele queria ser um deles. Então, sua genitora o matriculou no curso Técnico em Arte Circense (escondido de seus avós), porque ele queria ser trapezista.

Entretanto, foi após completar 6 anos que Vítor sempre perguntava à mãe pelo pai; ela respondia que ele estava viajando com um circo; isso aguçava ainda mais a

curiosidade do menino que acreditava que o encontraria em algum circo que visitava.

Com o falecimento dos pais, Mariana decidiu morar novamente em Flores, na esperança de que aquele circo aparecesse na cidade, como também precisava solucionar algumas dúvidas: “Seria meu pai o responsável por aquele incêndio?” “Será que minha amiga conseguiu entregar o bilhete ao destinatário?” “Se entregou, porque ele nunca me procurou?” “Como ficou Marlon após as queimaduras?”

Já estabelecida em Flores, Mariana começou a fazer perguntas e descobriu que o incêndio ocorreu por questões políticas; a mulher ficou sabendo que o terreno onde armavam os circos estava em litígio, o prefeito da época e um importante fazendeiro local, de partidos políticos opostos, reclamavam ser dono do espaço e por isso um deles permitiu o acampamento itinerante e o outro tomou a atitude extrema. Mariana ficou chocada e sabia que os criminosos não seriam punidos tanto tempo depois (infelizmente!). Mas poderia inocentar seu pai deste assunto.

E sua amiga, onde estaria? Foi até o endereço que conhecia muito bem. Lá soube através de uma tia que fazia muito tempo que ela morava no exterior e não mandava notícias. Mariana ficou decepcionada, porque tinha a esperança de rever a amiga e confidente para esclarecer alguns detalhes. Residindo em Flores por quase dois anos, Mariana já havia estado em vários circos que passaram na cidade, mas um dia, ela soube que o circo: HOJE TEM ESPETÁCULO! havia se estabelecido ali. Quase já sem esperança de rever o pai do seu filho, Mariana decidiu ir assistir ao show sozinha, sem Vítor.

Era um circo lindo! Possuía uma lona verde e rosa maravilhosa, circulado de uma grade de ferro e de muitas luzes coloridas; dentro, havia um picadeiro enorme, bem organizado, além de oferecer muito conforto para os espectadores. O espetáculo foi belíssimo: os malabaristas manipularam bolas, aros perfeitamente, as flexões e posições da pequena contorcionista foram aplaudidas de pé, os quatro equilibristas se apresentaram lindamente, com rolos e monociclos, os palhaços fizeram todos rirem muito e alto; quando chegou a vez do trapezista se apresentar numa barra suspensa, Mariana lembrou logo do desejo do filho e aplaudiu fervorosamente. Após todos esses números, chegou a hora da última apresentação:

Respeitável público! Com vocês agora, um show de ilusionismo, arte e muito suspense, trago para vocês o Sr. M, o maior mágico da Terra!

Quando o artista entrou no picadeiro, Mariana observou que ele usava cartola preta, paletó colorido, gravata e luvas brancas e... uma máscara no lado esquerdo do rosto. Por que usava máscara? Será que fazia parte do show? Era para causar mistério? No entanto, quando iniciou seu número, Mariana percebeu que já conhecia os gestos e o jeito daquela pessoa.

Ansiosa, esperou terminar o espetáculo para tentar falar com alguém da companhia e chegar até ele, mas foi barrada. No outro dia bem cedo, voltou ao circo e pediu, quase implorou para falar com o Sr. M, pois tinha quase certeza de que era Marlon.

Depois de falar com um e com outro, conseguiu ir até a tenda onde estava o mágico. Quando ela adentrou, Marlon estava sentado em frente a um espelho de costas para a

porta e usava máscara. Mariana viu a imagem refletida e teve a certeza de que era o homem que sempre amou.

Sem dizer uma palavra, ela dirigiu-se até o rapaz, girou a cadeira para ficar frente a frente; lentamente, foi retirando a máscara do mágico que permanecia sentado e imóvel. Já com a face à mostra, o mágico tentou desviar o olhar da moça, porém ela segurou seu rosto, olhou nos seus olhos e foi acariciando o que ainda havia de cicatriz do maldito incêndio. Foi aí que os dois se abraçaram e choraram juntos. Ainda em lágrimas, Mariana perguntou:

Por que você não me procurou antes de ir embora?

Ele, emocionadíssimo e sem retirar os olhos dos dela, demorou para responder:

Como eu ia te procurar? Seu pai destruiu a vida da minha família...

Antes dele continuar, Mariana o interrompeu para explicar o porquê do incêndio. Ele entendeu e continuou:

Mas seu pai praticamente nos expulsou de Flores. Ele foi até o hospital onde eu estava, gritou alto com meus pais, dizendo que nos queria fora da cidade e bem longe de você. Como ele era um advogado poderoso, meu pai ficou com medo, decidiu ir embora e recomeçar em outro lugar bem distante daqui.

Eu não sabia de nada disso. E como vocês recomeçaram? E suas queimaduras? – quis saber Mariana.

Foi difícil! Eu precisei realizar muitas cirurgias plásticas, passei por dores físicas terríveis, mas o pior, o que me fazia sofrer bastante foi ser obrigado a ficar longe de você. Quando melhorei um pouco, meu pai decidiu encontrar formas de voltar com o circo, foi quando soube que o

Ministério da Cultura da época estava fazendo a doação de lonas para circos, ele nos inscreveu e fomos agraciados. Daí voltamos a trabalhar de forma precária, mas tínhamos um teto. E você, o que fez todo esse tempo?

Sinto muito por tudo isso! Para mim, também não foi fácil, porque fui obrigada a ficar longe de você também; fomos embora de Flores logo depois que a companhia se foi. Mas estudei, me formei em advogada. Entretanto, nunca esqueci nossos momentos... quero te fazer outra pergunta sobre aquela época: você não recebeu um bilhete que deixei com aquela minha amiga?

Bilhete? Nenhum bilhete chegou até mim. De que se tratava? – Marlon, respondeu, surpreso e curioso.

Hoje à noite, voltarei para assistir ao espetáculo e você entenderá do que se tratava o bilhete.

Os dois ainda conversaram sobre seus estudos para se tornar um grande mágico e também a respeito do novo circo; ele explicou que após o incêndio, ele e sua trupe passaram a viver um dia de cada vez, por isso o nome: HOJE TEM ESPETÁCULO! Mariana queria ficar ali ouvindo todas aquelas histórias, porém tinha urgência em ver o filho para lhe dizer que sua espera havia acabado.

À noite, após o espetáculo, Maria voltou à tenda de Marlon acompanhada de Vítor. Logo que o mágico viu o garoto, entendeu tudo. Vítor era o filho daquele amor tão grande que sentiram na adolescência que fora condenado pelos pais dela por ele ser circense. Mariana apresentou Vítor ao pai que chorou copiosamente. Depois daquela noite, Marlon, Mariana e Vítor estavam sempre juntos, no entanto, sabiam que chegaria o momento em que o circo iria partir com sua trupe.

Faltando três dias para a partida, Mariana confessou ao mágico seu desejo de partir com ele e o circo, mas Vítor precisava estudar. Como fariam? Foi aí que ele lhe esclareceu acerca da lei do deputado Tiririca que “obriga as escolas públicas e particulares a garantir vagas aos filhos de profissionais que exerçam atividades artísticas itinerantes, como os artistas de circo”.

Mariana e Vítor, consumidos pelo fascínio que tinham pela arte circense, decidiram que iriam viver com Marlon. Ela realizaria o desejo de menina de ir embora com o circo e ele, o sonho de ser trapezista

Todos sabiam que não iriam viver somente as alegrias e magias de um circo, viveriam também as dificuldades e dissabores por quais passam os artistas circenses. Mas eles tinham muita coragem e amor pela arte do circo.

Seleneeosleões

Em uma noite de lua cheia, tão clara que era quase impossível imaginar como alguém conseguiria se esgueirar pela escuridão ou que algumas horas atrás uma chuva torrencial havia caído. Um bebê foi encontrado na jaula dos leões. O circo Polar, conhecido por suas apresentações mágicas e surreais, estava coberto por um manto de mistério naquela noite. As luzes brilhantes das tendas coloridas refletiam nas poças de chuva que restavam do temporal anterior, criando um espetáculo de luzes dançantes no chão lamacento. A lona com suas listras azuis e brancas erguia-se majestosa e convidativa. Os sons do circo eram uma sinfonia caótica de risos, gritos de crianças e o rugido distante de leões. O ar estava carregado com o aroma de pipoca caramelada e algodão doce, misturado como cheiro distinto dos animais. Foi nesse cenário que Eleonor, a trapezista, encontrou o bebê, enrolado em cobertores, dormindo pacificamente entre os leões.

É um milagre Eleonor murmurou, com os olhos arregalados de espanto enquanto os enormes felinos observavam em silêncio com se guardassem o sono da pequena criança.

O bebê foi chamado de Selene, em homenagem àquela noite especial, a lua que iluminava o céu como uma esperança de que tudo ficaria bem. Ela cresceu rodeada pelos sons, cheiros e visões do circo, com leões sempre por perto como guardiões silenciosos. Desde cedo, Selene mostrou uma afinidade incomum com os animais, especialmente os leões que pareciam entender cada gesto

seu. Ela andava entre eles como se fosse a coisa mais natural que existe, como se não houvesse qualquer perigo, e eles reagiam a ela como se a considerasse um pequeno e estranho leão sem pelos e com uma juba vermelha intensa que eram os seus cabelos encaracolados.

Conforme os anos passaram, Selene treinou arduamente, determinada a segui os passos de sua mãe Helena, a lendária domadora de leões, cujo desaparecimento continuava a ser um mistério envolto em boatos e lendas. Diziam que ela havia sido levada por um feitiço, ou talvez devorada pelas próprias feras que amava. Mas Selene acreditava que os leões sabiam a verdade e que um dia eles revelariam o que havia acontecido. E que existiam feras muito mais selvagens dentro dos corações de alguns humanos.

No circo a atmosfera era encantadora apesar de todas as dificuldades, os artistas se preparavam nos bastidores, ajustando suas fantasias coloridas e polindo adereços. Selene se destacava entre eles, jovem e com olhos brilhantes, cabelo encaracolado e preso em um rabo de cavalo. Existia uma comunhão e união entre eles que parecia vinda de tempos antigos, uma alma dos velhos artistas nômades que giram o globo levando e espalhando sua arte. Em uma noite em que Selene escovava a juba de Atlas, o leão alfa, sentiu uma melancolia profunda. Aqueles olhos amarelos e penetrantes a observavam com uma sabedoria silenciosa. Ela suspirou, acariciando a cabeça do leão.

Sinto sua falta, mamãe murmurou quase como uma oração.

O velho Benjamin, o palhaço Pangaré que sempre tinha um sorriso pronto, aproximou-se de Selene. Ele havia sido

amigo íntimo de Helena e, de certa forma, era como um avô para ela.

Selene, sua mãe está sempre com você disse ele, sua voz rouca ecoando suavemente. em cada rugido dos leões, em cada aplauso da plateia. Ela te deu um presente raro: a coragem e o coração de um leão.

Eu só queria saber o que aconteceu com ela responde, sua voz tremendo levemente emocionada.

O circo é cheio de mistérios, minha pequena. Mas uma coisa é certa, sua mãe te amava mais do que qualquer coisa. E você tem um talento muito especial, Selene, nunca esqueça disso. ele disse com um suspiro.

Quando Selene completou dezesseis anos, o circo estava mais vivo do que nunca, as risadas ecoavam pelas tendas e as luzes piscavam como estrelas descendo do céu. A casa ficava cheia em cada cidade que eles passavam, obrigando até mesmo a estenderem a estadia para atender o grande número de visitantes que desejavam senti um pouco daquela áurea de magia que faziam os olhos das crianças brilhares e os adultos aplaudirem com energia. No centro do picadeiro, Selene estava pronta para sua estreia como domadora. Os leões, majestosos e imponentes, aguardavam suas ordens.

Senhoras e senhores anunciou o mestre de cerimônias apresento a vocês, a destemida Selene, a domadora de leões.

Os aplausos ecoaram sob a lona, e Selene sentiu o coração bater forte. Os leões entraram na arena, suas presenças majestosas e imponentes. Com um simples gesto de mão, Selene começou o espetáculo. Os animais selvagens obedeciam como se fossem parte de uma dança

harmoniosa com movimentos sincronizados, com os comandos da menina. Enquanto executava os truques, Selene sentiu uma presença ao seu lado. Era como se sua mãe estivesse ali, guiando e sussurrando conselhos, encorajando.

Vamos mostrar a eles o que sabemos, meus amigos sussurrou Selene, acariciando a juba do Atlas o leão mais velho. Vamos provar que podemos fazer o impossível.

O público prendeu a respiração enquanto Selene e os leões executavam uma dança magnifica, um balé de confiança e respeito. Cada salto, cada movimento, era uma sinfonia de graça e poder. Então, no clímax da apresentação, algo surpreendente aconteceu. O leão Atlas que sempre foi o mais calmo, parou bem centro do picadeiro e rugiu, um som profundo que ecoou por todo o circo. Selene sentiu uma onda de emoção e compreensão a inundar. Era como se, naquele momento, ela e Atlas estivessem conectados de uma maneira que transcendia palavras. O leão se deitou e, com um gesto de sua pata, revelou uma marca no chão, algo que Selene nunca tinha notado antes. Era um símbolo, o mesmo que estava no medalhão de sua mãe, que Selene sempre carregava consigo.

Após o espetáculo, Selene correu para a jaula dos leões com o medalhão em mãos, ao colocar o medalhão sobre a marca no chão, um compartimento secreto se abriu revelando um antigo diário, cheio de anotações e cartas de sua mãe. Ela abriu com mãos trêmulas e leu com fervor cada palavra, descobrindo que sua mãe havia sido envolvida em uma trama de intrigas. Em grande parte, eram descrições detalhadas sobre os leões, esboços de novos truques, reflexões profundas sobre a vida, a arte de domar feras e o mais importante, em uma página estava escrito um bilhete para ela.

“Minha querida filha

Se você está lendo isto, é porque os leões confiaram em você para descobrir a verdade. Eu nunca quis te deixar, mas fui forçada a fugir por razões que você merece saber. Você é filha de Jorge, o dono do circo. Nosso amor era proibido, pois ele já era casado e o escândalo de nossa relação poderia ter destruído tudo o que ele construiu. Quando você nasceu, Jorge temeu pela segurança de todos e decidiu que seria melhor manter isso em segredo. Eu fui obrigada a partir, ele prometeu cuidar de você se eu mantivesse distância. Mas ele não sabia o quanto eu te amava e que nunca te abandonaria voluntariamente. Sempre estive por perto, observando, esperando pelo momento certo para te contar a verdade. Não posso dizer muito nesse bilhete, sinto muito, o combinado é que você pense que eu morri, mas espero que um dia você descubra e nós consigamos encontrar um jeito de voltar uma para outra. Estarei com você em meus pensamentos todos os dias, te amarei até meu último momento de vida”

Sua mãe que te ama, Helena

Com uma mistura de choque e alívio, Selene chorou no fim da leitura. Sua mãe a amava e tinha sido forçada a fugir para protegê-la. Todas as dúvidas que sentiu ao longo da vida se desfaziam aquele momento; ela sentia dentro do peito que sua mãe a amava, mas ter certeza causava uma paz como ela nunca havia sentido antes. Jorge, o homem que sempre conhecera como uma figura distante e autoritária, era seu pai. Ela sabia que precisava confrontálo, mas também sabia que precisaria de toda a coragem que herdara de sua mãe para enfrentá-lo. Na manhã seguinte

ela resolveria isso. Procurou Jorge em seu escritório, ele estava cercado de mapas e documentos do circo.

Precisamos conversar disse com a voz firme.

Jorge levantou os olhos surpreso com a forma firme com que ela falou com ele, percebendo fogo em seus olhos.

Sobre o que, Selene? disse se ajeitando na cadeira.

Sobre isso, e sobre o que realmente aconteceu com minha mãe. ela colocou o diário aberto na página onde sua mãe escreveu o bilhete para ela. Jorge empalideceu no mesmo momento. Ele sabia que esse momento chegaria, mas não estava preparado para encará-lo.

Selene, eu... começou ele, mas ela o interrompeu.

Você me deve a verdade, Jorge. Você me deve a verdade como pai.

Ele a olhou com os olhos arregalados. Ele não tinha filhos em seu casamento. Era a primeira vez que ouvia alguém o chamando de pai. Por um momento ele ficou em choque, emocionado e orgulhoso. Ele tentava não demostrar nenhum afeto por ela, por medo de que alguém descobrisse a verdadeira natureza de sua ligação com aquela menina. Mas a viu crescer com os olhos atentos, percebendo a pessoa maravilhosa, corajosa e brilhante que ela se tornava ao correr dos anos. Permitiu que um sorriso aparecesse em seus lábios. Ela ainda era apenas uma criança, mas naquele momento, em sua frente, era uma mulher decidida e a procura de respostas.

Sim, é verdade, sua mãe está viva. Ela nunca perdeu o contato, eu a mantenho informada sobre você. ela estava na sua primeira apresentação e ficou muito orgulhosa, você

é ainda mais brilhante do que ela jamais foi, os leões parecem reconhecer você como um deles.

Eu quero toda a verdade. ela disse direta e com convicção. Havia esperado demais pela verdade, queria saber de tudo de uma vez.

Esse circo é herança da minha mulher, se ela soubesse de tudo, teria me deixado e todos do circo seriam despedidos, pois sou eu quem o mantem de pé. Ela não tem interesse nenhum pelo ramo e por ela, vendíamos tudo e teríamos uma vida movimentada em alguma cidade grande. Por isso, ela não pode saber.

Mas precisava tirar a minha mãe de mim? Era só esconder que você é meu pai, você tem feito isso muito bem por todos esses anos.

Jorge sentia a dor naquelas palavras e sentia vergonha por ter sido um covarde. Poderia ter lutado por ela e por sua mãe, o verdadeiro amor de sua vida. Mas a ganância havia vencido, e ele havia usado a desculpa do medo, a desculpa de estar fazendo aquilo por todos, como um sacrifício de sua felicidade para um bem maior. Porém, notar a sua filha, para quem ele não passava de um estranho, um traidor, dizer aquelas palavras, ele entendia o grande erro que havia cometido.

Minha esposa estava desconfiada. Eu tive que mandar sua mãe embora. Mas ela não tinha como se manter, muito menos como cuidar de um recém-nascido. Fingimos a sua morte para que você pudesse ficar e eu pudesse cuidar de você. Eu nunca te deixei faltar nada.

Você me deixou faltar amor. ela disse com os olhos sofridos, mas secos. Havia prometido a si mesma que não

choraria na frente daquele homem. eu quero me encontrar com ela.

Se você for, não pode voltar. Vai ter que deixar os leões.

dizer aquelas palavras doíam nele, e percebia que doíam ainda mais nela. No entanto, para ele era tarde demais. Ele sabia o erro que havia cometido, mas teria que conviver com sua escolha pelo resto de sua vida. Ele continuaria um covarde até sua morte.

Selene sentiu um peso em seus ombros como nunca havia sentido antes. Ter sua mãe de volta era ter que escolher entre ela e aqueles que foram sempre sua verdadeira família. Ela olhou para aquele homem pequeno em sua frente e nunca havia sentido tanto desprezo de alguém.

Você não mudou nada em todos esses anos, continua um homem mesquinho. Sua boca tinha um gosto amargo e desagradável ao dizer essas palavras.

Ele colocou um papel na mesa como o endereço e o número de celular de Helena.

A escolha é sua. Jorge sentiu que não tinha mais salvação.

Pegando o papel nas mãos, Selene se virou e saiu, sentindo uma total desconexão com aquele homem que deveria ser seu pai. Ficou olhando aquela folha pensando em quantas vezes sonhou em ouvir a voz de sua mãe, quantas histórias imaginárias idealizou em sua mente por todos aqueles anos. Algo em seu coração dizia que não podia desistir. Foi até a jaula dos leões e se sentou entre eles como costumava fazer, era seu lugar favorito no mundo. Pensar em abandonar aquela vida, aquele mundo mágico em que havia crescido, parecia algo impossível. No entanto, seu maior sonho havia se realizado, sua mãe estava viva e ao

seu alcance. Devemos ter cuidado com o que pedimos. Com as mãos trêmulas ela discou o número, do outro lado da linha uma voz que lembrava a sua, respondeu.

Até quem enfim você chegou.

Nocrepúsculodamagiado circo

Em certo dia de verão, no crepúsculo poeirento, de uma estrada solitária, surgia um circo itinerante, como um oásis de magia e mistério, o “Aurora Mágica Circus”, que encantava cidades, lugares inóspitos, desconhecidos, do cidadão comum, dirigia-se a uma cidade, chamada “Cornucópia”, no estado de “Paraná-açu”, a qual era famosa pelas suas múltiplas diversões e onde a própria população amava o circo. É um circo recheado, pelos mais diversos artistas, desde os seus malabaristas habilidosos, aos trapezistas corajosos, aos cuspidores de fogo destemidos, às bailarinas acrobáticas de tecidos, encantadoras, aos contorcionistas, com a sua flexibilidade, aos mágicos místicos e aos seus palhaços divertidos.

O “Aurora Mágica Circus”, tinha como seu anfitrião, Norman, o mestre de cerimónias, de aparência enigmática e imponente, usa roupas elegantes e escuras, como um casaco longo preto e um chapéu de cartola em dourado, que cobre os seus cabelos compridos, cor de carvão, acompanhado por sapatos dourados em verniz e na sua mão esquerda, um bastão de comando decorado com joias. O seu rosto é sombreado por uma máscara dourada, com os seus padrões intrincados, como símbolos mágicos, de fantasia. Os seus olhos são profundos e penetrantes, transmitem uma aura de mistério e poder. Os seus movimentos são graciosos e controlados, com uma postura ereta e uma presença magnética que prende a atenção de todos ao seu redor. A sua voz é suave e

melódica, mas também possui um tom autoritário, que deixa claro que ele é o mestre do espetáculo. É o responsável por apresentar os números e artistas do espetáculo, interagir com o público e manter a energia e o seu ritmo, quando afirmava: - “Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor!”;

Apesar de não ter mais animais nas suas apresentações, a sua presença é hipnotizante e cativante, fazendo com que todos os espetadores fiquem ansiosos para descobrir os segredos que ele guarda. Ele é o guardião dos mistérios do circo, e a sua fisionomia reflete o poder e a magia do circo sob o pano mágico. Norman também é o dono do circo, é um homem preenchido pelo sonho de continuar a despertar os interesses mais misteriosos, perante a curiosidade do ser humano.

Tinha dedicado a sua vida ao circo, para que se mantivesse viva a tradição circense. Ele acreditava que o circo era um lugar mágico, onde as pessoas podiam esquecer os seus problemas e maravilhar-se com as acrobacias mais incríveis e os truques mais surpreendentes, dos seus fabulosos artistas.

Um dos artistas mais talentosos do seu circo, é o malabarista Marcus, um jovem, bem constituído, estatura alta, rosto quadrado, olhos claros, do azul do céu, boca de lábios finos, cabelos compridos, entrançados, num tom vibrante, alourado, percorrendo os ombros, caindo pelas costas. Possui uma aparência extravagante e colorida, com trajes chamativos e acessórios brilhantes, como uma camisa de mangas compridas em tons vibrantes, com tons vermelho, amarelo e azul. E por baixo, uma camisa ajustada num tom mais neutro, em branco, usando umas calças com lantejoulas. Nos seus pés, sapatos confortáveis e flexíveis, ideais para realizar os movimentos acrobáticos

necessários para o seu malabarismo. O seu rosto costuma ser maquilhado de forma exagerada, com tintas coloridas e desenhos elaborados que realçam os seus olhos e o seu sorriso. A sua expressão facial é geralmente alegre e exuberante, transmitindo energia e entusiasmo. Tem uma postura ereta e confiante, demonstrando habilidade e destreza nos seus movimentos. As suas mãos são ágeis e precisas, capazes de realizar acrobacias e manipulações de objetos com mestria. Marcus é ambicioso, destemido, sonha tornar-se o melhor malabarista do universo circense.

Ele pratica incansavelmente todos os dias, realizando performances de equilíbrio de objetos, como bolas, clavas, aros ou facas. Ele lança, pega e manipula esses objetos de forma habilidosa e impressionante, criando padrões e movimentos complexos.

Muitas vezes entrando no exagero, excedendo os limites do razoável ou do normal, procurava a perfeição em cada movimento, nunca demonstrava qualquer tipo de cansaço e a sua dedicação era admirada por todos.

Marcus tinha uma paixão assolapada e secreta, pela trapezista principal, Sofie uma bela e graciosa artista, que parecia flutuar no ar, durante as suas apresentações, com as suas incríveis acrobacias. Eles mantinham o seu romance em segredo, temiam qualquer tipo de desaprovação do resto da trupe, ou do próprio Norman. Mas o amor que sentiam um pelo outro, era tão intenso que nada mais importava, nem as próprias contrariedades dos seus colegas ou da vida.

Sofie possui uma face redonda, olhos cor de mel, penetrantes e expressivos, sorriso radiante nos seus lábios finos, cabelos longos, de cor castanha, presos numa cascata de cachos, adornada com uma tiara reluzente, um corpo atlético e extremamente flexível, que exibe uma postura

elegante e transmite alegria e confiança. Geralmente veste trajes coloridos e brilhantes, com uma maquilhagem elaborada e artística, destacando os seus traços faciais e realçando a sua expressividade. E por fim, os seus brincos e acessórios chamativos, que brilham e reluzem sob as luzes do circo, o collant justo e sem mangas, decorado com lantejoulas, pedras semipreciosas e penas, adicionando um toque de glamour. Nas pernas, usa geralmente os seus collants transparentes, com padrões brilhantes, acompanhados pelas sapatilhas de ballet. Além disso, muitas vezes usa luvas de renda, braceletes brilhantes e um cinto decorado.

Nem tudo eram flores, ou diamantes, também havia alguns espinhos. Existia uma rivalidade intensa, entre Marcus e o palhaço René, também um artista talentoso, mas de certa forma, invejoso perante o sucesso do malabarista.

René é um jovem alto, entroncado, face redonda, olhos verdes, lábios grossos, devido à sua ascendência maia, pela parte da mãe, cabelos compridos, pretos, bafejando os seus ombros largos. Era o palhaço rico, vestia sempre, um traje extravagante e luxuoso, que refletia a sua alta posição na sociedade circense. Ele usava um casaco colorido feito de tecidos finos e brilhantes, com seda e veludo, com detalhes em ouro e prata. O casaco era adornado com botões reluzentes e bordados bem elaborados, as calças de listras em tecidos contrastantes, um chapéu decorado com penas coloridas e uma flor vermelha na lapela. Ele também usava luvas brancas impecáveis e sapatos de couro polido, com biqueira de metal e para adicionar um laço de cetim.

René passava os seus dias a tramar uma maneira de humilhar Marcus, e provar que ele é que era o verdadeiro destaque do recinto.

O mágico Ruben, sempre foi um dos fiéis amigos de Marcus, que sempre o avisou de que algo de estranho se passava com o René, contudo Marcus, nunca lhe deu ouvidos ou a atenção necessária. Era também um jovem, de tez morena, olhos castanhos, brilhantes e expressivos, sorriso enigmático, que revelava uma aura de segredo e magia, cabelos longos e desgrenhados, de cor prateada, adornados com um chapéu extravagante. Tinha uma barba cerrada e bem cuidada, em formato de pera. Normalmente, o seu traje era colorido e exuberante, composto por casaco de cauda, colete, camisa rendada, calças justas e botas de bico fino, acompanhado por acessórios chamativos, como anéis em todos os dedos, pulseiras e colares com pedras preciosas e símbolos místicos. A sua maquilhagem sempre bem elaborada, com especial destaque, para as sombras escuras nos olhos, lábios vermelhos e pinturas faciais, que remetem a símbolos celestiais. Tinha sempre uma postura elegante e altiva, transmitia confiança e domínio sobre os seus truques e encantamentos.

Numa noite, de céu estrelado, durante uma apresentação especial, para uma cidade cheia de espetadores, em que tudo parecia correr da melhor forma, se tornaria numa noite fatídica.

René com o seu ciúme e inveja à flor da pele, quis prejudicar a atuação do trapezista principal, sabotou as cordas, cortando parte delas. O que fez com que Sofie, ao empoleirar-se, perante os olhos da assistência e dos artistas, caísse em turbilhão, durante a sua acrobacia mais arriscada. Esta tragédia causou um enorme choque no circo, o público levantou-se, e de pé viu Sofie tombada no chão, que libertava gemidos de sofrimento e dor, o espetáculo tinha parado, mas ninguém reclamava, uma onda de tristeza se espalhava entre os artistas e o público. No imediato, a assistência paramédica acorreu, foi tudo

numa fração de segundos. Marcus estava arrasado, a sua mente era afunilada pelo desespero. Sentia-se culpado pelo acidente, por não proteger a sua amada. Após a levarem, destroçado, afastou-se e refugiou-se na sua roulotte.

O espetáculo iria continuar naquela cidade, mas os dias iam passando, ele não comia, nem sequer dormia, afogava-se na mágoa, consumido pela culpa e dor. Enquanto isso, no hospital, Sofie recuperava-se lentamente, cercada pelo carinho dos médicos e enfermeiras, dos seus colegas e amigos do circo, e debaixo da preocupação de Norman, que a visitavam todos os dias. Mas faltava alguém, que lhe era muito querido, que não conseguia ter capacidade mental para a visitar.

O circo continuava com as suas apresentações, mas a magia e o mistério, pareciam ter-se dissipado. Os espetadores não conseguiam mais se encantar, com os truques e malabarismos dos artistas.

Marcus não fazia parte do elenco, não conseguia atuar e o clima de tristeza e desânimo pairava sobre o ar, como uma nuvem negra a ressaltar. Foi então, que Norman decidiu reunir todos os artistas, para uma reunião de emergência.

Ele lembrou-os da importância, que tinha a união e a solidariedade no seu circo, e pediu que deixassem de lado as suas diferenças e ressentimentos. Deviam unir-se em torno do amor pela arte circense, e tudo isso podia contribuir para uma recuperação rápida de Sofie e uma reviravolta na cabeça do próprio Marcus. Norman após a reunião, dirigiu-se à roulotte de Marcus, e numa conversa amena, conseguiu finalmente levá-lo à razão. Este decidiu sair do buraco da tristeza, fez com que ele enfrentasse os seus medos, e procurasse Sofie no hospital.

Marcus decidido e apoiado por Norman, encontrou a sua amada, deitada na cama do hospital, frágil, mas determinada na sua recuperação e decidida, para poder voltar ao circo.

No seu encontro, e diante dos olhos de Norman, que o havia acompanhado na sua demanda amorosa, os dois se abraçaram e prometeram nunca mais se afastar um do outro, em momento algum, fortalecidos pelo amor que sentem.

O palhaço René, apesar de tudo, nunca foi descoberta a sua trama, contudo alguma vez a confessou e, arrependido por ter tido essa ação, pediu perdão a Marcus e jurou se redimir nas suas atitudes. Ele sem se declarar culpado, a sua redenção foi dedicar-se na ajuda a Sofie, na sua reabilitação e os três artistas tornaram-se mais unidos do que nunca. Demonstraram que a verdadeira magia, estava no perdão e na superação das adversidades.

Com o passar do tempo, o circo reergueu-se, mais forte e unido. As apresentações voltaram a encantar o público, que agora aplaudia de pé as incríveis acrobacias e os truques surpreendentes dos seus artistas.

O circo continuou a encantar pequenas cidades por onde passava, levando a magia e a alegria a todos os que tivessem a sorte de testemunhar a sua arte circense, com a alegria e a emoção que envolvem esse universo tão mágico.

No circo, a magia era real, não existia apenas nos truques espetaculares dos seus malabaristas, na audácia dos seus cuspidores de fogo, na destreza dos seus acrobatas, nas suas bailarinas acrobáticas, nos seus contorcionistas elásticos, nos seus mágicos arrepiantes ou nos seus palhaços engraçados, mas em cada sorriso estampado no

rosto das crianças, que assistiam maravilhadas a um espetáculo renovado.

É como se um feitiço de alegria e encantamento, pairasse sobre a longa e alta tenda de lona colorida. Agora, as luzes coloridas dançavam no ar, criando um espetáculo de cores que brilhavam como estrelas, no céu noturno. Em que o vento soprava suavemente, fazendo as bandeirinhas trémulas de graciosidade. O cheiro da pipoca e do algodãodoce, enchendo o ar, despertando uma forte vontade de a todos deliciar.

Norman tinha uma misteriosa inspiração, que segundo dizia, era o seu condão e voltava com à ribalta e consigo a boa energia da luz dos holofotes, e assim voltava de novo a dizer:” Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor!”;

Os palhaços, apareciam com René na sua dianteira, todos apresentavam novas roupas, estas extravagantes e narizes vermelhos berrantes, apareciam saltitantes pelo recinto, arrancando cada gargalhadas da plateia.

E no centro do espetáculo, Norman o mestre de cerimónias anunciava a próxima atração, com entusiasmo e autoridade, que lhe é peculiar, conquistando a atenção de todos os presentes.

Era a vez do mágico, Ruben, cheio de mistério, com novos truques, que pareciam desafiar as próprias leis da física. Em que o suspense, toma conta do ambiente, e a plateia prende a respiração, ansiosa pelo que está para vir. Com um estalar de dedos e um piscar de olhos, a magia acontece. Já recuperada, Sofie, a trapezista principal, voa pelos ares, realizando as suas acrobacias, impossíveis para nós, mas em nada complexas para uma boa profissional, admirada por todos.

Os cuspidores de fogo, com a sua astúcia, cospem chamas, de glória, desafiando a sua própria integridade e os palhaços fazem todos rirem, com as suas trapalhadas, intervaladas pelos restantes atos artísticos. Os contorcionistas, com a sua habilidade de realizar movimentos corporais flexíveis e extremamente complexos, muitas vezes parecendo o seu corpo feito de borracha. Capazes de se torcer, dobrar e esticar, de maneiras impressionantes, muitas vezes parecendo quase inacreditáveis. Estes são frequentemente destaque em atuações deste circo, adicionando um elemento de grande flexibilidade e destreza aos espetáculos.

Não esquecendo a música libertada no ar, a cortejar o próprio recinto iluminado, em que a magia se faz presente de uma maneira intensa, transformando o simples ato de assistir a um espetáculo, mas uma experiência inesquecível e de emoção flagrante. Pois neste circo, a sua energia fulminante, está em todos os seus cantos, pronta para surpreender e encantar o público, a cada instante.

O circo é mesmo assim, impulsiona nos nossos neurónios, a sua eficaz influência, determinando aquilo de que é capaz, para dar alegria, no seu mais belo espanto.

AJustiçaCircense

Silas Bicca

O gabinete do prefeito de Bananais localizava-se no final do corredor do segundo andar da sede da prefeitura. Apesar da população da cidade ser composta em sua maior parte por pessoas simples - empregados das lavouras, das minas e pequenos comerciantes - o recinto do chefe do poder executivo municipal possuía pompa e aparato dignos de receber sob o seu lustre os fazendeiros ricos, os donos de mineradoras e os políticos regionais. Quando Dona Jacinta, secretária do prefeito, anunciava a chegada de algum destes figurões, Guirlando de Oliveira aprumavase na cadeira revestida de couro e tratava de assumir ares de quem mentalizava sobre os rumos políticos e econômicos do município. Os ilustres visitantes fingiam acreditar que ali estava um probo homem público, capaz de lidar com planejamentos complexos e dotado de mente humanista. Era um fingimento descarado, pois a fama sobre a indigência mental de Guirlando ultrapassava os limites das paredes da prefeitura, sendo de conhecimento geral que o medíocre mandatário somente se ocupava de cumprir as ordens da mulher, uma matrona ríspida e grosseirona que só pensava em viagens e compras.

O expediente mal havia começado e Dona Jacinta já deixara em cima da mesa o primeiro documento do dia para assinatura: uma autorização para que o Circo Marmelo levantasse as lonas em um terreno desocupado, pertencente à prefeitura. Guirlando não gostava de circo. Achava que aqueles artistas itinerantes mais pareciam vagabundos e sentia-se incomodado com a presença de

gente muito diferente do usual. Além disso, não geravam lucro nem eram dignos de dar um bom lobby. Aquele tipo de circo pequeno e provinciano só servia para arrancar risadas de crianças pobres e encher os bares da cidade com todo o tipo de artista cachaceiro e exótico. Guirlando já ia embolar o papel e deixar o circo sem resposta quando as portas do gabinete se abriram num estrondo e a tempestuosa e larga silhueta da primeira-dama municipal rompeu o ambiente. Dona Neide de Oliveira, trajando um vestido roxo e espalhafatoso, puxou uma cadeira e começou a desfiar o seu rosário de prioridades.

Guirlando, precisamos trocar todos os móveis da sala e dos quartos. No mês que vem a Nininha, que é minha prima casada com o desembargador, vai vir nos visitar e você acha que eu tenho coragem de receber com aquelas coisas fora de moda que deixam a nossa casa parecida com uma tapera?

O prefeito, já recomposto do susto que a entrada agressiva lhe causara, cometeu o erro de argumentar: – meu amor, trocamos todos os móveis no ano passado, não se lembra?

O questionamento custou caro. Dona Neide se levantou e andou na direção do marido enquanto riscava o ar com as palmas e cotovelos, num frenético gesticular de quem poderia até mesmo chegar às vias de fato.

Guirlando! Você virou prefeito dessa porcaria de cidade de fim de mundo não foi para ficar economizando com detalhes! Sei muito bem que as suas contas andam cheias e as mesadas dos empresários continuam pingando sem parar! Você quer que eu continue gritando essas coisas ou vai soltar logo essa mixaria na minha mão!

Guirlando olhou para os lados constrangido e preocupado, pois morria de medo dos ataques de raiva da esposa.

Lembrava-se também, com calafrios, da história de um conhecido seu, deputado muito votado na região, mas que perdera a reeleição depois que a mulher, contrariada com os boatos acerca de uma amante, alardeara para os quatro cantos as falcatruas do marido. Guirlando tinha o rabo preso e morria de medo de Dona Neide.

Claro querida, falei só por falar, pode pegar com a Dona Jacinta o cartão da prefeitura!

Enquanto o marido se acovardava e oferecia o cartão de crédito capaz de restaurar a paz conjugal, Dona Neide fixou os olhos no ofício do circo que estava em cima da mesa.

O que é isso, Guirlando?

O prefeito, sem dar muita atenção ao assunto, respondeu: Não é nada meu bem, é apenas um pedido daquela gente de circo para poder erguer as lonas lá naquele terreno vago na entrada da cidade. Não vou nem responder. Cambada de marmanjos à toa!

Dona Neide olhou furiosa para o marido.

Como você pode ser tão burro? Não vê que faltam poucas semanas para as eleições e você quase perdeu a última por falta de votos entre os mais pobres? Se não fosse a distribuição de cesta básica e de material de construção na última hora você perdia!

O prefeito, que não era muito perspicaz, tinha um vazio no olhar. Dona Neide continuou: – idiota, não vê que isso é propaganda gratuita? Deixe esses maltrapilhos armarem o espetáculo! Já sabemos que o povão comparece em peso nesse tipo de coisa e aí vai ser a sua oportunidade de estar lá e fazer promessas!

Guirlando não disse mais nada, passou a mão na caneta e assinou o ofício que autorizava o circo. Antes que concluísse a rubrica, Dona Neide já havia deixado o recinto, apressada para adquirir os móveis e itens que vira nas revistas e passara a cobiçar.

O final de setembro trouxe uma primavera quente de céu rajado por brisas mornas que moldavam nas nuvens rabos de galo e prados angelicais. Zé Marmelo descia a marreta nas estacas de modo a fixa-las no chão de terra. Amarradas nas primeiras hastes fixadas, as cordas emendadas nas lonas logo dariam forma à imensa tenda do Circo.

O Circo Marmelo não era um circo rico, desses que se pode ver até na televisão, mas era composto por artistas talentosos, capazes de extrair sustos, risos e emoções do público. Era um espetáculo antigo, fundado pelo avô de Zé Marmelo, e a maior parte dos integrantes eram filhos ou netos dos artistas fundadores. Havia o mágico Marcel, mestre dos truques com cartas e espadas, especialista em adivinhar se o ás de copas era a escolha do público, além de ser apto a atravessar as caixas com as suas espadas, sem ferir a moça bonita que dentro se escondia. Havia também as irmãs Giro e Giralda, trapezistas intrépidas, que obtiveram no passado seus quinze minutos de fama ao salvar de um incêndio, no quinto andar de um prédio, três crianças que dormiam enquanto os pais trabalhavam. Os palhaços Quindim e Beterraba eram os mais aclamados.

As crianças, em lágrimas, se contorciam de rir com as maluquices da dupla, que além de levar tombos ridículos, cantava e dançava ao som de um macaco tocador de sanfona. O circo não possuía bichos, pois graças a um dos raros lampejos de bom senso, a prática de exploração animal fora abolida. A exceção ficava por conta do macaco Nero que se juntara à trupe por livre e espontânea vontade.

Durante a temporada em que o circo se instalara na capital, nas proximidades do zoológico municipal, Nero ludibriara os vigias noturnos e escapara.

Na época muito se alardeou sobre o sumiço do macaco, entretanto o dia de partida do circo chegou e nenhum artista notou que Nero se escondera no trailer de Zé Marmelo. Após percorrer quilômetros e quilômetros de estradas, muitas vezes lentas e poeirentas, o macaco teve tempo de sobra para convencer Zé Marmelo a deixá-lo ficar.

Nero era muito esperto e sabia coar um bom café. Além disso, aprendera a tocar sanfona e era ágil ao recolher as moedas extras que os espectadores cismavam de arremessar para dentro de seu gorro verde, que era retirado da cabeça com reverência para receber os centavos, enquanto os presentes achavam graça. Tião Maromba, que nos espetáculos era apresentado como “o homem mais forte da Terra”, ajudava Zé Marmelo a esticar as cordas e fazer com que as lonas subissem. Os dois conversavam enquanto puxavam e suavam.

Zé, eu pensei que a prefeitura não ia liberar o terreno pra gente montar o circo, ouvi dizer que esse prefeito é um baita de um trouxa! Parece milagre!

Milagre nada Tião! Deixa de ser bobo! A eleição tá chegando e ele já me “cantou” pra ceder um tempo no final do espetáculo para falar com o público.

Então tá explicado, só assim mesmo pra político preocupar com diversão do povo! Vai aproveitar a alegria dos trabalhadores sofridos pra prometer pão e pedir voto!

Isso aí não vai mudar Tião, e puxa com força porque daqui a pouco o sol vai descer e basta a noite mal aparecer

que o povo já vem beirando o circo. Continua puxando e pede pro Joãozinho te ajudar que eu vou conferir as barracas de pipoca e amendoim!

A noite apareceu suave e fresca e o céu ficou limpinho de nuvens. Algumas estrelinhas ali, outras acolá, começaram a enfeitar o cenário. As lanternas e bandeirolas coloridas eram chamativos da alegria e logo o povo da cidade começou a brotar. Casais jovens feitos de um rapaz sério de bigode acompanhado de uma moça de vestido florido. Casais de idosos em que os bigodes já branquearam e o vestido florido da outrora moça risonha aparentava mais remendado e preenchido. Crianças aos montes, barulhentas e espoletas, em uma correria que desembocava em alguma das barracas de doces. Era a gente humilde da cidade que pagara poucas moedas na bilheteria improvisada para que uma noite diferente pudesse trazer magia e leveza a suas vidas sofridas e tantas vezes atropeladas pela rudeza do mundo e a injustiça dos homens. Uma menina de cabelos encaracolados, agarrada às saias da mãe, apontava para os pirulitos docinhos e brilhantes, enrolados em papel multicor, espetados numa bolota de isopor.

A mãe, constrangida, murmurava baixinho: hoje a mamãe não pode, vamos achar um lugar para sentar, para podermos ficar bem perto dos palhaços! A menina boazinha e compreensiva assentiu com um gesto feito com a cabecinha e ambas rumaram para o acesso às arquibancadas. Zé Marmelo que passava perto, ouviu o pedido da criança, não pensou duas vezes e passou a mão em dois grandes pirulitos, as alcançou e após pedir a autorização da mãe, entregou-os à menina, fazendo brilhar os olhinhos infantis ao contemplar os desejados doces.

Aqui está menina! São um presente do Circo do Marmelo pra você!

Deus lhe pague moço, respondeu a mãe agradecida.

As arquibancadas se encheram e a diversão começou. Após a tradicional apresentação, declamada com esmero por Zé Marmelo, o mágico Marcel deu início ao deslumbramento esperado. Naquela noite havia muito mais público do que de costume. Talvez fizesse muito tempo que nada de interessante e divertido chegasse à Bananais. Ou talvez houvesse a conjunção dos fatores “início de mês” com “dia de domingo”. O fato era que a casa estava cheia e Zé Marmelo esfregava as mãos, contente ao imaginar o quanto o lucro seria bom. Outro que se satisfazia à beça com a abundância de público era o prefeito, que junto da esposa sentara-se em local de destaque, ansioso para que o show se encerrasse logo, para poder passar a mão no microfone e cantarolar suas bravatas e promessas. Marcel jorrava as cartas de baralho de onde menos se esperava. Quando se achava que nada mais havia para surpreender, o mágico fazia brotar pelas orelhas, rosas verdadeiras com pétalas rubras e caules espinhosos. Depois de arrancar palmas e gritos de crianças e adultos, foi a vez das irmãs Giro e Giralda cortarem os ares com suas manobras arriscadas no trapézio. Saltos mortais, piruetas aéreas, giros descomunais e quando a plateia tinha por certa a queda e o desastre mortal, as irmãs se encontravam no meio de um voo, suas mãos se tocavam e de repente a paz estava reestabelecida. Malabares voaram. Bambolês percorreram as cinturas das bailarinas.

Lágrimas desceram dos olhos dos espectadores mais emocionados e as crianças que ali estavam guardaram aqueles momentos na memória enquanto viveram. Para encerrar a festa, os palhaços Quindim e Beterraba foram

obrigados, às pressas, a solicitar ao anão Joãozinho que tocasse a sanfona para que dançassem e fizessem suas traquinagens. O motivo do improviso era o sumiço do macaco Nero, que desde o fim de tarde não aparecera para exercer suas funções de tocador de sanfona. Como os palhaços eram bons improvisadores, as gargalhadas foram arrancadas sem dificuldade e o fim das apresentações ficou coroado de alegria.

Era chegado o momento que Guirlando e Neide esperavam e a razão pela qual estavam ali, próximos a tantos pobres felizes que se esbaldavam naquela diversão popular. O prefeito tomou a mulher pelo braço, se aproximou do picadeiro e visualizou Zé Marmelo que lhe estendia o microfone. A primeira-dama, orgulhosa e vestida com o seu mais novo vestido de babados, cor-derosa, postou-se altiva e de nariz em pé, ao lado do marido. Como alguns mais apressados se levantavam para ir embora, o angariador de votos advertiu: – senhoras, senhores, peço apenas alguns minutos de atenção. Todos aqui me conhecem e sabem o quanto eu prezo pelo povo dessa cidade. Durante o tempo em que tenho a honra de ser prefeito, fiz muita coisa boa para Bananais. No ano passado contratei os cantores mais famosos para a Festa da Banana, sem medir preço para que o povo pudesse ouvir música, comer e beber à vontade. Também criei muitos empregos ao trazer para cá a mineradora e a companhia agrícola. Por minha causa, o posto de saúde às vezes tem médico e a merenda escolar passou a ter bolachas todos os dias.

Enquanto o prefeito e a primeira-dama se exibiam e jogavam na cara dos eleitores as supostas benfeitorias, o macaco Nero, de modo sorrateiro, terminava de entornar goela abaixo os últimos goles de uma garrafa de aguardente que furtara no camarim dos palhaços. Nero nunca fora um

macaco muito macaco, na verdade sua desenvoltura e inteligência fizeram com que o símio ganhasse costumes muito parecidos com os dos artistas do circo. Há alguns meses adquirira a mania de tomar grandes doses de cachaça e se divertia muito com isso. O que ninguém poderia prever é que naquele dia de estreia, Nero cometera um exagero e bebera muito mais do que estava acostumado.

O resultado foi um macaco enlouquecido que atinou para um plano vil, cuja execução poucos nesse mundo teriam a coragem de proceder. O macaco bêbado passou a mão em uma grande lata de tinta branca, que estava largada no trailer de materiais, e com a agilidade de macaco, combinada com a ousadia de bêbado, subiu pelas cordas que davam acesso ao cume da lona do circo, bem no alto. Ao chegar neste ponto, Nero colocou a lata de tinta debaixo do braço, percorreu a corda utilizada pelo equilibrista e conseguiu se ver acima do centro exato do picadeiro, justamente no ponto em que o prefeito e a sua antipática dama tentavam angariar os votos populares. A essa altura dos acontecimentos, o público não prestava mais a mínima atenção no que o político dizia. Com os olhares voltados para a perícia exibicionista de Nero, dava risadas gostosas. As crianças pulavam e acenavam para o macaco, como se estivessem malucas de vontade de vê-lo mais de perto. Os últimos a perceberem o que estava acontecendo foram os dois interesseiros, e isso apenas no momento em que o macaco virou a lata e o casal, tido como o mais importante da cidade, se viu coberto de tinta branca. O prefeito passou a xingar palavrões horríveis que fizeram as mães tapar os ouvidos das crianças. A primeiradama gritava e sapateava enquanto tentava remover com os dedos a gosma branca dos olhos.

A plateia vibrou ensandecida e o circo quase veio abaixo com tantos gritos e risadas. Era a forra! Bem-feito! Pelo

menos um dia o pobre estava feliz e os patrões ridicularizados! Assim que conseguiram tirar a tinta dos olhos e andar, o casal deixou o picadeiro e sumiu dali, debaixo de troças e vaias. Zé Marmelo resolveu não repetir o espetáculo em Bananais e durante a madrugada, juntamente com Tião Maromba, desmontou o circo e sumiu rumo a próxima cidade. Nero prometeu a Zé que nunca mais passaria nem perto das garrafas de aguardente.

Guirlando não foi reeleito e alguns meses mais tarde foi preso acusado de corrupção. Dona Neide foi obrigada a trabalhar pela primeira vez na vida e arranjou um emprego numa loja de brinquedos, mas não durou muito tempo lá e foi demitida porque surtava todas as vezes em que uma criança demonstrava preferência por um boneco de palhaço ou macaquinho de pelúcia. O povo de Bananais continuou pobre e sofrido, mas, mesmo assim, talvez houvesse algo de sublime na justiça circense.

Eunãofiznada

Tiago Malta A.K.A Miçanga!

Em uma cidade onde o cinza do concreto e o silêncio das almas dominavam, viviam pessoas que eram como sombras, crucificadas pelo sistema opressivo que as cercava. Eram surradas pelas exigências da vida, massacradas pelas expectativas alheias e amordaçadas pelas regras que lhes roubavam a voz.

Eles caminhavam cabisbaixos, aceitando o peso de um mundo que lhes dizia que sonhar era inútil. "Poesia é pouca! Arte é pouco!" - ecoava nas ruas vazias, um mantra de desesperança que se infiltrava nos corações e mentes.

Mas havia uma história não contada, sussurrada nos becos e cantada pelos ventos. Era a história de quem ousava mentir para ser amado, de quem escolhia esquecer para ser lembrado. Eram os artistas, os poetas, os sonhadores que, em meio à opressão, encontravam brechas para colorir o mundo com suas verdades e memórias.

Eles pixavam seus versos nas paredes cinzentas, nos bancos dos parques e dançavam de madrugada. Entre eles, caminhava um Oni que foi enviado por Vairocana, ele trazia consigo a promessa de renovação. Com cada sopro de sua respiração, ele inspirava os artistas a criar e os sonhadores a imaginar. Sua pele áspera refletia a esperança e a resistência, e suas dança trazia vida às criações mais sombrias.

Eles lembravam a todos que, apesar de tudo, a arte e a poesia eram infinitas - eram o sopro de vida em um mundo que tentava sufocá-los. E com este Oni entre eles, a cidade cinzenta começou a se transformar, revelando sob o concreto, que não havia um deserto para sobreviver, mas sim um mar para desbravar.

E foi nesse cenário que o Grande Circo das Almas Despertas ergueu sua tenda. Sob a lona listrada de roxo e verde, malabaristas dançavam com fogo, contorcionistas desafiavam a forma humana, e palhaços pintavam sorrisos em rostos há muito esquecidos. Sob o domo estrelado, existir se tornava tangível, e a cada número, a cada risada, a cada aplauso, as cores da vida se infiltraram nas rachaduras da existência cinzenta.

A trupe era a alquimia viva, transformando o peso da realidade em pensamentos oníricos. E no meio deles, o Oni, cuspia fogo, lançando chamas que desenhava constelações de revolta contra a monotonia. Ele dançava, girava e gritava sua ode à liberdade.

O circo era um microcosmo, um oásis em meio aquele deserto, provando que mesmo sob o mais pesado dos céus, sempre há estrelas esperando para serem descobertas. As artes, antes confinadas às sombras, agora brilhavam sob os holofotes do picadeiro. E a cidade, uma vez cinzenta e silenciosa, vibrava com a energia do espetáculo. O Grande Circo das Almas Despertas era o coração pulsante da cidade, um lembrete de que, mesmo nas profundezas do Desespero, sempre há espaço para o encanto e para sonhos que desafiam a realidade.

Atendaeaimportânciados vínculos

Certo dia, um dia daqueles muito especiais, um dia de festa, mas não qualquer festa, e sim a festa de aniversário do Circo! O velho e divertidamente enfeitado carro de som desfilou majestoso, em cada uma das ruas da cidade, distribuindo expectativas junto com os panfletos que foram confeccionados pelas talentosas mãos dos artesãos, com o multicolor material reciclado do carnaval; outros convites, mais elegantes ainda foram enviados pelos correios para artistas de diversas áreas, tais como: cantores de música popular; humoristas tão engraçados quanto os palhaços maquiados; desenhistas que estampam a arte no rosto das crianças; habilidosos dançarinos; atores de teatro de rua, gente importante que ocuparia os lugares de honra naquele espetáculo.

Que o Circo é um lugar de risos fáceis e muitas gargalhadas que funcionam como uma sessão de terapia retirando o peso das preocupações e reinventando a capacidade de sonhar, todo mundo sabe, ou deveria saber, porém enquanto todos, emocionados e entusiasmados, ocupavam-se dos preparativos do grande evento, a Tenda externava melancolia, entregava-se a copioso pranto, a tristeza era tão grande e devastadora em seu coração que suas lágrimas pareciam uma cachoeira, parecia que estava chovendo do lado de dentro. Assim, o Chão começou a sentir-se incomodado, olhou para cima e perguntou irritado o porquê de tanto choro em um dia tão especial, a Tenda entre soluços tentou se explicar.

Poucos minutos depois, o Chão, já impaciente, interrompeu e pediu que ela falasse pausadamente, que respirasse fundo para se acalmar, pois estava impossível entendê-la, além do que não queria perder tempo com tristezas desnecessárias, então a Tenda relatou que ouviu uma conversa cruel e injusta em que diziam que ela estava velha; descorada; fraca; mal-apessoada e, do jeito que a situação estava, não poderia permanecer no Circo, após ouvi-la o Chão falou que, com toda certeza, era um equívoco, pois a Tenda sempre foi de imensa importância e que ela devia tá enganada, sem mais paciência voltou suas atenções aos mágicos que ensaiavam para suas apresentações.

De súbito, em meio a vozes que se misturavam explanando diversificadas opiniões, começaram a retirar a histórica e preciosa lona da Tenda que ficou desnuda com sua estrutura metálica à mostra sem o menor senso de solidariedade, então ecoou um grito desesperado envolto a um pedindo por misericórdia. Sentindo-se agredida, aflita, assustada e apunhalada em sua confiança, desmaiou e ficou desacordada durante todo o dia. Quando a noite chegava junto com o cheirinho do cachorro-quente e da pipoca que começava a abastecer os carrinhos coloridos, a Tenda sentiu-se aquecida e mais segura, porém sem a coragem necessária para abrir os olhos e tomar consciência do que ocorreu.

No entanto, o Chão percebeu que ela mantinha os olhos trancados e o corpo todo trêmulo, como se uma ventania atingisse o lugar, resolveu ajudá-la e sem maiores cuidados, cutucou seu pé, com a voz firme pediu que ela olhasse para baixo, que olhasse diretamente para ele, pois estava incrivelmente limpo, tal qual um espelho mágico refletindo a beleza das princesas, assim ela poderia enxergar o quanto estava encantadora e emanando

juventude, mas ela não acreditou, o que fez com que o Chão desistisse de uma vez por todas. Inesperadamente a Tenda ouviu risadas e vozes que aumentavam rapidamente em volume e diversidade, seu coração saltou, quase saiu pela boca e mesmo de olhos fechados compreendeu que permanecia no circo.

Em seguida, a festa iniciou com intensa movimentação: o mágico elegante segurando a cartola encantava com os primeiros coelhos que dali saíam; os palhaços com as mãos protegendo as folgadas calças pulavam meio de lado batendo um pé no outro; os malabaristas com a precisão da matemática revezavam-se em movimentos expressivos; a máquina de algodão-doce proporcionava delícias para a fila que crescia cada vez mais; a bilheteria decorada com bandeirolas, por meio do alto-falante gritava que a entrada seria gratuita; a música animada compartilhava os ouvidos do público com o barulho típico das apresentações; as crianças eufóricas querendo tudo ao mesmo tempo e os adultos que se desdobravam entre os cuidados com os pequenos e as próprias vontades de internar as alegrias da noite.

Nesse ínterim, a Tenda ouviu vozes diferentes, estranhas mesmo, falando sobre ela, dessa forma um raio gelado percorreu sua estrutura e já decidida a desistir por achar que era o fim, observou que recebia elogios: que ela estava linda; com a cor vigorosa; transmitia alegria e magia; havia ficado mais alta e imponente; chamava a atenção até de quem passava na cidade vizinha. Então, foi abrindo os olhos lentamente, ainda com o medo hospedado em sua alma, e pela fenda dos olhos entreabertos e com a visão meio embaçada, viu a quantidade de artistas que a admiravam e elogiavam, ao que uma voz familiar externou sua importância, o amor e a gratidão que a família circense tem por ela. Conversa vai, conversa vem, explicaram que

parte dela havia sido retirada recentemente para receber uma reforma, semelhante a uma cirurgia plástica embelezadora. Nesse momento, a felicidade fez seus olhos brilharem como faróis que iluminam o final do túnel, seu coração não cabia dentro do peito de tanta alegria e para ela hoje… E sempre, vai ter espetáculo sim senhor!

Trabalho,suorealegria

Certa vez fui convidado para trabalhar num festival internacional de curta-metragem sobre meio ambiente. Trabalhava com arte, me chamaram para fazer parte da equipe de produção de arte do evento. A proposta que recebi era a seguinte: chegaria um mês antes e a equipe em que estaria integrado, ficaria responsável em transformar uma escola em um espaço com salas de projeções de vídeos.

Aceitei o trabalho feliz da vida. Teríamos um mês antes do festival começar para deixar tudo pronto. O evento aconteceria numa cidade do interior, no sertão nordestino, nossa função era preparar a escola e tornar possível que aquele festival acontecesse de forma adequada e funcional.

Já no local analisamos a estrutura da escola. Deu para reparar que se organizasse o refeitório e algumas outras áreas, seria possível ajustar aquilo para receber as tais projeções dos vídeos.

Entretanto, faltava um grande local para ser o centro de apresentação dos principais curtas-metragens e para receber os grandes eventos, como a entrega dos prêmios, que contaria com a presença de autoridade e alguns convidados de renome.

Houve uma reunião da coordenação da equipe de arte com a organização do evento onde chegaram a conclusão que se contratassem um circo, talvez, dentro daquele espaço seria possível realizar esses eventos maiores do festival.

Buscaram informações sobre a locação de um circo, e assim, entraram em contato para que se realizasse o tal aluguel do grande picadeiro para o festival.

Já me encontrava trabalhando na escola, minha função era imprimir imagens com referências a vídeos e ecologia, enquanto a equipe de marcenaria transformava o refeitório em um grande cinema.

Foi quando o circo chegou.

Chegaram no fim da tarde. Dois grandes caminhões com homens de diversas etnias. Naquele momento meu expediente havia terminado e como fazíamos diariamente, saímos para tomar umas cervejas nos bares da cidade. Já por volta das vinte e três horas voltamos para os dormitórios e a escola ficava no caminho, foi aí que observei uma das coisas mais incríveis de minha vida.

Estava com a equipe de arte do evento e entramos na escola curiosos com a chegada do circo. Assim que entramos na área escolar, pude observar o duro trabalho de armar aquele lugar de extrema alegria.

Abriram um buraco no meio da quadra, onde enfiaram um enorme mastro. Os homens trabalhavam duramente carregando estruturas pesadas, complexas. Assim que colocaram o mastro ereto, um dos homens da montagem, subiu arrojadamente até sua ponta e fixou grandes e grossas cordas, os homens trabalhavam naquilo com alegria e era um esforço monstruoso.

Grandes pinos eram fixados no chão, as marretadas alternadas eram aplicadas sobre as estacas de sustentação. Havia três homens ao redor dos pregos, ou pinos, que eram fixados no solo por meio de potentes pancadas. Batiam alternadamente com gigante esforço, uma pesada

marreta descia, outras duas subiam, e assim sucessivamente o pino era fincado no chão com firmeza.

Num ato de resistência, o solo fazia o máximo para evitar que aquilo entrasse, e os homens batiam ritmicamente, mostrando um controle e destreza marretando a cabeça da estaca de aço, com conversas suaves e alegres. O suor escorria pelas faces, a força exercida era incrível, e a tranquilidade que aqueles rapazes executavam tal ato era fascinante.

Pinos fixados, as cordas foram estiradas, logo uma grande lona subia o mastro, e depois deslizava sobre a corda, numa sincronia visual encantadora. O circo ganhava forma, o trabalho era árduo, e exigia uma intensidade de dedicação incrível, porém em todo momento em que estive observando, não percebi nenhum deles esmorecerem.

A madrugada ainda estava na metade e o grande circo se mostrava colorido e alegre, contrastando com a força que exigia para resplandecer, era uma visão encantadora e feliz, aquilo era o antônimo da expressão de cansaço dos trabalhadores. No entanto, em nenhum momento a alegria deixou de estar na expressão daqueles homens que trabalhavam com afinco, mas, com uma leveza que emocionava.

Lá pelas tantas da madrugada, não aguentei e me retirei para o alojamento, precisava dormir, mesmo enfeitiçado pelo nascimento do circo, estava esgotado pelo dia de trabalho.

No dia seguinte, logo cedo fui para a escola e para minha grande felicidade o circo estava montado, sua lona toda esticada destacava as cores alegres, daquele antro de entusiasmo. Não conseguia conter meu riso de emoção de ver aquilo de pé. Nunca havia passado pela minha cabeça

a grandeza do trabalho necessário para colocar aquilo firmemente armado.

Havia uma mistura de emoção em meu olhar para aquela encantadora imagem, era algo que passava da alegria ao respeito pelos trabalhadores daquela noite de suor e força.

Fui trabalhar. Realizar as impressões de arte e cores nas paredes.

Logo cedo, enquanto trabalhava, apareceram alguns alegres palhaços. Fazia palhaçadas e traziam alegrias para quem trabalhava montando as salas de cinemas, brincavam com as pessoas, e provocavam risos descontraídos, tornando mais leve a labuta.

E de repente me dei conta. Reconheci um dos palhaços e depois os outros. Não pude acreditar naquilo. Os engraçados homens que provocavam os risos, sem exigir nada em troca, eram os trabalhadores que ergueram aquele exuberante circo. Os rapazes que há poucas horas levantavam as pesadas marretas, subiam em altos mastros, esticavam grossas cordas, aqueles que levantaram a gigante lona para montar o palco das emoções estavam alegres e provocavam emoções nas pessoas que estavam naquele local.

Aqueles sorridentes palhaços eram os trabalhadores braçais da madrugada, em nada pareciam com aqueles fortes e dedicados homens que passaram a noite toda erguendo o circo. Agora eram os palhaços, os portadores da alegria que contagia e encanta a todos.

Para mim aquilo foi uma grande emoção e alegria, depois daquele vislumbre de dedicação passei a ver a vida com outros olhos, e quando vejo um palhaço imagino quantas

marretadas esse alegre ser deu para erguer os sonhos e esperanças de seu público.

Ana Carolina Machado, Carlos Franco, Célio

D’Ávila, Denise Camargo Lancia, Jean Javarini, José Leandro de Souza Lima, Júlio César Oliveira

Souza, Katia Aparecida Chagas, Monique Nibra, Olivaldo Júnior, Rejane Luci, Renata Caju, Rui

Ferrer Trindade, Silas Bicca, Tiago Malta A.K.A.

Miçanga!, W. Marcia Souza e William R. F. Ramires tiraram as palavras da cartola para um espetáculo que traz para as páginas desta antologia de contos a magia do circo. Uma obra que resgata histórias emocionantes e personagens que levam alegria por onde passam. Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor! E está em

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