NATAL COM GRAÇA
EDITORA OLYMPIA 2023
EDITORA OLYMPIA
F825
Franco, Carlos (organizador) Editora Olympia, 2023
Pág. 244 ISBN 978-65-86241-11-2 1.1. Ficção brasileira - Contos I. Título CDD B869.301 CDU 821.134.3 (81)
2
NATAL COM GRAÇA
APRESENTAÇÃO
O Natal é um momento de congraçamento e que, com graça, reúne as pessoas numa mensagem de esperança e renovação. É a celebração em todo o mundo do nascimento de um palestino que se tornou símbolo do amor ao próximo nos legando um Evangelho de esperança e fé na vida. Mesmo que muitos tenham abandonado este legado de Cristo, sobretudo os vendilhões do passado que, no presente, também se refugiaram em templos, onde monetizam a fé, o Natal reaviva e ressuscita a máxima do amor que nos une. É também o Natal um momento de comunhão, ainda que o comércio voraz busque dele se apropriar, mas é nas mesas, das mais simples às mais luxuosas, que a magia tem lugar no compartilhamento dos alimentos e na presença - ou mesmo na ausência física - dos que amamos porque na alquimia da data os ausentes se fazem presentes.
3
EDITORA OLYMPIA
Os próprios presentes natalinos, a exemplo dos brinquedos, são prenúncios da renovação que a data sugere e que ocorre no solstício de inverno no Hemisfério Norte e no de verão no Hemisfério Sul. Tempo de colheita e de plantio. Celebração. São os relatos dessas emoções e experiências em torno da data o objeto desta antologia de contos, “Natal com graça”, com a qual a Editora Olympia encerra o calendário do ano de 2023 e que reúne escritores e escritoras de todo o país, nos ofertando diferentes visões sobre o mesmo tema. Por fim, torçamos para que a estrela guia da cidade palestina de Belém brilhe mais do que as armas que ameaçam a vida e a paz neste Natal e Ano Novo impedindo que crianças palestinas, como o Cristo menino, venham a iluminar o mundo.
Carlos Franco Editor
4
NATAL COM GRAÇA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO — PÁGINA 3 A ÁRVORE DE BABEL — PÁGINA 8 A BRUXA DA RUA ROSEVELTH — PÁGINA 14 A COXA PERDIDA — PÁGINA 18 A LIÇÃO DOS GÊMEOS — PÁGINA 23 A MAGIA DO NATAL — PÁGINA 28 A TORTA DA DISCÓRDIA— PÁGINA 36 ARIEL NO CÉU — PÁGINA 38 CARTÕES SIMPLES, MAS VALIOROS — PÁGINA 42 CEIA PARA DOIS — PÁGINA 44 CLARISSA — PÁGINA 46 FERROVIA: UM PRESENTE DE NATAL — PÁGINA 51 5
EDITORA OLYMPIA
GRAÇA TRANSMITIDA — PÁGINA 55 GUERLINDA DE POINSÉTIAS — PÁGINA 60 LAÇOS INVÍSIVEIS — PÁGINA 63 MEMÓRIAS DE NATAL... — PÁGINA 66 MÊS DE FESTAS — PÁGINA 70 NATAL COM AMOR — PÁGINA 74 NATAL COM GRAÇA — PÁGINA 76 NATAL DA FAMÍLIA ALMEIDA — PÁGINA 79 NATAL E SUA ÁRVORE — PÁGINA 83 NATAL: ONDE O AMOR COMEÇA — PÁGINA 86 NATAL PERIFÉRICO — PÁGINA 95 NOELLÂNDIA – PÁGINA 100 O ANIVERSARIANTE — PÁGINA 106 O DIA EM QUE...— PÁGINA 111 O ESTRANHO DESEJO DO... – PÁGINA 114 OLHA O NATAL AÍ, GENTE — PÁGINA 121 O MATCH DE NATAL — PÁGINA 124 O MENINO E O CARTEIRO — PÁGINA 129 O NATAL DOS BICHOS NO ESTÁBULO — PÁGINA 135 6
NATAL COM GRAÇA
O NATAL E O VENDEDOR DE BANANAS — PÁGINA 140 O NATAL MAIS NATAL — PÁGINA 143 O NATAL PERFEITO DA... — PÁGINA 147 O PRESÉPIO DE NATAL — PÁGINA 150 O QUE É O NATAL? — PÁGINA 153 OS OLHOS DE NATAL — PÁGINA 157 OS SAPATOS DE LÚ — PÁGINA 159 O SINO DE PRATA... — PÁGINA 165 PERU NO NATAL — PÁGINA 171 POR QUE O NATAL NÃO É TODO DIA? — PÁGINA 177 SININHO AMARELO — PÁGINA 179 TEMPO DE PERDÃO — PÁGINA 181 UMA NOITE MÁGICA — PÁGINA 187 UM NATAL EM NATAL — PÁGINA 194 UM NATAL INESQUECÍVEL — PÁGINA 200 UM NATAL INESQUECÍVEL 2 —PÁGINA 205 UM TRABALHO ESPECIAL — PÁGINA 210 VESTIDO DE FORMATURA —PÁGINA 216 VOU MATAR PAPAI NOEL — PÁGINA 221 7
EDITORA OLYMPIA
A árvore de Babel Ana Maria Carneiro Pereira de Souza
Para qualquer leitor, a cena de um idoso sentado em sua cadeira, ao lado de um menino interessado em suas estórias, seria mais um momento de uma história familiar. Nada incomum tratar de uma narrativa passada a ser transmitida ao futuro. Engana-se, porém, quem assim o interpretar. O idoso é Terra, e o menino o seu futuro como novo planeta a ser concebido pela transmutação das escritas. Milênios foram vividos. Milhares de vezes ameaçada de destruição. Dezenas de vezes, desacreditada na sua conservação. Contudo, permaneceu intacta. Machucada, às vezes, mas nunca destruída. E, assim, em voz sussurrada, reviveu sua experiência de pertencer à hora certa, ao momento único, à profecia desonrada, tantas vezes anunciada.
8
NATAL COM GRAÇA
Nunca imaginara ser testemunha de um evento inimaginável e sobreviver para ser prova de uma experiência espetacular. Quanto ao menino, resta o seu futuro consciente de todo o processo, instruído para viver outra era. Em seu testemunho, revelou que o Éden sempre lhe pareceu monótono, sem emoções. Sem graça. O que nunca imaginara viver na paz, um sentimento de plenitude desconhecido e inexplicável. Porém, antes disso, foi preciso enfrentar um mundo violento, guerreiro, covarde, bruto e incoerente. Tudo isso mudou num determinado tempo quando, atordoado, viu-se preso num espaço transparente onde 360 graus de visão não lhe permitiam entender como chegara ali. Num relance descobriu que estava em um enfeite de natal. Percebeu-se pendurado, em galho, preso por laço de fita vermelho; percebeu que fazia parte da árvore-de-natal. Não conseguiu enxergar a árvore como todo, mas visualizou pela vizinhança, todos os idiomas representados nesses penduricalhos. Ainda assustado, buscou compreender a situação surreal, na qual estava aprisionado. Protegido entre tantos outros enfeites, cercado e iluminado por luzes coloridas. Se encontrava em uma bola de vidro. Numa floresta de galhos. Apoiou as mãos nas paredes, em princípio, com medo por sentir-se tão frágil. Aos poucos experimentou pisar com mais firmeza e, ganhou confiança. Constatou que não corria perigo. 9
EDITORA OLYMPIA
Mais relaxado, observou a sua volta e estudou o comportamento de outros, assim como ele, colocados na mesma situação. Viu crianças, bebês com suas mães, jovens e idosos. Alguns sozinhos como ele, outros acompanhados. Até famílias. Todos em busca de compreensão. Apesar de ver gestos de desespero, de submissão e de imaginar ouvir gritos e lamentos, o silêncio prevalecia. Aos poucos, cansados, acalmavam suas vidas. Os verdes dos galhos abrigavam cada enfeite de modo a valorizá-los. Sabia, por ouvir histórias, que o pinheiro é a única árvore que não desfolha no rigoroso inverno. Assim, os Contos de Natal dos países frios o elegeram como monumento natalino. E por aculturação, os países tropicais também o adotaram. Decidiu ser um pacificador. Brincava com as crianças que estavam ao lado, o idoso que parecia deprimido, a família que abraçada permanecia. Um pouco de piada para quebrar o medo. Usava de seu talento estilo Chaplin. Assim também espantava a sua preocupação. Anoiteceu. A escuridão entre os galhos foi iluminada por cores que piscavam intermitentes. Pensou: “não conseguiremos dormir”. Todavia, uma melodia suave, um canto de anjos inebriou a todos, acalmando os seus espíritos. Pessoa perspicaz, identificou a Árvore de Babel. De repente, uma visita – um duende. Mas não foi o único. Cada enfeite recebeu um pequenino ser com grandes asas que ofereceu alimento e mensagem de paz. Entregaram a cada bola de vidro uma mensagem a ser lida em um determinado momento. As pessoas desconfiadas, não sentiam medo, mas a curiosidade se tornou cada vez mais forte. 10
NATAL COM GRAÇA
Na hora combinada, cada um ou cada grupo, pode ler o papelpergaminho recebido. Retirado o lacre, dizia; “Vocês são os escolhidos”. Abduzidos para serem sementes do novo tempo. Homens de boa vontade. Não temam. Serão instruídos e nada lhes faltará. A árvore de Natal, a qual pertencem, é muito maior do que o planeta Terra. Aqui até o cume estão colhidos todos os que provaram ter amor no coração. No topo, temos a estrela Sol que nos protege, ao redor, nossos cometas lançam chuvas de meteoros para exterminar os inimigos da paz. Damos a eles o conflito que desejam e provocam. Nada atingirá a vocês. Chuva de estrelas ainda poderão salvar os verdadeiramente arrependidos na Noite de Natal. Não lamentem por eles. Tiveram a chance e não acreditaram. “Esta árvore de Natal é o grande ventre que abriga os embriões da nova era.” Lida a mensagem, provocou um silêncio maior, um recolhimento em orações… Naquele momento, ouviram-se preces em todas as línguas, manifestação de todos os rituais, louvores e glórias ao altíssimo que naquela noite nasceria novamente. Dessa vez, um nascimento numa árvore de Natal, sem reis magos, entre galhos de um pinheiro, cercado de luzes coloridas e enfeites de natal com testemunhas da sua beleza espiritual. Enquanto a árvore crescia abraçando o planeta, os ruídos das destruições se calavam. Nenhum resquício de dor, sofrimento, raiva e vingança sobreviveram.
11
EDITORA OLYMPIA
A paz se instalou por longo tempo. O longo inverno pereceu. A primavera brotava com vigor e apresentava uma nova Terra para germinar seus embriões. Não foi dilúvio, não foi arca. Não houve Noé. Um pinheirinho de Natal, símbolo improvisado em um lugar distante, sempre presente em cada casa, com maior ou menor pompa. Uma árvore até customizada, serviu de nave mãe para levar os benditos ao fruto a Terra Prometida. No topo da árvore, o sol deu lugar a uma coroa de espinhos, símbolos de martírio e de doação. Não houve presépio. O Mestre voltou como um ancião madeireiro, um corpo de Benjamim Button. Necessitava rejuvenescer idosos, restaurar suas forças e valorizar suas histórias a fim de apoiar os ensinamentos cronologicamente aos que ainda estavam em preparação. Noite natalina que durou tempos de transmutação. A árvore de Natal aos poucos se enraizou pelo planeta, seus galhos foram distribuindo seus enfeites, ajustando-os aos novos lares. O sistema solar aplacou sua ira, voltaram à sua órbita, recolheram seus meteoros. Novas constelações foram geradas. E raízes se abraçaram na nova estruturação planetária. Os abduzidos retornaram aos novos lares; libertos das bolas de vidro e laçarotes. Um grande pinheiro foi mantido no centro da comunidade, como símbolo da restauração a ser decorado em cada 24 de dezembro. 12
NATAL COM GRAÇA
Monumento da PAZ na TERRA aos HOMENS de BOA VONTADE. Aparentemente, o modus vivendi se assemelhava, mas o ar era outro, os sons diferenciados, a sensação de vitória conquistada, um viver confiante e, um compromisso de expandir o bem pelo Universo. Eles ficaram sabendo é que teriam um trabalho exaustivo, que não poderiam retroceder; um compromisso: a missão de resgatar quais ficaram para trás. Assim, cada sofredor perdido, ganhou um anjo da guarda, ou um duende, ou uma fada madrinha. Não importa no que acreditavam. Seu protetor teria a árdua tarefa de orientá-los para que aos poucos fizessem parte de uma nova árvore de Natal babel a acontecer no tempo certo. Porque por mais que teimassem em demorar. Ninguém ficará para trás. E com imensa honra foi dada a inspiração a este escritor revelar esse Conto de Natal.
13
EDITORA OLYMPIA
A Bruxa da Rua Rosevelth Amanda Hernandes Gonçalves
Faltavam dez dias para o Natal. Jessica e sua família haviam se mudado para aquela rua, a Rosevelth, há quase dois meses. Era uma boa rua, calma, mas com algum movimento. A casa deles era grande e bonita, mas Jessica não queria ter se mudado para lá. No passado, três dias antes do natal, ela havia ido até lá com duas amigas. As três garotas viram todas aquelas casas extremamente enfeitadas, mas tinha uma em especial, uma casa com três anjos de cristais pendurados na guirlanda da porta. As três ficaram encantadas e não pensaram duas vezes. Cada uma pegou um deles. Mas logo que fizeram isso, uma das janelas da casa se iluminou, talvez alguém as ouviu e acendeu a luz. As três amigas correram para longe da rua. Depois disso, quando seus pais falaram em se mudarem para aquele lugar, ela ficou com medo de ser reconhecida. Seus pais decidiram se mudar depois que suas duas amigas desapareceram. Como moravam na mesma rua, acharam que seria bom mudarem o ambiente. A primeira desapareceu há seis meses e há outra dois meses depois. 14
NATAL COM GRAÇA
Para dizer a verdade, Jessica nunca viu ninguém na casa, isso a fez esquecer o assunto. Até então, ela não havia associado o sumiço das amigas com a história dos enfeites de natal. Mas naquele dia tudo mudou. Ela acordou de manhã e foi abrir as cortinas da janela, quando fez isso, ela viu uma coisa no canto do lado de fora da janela. Um embrulho, um presente. Ela pegou o pacote e viu que não tinha nenhum recado. Jessica decidiu abrir o presente. Dentro dele tinha um globo de neve. Ela achou bonito, mas só depois de reparar foi que ela percebeu que os detalhes do globo eram feitos de ouro. A garota ficou impressionada. Ela sabia que aquilo era estranho, mas guardou o presente escondido. Jéssica ficou o dia todo pensando quem poderia ter deixado aquilo ali. Seus pais ela sabia que não, mas quem poderia ser? Alguém do colégio? Talvez, mas não conseguia pensar em ninguém. Naquela noite ela teve um sonho estranho. Sonhou com a noite que roubaram os enfeites. Acordou sem entender muito bem. Ao abrir a janela, mais uma vez um pacote, dessa vez com um enfeite de rena com olhos de esmeraldas. Durante os dez dias ela recebeu presentes. Jessica chegou a tentar passar a noite em claro para ver quem estava fazendo aquilo. Na noite do dia vinte e quatro, véspera de natal. Jéssica estava olhando pela janela de seu quarto, nesse momento ela viu a janela da outra casa se iluminar. A casa que roubaram. A porta se abriu e uma senhora saiu. Ela ficou parada, olhando na direção da garota. Jéssica se assustou e fechou a janela. Foi nessa hora que ela percebeu. Era aquela senhora. Ela, de alguma forma, colocou os presentes. Mas por quê? Talvez a senhora tenha chamado a polícia e encontrariam seus pertences com ela. Para dizer que tinha roubado. 15
EDITORA OLYMPIA
Com pressa, ela reuniu todos os presentes para se livrar deles, mas quando pegou o globo de neve, algo furou seu dedo. Foi quase instantâneo, ela desmaiou. Parecia que dormiu por muito tempo. Quando acordou estava em um lugar estranho, um quarto diferente. Ela se levantou rápido e olhou pela janela. Estava nevando. Jéssica saiu correndo e abriu a porta. Tinha neve para todo lado. Apenas saindo da casa que ela descobriu a verdade. Era um globo de neve. A sua volta tinha prateleiras gigantes cheias de globos de neve. Ela colocando as mãos no vidro, olhou para o lado e viu outros dois globos, e suas duas amigas. As duas gritavam algo, queriam falar com ela, mas não conseguia ouvi-las. A senhora entrou na sala e foi até os globos. -Suas ladras. Disse a senhora. – O que fizeram com os anjos? Deixaram escondidos, nunca mais os viram. Ela começou a andar pela sala. -Cada globo desses guarda uma história. Justo na época do natal vocês agem com tanta ganancia. E pelo jeito não aprenderam. Aceitaram os presentes mesmo sem saber de quem eram e não contaram para ninguém. Guardaram a fortuna para vocês. A senhora voltou a olhar para os globos de neve. -Quem não sabe o verdadeiro espirito do natal, tem que aprender o que é perder tudo. Para algumas pessoas, esse é o único jeito de repensarem suas atitudes.
16
NATAL COM GRAÇA
Dizendo isso, a senhora saiu e foi embora. Enquanto isso, a polícia já havia sido chamada. Os pais de Jessica estavam procurando a filha. E os presentes que ela recebeu? Sumiram junto com ela. Um pouco mais tarde, na madrugada, quatro rapazes estavam na rua, voltando de uma festa. Estavam bêbados e resolveram quebrar um boneco de neve na casa ao lado da senhora. Mais uma vez a luz acendeu e o grupo fugiu. A velha Anastásia teve sua casa incendiada na noite de natal por conta de uma brincadeira de mau gosto e depois disso amaldiçoou todos que fizessem algo parecido. Ela se vingaria de todos, mesmo tendo morrido naquele mesmo incêndio.
17
EDITORA OLYMPIA
A coxa perdida Cléber Leandro Nardeli
O peru não fazia parte do nosso Natal. Mamãe assou o frango. O rocambole foi-se, carbonizado, pra lixeira, esquecido estivera no forno. O mesmo que assara a ave. Ceia de Natal só me foi tema de reflexão na adolescência. Um evento desses exigia um rito noturno, com rezas, cantos e peru com frutas. Liturgia economicamente impraticável no meu seio familiar. Ademais, eu nunca conseguira me manter acordado até muito tarde, sequer para assistir à Rena do Nariz Vermelho e ao Menino do Tambor. Nossa confraternização se dava num almoço de Natal. Era a nossa ceia. Além do frango assado, mamãe preparava arroz, maionese e macarronada. Havia guaraná e cerveja aos adultos. Às vezes, bifes 18
NATAL COM GRAÇA
à milanesa. Estes, contudo, renderam-me, mais tarde, uma poesia. Eu acordava maravilhado no Natal porque aquele era o dia mais importante do ano. Não parecia domingo, nem sábado, tampouco feriado. O sentimento era mágico, sagrado e psiquicamente inexplicável. Desejávamos Feliz Natal aos vizinhos e os parentes visitantes. O Papai Noel nunca descera a chaminé. Pra que nos serviria as chaminés? Mas bem podia, ele, pular o muro! Um tentou pular o da casa vizinha, mas foi preso por invasão de domicílio e o saco lhe foi apreendido. Mamãe se irritava um mês antes com a notícia da vinda dos familiares. Só geravam gastos! Só queriam saber de festas! Não a culpo, entretanto. Somente ela sabia o quanto era difícil ter um frango assado à mesa o qual ela desejava fosse devorado somente pelos seus dois filhos. Coisas de mãe. Ela deixava a casa mais limpa que o usual. Arrumava as toalhas, as quais saíam das gavetas somente naquele dia do ano, dispondo a ceia segundo o próprio ritual. Não havia orações. Mamãe mandava os convivas se servirem de tudo, parecendo esquecer do mal desejado antes da chegada deles. E, talvez, isso lhe purgasse os pecados. Por ela, eu pensava, só iria à igreja quem não tivesse pecado. 19
EDITORA OLYMPIA
— Não sei por que Fulano vai lá. Vive fazendo fofoca com a vida dos outros! Que bom nem todos pensavam como ela, do contrário, as igrejas não receberiam nem seus sacerdotes. Mas, do jeito dela, ela também sabia amar. Eu me alegrava, ainda, com os casos de pesca e de lendas narrados por meus tios e avós, os quais eram interrompidos para que nos reuníssemos à mesa. As coxas do frango pertenciam aos mais velhos, esse era o valor ético o qual nutríamos inconscientemente. Não me importava isso porque gostava de comer mesmo era o pescoço e a moela. Havia, também, farofa molhadinha preenchendo a ave, muito especial. Naquele Natal, ao me sentar à mesa, notei a falta de uma coxa do frango. Não quis perguntar, de chofre, à mamãe, sobre o desaparecimento do membro, visando a evitar constrangimentos Procurei pelo osso da coxa por todos os pratos da mesa com meu olhar ligeiro e dissimulado, sem êxito. Fui até a lixeirinha da cozinha verificar se havia algum osso, não havia. Eu tinha certeza, porém, de que o frango saiu do saquinho com as duas coxas já que eu ajudara mamãe a temperá-lo. Voltei à mesa com o mesmo olhar clínico, procurando pelo membro do galináceo, sem localizá-lo, contudo. 20
NATAL COM GRAÇA
Da ceia, não sobrou nada. Dispus-me a ajudar as mulheres as quais já haviam se juntado para lavar e secar as louças. Dessa forma, eu poderia analisar melhor as sobras, enquanto os homens iniciavam um truco. Tio Nené acendeu um cigarro, fez um sinal com o olho ao meu avô, gritou, deu um tapa na mesa, fez voar as cartas, o milho, a caixa de cigarros e os copos de cerveja. Tudo por ‘três mi’. Era Natal, mas se ouvia palavrão lá em casa. Por minuto. Uma gargalhada sarcástica abrandou a raiva adversária. _ Tem muito jogo ainda! Aproveitei a oportunidade da tragédia e, pretextando colaborar na reorganização do palco competitivo, procurei pelo membro perdido debaixo da mesa, e não encontrei nada. Chamei mamãe a um canto, disfarçadamente, e lhe questionei sobre a coxa desaparecida. Respondeu-me: eu devia estar enganado porque ela havia ajeitado a mesa com um frango de dois membros inferiores. Assim, ela se volveu, indiferente, às minhas tias. Fiquei intrigado com a informação. Somente eu havia dado conta do desaparecimento daquela coxa? Quedei-me, por um tempo, absorto, diante do truco. Entediado e, sem crianças pudessem brincar comigo, dirigi-me ao 21
EDITORA OLYMPIA
fundo do quintal de terra. Ouvi um barulho distinto. Vinha de trás de monte de madeiras podres, empilhadas por papai há muito tempo. Aproximei-me devagar para observar, receoso de que poderia haver algum bicho perigoso ali. Era uma gata. Ela lambia cinco lindos gatinhos, já adolescentes e espertos. Eles, por sua vez, lambiam o osso da coxa perdida. Não poderiam ter recebido melhor presente da mamãe!
22
NATAL COM GRAÇA
A lição dos gêmeos Jean Javarini
A cidade de Willowbrook estava sob um manto branco de neve na véspera de Natal. O espírito natalino envolvia cada rua com suas luzes cintilantes e enfeites festivos. No entanto, naquela noite, algo especial estava prestes a acontecer. Na modesta escola da cidade, o professor de matemática, Sr. Johnson, estava ocupado organizando uma festa de Natal para seus alunos. Ele tinha preparado decorações caseiras e atividades educativas para a noite. Todos estavam ansiosos, mas havia um motivo especial para a festa. Os irmãos gêmeos, Emma e Ethan, frequentavam a escola. Ethan era um garoto autista, e Emma cuidava dele com amor e dedicação incomparáveis. Embora ela não compreendesse totalmente o que significava o autismo, sempre soube que seu irmão era único e especial. Naquela noite, quando os irmãos chegaram à escola, Emma estava nervosa. Ethan era sensível a multidões e barulho, e ela temia que a festa de Natal fosse demais para ele. Mas ela também queria que ele tivesse a oportunidade de vivenciar o espírito natalino. A festa começou com os alunos participando de jogos e atividades. O Sr. Johnson notou a preocupação nos olhos de Emma e aproximou-se dela. "Emma, querida, estamos aqui para nos divertir e celebrar o 23
EDITORA OLYMPIA
Natal com graça e gratidão", disse o professor com um sorriso caloroso. Enquanto a festa prosseguia, Ethan, normalmente tímido e reservado, começou a relaxar. Ele observava os outros alunos, especialmente Emma, e gradualmente se envolveu nas atividades. Foi então que o Sr. Johnson percebeu que havia uma oportunidade para ensinar a todos uma lição especial. Ele reuniu os alunos em um círculo e contou a história de Emma e Ethan, destacando a incrível graça com que Emma cuidava de seu irmão autista e a gratidão que eles compartilhavam em sua família. "O Natal é uma época de amor e compreensão", explicou o professor. "Ethan e Emma nos mostram como podemos celebrar com graça e gratidão, não apenas por meio de presentes, mas pela compaixão e cuidado que oferecemos aos outros." Em seguida, os alunos compartilharam seus próprios sentimentos de gratidão e amor, expressando o que significava para eles o espírito do Natal. A sala ecoou com palavras de apreço, e todos sentiram uma conexão mais profunda com o verdadeiro significado da festa. Quando a festa estava prestes a terminar, os alunos se aproximaram de Emma e Ethan, agradecendo-lhes pela inspiração que haviam recebido. Emma, com lágrimas de gratidão nos olhos, agradeceu ao Sr. Johnson por criar um ambiente inclusivo. Naquela noite, Willowbrook testemunhou uma festa de Natal que foi muito além das luzes brilhantes e decorações festivas. Foi uma celebração de graça e gratidão, um lembrete de que o amor e a compaixão são os verdadeiros presentes do Natal. E assim, na cidade de Willowbrook, todos aprenderam que o Natal podia ser uma celebração de generosidade e amor, não importa as circunstâncias. O espírito natalino era um presente que todos podiam compartilhar com graça e gratidão. A noite avançou, e a cidade de Willowbrook estava agora sob um céu estrelado. A festa de Natal havia terminado, mas a lição que todos tinham aprendido continuava a ecoar em seus corações. Emma e 24
NATAL COM GRAÇA
Ethan voltaram para casa, e Emma não conseguia deixar de sorrir. Ela sabia que, naquela noite, ela e seu irmão haviam tocado os corações de todos na escola. Sentia-se grata por ter uma família amorosa e estava determinada a compartilhar o amor e a compreensão que tinham uns pelos outros com o mundo. Na manhã de Natal, quando os raios de sol brilhavam através das cortinas da sala, Emma olhou para Ethan. Ele estava brincando com um brinquedo que ganhara na festa. Ela sabia que seu irmão era especial, e embora ele fosse diferente, ela o amava exatamente como ele era. Ethan, por sua vez, olhou para Emma e sorriu, expressando gratidão por sua irmã amorosa e por aquela noite especial de Natal. A família se reuniu ao redor da árvore de Natal, compartilhando momentos de graça e gratidão. Enquanto desembrulhavam presentes, todos entenderam que o verdadeiro espírito do Natal estava na maneira como cuidavam uns dos outros, na compaixão que demonstravam e na gratidão por tudo que tinham. A cidade de Willowbrook, com sua festa de Natal inspirada pelos gêmeos Emma e Ethan, havia aprendido uma lição valiosa naquela noite. O Natal era uma época de celebração, amor e compreensão, onde a graça e a gratidão eram as maiores dádivas que podiam ser compartilhadas. E assim, a cidade e a família dos gêmeos passaram a celebrar o Natal com um significado mais profundo. Eles reconheceram que a verdadeira magia do Natal estava na capacidade de compartilhar amor, compreensão e gratidão com graça e generosidade. E, a cada ano que passava, eles continuavam a honrar essa lição, lembrando que o Natal não era apenas uma festa, mas uma oportunidade de tornar o mundo um lugar mais gentil e compassivo. À medida que os anos passavam, a história de Emma e Ethan se espalhou pela cidade de Willowbrook, tornando-se uma lenda de Natal. Eles haviam tocado os corações de todos com sua graça e gratidão, lembrando a todos que o Natal não era apenas uma data no calendário, mas um estado de espírito que poderia ser vivido o ano todo. Na escola, o professor de matemática, Sr. Johnson, continuou a 25
EDITORA OLYMPIA
ensinar aos alunos não apenas sobre equações e números, mas sobre valores humanos, compaixão e a importância de cuidar uns dos outros. Ele se tornou um exemplo vivo da lição que Emma e Ethan haviam compartilhado. Emma, ao crescer, seguiu uma carreira na área da saúde, trabalhando com crianças com necessidades especiais. Sua experiência pessoal com seu irmão a tornou uma defensora apaixonada pela inclusão e compreensão. Ela espalhou a graça e a gratidão que aprendera durante aquela festa de Natal por onde passava. Enquanto isso, Ethan, com o apoio amoroso de sua irmã e da comunidade, encontrou sua própria maneira de contribuir para o mundo. Sua habilidade singular em matemática o levou a se tornar um professor de matemática, inspirando seus alunos a acreditarem em si mesmos e a serem generosos uns com os outros. Cada véspera de Natal, a cidade de Willowbrook celebrava com graça e gratidão, lembrando que o espírito do Natal estava vivo nas ações diárias de bondade e compaixão. A festa de Natal na escola continuou a ser um evento especial, honrando a memória daquela noite que mudou a vida de todos. Naquela noite de Natal, enquanto Emma, Ethan e os moradores de Willowbrook compartilhavam risos, histórias e presentes, eles sabiam que a verdadeira magia do Natal estava na capacidade de viver com graça, generosidade e gratidão. O amor e a compreensão que compartilhavam uns com os outros eram o maior presente de todos. E assim, na cidade de Willowbrook, o espírito do Natal brilhava o ano todo, lembrando a todos que o Natal era mais do que apenas uma festa; era uma oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém com graça e gratidão. Enquanto Emma, Ethan e a cidade de Willowbrook continuavam a celebrar o Natal com graça e gratidão a cada ano, uma reviravolta emocionante estava prestes a acontecer. Era uma véspera de Natal, e a cidade estava decorada com luzes brilhantes e alegria contagiante. A festa na escola estava prestes a começar, mas havia uma surpresa guardada. Ethan estava particularmente animado, algo que surpreendeu a todos. Quando a festa começou, os alunos notaram 26
NATAL COM GRAÇA
uma sensação de antecipação no ar. As luzes da sala piscaram e, de repente, uma figura misteriosa, vestida de Papai Noel, apareceu no meio da sala. Todos olharam com espanto enquanto o "Papai Noel" se aproximava de Emma e Ethan. Ele entregou a Ethan um presente cuidadosamente embrulhado e a Emma uma carta. "Isso é para vocês", disse ele com um sorriso. Ethan abriu o presente com cuidado, revelando um quebra-cabeça de matemática feito sob medida. Emma abriu a carta e leu em voz alta: "Com graça e gratidão, para Emma e Ethan, por serem exemplos de amor e compaixão. Com amor, o verdadeiro espírito do Natal." Lágrimas de alegria encheram os olhos de Emma e Ethan, e eles olharam para o "Papai Noel" com gratidão. Então, o "Papai Noel" se aproximou deles e sussurrou algo em seus ouvidos antes de desaparecer misteriosamente. E o que ele sussurrou era uma revelação que encheu o coração de Emma e Ethan de alegria. Eles compartilharam um olhar de surpresa e compreensão, porque o "Papai Noel" era alguém muito especial, alguém que os conhecia melhor do que ninguém. Mais tarde, quando todos estavam em casa, Emma e Ethan compartilharam a reviravolta emocionante com sua família. O "Papai Noel" misterioso era, na verdade, o Sr. Johnson, o professor de matemática que havia ensinado a todos a lição do amor, compreensão e compaixão. Ele havia planejado a surpresa como um presente de gratidão para os gêmeos, reconhecendo que eles haviam tocado profundamente a vida de todos na cidade de Willowbrook. Naquele momento, todos na família entenderam que o verdadeiro espírito do Natal estava na capacidade de dar, compartilhar e fazer a diferença na vida dos outros. Era um presente que vinha com graça e gratidão, exatamente como o "Papai Noel" misterioso havia mostrado. E assim, na cidade de Willowbrook, a noite de Natal se tornou um símbolo de amor, compreensão e compaixão. Todos aprenderam que o Natal não era apenas uma data no calendário, mas uma oportunidade de fazer o bem e espalhar a alegria com graça e gratidão. 27
EDITORA OLYMPIA
A magia de Natal A.P.Martinuzzo
— Meninos, venham aqui na sala - gritou a mãe. Felipe e Lucas, cada um a seu tempo, atendeu ao chamado. - O Natal está chegando e vocês precisam escrever suas cartinhas para o Papai Noel. Ela explicou. Felipe já não acreditava em Papai Noel, na verdade, achava o Natal uma chatice. Montes de comida, montes de abraços de gente que ele mal conhecia, montes de fingidos sorrisos. Odiava. Lucas ainda era pequeno. Gostava das luzes, das cores vibrantes, dos personagens típicos. Não gostava do amontoado de gente, as pessoas lhe causavam um certo desconforto, um cansaço. Claro que Felipe voltou ao que fazia antes da mãe o interromper. Desenhava, o lápis ia sombreando seu monstro recém criado. Às vezes, a mãe implicava com seus desenhos, pensava que eram violentos de mais, mas ele gostava. Preferia mil vezes o Grinch do que o Papai Noel, simples assim. Seguiu descuidado, sem pensar no bom velhinho. 28
NATAL COM GRAÇA
Lucas queria pedir um carrinho, mas também queria um dinossauro, também queria um livro de pintura e queria uma ponte para fazer a corrida de seus carrinhos, ou quem sabe uma pista para muitas manobras radicais? Não sabia o que pedir. Tinha mesmo que escolher apenas um presente? Pensava, injustiçado. Se ele foi para escola, recolheu os brinquedos e deu comida ao cachorro, não teria direito de pedir mais de um? Olhava o papel e não sabia o que desenhar... já que ele ainda não escrevia muitas palavras. Lucas foi até o quarto do irmão buscar uma solução para seu problema. - O que você está fazendo? - perguntou, sem entender o desenho que o Felipe pintava. - Não é da sua conta – respondeu o mais velho, mal humorado. - Então, você vai fazer a carta do Papai Noel? Sim ou não? Quis saber o menino indeciso. - Não quero fazer agora – disse Felipe que não ia estragar a fantasia do irmão. - Quantos presentes você vai pedir? - Ué. Tem que pedir um e, no máximo, deixar outra opção caso o Papai Noel não encontre o que você pedir – disse Felipe, seguro de si. - Mas ele não constrói os presentes? – Lucas perguntou curioso. - Ele constrói alguns, mas se você pede um brinquedo da televisão, ele compra no shopping. Lucas saiu caminhando devagar, na ponta dos pés, como era seu costume. Em sua cabeça, imaginou uma fábrica, saindo fumaça por uma chaminé, toda construída em tijolinhos vermelhos. Dentro havia uns homenzinhos pequenos, de chapéus pontudos, montando 29
EDITORA OLYMPIA
brinquedos coloridos. Umas fadinhas brilhantes com asas de borboleta, embrulhavam os presentes das crianças do mundo todo. Era uma vista bonita, então, ele sorriu para si mesmo. Começou a falar o que imaginava. Crianças fazem isto. Um duende dando bronca no embrulho que a fadinha derrubou: - Você precisa ter atenção! Fazia uma voz autoritária, como a da professora dando bronca nele, na escola. Depois do jantar, os meninos foram escovar os dentes. Felipe ouviu um barulho estranho, mas logo decidiu que era no apartamento de cima. Os vizinhos eram barulhentos, já não se importava. Os pais foram no quarto de cada filho desejar boa noite. Lucas, resolveu perguntar dos presentes: - Pai, será que eu posso pedir quantos presentes pro Papai Noel? - Como assim? Papai Noel não tem dinheiro para tantos presentes. Você sabia que ele precisa dar presente para cada criança comportada do mundo todo? - Do mundo todinho? Franziu o nariz, sem querer acreditar. - Sim, do mundo todo. É muita criança, é muito presente, você não acha? - Tudo bem, papai. Suspirou derrotado. No meio da noite, quando estava muito escuro e sem barulho algum, Lucas levantou-se para ir ao banheiro. Viu um brilho como purpurina na sala de estar. Andou até o brilho, mas só encontrou farelos de biscoito. Voltou para cama. No dia seguinte, contou ao irmão o que havia se passado. - Será que foi um duende do Papai Noel? 30
NATAL COM GRAÇA
Claro que não! – Felipe tinha vontade de dizer que Papai Noel não existia, mas a mãe brigaria muito com ele, se o fizesse. E, prosseguiu: - Por que um duende viria aqui em casa antes do Natal? - Puquê... puquê... ele veio pegar as nossas cartas – disse Lucas sem muita convicção. - Acho que não. A mãe sempre leva as cartas até o correio. Quando voltaram da escola, Felipe resolveu que era a hora de escrever e desenhar as cartas do Papai Noel. Assim o irmão o deixaria em paz. Sentaram na mesinha pequena do Lucas. Cada um com sua folha em branco. Havia uma caixa com diversos lápis coloridos, para pintarem depois. Felipe escreveu que queria um tênis novo. Não tinha mais idade para brinquedos e jogos de videogame eram caros, então, os pais só compravam raramente. Lucas desenhou um carrinho. Não parecia um carrinho, era uma bola disforme, que Felipe olhava com ironia, enquanto fingia enxergar o que o irmão descrevia. - Tá vendo que é um HotWheels? É um carro de corrida muito veloz e é laranja e azul. - Claro que é – disse sem pensar muito. O irmãozão pode escrever para o Papai Noel saber qual é o carro? - Pode sim. Obrigado, Felipe. De noite, o irmão menor sentiu de novo que havia algo de estranho. Antes de ir ver, acordou o irmão para ir junto. Na verdade, não gostava de fazer as coisas sozinho e estava muito escuro. Felipe, levantou de mal agrado. 31
EDITORA OLYMPIA
- O que você quer na sala agora, Lucas? - Tem alguma coisa estranha lá – disse. Na sala encontraram um clarão e ouviram um sussurro: - Ele precisa de ajuda... Felipe não queria acreditar, mas o barulho do outro dia, o brilho que o irmãozinho viu. Estaria imaginando coisas? Essas coisas não existem, afirmava para si mesmo. - O que vamos fazer? – perguntou Lucas. Felipe levou o irmão para o quarto dele, mas ficou o resto da noite impressionado pensando na experiência que acabara de viver. No dia seguinte, resolveram que iriam até a sala, depois que os pais dormissem. Viram as luzes brilhantes, pequeninas como purpurinas flutuando no ar. Um duende apareceu, sua voz era a mesma que ouviram na noite anterior. - Ele precisa de ajuda! Vocês precisam vir comigo, antes que seja tarde. - Quem precisa de ajuda? Aonde quer nos levar? – perguntou Felipe, ajeitando o irmão perto de si. - Papai Noel desapareceu. Todos na vila estão ocupados demais com os afazeres do grande dia, precisamos de ajuda para encontrar o Noel, não temos muito tempo – dizia enquanto se dirigia para a parede ao lado da árvore de Natal. Os meninos seguiram o duende. Lucas que era curioso, quis saber: - Qual seu nome? 32
NATAL COM GRAÇA
- Me chamo Crackers. Papai Noel saiu para colher flores cristal no vale. Usamos estas flores nas casinhas de bonecas, mas acabaram todas e ele resolveu atravessar a floresta sozinho e não voltou. Felipe olhava a paisagem branca, incrédulo. Se não existia, como ele estava lá? O duende foi na frente, os meninos o seguiam pela paisagem gelada e brilhante que a neve formava. As árvores pareciam feitas de gelo, com gotas congeladas em suas extremidades. A luz por detrás das nuvens fazia tudo brilhar, tornando tudo muito encantado e bonito. Lucas seguiu pelo lado direito, onde havia uma gruta. Na beira, onde começava a cavidade escura, ele chamou baixo, com medo de que um urso ou outra criatura perigosa saísse: - Papai Noel? Você está aí? Nada. Nenhum ruído, nem resposta. Seguiram mais adiante, onde haviam montes de neve. Será que Papai Noel foi coberto por uma avalanche? O pensamento deixou o irmão caçula preocupado. Ninguém sobreviveria naquele frio todo. Encontraram o campo de flores cristal. Silêncio. Onde estaria o bom velhinho? Felipe viu um lago congelado, depois do campo e se dirigiu naquela direção. Havia uma árvore muito grande e resolveu dar uma olhada. Crackers e Lucas vieram logo atrás. Um ruído como um grunhido baixo. Deram a volta na árvore e viram uma entrada. Não havia fogueira, mas tinha uma luzinha amarela reluzindo no fundo. Crackers perguntou baixinho: - Papai Noel? É você? 33
EDITORA OLYMPIA
Os meninos ouviram o som de algo muito grande se movendo. Sentiram medo e se abraçaram um ao outro. - Sim. Quem vem daí? - Sou eu, Crackers! Entrou na cavidade da árvore entusiasmado. – Mas o que houve? Por que não voltou para a vila Natal? - Machuquei o pé. Olhe – disse o velho, cujo corpo enorme, estava curvado dentro da árvore. Noel tinha um corte no pé esquerdo. Felipe viu e logo quis ajudar. O duende tinha algumas coisas em sua bolsinha de viagem. Juntos conseguiram fazer um curativo e apesar da dor, poderiam conduzir Papai Noel até a vila. Os irmãos ajudaram Noel a se levantar, mas foi Felipe quem escorou o doente. Lucas não era mais alto do que o duende, então, não tinha muito o que fazer, a não ser carregar as flores cristal. Seguiram o caminho branco até avistarem uma vila iluminada, com chalés de madeira escura e cortinas vermelhas nas janelas. As chaminés soprando indicavam que ali estariam aquecidos e seguros. Levaram Noel para o chalé, no centro da vila. Sua mulher estava na cozinha com outros duendes preparando biscoitos, mas logo que ouviu o barulho na entrada, veio atender. Felipe e Lucas olharam tudo maravilhados. A cores vermelho, verde e dourado estavam por todos os lados. Mamãe Noel lhes trouxe chocolate quente e biscoitos que comeram com alegria. Papai Noel estava a salvo, em casa, junto dos seus. As crianças precisavam voltar para seu lar. Crackers foi na frente, jogou uma areia brilhante na parede da sala em que estavam. Disse algumas palavras em língua antiga, que os meninos não entendiam e nem sabiam pronunciar. 34
NATAL COM GRAÇA
Atravessaram a passagem e estavam de volta a sala de casa, do lado da árvore de Natal que ajudaram a mãe decorar no começo do mês. Felipe olhou o irmão com um sorriso puro e acariciou sua cabeça enquanto se dirigiam aos quartos. Deitado, o irmão mais velho riu de suas memórias recém vividas. Sim, o Natal era mesmo mágico!
35
EDITORA OLYMPIA
A torta da discórdia Gislaine Nascimento
Natal é a melhor época para despertar o amor, a tolerância, a paz. Entretanto... — Eu não acredito! Quem cometeu o absurdo de colocar uva-passa na torta de frango? — Não fui eu. Só tirei umas coisas verdes esquisitas que vieram de Marte. — Que história é essa, menino? Não tem nada de Marte na torta. — Tem sim, o tio Elias até cuspiu, deve ser um verme alienígena. — Mais respeito com a comida, por favor. Coma e fique quieto senão papai Noel vai passar bem longe dessa casa, não vai comer pudim nem biscoitos da árvore. Está me entendendo João Henrique? Como parar um garotinho serelepe e seu tio que já estava meio alto? Com um sorriso no canto da boca e olhar travesso, João se abastecia dos vegetais tirados da torta transformando-os em munições e pontaria certeira. 36
NATAL COM GRAÇA
— Acho que vi algo voando aqui. — Observou Elias. — Não fui eu. — Ah, não foi? Então lá vai. — Atirando uvas-passas no sobrinho. — Credo que coisa feia e murcha! — Estou perdendo a paciência. Isto aqui é uma ceia de Natal. — Achei mais aliens na torta, um é branco e outro amarelo. São amigos da coisa murcha e vieram ajudar. — Amorzinho da mamãe, pare com isso agora. Olha a vergonha que está me fazendo passar; isto é, milho e palmito e você sabe muito bem. — Exalava forte e lento pelo nariz, engolindo a irritação que sentia. — A culpa é de quem colocou uva-passa na torta, já não basta no arroz? Quem foi? — Elias, pelo amor de deus, não me cause mais transtornos. O pedido da mãe foi em vão. Ervilhas, azeitonas, pimentões, milhos, palmitos e claro uvas-passas cruzaram a mesa voando, para delírio do garotinho que sorria debochado. — Chega! Vocês dois passaram dos limites. — Levantando-se furiosa da cadeira. Inadvertidamente, a mãe não percebeu o carrinho do menino que misteriosamente saiu debaixo da mesa, indo em direção a seus pés. Um grito foi ouvido seguido de um estrondo e o peru que estava na bandeja criou vida de novo e aterrissou de forma desastrosa no pudim. Um silêncio constrangedor pairou sobre o ambiente. — Não fui eu mamãe. 37
EDITORA OLYMPIA
Ariel no céu Adriana Moreira
Ariel gostava tanto, mas tanto, de Natal, que foi bem no mês de dezembro que chegou ao Céu. Não, nem precisa se preocupar, nada de tristeza, aquele foi o dia mais feliz da sua vida! Logo na entrada, já foi recebido por Jesus… E a alegria que sentiu no peito foi tão grande e tão intensa, que de pronto ele se esqueceu da Terra e de todos os purgatórios por onde tinha passado. Quando Jesus estendeu a mão e o puxou para um abraço, achou que ali mesmo já tinha encontrado a eternidade, e que nada — absolutamente nada mais — era necessário. Mas a bondade é muita e a fartura abundante, por isso, em seguida, ele foi recebido também por pessoas amadas, e até pelo seu cachorrinho Bob, que lá chegou antes dele. A alegria de todos se fundiu à de Ariel e foram tantos abraços e beijos, que lá na Terra pareceu que as estrelas brilhavam mais intensamente! Como filho pródigo que era, colocaram nele um manto dourado, um par de sandálias, um anel valiosíssimo, e o convidaram para o seu próprio banquete. Sim, SEU banquete! E olha, um banquete de 38
NATAL COM GRAÇA
sabores tão intensos e exóticos que Ariel achou sinceramente que os melhores cozinheiros do mundo já tinham chegado por lá. Então, o chamaram para o festival de cinema. E adivinha qual era o tema da primeira exibição? Não, espera. Ainda não era Natal, este era o tema do segundo filme... O primeiro era nada mais, nada menos do que “A vida de Ariel”! Ali, como que mergulhado em cores mágicas e sons maviosos, projetados nas nuvens em volta, Ariel assistiu a cada momento que viveu e que, à época, intrigado, quis saber: — Por quê? Enquanto as respostas lhe eram dadas, o mais divertido era ver os anjos rindo felizes das caras de surpresa que ele fazia a cada vez que, boquiaberto, compreendia: — Ah! Então era por isto? Os anjos riram também quando Ariel descobriu que podia voar. Ele aprendeu a fazer piruetas no meio das estrelas, a disputar corridas divertidas e a, de tempos em tempos, simplesmente parar numa nuvem para admirar aquele visual de tirar o fôlego… que todos os dias se transformava em um novo presente, uma nova surpresa. Curioso, Ariel perguntou pelo lago, pois sempre imaginou que no Céu havia um lago enorme, muito bonito. (Aliás, tem gente que até pinta o Céu como um monte de almas sentadas, sem fazer nada, em volta do tal lago...) Qual não foi sua surpresa ao descobrir que do lago emanava leite e mel, e que tinha muitas cachoeiras, onde ele pôde pular e mergulhar à vontade, como se não houvesse limite para viver e ser feliz! Quando, de tão satisfeito, Ariel acreditou ter atingido esse tal limite, encontrou-se de novo com Jesus, para ouvir as maravilhas que Ele 39
EDITORA OLYMPIA
tinha para contar. Não preciso nem dizer que Jesus olhou para Ariel daquele jeito que só Ele sabe como, e, de novo, Ariel esqueceu de tudo à sua volta, para lembrar que era parte da natureza divina e, com isto, parte do infinito sem fim. Na hora certa, Ariel foi também apresentado às suas atribuições... Sim, no Céu também havia atribuições, e a cada uma delas se cumpria com tanto orgulho e alegria, que logo Ariel entendeu quando diziam que o trabalho enobrece e dignifica a alma. Verdade, ele era uma alma nobre e digna… plena, saudável, amada, livre... feliz! Construiu coisas e fez seus primeiros projetos, a maior parte deles de Natal, considerando a proximidade da data. Trabalhou algumas vezes no ateliê do Espírito Santo, outras no de Maria e José. Contou com os anjos e os outros santos, como ele, para ajudá-lo e, principalmente, para rirem juntos de cada passo, de cada erro e de cada acerto. Muitas vezes, eles se divertiam tanto, que a coisa acabava em guerra de nuvens, e o lugar, meio bagunçado, trazia ainda mais inspiração para os projetos... Todo o capricho valia a pena, porque mais maravilhoso ainda seria o lançamento desses projetos… na Festa de Natal! Você sabe, festa é o que nunca falta no Céu, com a Santíssima Trindade em peso prestigiando, coro de anjos, exibição de santos, atrações inimagináveis e, claro, o coração da gente batendo forte de alegria. Na festa de Natal então, que maravilha! As estrelas formavam um festival luminoso com cenas natalinas; filmes eram exibidos nas nuvens; São Nicolau, de roupa vermelha, contava suas experiências e ensinava a aperfeiçoar projetos infantis. Também tinha malabarismo dos animais do presépio — um show à parte —, e, como não podia deixar de ser, a atração-mor ficava por conta da procissão para ver e pegar no colo o verdadeiro Jesus Menino: A maior graça deste mundo! 40
NATAL COM GRAÇA
Na hora certa, começou o tão esperado lançamento dos projetos. Todo mundo prestava atenção… um silêncio de expectativa em volta… Então, Ariel lançou seus primeiros feitos, cada um deles para um local diferente na Terra... uns com calor, outros com frio e neve... uns de floresta, outros de cimento... uns de castelo, outros de choupana. Quando cada projeto atingia o seu destino e alguém o recebia na Terra, como resposta de oração, o Céu inteirinho se agitava num aplauso só! Aliás, vou te contar uma coisa: se em meio à correria do planeta — onde muita gente age como se a vida acabasse ali! —, o recebedor da graça encontrasse tempo para sorrir, agradecer e compartilhar, aí não tinha mais jeito, os aplausos não tinham nem hora pra parar! Orgulhoso, Ariel olhou para aquela multidão de amigos verdadeiros, depois para Maria e José e, finalmente, para a Santíssima Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo —, e agradeceu com toda a sua alma e todo o seu amor. Nessa hora, ele se sentiu no colo do Pai, porque no Céu não tem distância, e naquele colo tem lugar para todos os filhos. Relaxado e feliz, Ariel se espreguiçou, fechou os olhos e sussurrou:
— Puxa, isto sim, é um NATAL COM GRAÇA! A todos, UM FELIZ NATAL!
41
EDITORA OLYMPIA
Cartões simples, mas valiosos Maria Beatriz Rotta
Essa história se passa em Nova York, alguns dias antes do tão grande e esperado Natal. Em um dos bairros mais pobres da cidade, vivia uma garotinha muito pobre. Ela morava apenas com a sua mãe, pois seu pai havia morrido antes dela nascer. A família, de tão pobre, vivia em um porão de uma casa onde os donos ofereciam em troca de ajuda na mercearia deles. A mãe da menina passava o dia inteiro trabalhando e a garotinha ia pela manhã a escola pública e de tarde trabalhava em um empório para conseguir dinheiro para pagarem as contas e terem comida na mesa. Mesmo que tivesse uma vida sofrida, a garotinha era grata e feliz por tudo o que tinha, principalmente por ter uma mãe. Desde o começo do ano a menina juntava um dólar por dia para que no Natal pudesse fazer algo especial em forma de gratidão pelo que tinha e que ajudasse pelo menos um pouco as pessoas, que todos os dias andavam muito tristes. Ao longo dos anos sem presentes de Natal, a menina aprendeu que uma palavra amiga era muito mais valiosa do que um presente caro, mas as pessoas apenas se importavam com os presentes, então a menina decidiu mostrar isso a cidade. 42
NATAL COM GRAÇA
Uma semana antes do Natal a menina gastou todo o dinheiro que tinha juntado, em folhas de papel coloridas. Depois de conseguir tudo o que precisava, a menina passou dois dias escrevendo frases nos cartões, de fé, amizade, esperança, ...Assim que terminou isso também, a garotinha demorou três dias entregando os cartões para toda a cidade. No dia do Natal, quando as pessoas abriam suas portas, viam cartões simples, mas com dizeres muito valiosos. Instantaneamente, toda a tristeza no coração das pessoas foi substituída por alegria, bondade, fé, a magia do Natal. Os moradores da cidade ficaram tão comovidos com aquela singela atitude da menina, que não só agradeceram a garotinha profundamente, mas se inspiraram na atitude e começaram a mandar cartões todos os anos, para amigos em outros países, pessoas em outras cidades, ... E assim a magia do Natal se espalhou por todos os cantos do mundo, tudo graças a uma atitude muito simples, mas comovente de uma menina pobre em Nova York.
43
EDITORA OLYMPIA
Ceia para dois Adaílton Almeida de Sousa
Naquela noite não havia presentes sob o pinheiro enfeitado. O pinheiro, aliás, era artificial, comprado de um camelô. Não se esperava ninguém descer pela chaminé. Porque chaminé não tinha. Num país tropical, lareiras eram raras. Era quase meia noite, ouvia-se o barulho da TV, onde um sacerdote iniciava a Missa do Galo. Sinos, renas e presépios também não havia. Sobre a mesa uma jarra de água. O jantar estava no microondas: Uma pizza congelada. Era possível ver pela janela que no prédio da frente uma família se reunia, crianças corriam ao redor de uma mesa farta. Natal, natal... lembrava-lhe a infância e tinha cheiro de rabanadas. Mas sentia algo de triste naquela época, causava-lhe certo incômodo e paradoxalmente paz, como se o ano vindouro pudesse milagrosamente ser melhor. 44
NATAL COM GRAÇA
A algazarra aumentou no prédio da frente, o relógio marcou meia noite, pessoas se abraçaram. O microondas emitiu o som de que a pizza estava aquecida. Levantou-se do sofá e se espreguiçou. De súbito a campainha tocou. Surpreso, por não estar esperando visitas, pensou que fosse alguma criança do 45, pregando uma peça. Girou a maçaneta e se deparou com a senhora do 41, que morava sozinha, a não ser pela dezena de gatos que conviviam com ela. A anciã devia ter uns oitenta anos ou mais, a cabeça alva, mas os olhos azuis e bem vivos. Trazia uma travessa nas mãos. “Ei mocinho, desculpe o incômodo. Eu fiz um assado e pensei que quisesse um pouco. Ah... e feliz natal!”’ “Ah sim... obrigado. Feliz natal. É... por favor entre.” “Sabe, você se parece muito com o meu netinho.” “É mesmo?” - Sorriu o rapaz, desconcertado. Naquela noite, por fim, compreendeu que talvez o natal tivesse algum significado de partilha, mesmo que fosse partilhar a solidão. A pizza esfriou e o assado estava saboroso.
45
EDITORA OLYMPIA
Clarissa Rogers Silva
Por que papai vai trabaiá todo os dia?, e perguntei pra mamãe e ela disse que se não eu não comia nem tinha como estudá nem nada. E nem presente, eu lembro que ela completou e eu pensei Mas que presentes? Só pensei. Não falei nada pra mamãe porque ela era meio braba. Eu era menino e menino apanha facin. Xispa. Papai era bonzinho. Todos os dia ele chegava umas sete horas da noite, me dava um beijo no rosto que eu logo limpava a baba, me colocava no colo e dizia que no Natal eu ia ganhá do Papai Noel um presentão. E eu ficava feliz imaginando que depois de dormir e acordá eu ia pra árvre de Natal (esse ano tinha que tê árvre de Natal. Em todas casas tinha. Até naquelas da televisão!) – eu ia pra árvre e lá ia tê uma caixa bem bonitinha e tudo, com um lação desse tamanhão, ó, e ia abrir e ia tê uma bicicleta e um videogame e um monte de fitas. Depois ia, voltava pro meu quarto e de debaixo da cama ia tê mais presentes: um monte de caixinhas e outras grandes assim, ó. Mas ainda não era Natal. Até lá... Eu tinha uma amiga que era muito esperta e se chamava Clarissa. Ela tinha a mesma idade que eu mas era mais inteligente. Ela dizia umas coisas estranhas tipo que a água da chuva saía das nuvens e na lua era tudo escuro e o sol que era clarinho, clarinho e quente. Eu dizia 46
NATAL COM GRAÇA
algumas coisas também, mas tudo que eu ouvia dos professor, tipo Pedro Álvares Cabral e células e outras coisas mais sobre o Brasil. E ela dizia Mas isso todo mundo sabe e eu dizia Que mentira! e saía chateado porque ela era mais conhecedora do que eu. Um dia ela, branquinha, coitada, com aqueles cabelos pretinhos e grandes, disse que o vô dela era forte que carregava um cimentão assim, ó, bem pesado, com um só dedo. Eu disse Meu avô é mais e carrega um Escort com uma mão só. Ela disse Mentira porque seu vô já morreu. Eu fiquei chateado e disse Ih, você é bobona bobona bobona e fui sentar de debaixo da árvre que a gente sempre falava que ia fazê uma casinha e nunca fizemo. Ela veio toda boazinha e pediu desculpas e falou que quando os avôs morre, eles vai prum lugar que nem a casinha que nós queria fazer, lá, ó, bem calmo, só que bem maior. De repente deu um barulho forte do trovão e ela disse Sabia que os relâmpos vêm antes dos trovão só que eles é o mesmo? Não entendi. Mas ri daquele jeito meu assim que nem um indinho, como todo mundo falava. Ela riu também e eu senti uma coisa estranha e ruim aqui dentro, ó, e depois à noite na minha cama eu até chorei. Chorei até. Nós passava o dia inteiro juntados, eu e a Clarissa. A mãe dela era legal e dizia que eu era o índio mais bonito do mundo, inclusive aqueles lá de lonjão. Dizia que ia namorá com a Clarissa, mas eu dizia Sai fora. Eu nem vou namorá. Clarissa sorria com aquele jeito dela igual da mãe. As duas tinha uns olhos meio claros. A mãe da Clarissa também era muito bonita. Na escola ela era mais adiantada uma série do que eu, mas no recreio a gente ficava sempre juntado. O povo lá dizia que a gente namorava e eu ficava brabo. Eu nem vou namorá, dizia sem graça quando não ficava com raiva. Ela ria. Depois de outubro vem novembro, depois dezembro e depois o Natal, ela disse. A gente tava em frente da represa que minha mãe não gostava que eu ia. Mas eu não entrava, eu era medroso, a Clarissa mesmo que falava. Ela entrava, mas só um pouquinho, e nadava. Ela me chamava e dizia pra mim entrar. Tô sem vontade. Cê tá é com 47
EDITORA OLYMPIA
medo. Tô nada! Medroso, medroso, medroso, e jogava água em mim. Eu corria brabo, voltava pra olhar pra ela e ela ria. Perdia com isso minha brabeza. Por que ela sempre ria? Um dia à noite, a gente brincando de pique-esconde com outros meninos perto de casa, aconteceu uma coisa estranha. O Felipinho que tava contando: Um! Dois! Clarissa me pegou o braço e fomos correno prum pradão, aqueles de luz, bem longe do lugar que o Felipinho tava contando. O Xandão e o Dedé subiu em cima da casa do Dedé. E a Vanessa e a Paulinha entrou na casa da Vanessa que era irmã do Felipinho. Quarenta e nove! Cinquenta! Pronto! Eu sentia a respiração da Clarissa, távamo muito perto, o pradão era pequeno e apertado e tava até meio escuro lá dentro. Eu ia falá alguma coisa mas ela disse shhhiii e colocou o dedo na minha boca. Távamo pertinho um do outro e ela foi assim chegano, chegano e pegou na minha mão. Eu tremi e senti uma coisa assim estranha. Credo. Aí então ela me deu um beijo na boca assim tão rápido e aí o Felipinho apareceu e gritou Clarissa e Hugo! Peguei! A Clarissa correu bem depressa mas eu fiquei paradinho dentro do pradão sentino aquele gosto estranho além do friozinho. À noite, na cama, eu pensava que Clarissa era minha namorada e beijava o travesseiro e sentia uma coisa boa mas estranha. E chorava. Mas não chorava assim de dor ruim. Era bom. Chegando perto do Natal, a gente tava brincano de naviozinho porque tinha chovido e ficou meio alagado, a gente pegou e brincava de pirata e tudo. Eu disse que ia ganhá um monte de presentão do Papai Noel esse ano, inclusive um videogame e que tudo ia tá na árvre de Natal de manhãzinha, viu. E ela riu. Disse que Papai Noel ia só pras crianças lá dos Estados Unidos e Europa e de lá bem longe, aquelas crianças boazinhas. Eu disse Mentira. Ele já foi lá em casa e me deu um caminhãozinho ano passado, menti. Eu nunca tinha visto o Papai Noel. À noite, távamo deitados assim no chão e olhando pro céu. Seus olhos parecia brilhar que nem uma lanterna esverdeada do Dedé. Ela disse As estrelas mudam de lugar. Elas andam. Eu ri. Ih, ó. Cê tá 48
NATAL COM GRAÇA
doida?, falei. Falamo de um montão de coisa mas principalmente do Natal que tava chegano. Dezembro chegou e as casas ficaram bonita cheia de luzinhas coloridas e todas enfeitada, inclusive a minha que nunca tinha sido antes. Mamãe até colocou uma árvre na sala mas não tão bonita quanto aquelas da televisão. Eu ia perguntá, mas mamãe era meio braba. A festa mesmo, aquela que todo Natal tem, foi na casa da Vanessa e Felipinho. Os pais deles eram altões e brancos. Diziam que eram gaúchos, mas eu num sabia o quê que era isso. A Clarissa de vestidinho verde-claro e a mãe também tavam, e outras pessoas mais. Minha mãe tava até mais feliz nesse dia e menos braba. Conversava muito com a mãe da Clarissa. Dessa vez ficamo eu, a Clarissa, a Vanessa, o Felipinho, o Dedé, o Xandão e outros meninos que eu não conhecia juntados, todos. Todas as crianças ganhou um presentinho, uma caixa de bombom, do Sr. Ricardo, pai do Xandão. Foi bom até esse dia. Mas eu queria mesmo era chegar em casa, dormir e acordá e vê aquele tantão de presente na árvre lá de casa, de debaixo da cama, que Papai Noel ia deixá. Fomo pra casa e eu já tava com sono e cansado e deitei e dormi sem vê. Nem vi. Sonhei com eu e com a Clarissa na nossa casinha da árvre que a gente num tinha feito. Acordei e fui correno pra árvre de Natal, nem escovi os dentes nem nada, fui é pra árvre de Natal pra vê se Papai Noel tinha passado lá em casa e deixado presentes pra mim. Tinha uma caixona grandona assim, ó, bem grande mesmo e eu tava muito feliz porque era a primeira vez que eu tinha ganhado presente no Natal e era grande. Abri correno correno e quando abri vi que era uma bicicleta. Eu fiquei feliz e fui correno pro quarto do papai e da mamãe falá pra eles que Papai Noel tinha me dado um presentão que eu queria há muito tempo. Eles riam, riam, felizes. Até mamãe. Perguntei pra mamãe se eu podia andá com a bicicleta. Ela disse que à tarde sim, agora não. Eu nem importei. À tarde eu ia com a minha bicicleta que eu tinha ganhado do Papai Noel pra casa da Clarissa e falá pra ela que Papai Noel passa nas nossa casa sim, e não só do povo lá de lá. 49
EDITORA OLYMPIA
À tarde eu peguei minha bicicleta novinha-novinha e fui pra casa da Clarissa que ficava um pouco perto, mas nem tanto, da minha. Chegando lá eu vi algumas pessoas lá fora no jardim, estranhas. Passei, como Ayrton Senna, por entre assim, vrummmm, no meio das pessoas, até chegar na porta. Sua mãe tava vermelha-vermelha e o olho também e ela gritava e chorava e uma outra abraçava ela muito. Eu não entendi nada. E nem vi Clarissa. A mãe da Clarissa não me viu porque saí assim pouquinho depois e perguntei lá fora pro Xandão que era um pouco mais velho e conhecedor que eu e entendia mais as coisas, o que tava aconteceno. Ele disse que a Clarissa pegou um naviozão assim, ó, que tinha ganhado da mãe e foi pra represa sozinha, sem falar com a mãe. Ih, ela é doida, ri. E parece que ela afogou, continuou Xandão. Ih, mentira!, gritei e pedalei bem forte minha bicicleta rumo à minha casa. Tinha chovido, parece, à noite, por isso um ventozinho meio frio batia em meu rosto. Eu corria muito e brequei forte quando cheguei em casa e quase caí, chorando. Perguntei pro papai depois, noutro dia, o que tinha acontecido e ele disse que Papai Noel tinha levado Clarissa. E eu ficava feliz porque assim ela não ia mais, nunca mais duvidar do Papai Noel porque tava com ele, pertinho, e ficava triste porque eu sentia uma coisa ruim aqui assim, ó, uma vontade de ver ela e aquele sorrizinho e queria ouvir aquelas estranhices que ela falava, mas não podia. Eu nunca mais ia vê Clarissa? Ah, nem! Nem aquele sorriso, assim, ó? Nem!...
50
NATAL COM GRAÇA
Ferrovia: presente de Natal Celso Ribeiro
Na véspera de Natal, a família estava reunida. A árvore, com algodão e as bolas coloridas, nos galhos, e a estrela, no topo. Os presentes, muitos, foram colocados ao pé da árvore. Papai Noel chegou. João Pedro, meio incrédulo, mirava a figura, na expectativa do presente que poderia ganhar – aos sete anos, era o centro, a convergência, o foco da família. Recebeu o presente de Papai Noel, uma caixa de papelão, grande o suficiente, para o que esperava, e para seu tamanho de criança. A abertura da caixa foi um pouco dificultosa para ele, e a tia dele, Maria Clara, o ajudou. Ele estava com os olhos mais brilhantes do que nunca – uma ferrovia, completa, movida à bateria, que eletrificava os trilhos. A ferrovia foi montada por João Pedro, e Lucas, tio dele. Ligada, a ferrovia encantou a João Pedro. Valeria não compreendeu o presente dado a João Pedro por Maria Clara, irmã dela – a imagem de ferrovia, locomotiva e vagões traziam lembranças pesarosas. “Clara, não entendi o presente que deste a João Pedro.” “O que? Como assim?” 51
EDITORA OLYMPIA
“A ferrovia não traz boas lembranças.” “Não traz boas lembranças para quem?” “Para João Pedro, e para mim.” “Não foi o que pareceu para João Pedro. Ele está feliz, brincando com a ferrovia.” “Nunca conversei com João Pedro sobre a circunstância da morte do pai dele, e o episódio do retorno de trem.” “Para dizer a verdade, não conheço toda a história.” “João Pedro tinha dois anos.” “Onde vocês estavam?” “No interior, em visita à casa da nossa irmã - ele entrou em uma bacia de água quente, preparada para o banho da filha dela, recém nascida. A perna esquerda dele foi sofreu queimadura.” “Olha! João Pedro continua se entretendo com a ferrovia.” “Parece que não estás interessada em ouvir toda a história.” Maria Clara tornou a mirar João Pedro. “Quando a gente estava na casa da nossa irmã, chegou um telegrama, com a notícia de falecimento do pai de João Pedro. Retornamos no primeiro trem.” “Final da história?” A pergunta de Maria Clara não desanimou Valeria. “No mês passado, quando João Pedro completou sete anos, contei a história da queimadura, e da morte do pai dele.” “E ele, como reagiu?” 52
NATAL COM GRAÇA
“Depois que contei a história, mostrei algumas fotografias do pai a ele. Notei que a expressão se tornou triste. Pensei que ele fosse chorar. Não fez perguntas.” “E ele nunca tinha visto fotografias do pai?” “Ele já tinha visto.” “Desculpa por ter feito uma pergunta grosseira a ti.” “Tudo bem. Quando te perguntei por que tinhas dado de presente a ferrovia a João Pedro, o passado tinha vindo à tona.” “Entendo – pelas lembranças tristes da época em que tudo ocorreu.” “Não vamos falar sobre esse assunto mais.” “Vamos comemorar o Natal!” Na adolescência, João Pedro começou a ler livros de literatura, de diversos gêneros – clássicos e modernos. E um dos gêneros que se destacava, em sua preferência, distinto dos demais, era o de metáforas. Em uma das ocasiões em que João Pedro esteve na casa dos pais, pouco mais de um ano do falecimento de sua mãe, entrou no sótão da casa. Aos sessenta e quatro anos, a imagem da mãe permanecia viva em sua memória. No sótão, onde não se lembrava quando tinha entrado pela última vez – de certo há longa data, dentre muitos objetos antigos, viu uma caixa de papelão, que pareceu familiar. Estava umedecida e empoeirada. Nesse momento, antes de abri-la, se lembrou de sua mãe. Ao abrir a caixa, viu as lembranças de Natal, de sua infância e adolescência. Uma delas, em especial, o emocionou - a caixa com a ferrovia, presenteada pela tia Maria Clara, na véspera de Natal, quando tinha sete anos. Ao pegá-la, as rememorações surgiram em turbilhão. A emoção o dominou. 53
EDITORA OLYMPIA
Fechou os olhos por um momento. Ao manusear as peças da ferrovia, quase uma a uma, pensamentos vieram à tona – ‘A vida é como uma viagem de trem, cheia de embarques e desembarques, de pequenos acidentes pelo caminho, de surpresas agradáveis com alguns embarques e de tristezas com os desembarques. O grande mistério afinal é que nunca saberemos em qual parada iremos descer, muito menos nossos companheiros de viagem.’ No sótão, havia uma cadeira de madeira, antiga como os demais objetos. Puxou a cadeira, e se sentou. As imagens da tia Maria Clara, e do tio Lucas, se tornaram nítidas. O presente de Natal - a ferrovia - poderia ter tido um motivo.
54
NATAL COM GRAÇA
Graça transmitida Ana Marta Nascimento Oliveira
O mês de dezembro parece ser muito esperado por todos. Parece haver um encanto no ar. O clima é diferente e até as músicas natalinas são contagiantes. Parecem nos trazer paz e encantamento. São luzes brilhando por todos os lados, seja na cidade ou nas casas. São inúmeras famílias que se reúnem, com festas e mesas fartas, ondes todos se presenteiam e se abraçam. E são vários presentes espalhados pela casa. A noite de Natal parece ser maravilhosa e intensa, e de tão boa os minutos parecem girar mais rápido no ponteiro do relógio. Onde chega a hora de soltarem os fogos. E como é bom estar na companhia de pessoas tão queridas, aproveitando os momentos especiais com amigos e familiares. E a festa e a alegria continua por muito tempo, com um clima agradável e amigável entre os convidados. E é um momento propício para agradecer ao Senhor por mais um ano e pelo Ano Novo que virá em seguida.
55
EDITORA OLYMPIA
Depois de compartilhar o alimento, as pessoas se reúnem na sala de estar para colocar os assuntos em dia. Enquanto as crianças correm pela casa com os brinquedos que vão abrindo um por um. Porém, como o mundo não é igual para todos e nem o clima de Natal, bem do lado da linda casa em festa, separada apenas por um muro, se encontra uma casinha bem modesta e humilde, onde não há brilhos e nem enfeites natalinos. Onde não se escutam músicas e nem risos de alegria. Parece ser um mundo antagônico separado apenas por um muro concreto e pedras frias, pois, naquela humilde se vê uma mãe e um filho se abraçando, para diminuir o vazio da falta de um pai que morreu dias antes do Natal, com um acidente muito trágico e triste. E, nenhum brilho natalino ou mesa farta faria sentido naquele momento de luto tão difícil, pois, nada apagaria a saudade de um pai que partiu tão inesperadamente de um lar, na vida da esposa e do filho. Não havia mesas fartas, pois o dinheiro mal dava para os gastos. Não havia presentes, pois, não há convidados para lhes trazerem um agrado. E o tempo naquela noite parecia ser mais longo que os outros de todo o ano e as horas não passavam e iam se arrastando noite a dentro, até o dia ir clareando. O mundo desigual onde vivemos, pode se descrever até mesmo em um poema, onde a realidade de muitos lares nesta época do ano, é muito diferente. Onde há casas com mesas fartas, e outras que não tem nenhuma com arroz, feijão e salada. Onde há casas com luzes por todo o teto, e outras que nem teto tem, pois, não há teto para ser enfeitado em ruas e sarjetas. Onde há casa com muitas famílias felizes reunidas, e em outras onde a famílias em luto por estarem tristes e aflitas. Onde alegrias e tristezas podem fazer parte da ceia de muitas famílias no Natal. E onde para muitos este dia é excelente, mas, para outros é um dia de muita tristeza pela saudade das pessoas ausentes em seu lar. 56
NATAL COM GRAÇA
Mas, em meio a tanta desigualdade, há pessoas que ainda tem muito amor no coração em fazer que o Natal de outras seja bom, pois nelas o Natal é uma época apenas de festas, mas, para trazer graça e alegria aqueles que padecem, visto que, não se comemora apenas com ceia com trocas de presentes, mas, principalmente para festejar o aniversário Daquele que faz todo o sentido das festas natalinas, que é Cristo, e a graça que recebemos Dele nós transmitimos a outros também. Ajudando assim os que não tem nada a terem um Natal com graça, e não somente na época natalina, mas, também em todos os outros dias, pois, a graça de Jesus é diária em nossa vida. E ele nos pede para amarmos ao próximo como a nós mesmos, assim como Ele nos ama o tempo inteiro. E, por falar em amor, a emoção neste poema nos servirá de motivação o ano inteiro, pois, lembra-se daquela casa linda em festa, com mesas fartas, convidados, presentes e brilhos intensos? Pois é, ela convidou aquele casebre ao lado para cear junto com eles, e aquele Natal fez toda a diferença na vida das duas casas, pois, ambos se tornaram uma só família, onde compartilharam os alimentos, os presentes e a companhia, que é a coisa mais importante que deveria ter nas festas natalinas. Pois, é fazendo as pessoas felizes que somos mais felizes nesta vida. Às vezes passamos o Natal sem um propósito verdadeiro, onde damos vai valor as coisas que compramos e ganhamos, ou se a mesa está enfeitada e a decoração da casa está bonita. Às vezes não enxergamos a realidade de muitas pessoas que estão ao nosso lado e que não tenham nem mesmo uma mesa para enfeitar ou um prato para encher de comida. Muitas nem mesmo tem um teto para colocar luzes coloridas. E, muitas vezes esbanjamos e compramos coisas que nem precisamos, mas, não perceber que muitas pessoas nem tem em casa o sustento que deveriam. Ás vezes reclamamos de barriga cheia, enquanto muitos vão dormir de barriga vazia. 57
EDITORA OLYMPIA
Por isso, no Natal tudo parece ser encantado e perfeito. Mas, não em todos os lares, infelizmente, pois, em cada um deles há uma história, seja de alegria ou de tristeza, onde muitos se alegram no Natal, mas outros só vivenciam os problemas e dificuldades que enfrentam. Dessa forma, o real sentido do Natal não são as festas regadas de comidas, bebidas e presentes, mas, sim as pessoas, o principal personagem natalino é Jesus, e o presente que Ele mais deseja é que tratemos bem aos outros, pois, quando fazemos o bem a alguém, é como se estivéssemos fazendo a Ele também, assim como lemos em Mateus 25: 40. Esta é missão que temos na terra, de servir aos outros, assim como Cristo nos ensinou quando viveu neste mundo. Onde não buscou os próprios interesses, mas, se sacrificou por mim e por você, para que um dia tivéssemos a oportunidade de vivermos a eternidade ao lado Dele, onde será um lugar tão maravilhoso que não temos como imaginar. Porém, como as festas de Natal neste mundo não tem sentido se não tiver pessoas queridas, assim também será a festa no céu, onde não será a mesma coisa se nós não estivermos lá. Por isso, Jesus nos faz questão da presença de cada um de nós em sua mesa, e por isso, nos convida hoje a nos preparar para a festa mais importante de nossa vida, nas mansões celestiais onde Ele nos prepara hoje uma ceia infinita, onde não durará apenas uma noite, mas, por toda eternidade bendita. Que este poema seja motivação para abraçarmos, não somente no Natal, mas em todos os outros dias do ano aos que nada têm e transmitirmos graça aos que não são vistos por ninguém. Isso parece ser uma bela poesia, mas, na verdade é uma realidade em nossos dias, onde muitos celebram o Natal com alegria, mas, outros parecem não ter motivos para tanta euforia, pois, o sofrimento é tão grande que vivem todos os dias do ano sem alegria, e no Natal em nada diferencia. 58
NATAL COM GRAÇA
Que possamos transmitir graça, a pontos de acendermos as luzes do que estão vivendo em trevas por viverem situações tão tristes. Que possamos fazer aos outros aquilo que queremos que eles façam a nós também. Que possamos seguir o exemplo de Cristo.
59
EDITORA OLYMPIA
Guirlanda de Poinsétias Rafaela Ribeiro
Na pequena cidade de Eve, em época de Natal, o clima intercalava entre chuva, com direito a dias cinzas e frios, ou sol, quente, brilhando alto no céu azul. Naquele ano, na véspera do dia 25 de dezembro, a chuva caía leve, porém incessante, e Eve seguia a mesma rotina de sempre, sozinha. O barulho das pequenas gotas d'água completava o cenário aconchegante em que ela se encontrava, deitada no sofá, vestindo seu moletom mais confortável e gasalhado, assistindo a sua maratona de filmes de Natal anual. Essa era sua rotina em clima natalino, depois das compras no supermercado, apreciando os enfeites nas lojas e casas bonitas do centro, a praça da cidade, tão verde, devido a chegada do Verão, cheia de pisca-piscas e estrelas brilhantes, e aquele grande pinheiro que deixaram crescer apenas para esse momento. Seu peito se encheu de nostalgia e excitação, porém, ela não pôde evitar uma pontinha de decepção, afinal, sua casa continuava a mesma. Eve pausou o filme e encarou seu apartamento azul, cinza e escuro, seu coração se retorceu no peito. Ela não deveria estar tão só nesse dia. O mundo se vestia em verde e vermelho e ali estava ela, assistindo pessoas se apaixonarem, se divertirem com seus amigos, resolverem 60
NATAL COM GRAÇA
seus problemas, enquanto ela desejava o mesmo, mas não saia do sofá, esperando que seu sonho se realizava como que caindo do céu. Claro, quando Eve saía ela podia sentir o Natal no ar, o cheiro até, e todos por perto a conheciam, ela conhecia todos, entretanto ao voltar para casa, com os cabelos úmidos por causa da chuva, suas mãos ainda estavam vazias, e ela se sentia fria e solitária. “Não” pensou “Não esse ano de novo.” E se pôs de pé a caminho da cozinha, revirando suas compras, separando tudo que pudesse virar prato de um belo jantar. Não seria muito mais que algumas lasanhas congeladas, saladas e panetones, mas era alguma coisa. Eve telefonou seus vizinhos, pessoas que eram sempre simpáticas e que ela nunca teve coragem para falar algo mais que “Bom dia”; se arrumou e, vestida agora num longo vestido branco pintado com florezinhas vermelhas, passou a arrumar a meda de jantar. Quando a campainha soou pela primeira vez, suas mãos gelaram e foram duras até a maçaneta, ao abrir a porta ela não pôde evitar o sorriso que se formou no seu rosto, ali estava a humilde pequena família que vivia no segundo andar, eles traziam uma tigela de salpicão. Eve disse o que sempre dizem em momentos como esse. “Ah, não precisava...” Mas de convidado a convidados todos traziam algo. No fim a sala estava cheia de pessoas conversando rindo e comendo por toda parte, uma clássica música brasileira de Natal tocava em uma pequena caixa de som que alguém trouxe, um belo pavê com ameixas estava no centro da mesa junto a taças de vinho. Não havia um peru, mesmo assim, ninguém sentiu falta de uma coisa sequer, seus corações estavam cheios e Eve se sentiu feliz de verdade, não apenas por ser Natal, ela sentiu a alegria de ser grata por não estar sozinha, por poder celebrar a vida com outras pessoas. A festa durou altas horas, quando os convidados começaram a ir embora, Eve notou na porta uma simples, porém linda, guirlanda de 61
EDITORA OLYMPIA
Poinsétias pendurada nela, então ela notou, Natal não é sobre bonitas decorações ou caras ceias, e sim sobre as pessoas que estão com você, sobre não estar sozinho. Afinal, a vida pode não ser perfeita, mas é linda.
62
NATAL COM GRAÇA
Laços Invisíveis Daniel Lobato de Souza
Em uma noite gelada de inverno, Anne Juce, uma mulher de negócios bem-sucedida, saía de um jantar à solitude em um restaurante da cidade. O ar cortante da noite a envolvia enquanto ela caminhava pelas ruas vazias. O frio intenso deixava sua respiração visível e as estrelas cintilavam no céu noturno. Ela já estava acostumada a terminar seus longos dias de trabalho com refeições solitárias, até que, em um beco escuro, encontrou Carlos, um homem em situação de rua, tremendo de frio. O homem estava encolhido, embrulhado em um cobertor fino e sujo. Seus olhos revelavam um passado difícil e um presente ainda mais sombrio. Anne, com seu coração generoso, não pôde deixar de sentir compaixão por ele. Sem hesitar, aproximou-se e ofereceu-lhe uma refeição quente que sobrara de seu jantar. Ela também tirou o cachecol azul que usava e entregou a ele, vendo-o finalmente sorrir com a gentileza inesperada. Esse encontro casual marcou o início de uma amizade improvável. Carlos, um ex-militar que enfrentara desafios pessoais devastadores que o levaram à vida nas ruas, começou a compartilhar sua história com Juce. Ele contou sobre os traumas do passado, as noites frias e 63
EDITORA OLYMPIA
solitárias nas ruas e os olhares indiferentes que encontrava todos os dias. Anne, tocada por sua história e pela força que ele demonstrava, sentiu-se compelida a ajudar de maneira mais significativa. Ela o guiou para abrigos e assistência social e ofereceu apoio emocional. Mais do que isso, ela sentou-se com ele, ouviu suas histórias e compartilhou com ele as suas próprias experiências de vida. Carlos, por sua vez, ensinou a Anne sobre empatia, compaixão e as complexidades da vida nas ruas. Ele mostrou-lhe o valor das pequenas coisas e o poder de um sorriso ou de uma refeição quente. À medida que os meses passavam, essa amizade improvável se transformou em um profundo vínculo entre eles. Foi o momento em que os olhares cruzaram e como uma ponte sobre um rio abraçaram um horizonte magnífico da imensidão do amor fraterno, donde o princípio do jeitinho brasileiro encontra brechas que podem tornar o dia melhor ao próximo. E chegou o Natal, uma época de generosidade e compartilhamento. Não poderia ser diferente. Anne e Carlos, juntos, decidiram fazer algo especial para aqueles que ainda estavam nas ruas nesta época do ano. Sentados em um café aconchegante, enquanto as luzes natalinas enfeitavam a cidade, eles planejaram um evento para oferecer refeições quentes, cobertores e presentes a pessoas em situação de rua na véspera de Natal. — Vamos tornar este Natal especial para eles. Não só com comida e agasalhos, mas com um pouco de alegria e esperança. Juce, com um brilho nos olhos, disse a Carlos. — É um presente de Natal incrível que podemos dar a eles, Anne. — Mostrar que alguém se importa, que eles não estão sozinhos. Completou Carlos, com um sorriso caloroso.
64
NATAL COM GRAÇA
Na véspera de Natal, eles se uniram a voluntários da comunidade e organizaram o evento. Montaram mesas ao ar livre, decoraram com enfeites natalinos e acenderam velas que brilhavam na noite fria. Um grande caldeirão de sopa quente borbulhava no fogão e havia presentes embrulhados com lindos laços coloridos esperando por olhos que o cativassem a ganhá-los. À medida que as pessoas se aproximavam, Anne, Carlos e os voluntários as recebiam calorosamente, oferecendo acima de tudo o que havia de melhor a se dar - aquele que é o maior dos sentimentos - o amor. A noite estava repleta de risos, histórias compartilhadas e, acima de tudo, o espírito de solidariedade e compaixão. — Carlos, você me ensinou o verdadeiro significado do Natal... Disse ela olhando-o com gratidão. — ...É sobre dar, compartilhar e mostrar amor aos que mais precisam. E com um belo sorriso, Carlos finalizou; — Juce, o Natal é quando as almas se conectam e criam laços que duram para sempre. Hoje, nós não apenas aquecemos seus corpos, mas também seus corações. A história de Anne e Carlos se espalhou e se tornou um exemplo inspirador de como a compaixão e a união podem criar um impacto positivo em uma sociedade. Eles provaram que, independentemente das diferenças de origem e status, todos têm o poder de fazer o bem e tornar o mundo um lugar mais justo e acolhedor.
65
EDITORA OLYMPIA
Memórias de Natal... Natal em Munique Eliana Maria Santos Pereira
Maria era enfermeira de profissão e o seu nome encaixava-lhe perfeitamente na sua época preferida do ano: o Natal. Todos os anos em dezembro Maria vibrava com a atmosfera natalina, as músicas inspiradoras e o ambiente de generosidade que se sentia nesta época do ano. Maria sempre observava no Natal o lado mais compassivo no olhar das pessoas que passeavam nas ruas repletas de luzes cintilantes e abundantes de decorações natalícias. Maria sabia que o seu nome também encerrava um certo misticismo, o seu nome estava associado à Virgem Maria mãe de Jesus, foi através de uma grande mulher chamada Maria que Jesus de Nazaré o grande líder religioso do Cristianismo foi concebido. Maria, ao contrário da mãe do Nazareno que não teve educação formal e era uma simples camponesa, tinha sido educada numa família de classe média e escolheu ser enfermeira porque acreditava que curar era amar. Ela tinha a convicção que quem cura, ama de forma profunda. Maria queria dedicar a sua vida a curar enfermos: crianças, velhos ou homens e mulheres no seu vigor físico. Maria 66
NATAL COM GRAÇA
sentia um amor imenso pela humanidade. Talvez aqui também houvesse um certo paralelismo com Maria, a mãe de Jesus, Maria carregou dentro de si o homem que apelou à humanidade a amar o próximo como a si mesmo. Talvez no fim de contas curar e amar sejam uma fórmula secreta, nada vulgar! No início daquele ano Maria tinha decidido visitar o Münchner Christkindlemarkt em Munique na Alemanha na famosa praça MarienPlatz que curiosamente quando se traduz para português se designa Praça da Maria. Este mercado de Natal é o mais antigo e famoso da cidade de Munique. Maria olhava vezes sem conta para o seu telemóvel e observava quase diariamente o seu bilhete de avião. Ela estava ansiosa pelo grande dia, 18 de dezembro de 2022. Seria uma viagem rápida, mas com certeza muito interessante. O grande dia chegou. Eram 19 horas em Munique e Maria estava abismada com a atmosfera em MarienPlatz. Maria caminhava assoberbada com a atmosfera natalícia daquele mercado de Natal que ela tanto sonhou em conhecer. Aquele domingo ficaria para sempre na sua memória. O frio não se fazia sentir naquele lugar mágico. A atmosfera daquele mercado de Natal em MarienPlatz era encantadora. As luzes brilhantes, a música festiva e o cheiro de especiarias no ar criavam uma sensação de alegria e celebração. Maria continuou a caminhar pela praça apinhada de gente e de repente viu o pinheiro de Natal gigante que todos os anos é colocado em frente à glamorosa câmara municipal de Munique. O pinheiro de Natal é todos os anos iluminado com cerca de três mil luzes e dava um brilho ainda mais especial àquela praça. Maria continuava a deliciar-se com as variadas barraquinhas daquele mercado de Natal encantador. O seu olhar facilmente se distraía com 67
EDITORA OLYMPIA
os belos enfeites de Natal ou as velas encantadoras, as diversas roupas e o mais surpreendente artesanato da Baviera. Maria ficava com água na boca e não sabia que iguaria deveria provar em primeiro lugar: o famoso doce natalino Lebkuchen, as deliciosas amêndoas açucaradas ou o Stollen o famoso pão doce de Natal originário da Saxónia? Nesta indecisão completa Maria resolveu ir a uma barraquinha onde vendem o famoso Glühwein, o vinho quente tão típico dos mercados de Natal na Alemanha. Maria ficou surpreendida ao ouvir falar português naquela barraquinha, e disse: - Então temos cá portugueses a preparar o famoso Glühwein? -Sim, menina. Chamo-me José Neves e estou cá na Alemanha faz muitos anos – diz o senhor já com cabelos grisalhos, olhar amistoso e de sorriso terno nos lábios. - Eu sou a Maria e gostava de beber este famoso vinho quente. Sirvame por favor uma caneca e diga-me quanto é? - Só um momento e está a sair Glühwein do melhor que existe aqui em Marienplatz! Enquanto Maria esperava pela caneca de Glühwein o seu olhar fixou uma linda estátua no centro daquela magnifica praça. A estátua era uma coluna de pedra com vinte metros de altura aproximadamente. No topo da coluna Maria observava a estátua dourada da Virgem Maria a segurar o menino Jesus nos braços. Era uma obra de arte impressionante e cheia de significado naquela época de Natal. Maria foi interrompida na sua contemplação pelo Sr. José que lhe disse: 68
NATAL COM GRAÇA
-Aqui tem o seu Glühwein, e mais lhe digo que aquela estátua que lhe petrificou o olhar chama-se Mariensäule também conhecida como coluna de Maria é uma das atrações mais icónicas e históricas desta cidade. Esta estátua foi erguida em 1638 para comemorar o fim da Guerra dos Trinta Anos. É um símbolo de gratidão pela paz alcançada e o retorno ao catolicismo. Maria estava a lembrar-se das suas aulas de História e a tentar lembrar-se do motivo daquela guerra. Mas porque é que já tantos anos se passaram e já tantas guerras foram desencadeadas pelos homens? Será que a humanidade não aprende com a História? - pensava Maria no meio da atmosfera serena e alegre daquele mágico mercado de Natal. Entretanto Maria empolgada em seus pensamentos pergunta a José: - Que significam aqueles quatro anjos de bronze em baixo da coluna de Maria? - Os quatro anjos lutam com animais e cada animal representa uma praga humana. O leão representa a guerra, o basilisco a peste, o dragão é símbolo da fome e a cobra representa a heresia. Maria reflete sobre a luta daqueles anjos da coluna de Maria com Jesus nos braços e pergunta a si mesma: quantos anos mais serão necessários para vencermos o leão, o basilisco, o dragão e a cobra que ainda guerreiam dentro de nós? Maria despede-se de José Neves e caminha pensativa na mensagem desta viagem: tinha sido uma viagem curta que a investiu de nova bagagem, quem sabe de uma nova roupagem. Maria já em casa coloca debaixo da sua árvore de Natal a sua compra favorita no mercado de Natal de Munique: Jesus, essa figura esculpida de puro amor.
69
EDITORA OLYMPIA
Mês de festas William R.F. Ramires
A montagem da árvore de natal abria um ciclo, o mês do natal tinha chegado. As agitações das festas de final do ano começavam. Presentes, fim das aulas, preparativos para a ceia de natal, férias, tudo se juntava para fazer de dezembro um caótico mês. Mas, no final tudo dava certo e era aquele chororô nas doze badaladas. Se ficasse de recuperação, perdia as primeiras semanas de férias, quem passava direto caçoava, a mãe reclamava já estressada com quem estava de férias, mais estressada ainda com quem estava de recuperação. Logo comprar os presentes, aquele alvoroço todos ao shopping. Todos mesmos, parece combinado, a cidade inteira parece querer comprar, todos os dias do mês. Fila para estacionar, para comer, para usar o banheiro e até para subir escadas. A parte do presente era resolvida sem muitos percalços, antecipadamente. Sempre fomos organizados, se para comprar os regalos já era cheio de gente semanas antes imagine na semana do natal, impossível. Mas o complicado mesmo era definir onde seria a festa, minhas tias junto com minha mãe até brigavam nestas acaloradas discussões, porém a casa era uma questão mais fácil, a comida é que era o ponto de desavenças, ficava algo como cada um 70
NATAL COM GRAÇA
por si e salve-se quem puder. Porém nas bebidas era certo, muito refrigerante para as crianças e cerveja para os outros, as vezes um vinho e espumantes para os brindes. Uma tia sempre preparava o salpicão, a outra tia cismava com o arroz com amendoim e passas, mesmo muitos não concordando com esta tradição acabavam comendo no final. O peru estava sempre presente, as crianças ficavam com olhos vidrados no forno só esperando o pino vermelho subir. O cheiro do natal era marcante, a fritura do óleo com o aroma do forno e as rosas dos vasos no balcão davam um encantamento único. Na mesa suculentas farofas rodeadas de frutas vermelhas e uvas, castanhas de todos os tipos e diversas frutas secas. Espalhavam bombons pelos cantos da casa, a cada encontro com a guloseima um pequeno alvoroço. Em outros anos brinquedos escondidos que eram revelados com mapas feitos pelas tias. Haviam natais cheios de gentes, outros com menos familiares, mas a reunião era sempre garantida. Certo ano minha mãe me incumbiu para segurar um bolo destes de camadas, sentei no banco de trás do carro e o bolo foi colocado em meu colo. Meu pai dirigia e minha mãe ao lado equilibrava panelas em seu colo, ao lado, até meu pequeno irmão de dois anos segurava um saco de bala de coco. Curvas, buracos, lombadas e o comum trânsito cheio de trancos e barrancos. Quando chegamos o bolo era somente lembranças. Afundei as duas mãos enquanto tentava segurar aos solavancos, o bolo foi se desmanchando e quando o carro parou em frente a casa de meus primos, era um amontoado de massa recheado com minhas mãos. Minha mãe ficou um pouco brava comigo, mas foi rápido, entendeu a situação do desafio da viagem, a questão da data e meu empenho. Pegou o bolo e me puxou para a cozinha da casa de minha tia e juntos modelamos um novo, usando aquela massa, amassando tudo com as mãos. Ficou ótimo, aquela farinha de bolo ganhou forma e fizemos 71
EDITORA OLYMPIA
uma cobertura de chocolate, foi um sucesso, antes da meia noite já tinha acabado. As brigas também eram constantes, mas o que predominava era a gratidão de estarmos todos juntos. Quando meu avô era vivo era o primeiro a sentar na mesa e o último a sair. A sequência para sentar na mesa eram as crianças comerem primeiro e depois os adultos. Meu avô sentava com as crianças e só saia depois da louça lavada. Começávamos a comer antes das baladas, a fome apertava e todos ficavam agitados. As crianças eram rápidas, menos eu, todos diziam apontando para mim come igual ao seu avô, devagar. Me colocavam ao lado velho, eu ficava até bem depois dos meus primos. E só podia sair quando limpasse o prato, demorava, mas comia, já em plena mesa dos adultos, enfim terminava e saia correndo atrás das brincadeiras atrasadas com os primos. Papai Noel era um evento a parte. O bom velhinho no começo aparecia e os mais novos sempre choravam de medo. Logo fomos crescendo e os disfarces foram sendo quebrados, tios foram pegos em flagrantes no papel do velhinho lá do Norte, mas nada que um punhado de brinquedo para encantar e subornar o silêncio das crianças, preservando o anonimato do ancião polar. Cada um pegava o seu brinquedo e ficava num canto até cansar para então juntar com os brinquedos dos outros, logo todos os brinquedos eram um emaranhado só. Próximo a meia noite a família já estava de pé em frente ao relógio de cuco, taças de vinho ou espumante nas mãos. As crianças distraídas com os brinquedos eram chamadas para os abraços, alguns já embaralham as pernas, logo caiam em alguma cama e entravam num sono merecido. Três, dois, um, viva, feliz natal, os abraços começavam, muitos choravam, as crianças abraçadas por todos eram liberadas. As irmãs se abraçavam e choravam, sentavam no sofá e se permitiam vinte minutos de papos descontraídos relembrando felizes natais passados. 72
NATAL COM GRAÇA
O cansaço é visível nos rostos de todos, semanas de preparação, dias de trabalhos intensos, muitos nem dormiram para deixar tudo pronto, no final tudo deu certo, as lágrimas pararam de correr, ninguém vai embora, não existe condição de dirigir, mas isso já faz parte do programa. Pelos cantos as pessoas vão dormindo, num quarto meu avô, nos outros todos. Na sala os últimos acordados se ajeitam no sofá ou tapete, daqui a pouco o dia começa a raiar e aos poucos todos vão acordando e ainda de manhã a ceia vai sendo requentada até os familiares partirem no fim da tarde. Poucos dias depois outra festa, a virada do ano. E enfim chega o fim dos festejos, com a tarefa de desmontar a árvore de natal, guardando cuidadosamente em sua caixa original, limpando as bolinhas coloridas, enrolando o fio dos pisca-piscas, guardando os enfeites, para que tudo esteja em perfeita ordem para o próximo dezembro. Este símbolo represente a alegria de celebrar em família. Guardar a árvore é o rito que encerra as saudosas festas. Tempos de grande família. Os anos se passaram e a distância nos separou. Algum nos deixaram, mas continuamos trabalhando para um mundo melhor. Entretanto este ano já combinamos, vamos nos encontrar de novo, como nos velhos tempos. Meus primos já falaram que vou começar a comer com as crianças, para não ficar até depois das badaladas na mesa.
73
EDITORA OLYMPIA
Natal com amor Rosangela Fernandes Terra
Me lembro como hoje daquela noite feliz! Os colonos da fazenda em que morei até os 5 anos, eu já tinha 7 e morava na cidade, combinaram de fazer uma grande festa de natal na tuia. Lá tinha um grande espaço, suficiente para as muitas famílias estarem juntas. Cada família levaria um alimento. Eu tinha meus avós e tios que lá moravam. E não posso esquecer de meus primos. Natal é um momento especial e encantador por si só, tempo de acolhimento, amor, paz... É mágico! Nos desperta solidariedade, alegria e traz enfeites brilhantes, que iluminam nossos olhos. Mas naquela noite feliz, na fazenda, as luzes que iluminavam, além das que foram instaladas por todo terreiro da tuia, eram as estrelinhas piscando no céu, tímidas e opacas, numa noite de lua cheia. Havia chovido mais cedo, mas agora o céu estava límpido e claro. Sob este céu, havia uma fogueira para assar as carnes e uma mesa que, com simplicidade estava opulenta de comidas doces e salgadas. Corríamos em volta dela numa feliz espera; à espera do presente que Papai Noel traria. Às vezes, olhávamos o céu cristalino para ver se não avistaríamos um rastro cintilante de seu trenó e renas. E uma risada gostosa: ho, ho, ho! 74
NATAL COM GRAÇA
Meu tio assou uma leitoa, forrou um carrinho de pedreiro com muita higiene e cuidado e levou aquela maravilha que enchia os olhos de todos! Uma delícia que fora apreciada com muito apetite. Que saudade! Vivenciando aquele momento como se fosse hoje, sinto exatamente seus cheiros, sons e frescor... Vejo através deste túnel, os olhares que brilhavam alegria e esperança, os sorrisos sinceros que desejávamos, nos acompanhassem em todos os momentos de nossa vida, as pessoas que amamos e quereríamos que fossem eternas. Na roda da vida, tudo passa, mas nas nossas lembranças, momentos ficam eternizados. No natal, as risadas do presente nos remetem às risadas de outros natais, de risos que se foram e de risos que chegaram...
75
EDITORA OLYMPIA
Natal com Graça Gabriela Pole Teodoro
Era uma noite fria de Natal, com a neve caindo suavemente do céu estrelado. Em uma pequena rua em Nova York, as luzes cintilavam nas casas e uma sensação de magia pairava no ar. Todos estavam reunidos em suas casas, desfrutando do aconchego das lareiras crepitantes e decorações emocionantes. No entanto, na extremidade da cidade, na casa de Mayleen, a atmosfera era bem diferente. Mayleen era uma mulher idosa, ela vivia sozinha. Seu marido havia partido há muitos anos, e ela não tinha filhos para lhe fazer companhia durante vivências e momentos como estes. O Natal costumava ser uma época triste para ela, lembrando dos tempos felizes que havia compartilhado com seu amado que agora jazia em uma eternidade distante. Naquela noite, Mayleen estava sentada junto à janela, olhando a neve cair dos céus cintilantes. Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto enquanto ela se recordava de seu marido, a solidão a consumia. Ela se perguntava se algum dia poderia sentir a alegria do Natal novamente.
76
NATAL COM GRAÇA
Enquanto Mayleen estava perdida em suas memórias, algo mágico aconteceu. Finalmente ela conseguiria o consolo que necessitava? Ela ouviu um suave sino tilintar do lado de fora de sua porta. Com um coração esperançoso e aberto, ela se levantou e abriu a porta. Para sua surpresa, havia um menino pequeno, com um casaco surrado e um gorro encharcado de neve. O que lhe acontecera? "Desculpe-me, senhora, mas me perdi na nevasca", disse o pequeno garotinho com uma voz tímida. "Você poderia me ajudar?" Mayleen, embora surpresa, sorriu e convidou o menino para entrar. Ela secou suas roupas molhadas e preparou uma xícara de chocolate quente. Enquanto conversavam, Mayleen descobriu que o nome do menino era Bernardo e que ele também estava sozinho naquela noite de Natal. Bernardo compartilhou suas histórias e sonhos com Mayleen, e, à medida que o tempo passava, a tristeza em seu coração começou a se dissipar. Mayleen também contou suas histórias de Natal e compartilhou sua saudade de seu marido. Os dois encontraram consolo e alegria na companhia um do outro naquela profunda noite. Às 11h, eles saíram para dar um passeio na neve na esperança de encontrarem sua família, sob o brilho das estrelas e encontraram um boneco de neve inacabado, Bernardo vendo isso, por sua vez, pegou um galho de pinheiro caído e o finalizou decorando com algumas folhas e frutos vermelhos que encontraram. Mayleen vendo sua pureza e paixão, ficou emocionada com o gesto e percebeu naquele simples momento a representação da renovação, da esperança e do amor. Quando eles retornaram à casa de Mayleen sem sucesso na busca, o relógio bateu meia-noite, marcando oficialmente o Natal. Mayleen e Bernardo compartilharam de um abraço afetuoso e, nesta dia, Mayleen percebeu que o Natal era mais do que presentes e festas, era mais do que apenas uma data, era mais do que apenas um dia onde a 77
EDITORA OLYMPIA
tristeza de Mayleen dominava sua alma, para ela agora, havia se tornado o dia onde viu a luz no fim do túnel, viu a esperança e a alegria acenderem em seu interior novamente. Na manhã seguinte, Bernardo partiu para encontrar sua família, mas deixou para trás um coração cheio de gratidão e um presente inestimável para Mayleen: a renovação de sua alegria no Natal. Ela nunca mais se sentiu sozinha nestas datas especiais, pois Bernardo sempre a fazia companhia, mas agora, com sua família também o acompanhando para sempre desejar um "Feliz Natal, Mayleen!". E assim, na cidade de Nova York, a noite de Natal se tornou uma história emocionante e cativante, lembrando a todos que o verdadeiro espírito natalino reside na generosidade do coração e na conexão com aqueles que precisam de amor e companhia.
78
NATAL COM GRAÇA
Natal da Família Almeida Musa Maria
O Natal da família Almeida sempre foi comemorado no dia 24 de dezembro. Encontravam-se na Missa do Galo. Os filhos foram desde muito pequenos, até que já estivessem caminhando os seus próprios passos. Em seguida a Ceia de Natal, Manuela se dedicava a decorar a mesa sempre com novidades, na sequência a distribuição dos presentes e o chocolate quente para finalizar. Algum tempo depois, com a chegada das namoradas e do namorado, outra mesa foi colocada. Até que um dia, filho mais velho se casou. A primeira nora exigia a presença do marido na festa da família dela e a partir de então, participavam da Missa do Galo, conversavam um pouco durante os aperitivos e saíam para a ceia com a outra família. O segundo filho acompanhou a exigência da mulher, depois do precedente do irmão mais velho. Quando a filha mais nova se casou, Antônio logo imaginou que a próxima Ceia seria apenas para duas pessoas, mas como a família do 79
EDITORA OLYMPIA
marido da filha morava em outro estado, combinaram ficar no Natal com os Almeida e Ano Novo com os sogros. Mesmo com a chegada dos netos, a mesa da Ceia começou a se esvaziar muito antes da meia noite. Antônio Almeida, que amava ter todos ao redor de si e da amada Manuela, começou a se incomodar com este fato que se repetia todo ano. Fora de questão arranjar briga com as noras, Manuela e ele combinaram de não se meterem na vida dos casais, raramente ouviam uma queixa aqui e ali, acolhiam com grandes abraços e sorrisos, mas da boca não saía uma palavra, assim a harmonia nunca foi quebrada, mesmo com a família crescendo a cada Natal. Antônio e Manuela passaram dias imaginando o que poderiam fazer para reunir todos ao mesmo tempo no Natal, o neto mais velho já estava com 10 anos, o segundo com 7 e uma escadinha deliciosa de três meninas cacheadas e mais um a caminho. Como imaginar algo tão interessante e irresistível para completar 14 pessoas à mesa, com a alegria ruidosa das crianças, observar os sorrisos e conversas dos 3 filhos queridíssimos, sem perder as tradições natalinas; presépio, presentes, Missa do Galo e a Ceia. - Manu, achei a solução! Enquanto contava sua ideia só foi interrompido pelas risadas da mulher que ouvia atenciosa suas observações. Acho que vai dar certo! Exclamaram juntos. No dia 15 de novembro, os filhos receberam um convite, num envelope grande e colorido. “Querido filho (a). 80
NATAL COM GRAÇA
Fizemos um pedido especial ao Criador e excepcionalmente Ele nos permitiu mudar a data de nascimento do Menino Jesus. Esperamos você e sua adorável família para a nossa Ceia de Natal no dia 20 de dezembro, sexta-feira do presente ano. Vamos nos encontrar na Missa das 19h, na nossa Paróquia. Sua mãe e eu queremos um presente muito especial. – “A presença de cada um de vocês! ” O casal preparou a festa com muito carinho e muitas ideias diferentes. Finalmente chegou o dia do Natal antecipado. A família toda ocupou 3 bancos da Igreja, com suas roupas natalinas, as crianças com os gorrinhos vermelhos e brancos. Ao chegar em casa, logo na entrada uma pilha de caixas com o nome de cada um em letras coloridas. Dentro da caixa, enfeites da Árvore de Natal, ursinhos para as meninas colocarem na parte mais baixa, carrinhos e bolas com o adesivo dos times dos meninos, os antigos enfeites que os filhos colecionaram na infância, e para as noras e genro, bolas de Natal com as fotos dos casamentos, batizados e aniversários; longas tiras de contas coloridas e todos os tamanhos de bolas vermelhas. A Ceia não apresentava os pratos tradicionais, mas o prato preferido de cada um, numa variedade de lembranças das férias na praia, nos hotéis fazenda e experiências gastronômicas. Enquanto escolhiam sua comida preferida no enorme aparador, recordavam todas as refeições que fizeram juntos e as lembranças deram um sabor pleno e delicioso de bons encontros e muitas festas. Entre brincadeiras e risos, escolheram sua sobremesa preferida entre as 14 opções à mesa, até o bebê que ainda estava na barriga da nora ganhou uma mamadeira com o chocolate quente especial da vovó. 81
EDITORA OLYMPIA
Cada detalhe demonstrava o carinho dos pais pela pequena família e a felicidade de reunir todos ao redor da mesa. Em cada lugar à mesa, uma peça do presépio. Assim que foi retirado o último prato da sobremesa, Manuela estendeu no centro da mesa um tecido imitando o solo arenoso do Oriente Médio. Enquanto Antônio narrava a cena do nascimento de Jesus, foram tomando seus lugares no centro da mesa, os pastores, anjos, animais, a estrela, Maria e José e por último a manjedoura com o Menino Jesus, com muito cuidado colocado pelo neto mais velho. Antônio segurou a mão da mulher e abençoou sua linda família com uma pequena oração de agradecimento por estarem juntos e felizes em mais um Natal. Manuela tomou a palavra, porque os olhos de Antônio estavam marejados e agradeceu aos filhos o melhor presente que eles poderiam dar. A mesa permaneceu repleta nos natais seguintes.
82
NATAL COM GRAÇA
Natal e sua árvore Pedro Franco
Entrávamos em dezembro de 2022 e Vovó Leca começava a armar a Árvore de Natal, pensar na Ceia e preparar o apartamento, que fica em frente à casa de muitos Natais passados. Sentado e impossibilitado de ir ao computador, que pifou, para digitar a crônica sobre esta delicada e trabalhosa operação, resolvi escrever o conto a lápis. Via agora e já conhecia a faina de outros dezembros. A arte de armar a Árvore começa pelo desarmar, já que vários e antigos enfeites têm histórias e antes filhos e agora netos procuram os enfeites antigos e, dando voltas em torno da Árvore, apontam os novos e, em meio a luzes piscando, há encantamento em todos os olhos. Tomara que um dos três se anime, melhor ainda os três, se animem e tragam os nossos bisnetos para participarem das mesmas tradições. Como precisamos delas e cada vez mais, já que elas estão sendo desprezadas. Os netos, médica, advogado e engenheiro, cito em 83
EDITORA OLYMPIA
ordem cronológica, que sou avisado, voltam no tempo e apontam enfeites. As árvores são trocadas, que ficam velhas, desgalhadas, não os enfeites. Raramente um é barrado e haja sustentação para alguns, já precisando de muito apoio. Aquele ali é do meu tempo de menina, diz a filha, aquele foi mamãe que trouxe e é novo, aquele tem um verso do Vovô, eu gosto mais daquele anjinho, coitadinho, apesar de estar descorado! Cadê aquele que é tricolor? Este Vovó trouxe de Londres, há muitos anos. E enquanto a avô, pacientemente arruma enfeites, procura o melhor ângulo para aquele Papai Noel e para a nova guirlanda, vou escrevendo e, sem perceber, emociono-me. Não é esta árvore um simples ornamento em uma sala, não é apenas um objeto decorativo. É a alma de uma família, é a sabedoria/ingenuidade da Avó, passada para filhos e netos e simbolizada pela Árvore. É pictoricamente a mais rica, ou bonita. que já vi? Não e nem é muito grande. Não ganharia prêmio em concurso, sei, tenho até a certeza, pois lamentavelmente não conseguimos ainda passar sentimento para os objetos, pelo menos aos olhos dos não iniciados na contemplação anual destes galhos especiais. É este conto, que fui escrevendo a lápis no papel de rascunho? No torvelinho do embrulha presentes, que se seguiu, lá se foi a página com o início da crônica. Tenho nas mãos, agora, que pude voltar ao computador depois da lanternagem do mesmo, os garranchos que restaram com o fim do texto, que aí vai. E a Árvore não vive só do cuidado, do carinho e no armar. Houve desvelo e emoção ao desarmá-la, depois que passa a Festa dos Santos Reis. Cada enfeite tem uma história, o amor de quem os coloca 84
NATAL COM GRAÇA
nos galhos verdes de papel crepom. São embrulhados um a um em papel fino e embalados. Muitos estranharão tantos cuidados em época tão difícil. Concordo que é necessário ter muita sensibilidade e até mesmo certo grau de ingenuidade para permanecer fiel ao espírito de Natal, às comemorações de Natal, simbolizadas nesta casa pela Árvore, pela Ceia, onde o filho em boa hora introduziu a leitura de frases de um trecho da Bíblia, evoluindo depois para mensagens de fé de outras publicações. Cada frase é lida por um dos familiares e às vezes só por ele. E vozes velhas e novas, uma de cada vez, reproduzem antigas e eternas verdades. E já em fevereiro a Avó começará a pensar na armação da próxima Árvore, nos presentes de fim de ano, na nova ceia e esta sensação por certo vai passando para o seu cotidiano, para seu papel de suporte de uma família; função que desempenha como esmero e eficácia, sem alarde, sem desejar maiores reconhecimentos. Faz parte da tradição de Natal o sentido da doação e sem esperar retornos ou recompensas. Como seria bom se políticos copiassem as vivências dela! Sabe-se que estas criaturas, que tanto doam e sem pensar na retribuição, estarão no Reino dos Céus, onde por certo o Natal é comemorado pelo Pai, que nos emprestou o Filho, que nasceu em um lindo Natal, há dois mil e vinte e dois anos e em pobre estábulo. Aleluia! Aleluia! Que todos sejam abençoados. Feliz Natal. Feliz 2023
85
EDITORA OLYMPIA
Natal: onde o amor começa Claudia Camilo
Estava preocupado sem saber como escrever a matéria sobre o Natal que meu chefe me incumbiu de fazer. E mesmo contrariado, queria fazer o melhor possível. Foi quando me veio à mente tudo que está acontecendo no planeta neste momento. Guerras, conflitos, fome, miséria, a violência nos lares, nas escolas, hospitais, desastres naturais, as vezes consequência de nossas ações e tantas outras coisas bem negativas, enfim, pensei em tudo que está acontecendo neste mundo que recebemos para cuidar. Então, me questionei, será que diante de tudo isso Ele vai mesmo querer nascer novamente? E instigado por minha veia jornalística resolvi investigar, tendo uma conversa franca com o dono da festa, para saber o que Ele pensa sobre isso, se vale a pena. Abri a porta de minha casa, o convidei e Ele aceitou, e então ficamos frente a frente, olho no olho. - Olá Senhor, agradeço por aceitar conversar comigo para a entrevista. Como deseja que eu te chame? - Como você preferir. - É melhor Jesus, não é? 86
NATAL COM GRAÇA
Ele me sorriu lindamente. - Ou Mestre, Salvador, Messias, Emanuel, Príncipe da paz, Filho de Davi, Bom Pastor, Nazareno, Senhor, Cristo… ou amigo, se quiser. - Puxa! São muitos nomes. Como Nossa Senhora, sua mãe. Mas, por hoje vou chamá-lo de Bom Jesus. - É verdade. - Ele sorriu com ternura. - E então meu amigo, como posso te ajudar? - Bom Jesus, o motivo desta entrevista é a proximidade do dia do seu aniversário, o Natal. E como sabe, o Senhor volta a nascer nos corações de todos que o esperam. Pretende fazer isso este ano também? - Claro. Porque eu não faria? - Na verdade Jesus, a dúvida surgiu por causa destes tempos que estamos vivendo. O mundo está uma loucura, com problemas em todos os lugares, até mesmo homens de bem estão se deixando envenenar pelo ódio, a intolerância, o egoísmo, a falta de empatia, de caridade, amor, solidariedade, acolhimento, compaixão, enfim, certamente o Senhor sabe do que estou falando, portanto, como fica seu aniversário neste ano? - Em verdade eu gostaria que tudo estivesse diferente, mas, quando o homem decide abrir mão dos meus ensinamentos para seguir somente seus instintos, o preço a pagar é bem alto. Mas ainda assim, vou fazer como em todos os anos. Vou estar de braços abertos para todos no Natal. - Mesmo com tanta coisa ruim acontecendo no mundo por causa das pessoas... de nós? - Sim. As pessoas tem planos, esperam ansiosas por este dia, e eu não vou abrir mão de atendê-las. 87
EDITORA OLYMPIA
- Me desculpe falar isso, mas, é claro que o Senhor sabe que tem muitos que esperam este dia por causa das festas, reencontros com familiares e amigos, comidas, feriados, presentes... Não por sua causa. - Sim, eu sei. É uma verdade muito triste. Mas não muda o valor especial do Natal. - E mesmo assim, sabendo de tudo, está pronto para derramar sua graça de novo? Aqui entre nós? - Sim. Como sempre faço todos os anos. Com certeza será um dia muito bonito, de amor e felicidade. A certeza com a qual Ele respondeu me deixou desconcertado, mas decidi insistir no assunto. - Bem Jesus, sabemos o que vai acontecer depois, então, ciente de que muitos dos que agora estão ansiosos pelo Natal serão corrompidos e vão apoiar a sua condenação, ainda acredita que vale a pena nascer? - Sim. Mesmo sabendo que passarei por um verdadeiro cálice de dor, de agonia, vale a pena nascer. Eu sempre me sinto o mais feliz de todos por nascer como o portador do amor e da benção plena do Pai. Eu amo ser tão esperado, desejado. Todo o céu festeja o Natal. Isso é maravilhoso, não há amor maior que este. - Mas e sua condenação e morte? - O meu nascer e também o meu morrer é graça do Pai para a humanidade. Por isso estou aqui agora. - Como pode falar isso assim, com essa serenidade? Eu sei que é um santo, mas naquele momento seu corpo era humano, capaz de sentir a dor, os açoites, os espinhos da coroa, as bofetadas na face. Seu sangue foi derramado durante o percurso de todo o caminho até o calvário. Vai aceitar viver tudo de novo?
88
NATAL COM GRAÇA
Neste momento ele me lançou um olhar que pareceu ser um abraço muito apertado. - É verdade, meu corpo humano sofreu muito, mas foi capaz de suportar tudo por minha natureza divina. O Pai, em tudo nos conforta. Na presença Dele todos são capazes de suportar aquela dor. O sangue que cobriu aquele caminho é da conversão, da libertação, do recomeço. - E então ele sorriu docemente. - O Natal é manifestação do amor. - Nossa. Só mesmo um santo para ver as coisas assim. Se eu fosse santo talvez acreditasse. Ele olhou profundamente em meus olhos e eu vi muita compaixão. Depois falou: - Na verdade não. Primeiro é preciso crer em mim e depois ser santo. O Pai age naqueles que me buscam, e daí vem a santidade. - Isso não é nada fácil. É só com muito amor mesmo. Por isso os cristãos te amam tanto. - falei com sinceridade - Então Jesus, o Senhor nasce nos corações humanos todos os anos no Natal, e continua vendo as coisas como estão agora. Portanto, já que pode todas as coisas, o que acha de mudar tudo desta vez? - O que exatamente você deseja que eu mude? Não consegui evitar um riso nervoso, afinal, eu um descrente, dando conselho para Jesus. - Olha Jesus, eu sei que o Senhor já sabe o que vou dizer, mas, na real, acho que podia dizer uma palavra e mudar tudo. - E como fica a vontade do Pai? E o livre arbítrio, a liberdade de cada homem e mulher? - Acho que não estamos prontos pra tanta liberdade. E Deus vai ficar feliz por evitar seu sofrimento.
89
EDITORA OLYMPIA
- Viu só como é mesmo necessário que eu continue nascendo sempre? Afinal, ainda hoje, após vivenciar tantos nascer e morrer, existem os que não compreendem o que é tudo isso, assim como você. - Como assim? - Tudo o que aconteceu foi para cumprir as Sagradas Escrituras, a vontade do Pai. E não é porque ele queria meu sofrimento não. O desejo do Pai é a salvação, e ela acontece por meio de um resgate, o povo precisava ser resgatado do pecado. E o preço foi a condenação de um justo. Eu paguei com meu sangue a liberdade de todo homem, mas é importante lembrar que não fiquei na sepultura. Estou vivo, aqui, agora conversando com você. Por isso o Natal existe, por isso é esta data tão especial, mesmo para quem não crê. - Certo. - respirei fundo, pois não estava conseguindo o que queria. E o que espera de nós neste ano? - O mesmo que espero sempre. Que cada um possa abrir o coração, acreditar e herdar a herança de meu Pai, que é o céu. Este é o propósito do meu nascimento, do dia de Natal, trazer o céu para todos. Céus! Pensei preocupado. Não sabia como escrever sobre esta data e a conversa não estava ajudando nada. - Bem Jesus, eu sabia que ia ser difícil escrever sobre uma data que eu nem gosto muito. E meu chefe pediu uma coisa bonita, verdadeira, inspiradora, emocionante. Pensei que se o entrevistasse ia conseguir convencer meu chefe sobre o Natal não valer muito a pena, mas agora que o Senhor insiste que o Natal é maravilhoso, não me parece boa ideia apresentar esta matéria da forma como pensei. Eu não sei o que fazer. - Vou te contar um fato especial que aconteceu comigo e depois você decide o que fazer. Combinado? - Claro. Eu aceito Senhor. - Na verdade é que no Natal sempre sou tocado de infinitas maneiras, e no último que festejamos, uma família em especial me chamou a 90
NATAL COM GRAÇA
atenção. Não era uma família de pessoas religiosas. A mãe, em ocasiões especiais aparecia numa igreja, o pai, as vezes fazia o mesmo, em outra igreja, e os filhos, depois do batismo e primeira comunhão nunca mais apareceram. Também não eram do tipo que vivem trocando beijos e abraços, tampouco eram de rezar. Sequer sentam a mesa juntos; mas, todos os dias de Natal eles se reúnem com os demais familiares para comemorar. E então, com todo o alvoroço de pessoas, correria, festança, comidas, bebidas, eles sempre reservam um momento pra mim. No último Natal a primeira a falar comigo foi a filha adolescente; ela foi gentil e amável, me agradeceu pelo Natal, pela família e depois me pediu presentes, um par de patins e um celular. E é claro, pediu bençãos, pra ela e pro mundo. Depois a mãe me chamou, pediu pelos filhos, pelo marido, agradeceu pela família, pala saúde, trabalho, por um Natal abençoado, e também pediu pelos pobres do mundo. Então tiveram uma ceia bonita com todos felizes, com muita conversa, música e sentados á mesa bastante farta, não fizeram nenhuma oração, nem tocaram no meu nome, nem do de minha Mãe e meu Pai, mas riram muito, trocaram carinhos, comeram, brindaram pelo amor e pela paz, desejaram o bem uns para os outros e para o mundo. Depois, bem mais tarde, o filho também veio a mim, agradeceu pela noite animada com a família, pediu por outras noites como aquela e mais paz e amor no mundo. Por fim, o pai se recolheu no quarto por um momento e falou comigo. Agradeceu pela família, por tudo que pode oferecer para a ceia especial, pediu bençãos para os seus filhos, o restante da família e os amigos. E pediu um mundo com mais justiça e paz. - depois de contar a história Ele me olhou ternamente. - Você entendeu meu amigo? - Sim Senhor. - respondi sinceramente. Estava emocionado com aquele olhar e com o que tinha acabado de compreender sobre o sentido real do Natal. - Agora eu vejo que no Natal, mesmo quem não é muito afetivo e religioso, pede por coisas boas. Como se todas as vozes se unissem por um único bem, que é o amor.
91
EDITORA OLYMPIA
- É isso. Em verdade, podemos ver que no dia das mães, os pedidos são para elas, dia dos pais, para eles, dos namorados, para os casais, das crianças para elas, tudo muito especifico, mas, quando é Natal os pedidos vão além, é tudo maior, as pessoas pedem umas pelas outras. Tem muito sentimento de amor no Natal porque os pedidos, as orações me tocam de modo diferente, e com isso, tiram imenso amor de dentro de mim. - É verdade, até eu que não sou religioso costumo rezar no Natal. Mas achei que só isso não bastava. - Então agora você me entende? - Sim Jesus. Agora eu percebo o que o seu nascimento faz acontecer com as pessoas, e mesmo que seja num único dia, é quando existe maior partilha de amor. E isso é uma benção contagiante. É um começo. - Sim, é um começo. O Natal traz felicidade, harmonia, de aconchego porque é cheio de amor, e o amor é transformador. Então, se em cada Natal alguma família se unir e se sentir tão bem e feliz a ponto de perceber que aquele momento deve ser mais constante, teremos um mundo mais feliz nos demais dias do ano. - Isso é maravilhoso. Eu não tinha percebido que o Natal é uma data tão coletiva, de mais empatia. - Eu sei meu amigo. É esse o amor que sempre ofereço com meu nascer, morrer e nascer de novo... Eu estava explodindo de contentamento. - Agora acredito que farei uma boa reportagem natalina. - Vai ser muito especial. Eu acredito no seu potencial.
92
NATAL COM GRAÇA
- Obrigado meu amigo. Eu devo isso ao Senhor. Te agradeço mesmo, de todo o meu coração por sua paciência e doçura comigo. Estou muito feliz.- Ele sorria comigo. - Agora, é mãos à obra, ao trabalho. - Pode contar comigo sempre. E se fica feliz, o céu se alegra. Agora vá e escreva com o coração. No dia seguinte eu estava diante de meu chefe, esperando enquanto ele lia atentamente a matéria que passei a noite concluindo. Estava ansioso, mas mesmo sem saber a resposta dele, me sentia muito orgulhoso. Quando terminou ele pousou os olhos em mim. Ficou em silêncio, por alguns segundos, o que pra mim foi uma eternidade. Depois perguntou sério: É esta a reportagem especial sobre o Natal que eu pedi? - Sim senhor. Outra pausa inquietante, depois, outra pergunta: E o entrevistado foi Jesus Cristo? O Filho de Deus? - Sim. Foi ele mesmo. - E qual sua opinião sobre o que escreveu? Quero dizer, você acredita mesmo no que escreveu? - Sim chefe, acredito. - admiti sincero. - Eu estou muito feliz com a matéria. Ela mostra claramente o quanto o Natal é especial, um tempo de amor, de esperança, de alegria, de gratidão. O Natal é maravilhoso. - Ora, ora, se bem me lembro quando lhe pedi esta matéria você reclamou bastante dizendo que não gosta do Natal, que tudo se resume a compras e festas. Disse que queria escrever uma coisa importante, séria. - Eu sei, mas estava errado. Agora eu compreendi isso. 93
EDITORA OLYMPIA
- Muito bem, se com esta entrevista você foi transformado, então acredito que será a melhor reportagem sobre o Natal que nossos leitores já viram. E se mais pessoas podem ser tocadas e sentir o que a matéria fez você e eu sentirmos, já valeu a pena. Parabéns. Bom trabalho. O entrevistado te tocou mesmo. - Obrigado senhor. É verdade, Ele me tocou profundamente sim. E dele brotou muito amor por mim. - Dá pra ver a luz dele nos seus olhos. Agora vai lá. Quero esta matéria para a próxima edição. - Certo. - feliz, me dirigi até a porta mas ele me chamou. Quando o olhei ele perguntou: - Escuta Gabriel, Ele é tudo que os cristãos falam mesmo? O que você sentiu diante dele? - Ele é mais do que se pode explicar com palavras. Não dá para mensurar quão maravilhoso Ele é. Sai da sala levando no meu rosto um sorriso de encantamento e felicidade, e com certeza estava deixando meu chefe com a mesma expressão. Sim, de certo ele também foi tocado pelo amor do entrevistado.
94
NATAL COM GRAÇA
Natal Periférico Erick Pitt Salmista das Ruas
Periférico é tão humilde, suas roupas, seu jeito de ser, seu modo de falar e até seu apelido é periferia. Chega essa época, diz ele que dá um frio na barriga, e para ele o natal é algo importante e ao mesmo tempo confuso nessa época em que aumento o consumismo e muitas novidades aparecem que até perdemos a cabeça e também desfocamos do que é realmente necessário. E sei que na periferia nada é de graça! E o frio na barriga é por ver que a época do natal está chegando, e ver, que por muitas vezes recebia a seguinte frase do seu irmão mais velho (Traficante Peroba), e sua mãe Dona Neuza que diziam nessa para ele nesses dias: -Que você tenha um natal cheio da graça! E que para ele, graça é ter algo que não comprou, mas, não ganhou. E para esquecer as faltas e os desejos do Natal Periférico vai perguntar a mãe, uma senhora religiosa, o que significa mesmo, e se a graça é o que ele pensa. E se descobrir o que é graça, para ele já está valendo nesse natal, bem que ele queria algumas outras coisas, mas a graça já tá valendo. 95
EDITORA OLYMPIA
Periférico brigou outro dia e está com olho roxo. Riram dele na escola e então não aguentou a situação e foi para cima de um e apanhou de três. Riram da sua cor, do seu tênis acabado e que não era de marca e também da sua roupa já surrada e batida e da camisa de uniforme rasgada. A família não pode comprar um uniforme novo, então, usa o gastado que vem usando há 2 anos e esse foi um dos motivos da briga, ainda zoaram do pequeno barraco de periferia que ele mora e ainda disseram da sua bicicleta enferrujada. Vai, se soubessem que Periférico passou toda infância acreditando em Papai Noel. Mas lembra que no natal dos seus dez anos ele ganhou uma bicicleta usada do seu irmão. Ele pediu as estrelas que enviasse o Papai Noel com um presente, e apareceu dentro do seu quarto a bicicleta Monarque barra forte, a bicicleta foi genial e o Papai Noel naquele ano funcionou. Mas seu irmão lhe deu um tapão na nuca dizendo: —Isso aí foi eu rapá, no corre pelo certo, vendendo os bagui que te dei essa bike moleque! Vai esperando Papai Noel pá tu vê? Enquanto Periférico refletia no que disse Peroba, seu irmão. —Aquele tapa me fez crer que nunca mais iria acreditar em Papai Noel que é lenda! E mais lenda ainda é meu irmão, que falou que corre pelo certo, vendendo drogas. Isso é correr pelo errado! Tanto é que ele foi parar no Cepaigo e tá preso já tem uma era. Mas cada um consegue o que pode, porque nada é de graça. Igual hoje, consegui com meu carrinho de rolimã, levar duas feiras de senhoras que me garantiu uns trocados e pelo ao menos uma coisa diferente vou comer amanhã no dia 25, e a feira tá lotada vou pra cima, quem sabe garanto outros trocados? Enquanto buscava mais uma compra de quitandas para levar ali na feira, Periférico ainda pensava alto: -Então, se eu pudesse pedir nesse natal, iria pedir algo há altura, nada demais, uma tv com Netflix para eu assistir uns filmes de rap 96
NATAL COM GRAÇA
americano, umas bacias de pipoca e uns refrigerantes bem da hora! Mas é porque lá em casa não tem tv e nem internet. Mas se tivesse Tv e internet, eu já iria pedir uma festa bem da hora e ia chamar meus amigos para ir e comermos bastante, enquanto escutávamos o melhor do Funk, trap e os rap gringo. Mas lá em casa não tem espaço, som e nem geladeira. Mas se eu pudesse fazer a festa tranquilo, eu pediria um carrão lowrider, tipo Chicano para eu andar nele pulando enquanto escutava músicas e ia levar a Claudinha comigo, mais as suas duas amigas dentro do carro. Mas, é que nada disso eu tenho, e percebo que, o quanto mais sonho, mais eu quero e então deixo de sonhar. Chegando em casa cansado, de trabalhar, de sonhar e lutar consigo mesmo. Lava sua bicicleta velha, presente dado pelo irmão que já dura mais de cinco anos, porque Periférico já está com 16, e pensa alto: -Uma volta de bike na rua já tá de bom tamanho no natal. A mãe chega cansada, e senta no sofá para ler a bíblia e ele pergunta: -Mãe queria descobrir nesse natal, o que é graça? E a mão diz a ele: -A graça, filho, tem vários sentidos a palavra, e que primeiro é quando alguém nos faz rir, é quando nos fazem graça. Depois quando alguém nos dá algo e isso vem de graça porque não custou nada. -Era o que imaginava mãe, fala Periférico. -Mas, filho tem a graça de Deus que nada se compara e vou lhe citar um exemplo: E a mãe Dona Neuza, a mãe de Periférico lhe conta uma fábula figurando a graça:
97
EDITORA OLYMPIA
—Um homem vem em seu carro e bate no muro do vizinho. Mas o vizinho sorri, e conserta o muro, o carro do vizinho e manda o dono do carro ficar tranquilo. Esse é um exemplo de graça que é o favor que não merecemos, porque aquele homem barbeiro que bate no muro vizinho merece é pagar os estragos, mas o vizinho pagou tudo por ele que estava errado. E tem a graça de Jesus, que é dar a vida pelos pecadores, filho. Ele é Deus se esvaziou de si mesmo e veio na terra como o filho de Deus, viveu, ensinou, sofreu e foi crucificado como homem e seus ensinamentos diz sobre a graça é que não merecemos, porque somos pecadores, mas, seus sofrimentos e morte foi por nós que somos perdoados dos erros que cometemos. Ele poderia ter dito não. Eu não vou morrer por essa gente errada, mas, ele não importou em amar até aqueles que erram e por eles fazer uma boa ação: morrer por eles, para que não fossem condenados ao erro. -Vendo por essa graça não merecida que temos em nosso dispor, mamãe, eu me arrependo, agora, de tantas coisas que poderia pedir, mas, pedirei em oração outro desejo profundo que me deu durante seu ensinamento. Dona Neuza: - Isso, filho, peça a Deus em oração que tudo ele pode te dar filho. E se for orar mesmo, peça pelo seu irmão, e que Deus conceda a saída dele logo, porque ele tá ansioso e mudado. Porque aceitou Cristo lá dentro da cadeia e está lendo muito a Bíblia, participando dos cultos e espero que Deus o permita logo sua condicional. Então senta Periférico, cheio da graça de Jesus em seu quarto e depois se ajoelha, e começa a chorar pedindo a Deus em oração: -Senhor, como os desejos do nosso coração pendem de maneira a desejar bens materiais, e que o Papai Noel possa nos conceder algo e como fomos levados a pensar assim Senhor. Hoje desejei carros, festas, som, tv e internet. Oh meu Deus me perdoa, porque, não são essas coisas que eu preciso de verdade. Porque já me deu a vida e a liberdade, a força, a inteligência e o entendimento. Meu irmão com 98
NATAL COM GRAÇA
trabalho sujo me deu até bicicleta preocupado com os meus desejos, e o que foi que fiz por ele? Um julgamento Senhor! Eu preciso mesmo é de cear esse natal com meu irmão aqui em casa; Ele escuta a voz do seu irmão: Sua mãe grita: -Filho você? E ouve o irmão: -Sim, me concederam a saidinha e disseram que na segunda eu poderia ir ao Fórum e eu mesmo procurar minha condicional, que já está disponível e apresentar na seccional para eu assinar uma vez por mês. Mãe, vou pegar minha liberdade condicional. Ele afasta a cabeça e estica o pescoço para espiar e vê imaginando falando consigo mesmo: -Rapaz o Peroba tá mudado hein? De terno, com o sapato bem limpinho, nunca tinha visto ele assim. E termina sua oração para ir correndo abraçar o irmão. -Senhor a sua graça é maravilhosa e antes que terminasse a minha oração, concedeste meu pedido! Aproximou da sala chorando, abraçou o irmão e disse: Peroba tu tá lindo cara! O irmão: - Peroba não, Paulo, esse é o meu nome de batismo e assim vai me chamar daqui para frente. E diz: -Oh graça de Deus maravilhosa! E Paulo, o antigo traficante Peroba, completa: Sim, meu irmão a graça de Deus é maravilhosa! E só a graça dele pode ter mais sentido na nossa vida! -Aí sim, Paulo, isso é correr pelo certo! — completa Periférico.
99
EDITORA OLYMPIA
Noellândia: A Luta por um Natal Mágico Jefferson Machado
Enquanto eu preparava o banquete para receber as famílias dos empregados do casarão, uma sensação de alegria e expectativa pairava no ar. Alfredo, com seus filhos, estava ocupado montando o presépio, posicionando cada figura para recontar a história do nascimento de Cristo. Marta, ao lado de seu marido, decorava a árvore de Natal com bolas brilhantes, laços coloridos e luzinhas que piscavam em uma sinfonia de cores. Enquanto meus empregados e suas famílias se ocupavam com os preparativos natalinos, decidi que precisava de um casaco para enfrentar o frio. Ao abrir a porta do guarda-roupa, uma surpresa me aguardava. Um floco de neve solitário rolou sobre meus pés e se desfez. Intrigado, comecei o revirar retirando minhas roupas com cuidado. Entre as vestimentas, meus dedos tocaram em algo inesperado: galhos. Curioso e sem entender, o adentrei, movido pela curiosidade. 100
NATAL COM GRAÇA
No entanto, percebi que os gravetos faziam parte de algo maior. Foi quando o chão sob meus pés cedeu, e senti-me caindo. Fui engolido por uma suavidade inimaginável. Era como se o interior daquele vestiário fosse uma passagem para outro mundo. A textura da neve era tão macia quanto plumas, e eu afundei nela como se estivesse sendo abraçado por um cobertor de algodão fresco. A sensação de cair na neve fofa me lembrava um abraço acolhedor em um dia de inverno, uma sensação que aquecia o coração apesar do frio cortante. Nesse momento, um urso polar se aproximava de mim, suas enormes patas deixavam pegadas profundas. A pelagem era espessa e felpuda, um casaco branco imaculado que brilhava sob a luz do luar. O gigante branco disse: — Jhon, o espirito do Natal está ameaçado. Suba em minhas costas que vou lhe levar a Noel. Quando subi sobre o urso, agarrei-me aos seus pelos como se ela fosse a única âncora de segurança naquele mundo fantástico. Suas costas largas e fortes me proporcionaram uma posição estável, e eu podia sentir o calor que emanava de seu corpo, o que era reconfortante naquelas condições gélidas. Enquanto viajávamos por Noellândia, a paisagem à nossa volta era desoladora. Vilas encantadoras e alegres estavam agora em ruínas, com telhados danificados e janelas quebradas. A atmosfera estava impregnada de tristeza e desespero, um contraste gritante com a exultação que eu experimentara anteriormente. O que uma vez fora um lugar de beleza e encanto havia sido transformado em um cenário destruído e caótico. A sensação de desolação estava em cada esquina, e eu não podia deixar de sentir a urgência da situação. Era evidente que o espírito do Natal estava em perigo, e meu coração estava cheio de determinação para ajudar a restaurar a felicidade e a esperança que antes dominavam Noellândia. 101
EDITORA OLYMPIA
Ao longe, sobre as majestosas montanhas, uma nuvem espessa e negra começava a se aproximar da cidade. Era como se o próprio mal estivesse se materializando no céu, avançando com um propósito sinistro e destrutivo. A nuvem escura se erguia como uma muralha de tempestade, pronta para engolir tudo em seu caminho, envolvendo as montanhas em uma escuridão ameaçadora. Conforme se aproximava, podia-se ouvir um estranho rugido vindo de dentro da nuvem, como se fossem os lamentos do próprio caos. Relâmpagos negros e reluzentes cortavam o ar, criando uma sinistra sinfonia de raios que pareciam vis criaturas à espreita. Essa névoa de destruição se destacava em contraste gritante com a beleza intocada de Noellândia, ameaçando apagar toda a fantasia daquele lugar. Era como se as trevas estivessem determinadas a sufocar a luz, e a cidade encantada estava prestes a enfrentar sua maior ameaça. O mal estava à espreita, e eu sabia que precisaríamos agir para proteger o espírito do Natal e trazer a esperança de volta a esse mundo fabuloso. No momento em que chegamos à vila havia um alvoroço muito grande. Duendes e elfos corriam de um lado para o outro construindo barricadas na esperança de deter o mal que queria acabar com o Natal e tudo que ele representava. A paisagem de Neve Eterna, que costumava ser um cenário deslumbrante e brilhante, agora era um reflexo tenebroso de seu antigo esplendor. O gelo se despedaçava em rachaduras sinistras, criando um terreno perigoso e inóspito. A beleza que uma vez existira ali estava sendo engolida por uma escuridão implacável. A Casa de Noel, que costumava ser o coração caloroso do Polo Norte, agora estava enrolado em sombras. As luzes brilhantes e guirlandas foram substituídas por uma aura de tristeza e desolação. A lareira, antes acesa com a chama do Natal, agora estava apagada, e o local 102
NATAL COM GRAÇA
parecia vazio e silencioso. Era como se a esperança tivesse desaparecido. A Floresta de Árvores de Natal, um lugar de fascínio, agora estava transformado em um bosque ameaçador. As árvores, que costumavam brilhar com luzes coloridas, murmuravam em agonia, com suas personalidades únicas apagadas. Não havia mais a sensação de que desejos especiais seriam concedidos ali. Era como se a própria essência da floresta tivesse sido corrompida. A Oficina de Brinquedos, que uma vez saltava de atividade e criatividade, agora estava abandonada e desordenada. As ferramentas e materiais mágicos estavam espalhados, e os bonecos brilhantes e coloridos estavam quebrados e negligenciados. Era um lembrete triste da falta de generosidade que costumava fluir daquele lugar. A cidade de Noel estava sob a ameaça dessa criatura que trouxera a destruição e o caos a esse mundo encantado. Tudo o que antes era puro e mágico estava corrompido, e o Natal estava em perigo. À medida que avançávamos o cenário se tornava mais desolador. Os duendes e elfos, que costumavam encher as ruas com risos e canções natalinas, jaziam agora em um silêncio perturbador. Suas roupas verdes e vermelhas estavam manchadas e rasgadas, e seus rostos, que outrora irradiavam jubilo, estavam agora pálidos e sem vida. Noel, o símbolo do Natal e da generosidade, estava irreconhecível naquele momento de crise. Vestindo uma armadura medieval, ele irradiava determinação e liderança. A armadura reluzia sob a luz das estrelas, cobrindo seu corpo com uma couraça que refletia sua disposição de proteger o espírito natalino. Seu elmo dourado, adornado, ocultava parcialmente seu rosto, mas seus olhos brilhavam com uma chama de resolução. Ao seu lado, elfos ágeis manipulavam arcos com flechas afiadas, prontos para defender a magia do Natal. Os duendes, conhecidos por sua habilidade em criar maravilhas, empunhavam espadas reluzentes, 103
EDITORA OLYMPIA
exibindo coragem diante da ameaça de Krampus. Formando uma linha de frente, uma fileira de ursos polares, com suas pelagens agora cobertas por couraças prateadas, seguravam lanças imponentes. Noel ergueu sua mão, pedindo silêncio, e dirigiu-se a seus companheiros com palavras de coragem e esperança e disse: — Hoje, enfrentamos uma ameaça que paira sobre nosso querido lar, o Polo Norte. É com pesar que nos reunimos aqui, em meio à preparação para a batalha final contra o Monstro e seu exército, criaturas que representam o oposto do que o Natal deveria ser. Ele personifica a ganância, a crueldade e o egoísmo, tudo aquilo que repudiamos e que está em desacordo com os valores que acreditamos. Nesse instante, uma nuvem negra envolveu a cidade, trazendo consigo a escuridão e o mal que representavam. Da névoa sinistra surgiram criaturas horripilantes, cada uma delas uma manifestação do próprio pesadelo. O Espírito maligno do Natal liderava o exército, sua figura aterradora com chifres e língua bifurcada destacava-se naquele cenário macabro. Atrás dele, os Goblins de Gelo riam de maneira malévola enquanto desencadeavam nevascas que se transformavam em tempestades gélidas. Suas risadas cruéis ecoavam pela cidade e enchiam o ar de uma atmosfera enegrecida. Bonecos de neve sinistros ganharam vida, seus olhos de carvão brilhavam com malícia. Agiam como soldados a serviço do ser natalino assustador, avançando com passos desajeitados e braços retorcidos, prontos para espalhar a destruição. Brinquedos que costumavam encantar crianças e trazer sorrisos de felicidade agora se moviam de maneira arrepiante, obedecendo aos comandos malignos do ser de chifres. Seus olhos brilhavam com uma luz perversa, e suas formas distorcidas causavam arrepios na espinha de qualquer observador. A batalha se desenrolou como um turbilhão de caos e desespero. Noel me entregou uma espada encantada, e eu me posicionei ao seu lado, pronto para enfrentar a horda de pesadelos que ameaçava Noellândia. 104
NATAL COM GRAÇA
O confronto se iniciou com um estrondo quando a milícia do demônio do Natal saltou sobre nós e as barricadas que havíamos erguido para proteger a cidade. Os grunhidos das criaturas eram aterrorizantes, enchendo o ar com um som gutural e ameaçador. O tilintar das espadas se chocando contra as couraças ressoava como um trovão, ecoando nas vielas da cidade. O grito de batalha de Noel era como um clarim de coragem, cortando o ar. O choque das armas contra as armaduras enchia meus ouvidos, criando uma cacofonia ensurdecedora que ameaçava dominar meus sentidos. As faíscas voavam quando as espadas encantadas enfrentavam os horrores sombrios do espirito maligno e sua horda. Cada golpe era uma luta desesperada pela sobrevivência, e a tensão no ar era palpável. Os ursos polares investiram com fúria, lanças prateadas reluzindo à luz sombria da batalha. Suas garras afiadas retalhavam as fileiras inimigas, e seus rugidos soavam, desafiando as criaturas. Era uma luta desesperada e feroz, onde o destino de Noellândia estava pendurado na balança, e todos nós éramos os guardiões de sua maravilha. No momento que o mal e sua horda conseguiram invadir a cidade e pensei que tudo estava por um fio, Noel empunhou seu cetro e encravou na terra, despejando uma energia com raios e relâmpagos. Como uma onda elétrica, ele derrubou um por um daqueles demônios. Krampus e sua multidão maléfica foi derrotada e o Natal estava salvo. A cidade foi coberta de uma euforia, onde todos se abraçaram. Noel me agradeceu, pois eu era um símbolo para eles, porque havia esperança na humanidade e no espírito de Natal. E num estalar de dedos, estava novamente no meu quarto, vestindo meu casaco. 105
EDITORA OLYMPIA
O aniversariante Michael Gonçalves da Silva Souza
Passava das oito da noite quando Dona Nazaré surgiu na sala, trazendo consigo uma grande travessa com um peru assado. O filho mais velho tentou ajudá-la, mas ela, apressada, já tinha lançado a travessa sobre o espaço da mesa ainda vazio. Depois, suspirou profundamente, esticou a camisa e enxugou o suor da testa. A dona de casa tinha farinha nos cabelos, a roupa salpicada de gordura e os pés muito inchados. Apesar de todo ano ter a mesma obrigação, sempre relegava os preparativos para última hora. E na virada do dia vinte e três para o dia vinte e quatro, ela não pregou os olhos. Saiu com duas de suas filhas em busca de lembrancinhas, enfrentando lojas lotadas, e inúmeras filas. Tudo isso para reunir a numerosa família. E vendo a mesa posta, suspirou, novamente, de satisfação. A primeira ave que levou ao forno passou do ponto, ficando com as asas e coxas chamuscadas. Como poderia por aquilo na mesa? Sentiu-se culpada; afinal, onde estava com a cabeça? Que tipo de dona de casa era ela? Por isso mandou o filho caçula correr ao mercadinho para enfrentar outra fila. Ele foi, sem reclamar, pois era por uma boa causa. Em outra ocasião, certamente, teria se recusado porque sua natureza era igual à do finado pai. Quando ligou o forno, outra surpresa; o gás havia 106
NATAL COM GRAÇA
acabado. Nessa hora, Nazaré deu um grito tão alto que quem ouviu acreditou que ela estava morrendo. A vizinha que já havia lhe emprestado uma das mesas, também lhe emprestou o forno. Nazaré ensaiou levantar da cadeira onde descansava, mas sentia uma fadiga tão grande que mal conseguiu se mover. No entanto, nada disso atrapalhou o orgulho por todo trabalho feito por ela. E foi mergulhada nesse sentimento que acabou não percebendo o avanço das horas. Quando se deu conta, os convidados já estavam a porta e ela fazia questão de narrar a cada um deles, todos os detalhes, deixando claro o quanto se sacrificou por essa festa. As reuniões em família aconteciam apenas em datas comemorativas e foram muitos abraços e felicitações entre os primos, sobrinhos e irmãos. Até Heraldo, com quem Nazaré havia se desentendido, resolveu aparecer. Foram semanas seguidas de xingamentos e graves acusações. Mas, nessa noite tudo se perdoa. A família reunida a mesa parecia uma pintura; bebiam, riam, falavam do passado. A casa estava iluminada pela alegria do reencontro e pelas luzinhas da árvore no canto da sala. Aos pés da árvore havia muitos presentes, mas nenhum deles para o Aniversariante. E isso denotava que algo estava errado, embora ninguém ali pudesse perceber. O dia vinte e cinco estava começando e apesar do adiantado da hora as crianças ainda brincavam enquanto os adultos, empanzinados, bebiam mais e mais. D. Nazaré ainda falava muito, ao mesmo tempo em que pensava, no trabalho que teria para arrumar a casa. Ninguém prestou atenção em seu desabafo mesmo quando ela repetiu em um tom mais alto. Coube-lhe então, apenas observar os familiares e foi assim que, de repente, se sentiu intrusa em seu próprio lar. — Mãe, a senhora falou alguma coisa? — um dos filhos perguntou muito depois. Nazaré fez um gesto negativo com a cabeça e fechou a cara. Em seguida, tirou as sapatilhas e pôs os pés sobre outra cadeira. Queria ir para seu quarto, no entanto, fingiu que sua ausência seria sentida. 107
EDITORA OLYMPIA
Dentro dela crescia o medo de ser esquecida, principalmente, porque todos estavam tirando fotos sem a sua presença. Todavia, a noite feliz estava prestes a se transformar em um pesadelo. Foi quando um deles entrou reclamando: — Olhe o que o maluco do Heraldo tá fazendo! O irmão mais velho da dona da casa estava bêbado e já começava a incomodar os presentes. Com uma garrafa na mão, saiu puxando quem estivesse por perto para dançar. Como ninguém aceitou, o sujeito passou a rodar pelos cômodos se debatendo contra os móveis. A dança bizarra, a princípio, arrancou risos da plateia e isso até fez Nazaré criar coragem para levantar. Ela ainda ria quando o irmão parou, bruscamente, de se movimentar, fez uma careta patética e vomitou. O sofá, novinho, comprado em seu próprio cartão de crédito, e que não foi pago, estava imundo. — Tragam uma água morna pra ele. Sempre foi fraco para bebida, coitado — Nazaré amenizava e falava com voz suave para mascarar o ódio que estava sentindo. Em seu íntimo ela o acusava de ter feito aquilo de propósito. Depois, bastante nervosa, pegou um balde, a vassoura, o desinfetante e um pano de chão. Enquanto limpava, xingou alguma coisa baixinho, mas em seguida, ela mesma se repreendeu por sua atitude e fez o sinal da cruz. O Bêbado pegou no sono, sentado no chão da sala como se nada tivesse acontecido. A festa ainda não tinha acabado e a bebida também, não. Logo, o tom de voz ia se elevando e os limites foram ultrapassados. Só foi possível perceber que era uma discussão quando os envolvidos já estavam trocando socos. A atenção voltou-se para o lado de fora e foi nessa hora que um forte barulho foi escutado na sala. Lá estava Heraldo, ainda dormindo, jogado sobre a árvore e os enfeites espatifados. A dona da casa estava atônita e vociferou tudo que estava guardado: —Olha o que vocês fizeram com minha casa! 108
NATAL COM GRAÇA
Silvoney, seu sobrinho, não se conteve: — Não tem dinheiro pra pagar meu pai, mas tem pra ficar gastando com festa! E cada um foi disparando sua metralhadora de mágoas, contidos até agora somente pela celebração: — Ela só chamou a gente aqui pra se exibir! — Eu falei a vocês que era melhor não vir. —Todo ano essa confusão… Nazaré se defendia, mas a voz falhava de modo que precisava repetir a mesma palavra duas ou mais vezes para ser entendida. A festa que deveria reunir a família e resgatar a solidariedade dos presentes, terminou se tornando um campo de batalha. Enquanto eles brigavam, na casa a esquerda, a vizinha que emprestou a mesa e o forno ficou tão preocupada que deixou sua tristeza de lado para pedir a Deus que tudo acabasse bem. Sua prece foi atendida e quase de forma mágica, naquele mesmo instante, o mensageiro dos ventos, preso ao teto da varanda de Nazaré, cantou mesmo sem ter vento. A melodia celestial provocou um silêncio apaziguador e um a um, pesados de constrangimento e culpa, foram se recolhendo. Quem era da casa foi dormir e quem veio de fora, tomou seu rumo. Vendo que, finalmente, a paz voltou a reinar, a vizinha trancou sua casa, e foi se deitar dando graças a Deus. Apesar da generosidade, ela não ganhou nem uma fatia de bolo ou uma mísera coxa de peru. Passou a noite tão pobre e entristecida que sua casa lembrava uma manjedoura. Seu único filho estava desaparecido há um ano após sair para procurar emprego. Em sua casa também era Aniversário, mas quem se lembrava? Ali, nada de luzes, de fartura ou abraços. Apenas as lágrimas amargas que rolavam no rosto daquela mulher, a espera de um presente que não chega. 109
EDITORA OLYMPIA
Dona Nazaré não tinha sono e no silêncio da casa, passou a pensar em seus próprios problemas. Depois, como quem se lembra de algo importante, correu nas gavetas até encontrar uma vela branca e um caixa de fósforos. Ela acendeu a vela e rezou um pai nosso e uma AveMaria. A cada frase dita, mecanicamente, um pensamento desviava a sua atenção. O fantasma dos débitos acumulados para a festa a atormentava e ela foi somando as contas em meio à capenga oração. Depois, ficou se perguntando o que teria dado errado no natal de sua família, contudo ainda não havia caído em si. Ainda não percebia que a preocupação exagerada com o exterior e com o supérfluo, apagaram a graça da data. Da mesma forma como em nenhum momento percebeu que a vela a sua frente, também havia se apagado. O natal era uma festa de aniversário, mas ninguém se deu conta que o Aniversariante não apareceu, exatamente, como nos anos anteriores. Em verdade, em verdade vos digo que ele nunca esteve aqui.
110
NATAL COM GRAÇA
O dia em que a caixa de sapato se espatifou no chão Ilone Vilas Boas
Novembro mal findara e a filha já indagava a mãe, sempre exausta com os serviços infindáveis da casa, sobre quando seria montado o presépio. Tinha pressa em abrir a caixa velha de sapato onde repousavam durante todo o ano os personagens bíblicos da história do nascimento do menino Jesus. Embrulhadas em pedaços de jornal velho, amarelados pelo tempo, as imagens dos santos e animais eram as peças mais bonitas sobre as quais colocara seus olhos de jabuticaba. — Por que tanta pressa, minha filha? O Natal ainda demora – falava a mãe, quando lembrada do assunto. — Porque gosto de ver os santinhos arrumados, e quando a gente monta o presépio logo chega o Natal – respondia Joana, como se a montagem precoce pudesse antecipar a noite de 24 de dezembro. Era nessa data que a mãe, atarefada com os preparativos do almoço do dia seguinte, quando receberia os parentes, ainda precisava correr atrás dos arbustos para recriar a manjedoura. Até 6 de janeiro, seria o ponto 111
EDITORA OLYMPIA
de destaque da minúscula sala da casa rústica de paredes caiadas, perdida no meio das montanhas verdejantes das Minas Gerais. A mesa para a montagem era a antiga máquina de costura, onde Joana costumava se sentar e balançar no pedal, desfrutando destes momentos enquanto a mãe estava lá pelo quintal a cuidar das galinhas ou da horta de verduras. Todo ano, a mãe forrava o tampo da máquina com papel, esparramava areia coada na peneira de arame sobre a superfície e com pequenos pedregulhos cercava a área. Os galhos de cana-da-índia retirados da beira do córrego eram amarrados e presos para comporem a cobertura e o fechamento lateral, enquanto no fundo a parede fazia essa função. Distribuía ramos de capim pelo meio e vidrinhos velhos de xarope serviam agora como vasos para colocar as margaridas do jardim. Recriava, assim, o ambiente onde nasceu Jesus. Os santinhos eram dispostos em suas posições, com os três reis magos enfileirados um pouco distantes a caminho de Belém. Embora cuidasse das peças de gesso como se fossem obras de arte valiosas, nenhuma estava intacta, afinal eram herança da avó. Não dava para dizer tratar-se de um presépio modesto: havia a sagrada família: Jesus, Maria e José, havia o anjo Gabriel, a prima Isabel, os reis magos, Gaspar, Baltasar e Belchior. Havia outros ainda. E vaca, cavalo, carneiros, ovelhas, porcos e o galo. Como seria a infância de Joana se pudesse brincar com essas relíquias a qualquer momento? – ela sempre pensava. A mãe jamais deixaria. Eram santas. Naquele Natal, porém, a menina ansiava pela chegada do dia de Natal e não aguentava mais esperar a mãe dar as ordens: Joana, vem ajudar a cortar os galhos para montarmos o presépio. Queria poder fazer isso sozinha. Sentia-se grande e capaz, apesar da pouca idade – recém completara 7 anos. Um dia, quando a mãe precisou acudir uma vizinha com cólicas – ela tinha um chá bom para tudo plantado na horta – Joaninha aproveitou 112
NATAL COM GRAÇA
o momento de cochilo do pai para pôr seu plano em ação de pegar a caixa sagrada. Desejava pelo menos ver se estavam todos bem, intactos, um ano depois. Levou uma cadeira da cozinha para o quarto com todo o cuidado e subiu em cima na ponta dos pés para alcançar o presépio sobre o guarda-roupas. Quando puxou a caixa, não teve forças para segurá-la: tudo veio abaixo. O forte barulho acordou o pai, que, em segundos, chegou assustado sem fazer ideia do ocorrido. Quando viu a caixa no chão, com algumas das peças espalhadas, não sussurrou uma só palavra. Olhou para a cara de espanto da filha imóvel sobre a cadeira, a pegou no colo e, antes de deixá-la sentada sobre a cama, disse-lhe: — Vamos ver o que dá para salvar! O pai abria os embrulhos e verificava se a peça lá dentro havia se quebrado. A que estava em estado normal – apenas com as velhas lascas – guardava de volta. E as quebradas separava-as de lado, sem dizer à filha qual personagem era aquele. Quando finalmente constatou que o estrago não era tão grande, falou, sorridente, à filhota querida: — Jesus está vivo! A menina suspirou aliviada. Os dois foram para a cozinha e com um pouco de polvilho fizeram uma cola, ou grude como o pai dizia, e colaram cabeças, pés, mãos, orelhas, de santos e bichos, rezando para que a cólica da vizinha fosse de rim. Horas depois, quando a mãe voltou à casa, Joana e o pai estavam sentados na sala jogando dominó como se naquela tarde calma de domingo nada demais tivesse ocorrido. E torciam para que ela também não percebesse nada de diferente no dia 24, ainda distante de chegar.
113
EDITORA OLYMPIA
O Estranho desejo do Rei da Abóbora Estela Simone Costa
Nos confins do medo vivia um homem incomum. Não era vivo, pois entre monstros e cenários disformes, a vida mundana não tinha espaço algum. Mas havia muita vida sob a prateada luz do luar. Na terra onde todas as histórias de terror se encontram prontas para assustar.
Jack Esqueleto, como era conhecido. Trazia sob seu corpo cadavérico o sentimento mais temido. Com visões tenebrosas, chegando até mesmo a arrancar sua cabeça. O Rei da Abóbora trazia alegria ao povo que se divertia quando sentia tristeza...
114
NATAL COM GRAÇA
Uma estranha contradição, sentir alegria durante um grito de abominação. Porém monstros se divertem assim, causando medo sem fim. Pois toda escuridão das criaturas mais tenebrosas se fazem maravilhosas. Nesse conto de horror chamado Cidade do Haloween.
Quem olhava Jack sorrir horrivelmente, enquanto ajeitava sua elegante gravata laço-de-morcego. Não poderia imaginar que por trás daquela horripilante alegria se escondia um melancólico segredo. A temida caveira era sinônimo de admiração. Mas a felicidade que trazia ao povo não preenchia o vazio que existia em seu coração.
Jack estava cansado do preto, cinza e azul. Desejava conhecer as cores que existiam para além do sul. Numa viagem repentina, decidiu se aventurar rumo ao norte. E assim conhecer a felicidade que se encontrava longe das histórias sobre morte.
Ao fim da jornada conheceu um lugar sem igual. As cores mais vibrantes se expandiam sobre a Cidade do Natal. Deslumbrado e estupefato, se deixou paralisar por essa tal Festa que emanava uma energia especial.
115
EDITORA OLYMPIA
Luzes cintilantes enfeitavam árvores de pinheiro. Risadas alegres tomavam o lugar do desespero. Pouco acostumado à sensação de encanto. Jack observava tudo num crescente e empolgante espanto...
Em volta de lareiras, crianças e adultos se reuniam para trocar presentes. Esperou gritos de agonia ao abrirem as caixas e se depararem com algo assustador. Mas em seus rostos viu apenas sorrisos resplandecentes. E nos abraços apertados sentiu um desconhecido calor.
Laços, fitas e brinquedos coloridos. Despertaram sobre si desejos nunca antes percebidos. Queria sorrir como eles, um sorriso que não fosse de pavor. E talvez — porque não — também sentir aquele estranho calor.
Em abraços amigos que causam cócegas e não dor. Seu desejo estava à sua frente. As cores do Natal preencheriam o vazio insistente. Sua alma vibrava com o amarelo, o verde e o vermelho. Além de Rei do Horror, também queria ser um nobre conselheiro.
116
NATAL COM GRAÇA
Agora sabia que a felicidade também estava na comemoração depois do pesadelo. Guiaria seu povo para aquela festa exuberante. Substituiria os gritos apavorados por essa declaração emocionante...
O Natal era pura alegria e nunca, nunca precisava ser cruel. Recebeu essa valiosa lição do Rei do lugar, um bom velhinho conhecido como Papai Noel. Ao chegar em sua cidade, foi recebido com muita saudade. Todos sentiam falta do Rei da Abóbora e seu infinito repertório de maldade.
Mas Jack queria apenas demonstrar que também havia diversão na bondade. No entanto seu povo pouco se importou, deixando ferida sua vaidade. O que havia feito de errado? Trouxe consigo o pinheiro decorado Para demonstrar toda alegria das cores num galho ricamente enfeitado. Porém ninguém as viu, deixando seu orgulho desolado.
Essa batalha não seria perdida. Conheceu a felicidade, não se deixaria levar pela teimosia desmedida. Era o Rei do Horror, afinal. Poderia muito bem ser também o Rei do Natal!
117
EDITORA OLYMPIA
Ninguém o iria impedir. De sentir aquele estranho calor, não iria desistir!
Em montanhas de livros, estudou tudo o que havia para estudar. Sobre o Natal soube tudo, estava pronto para começar. A promover a festa que a todos iria encantar. E as cores mais vibrantes despertariam a alegria que seu povo não era capaz de enxergar.
Os sinos coloridos tocavam uma alegre canção. Seus pés se moviam por instinto, numa irresistível emoção. O calor que sentia na Cidade do Natal, percebia, entraria em seu coração. Mas quando olhou os habitantes da Cidade do Haloween, viu em seus olhos apenas decepção. Diziam “sinto falta da melancolia” Outros lamentavam “essas cores não me trazem alegria” Os mais rudes gritavam “de que adianta a caixa colorida, sem uma aranha dentro para gritos provocar?”
Os mais conservadores entoavam “de que vale a felicidade dos doces, sem as travessuras para assombrar?!” Jack, que desejava seu vazio preencher. Viu no inconformismo do povo, sua alegria se perder. Devia conformar-se com sua velha sina de eternamente sofrer.
118
NATAL COM GRAÇA
Tudo voltaria como antes, e as cores vibrantes iria esquecer. A canção Natália deu lugar à velha canção de bruxas. Os enfeites das árvores caíram para as antigas decorações esdrúxulas. O azul voltou a reinar sobre a terra da escuridão. E os habitantes vibraram com o retorno da agradável desolação.
Para Jack, o retorno do vazio que sempre existiu. Em seu rosto de caveira, se espalhava um sofrimento febril. Quando notou em seus finos dedos um carinho sutil. E seu corpo sem vida foi tomado de uma sensação que nunca antes sentiu.
Uma jovem moça de ossos disformes e cabelo vermelho. Cujos olhos amorosos transpareciam imenso desmazelo. Alma triste e voz angelical. A perfeita união do Haloween com o Natal.
Jack então voltou a sentir aquela alegria sem igual. Quando seus lábios tocaram os lábios da mocinha especial. No céu, Papai Noel veio voando em seu trenó para trazer um presente. O povo não queria o Natal, mas adoraria um Haloween diferente.
119
EDITORA OLYMPIA
As cores mais vibrantes se misturaram com as mais escuras. Gritos de pavor se ouviam onde também havia carinho e ternura. A neve que o bom velhinho fez cair sobre o céu. Despertou a bondade que contagiou até o espírito mais cruel.
Jack nunca mais sentiria aquela agonizante dor. Pois agora conhecia a verdade: cada festa tem seu próprio esplendor. Não há vazio que vença a coragem de desbravar o desconhecido e desafiador Caminho para descobrir de onde vem aquele estranho calor. Para então saber que a cor mais vibrante é aquela que chamam de amor.
120
NATAL COM GRAÇA
Olha o Natal aí, gente! Nilton Silveira
Cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Limiar do Terceiro Milênio. Animado, um grande número de moradores da Favela do Belém deixa a reunião na quadra da Escola de Samba, na qual foi apresentado o programa de atividades para o próximo carnaval, o que motiva os foliões a darem início às tarefas referentes ao novo enredo escolhido: o Natal. Ao todo são dois mil e cem integrantes prontos a recomeçarem a desfrutar o gosto da vitória conquistada na Festa de Momo anterior. Num dos muitos barracos, empenhado na elaboração das asas que farão parte da sua fantasia de anjo, o curandeiro Gabriel chega à janela e avista Maria, a jovem escolhida para, nas noites de desfile, representar Nossa Senhora sobre um carro alegórico. Ele a chama e, debruçado no parapeito, anuncia carinhosamente: ― Maria, minha querida, prepare-se: daqui a oito meses você dará à luz um lindo moleque!
121
EDITORA OLYMPIA
Maria acredita piamente nas previsões do rezador, que, para ela e a vizinhança, além de ser um bom homem, livra de feitiços e cura ziquiziras resultantes de maus-olhados. Os dois conversam por alguns instantes, e a jovem prossegue, com sua lata d’água na cabeça, a pensar: “Certamente, estar grávida é maravilhoso. Mas como darei esta notícia ao meu Zé, se ele, além de estar velho, afirma ser estéril?” Contudo, a despeito de estar preocupada, Maria, recém-chegada da Vila Nazaré, segue alegre com a possibilidade de ser mãe e dar ao filho o nome sonhado desde que se conhece por gente: Jesus. Desse modo, embora um tanto apreensiva, Maria conta a novidade ao marido. A princípio, chocado, ele pensa até em separação, mas logo se dá conta de que, como está coexistindo com Maria há apenas um mês, ela, certamente, já chegara grávida. Nesse caso, pergunta de si para si: “Ah! Como eu poderia tomar uma atitude tão drástica e viver longe dessa mulher que já amo tanto?” Resulta que, refletindo, Zé decide que irá assumir a paternidade do nascituro. Assim, tudo volta às boas na família. No decorrer do tempo, a paz ainda prevalece. Por sua vez, apaixonada pela Escola de Samba, Maria não falta a um ensaio sequer; mesmo com a “barriga à boca”, como costumam dizer seus genitores, Don’Ana e Seu Joaquim. Hoje, por exemplo, quase sem poder calçar as sandálias (tamanho é o inchaço dos seus pés), Maria argumenta com o marido e a parteira de plantão:
122
NATAL COM GRAÇA
― Gente! Eu não deveria faltar! É dia 24 de dezembro, véspera do Natal e, já que o enredo da nossa Escola é uma exaltação ao nascimento do Menino Jesus, nada pode ser mais oportuno do que uma grande festa na quadra. Contudo, não poderei comparecer, pois creio que é chegada a hora da grande graça... Enquanto isso, com a proximidade da meia-noite, preocupados com as próprias indumentárias e atuações, os demais carnavalescos estão apostos. Assim, sem que ninguém se dê conta da ausência de Maria no barracão da Escola, o mestre da bateria apanha o microfone e apregoa: ― Vamos cantar o Natal aí, gente! Em meio à alegria, soa o apito e rufam os tambores, levando a comunidade belenense a entoar o refrão do samba-enredo: “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos entes de boa vontade!” Nesse instante, uma estrela cadente cruza o céu e, do barraco onde se encontram Maria e Zé ― com seus cães, gatos, passarinhos, um papagaio e uma tartaruga ―, ecoa o vagido de Jesus, o encantador moleque Jesus da Silva.
123
EDITORA OLYMPIA
O match de Natal Rafael Navarro
Gustavo nunca gostou do Natal. Havia nascido no dia vinte e cinco de dezembro e as lembranças dos seus primeiros aniversários não eram incríveis por conta disso. A festividade o fazia sentir como se tivesse sido deixado de lado. Era comum que as pessoas esquecessem de lhe parabenizar e que os presentes recebidos fossem apenas pelo Natal. Apesar de não gostar do Natal, algo o manteve conectado com a data por muitos anos: o amor da sua mãe pelas festas. Ela sempre arrumava a árvore com muito entusiasmo, normalmente em meados de novembro, ao som de músicas natalinas no volume máximo. Como ela adorava aquela época do ano! Ele não gostava do Natal. Atualmente, as lembranças eram dolorosas. Seu único elo com a comemoração era sua mãe, mas ela havia partido há três anos. Durante seus últimos aniversários, havia decidido viajar durante o período para fugir das festas e curtir seu novo ciclo conhecendo um destino que nunca havia visitado. Mas, como é possível imaginar, viajar durante o Natal pode resultar em algumas situações complicadas. Voos atrasados ou cancelados, crianças chorando, familiares emocionados, funcionários desatentos 124
NATAL COM GRAÇA
desejando voltar às suas respectivas famílias e atrações turísticas fechadas. Um pesadelo! No Natal desse ano, para o desgosto de Gustavo, as coisas não foram diferentes. Era a manhã de vinte e quatro de dezembro quando recebeu a notícia do atraso do seu voo para Curitiba. O aeroporto de Guarulhos estava repleto de passageiros furiosos. Muitos voos estavam atrasados e, aparentemente, era impossível permanecer em um lugar sem ser empurrado por uma criança. Pensava em todos os problemas trazidos com o Natal, sem saber como se distrair. Usava o celular desatento, enquanto carregava-o em uma tomada perto de um café. Não havia um novo episódio do seu podcast favorito e estava cansado de ouvir as mesmas músicas. Sentiu-se entediado. Foi quando observou a notificação da chegada da mensagem de um dos seus amigos mais próximos. Ele falava do novo app de relacionamento do momento, MysteryMatch. O aplicativo consistia na ideia de que o amor era cego e, por isso, os perfis não possuíam fotos, apenas descrição de interesses de seus usuários. Até então, apesar de não considerar-se superficial, ele havia evitado criar seu cadastro, pois pensava que aquilo poderia dar terrivelmente errado. Mais um problema trazido pelo Natal, pensou. Vencido pelo tédio, baixou o app, preencheu os campos de interesses durante dez minutos e, em poucos instantes, a inteligência digital lhe colocaria em contato imediato com a pessoa online mais compatível com seu perfil. Era possível usar filtros específicos para cidade, estado, país ou, até mesmo, se corresponder com alguém do outro lado do oceano. Não foi o caso dele. Escolheu sua própria cidade. Não confessaria ao seu amigo, mas estava entretido. Clicou em “start”. O que o tédio causado pelo atraso do voo por conta do Natal lhe traria? Após alguns segundos, a tela ficou totalmente escura e ele começou o chat com uma mulher de vinte e seis anos. Nem mesmo seu nome constava na tela. Logo na primeira interação ela dividiu sua animação 125
EDITORA OLYMPIA
por causa das festas de fim de ano e ele sentiu uma forte vontade de descombinar a conexão imediatamente. Mas, algo o impediu. Queria mostrar para ela todos os problemas que acompanhavam aquela data. Ele falou como não gostava do Natal, das teorias de conspiração envolvendo sua criação e os problemas trazidos pelo consumismo desenfreado. Ela disse que o convenceria do contrário por meio da argumentação. Sua resposta foi que, se aquilo acontecesse, ele sairia por aí com um gorro vermelho do Papai Noel batendo um sino. O desafio foi lançado. Iniciaram uma troca de mensagens espirituosa e, a cada resposta astuta que a garota lhe dava, ele ia se desarmando pouco a pouco. Os minutos passaram com facilidade. Bem, se você gosta tanto do Natal e é um momento tão incrível, disse ele, por qual motivo você está perdendo tempo precioso falando com um desconhecido pelo MysteryMatch? - Eles estavam se correspondendo há duas horas -. Bem, ela disse que estava ansiosa para ver sua família no Nordeste, mas por conta de algumas trocas de plantão em seu trabalho, teve que adiar sua viagem até a última hora. Agora, estava presa no aeroporto de Guarulhos por conta de um voo atrasado. Ela não tinha o que fazer, escreveu, exceto falar com alguém que parecia o Grinch! Ela estava lá por causa do Natal. Estavam no mesmo aeroporto! Ele olhou para cima, tomado por uma repentina timidez, vendo as mulheres entre vinte e trinta anos que usavam o celular nos portões de embarque próximos. Aquela coincidência não poderia ser desconsiderada. A conexão deles foi interessante. Ele queria conhecêla. Enquanto pensou isso, um problema de conexão surgiu. A internet não estava funcionando. O Natal não lhe daria trégua nem com isso. Sem internet! Após alguns instantes, a conexão foi restabelecida e ele apertava sua tela com nervosismo. O MysteryMatch carregava com lentidão. Quando a página abriu, a combinação havia desaparecido. Não havia registro de sua conversa. Nem um rastro! Ele não sabia seu nome, telefone e não 126
NATAL COM GRAÇA
tinha garantia de que a encontraria novamente no aplicativo. Sentiu um profundo desespero. Não era surpreendente imaginar que o Natal, realmente, havia contribuído para muita confusão no aeroporto. Mas, ninguém esperaria o alvoroço causado por Gustavo. Ele observava o painel de voos e em seguida corria até os portões de embarque de cidades do Nordeste. Olhava ao redor para as jovens e não sabia bem como se aproximar com intuito de confirmar a identidade da garota misteriosa. Só sabia sua idade. Não poderia nem mesmo gritar seu nome. Repassou a conversa na mente e soube o que deveria fazer. Seria a grande vergonha passada no Natal, pensou enquanto entrava em uma loja de presentes e buscava o que precisava. Encontrou um gorro vermelho, um sino e uma camiseta com um bonequinho verde que poderia se assemelhar um pouco ao Grinch - ele esperava que fosse o bastante -. Saiu correndo pelos portões de embarque chamando a atenção de todos os passageiros, causando confusão e despertando algumas risadas. “Em plena véspera de Natal”, pensou um dos seguranças enquanto perseguia o jovem que corria batendo um sino e chamando por uma garota do MysteryMatch. Quando estava perto de pegá-lo, viu uma bela jovem de longos cabelos cacheados levantada olhando para ele com um grande sorriso. Chamava-o de Grinch. Abraçaram-se. Haviam se encontrado. Se aproximou, pensou em levá-lo para detenção temporária, mas desistiu observando como um olhava para o outro. A partir daquele momento, ele nunca deixou de gostar do Natal. Se apresentaram formalmente, trocaram telefones. Naquele ano, ele manteve sua viagem a Curitiba e ela foi a Fortaleza com sua família. No ano seguinte, viajaram juntos e a comemoração foi com os pais da garota que já era sua noiva. Pensava com carinho na mãe nessas ocasiões. Os Natais seguintes seriam repletos de felicidade. Ele contava para os filhos de como havia conhecido o amor da sua vida no 127
EDITORA OLYMPIA
aeroporto durante as festas e como aquele era o melhor presente de aniversário que poderia receber: sua família.
128
NATAL COM GRAÇA
O Menino e o Carteiro Ana Paula Benete Crozué
Em uma pequena fazenda vivia Raul e sua família, seus pais trabalhavam como caseiros e o menino passava o dia todo se distraindo com os animais de estimação, brincando com seus brinquedos e criando histórias. Como as propriedades eram distantes, as crianças não tinham contato umas com as outras, dificultando ainda mais as amizades. Para complicar, Raul, com quase cinco anos, não estudava, pois a única escola era na cidade e não havia vagas para a faixa etária dele. Além disso, os pais de Raul eram muito ocupados com os afazeres domésticos e da fazenda. Apesar de se sentir solitário, o menino era feliz, muito esperto e criativo, ele vivia no seu mundinho imaginário. Um belo dia, em meados de outubro, tocou um sininho e um senhor apareceu na porteira da fazenda dizendo ser o carteiro que iria entregar as correspondências uma vez por semana, pois o lugar era de difícil acesso. O carteiro se chamava Isaque, de sessenta e poucos anos, que vinha em sua bicicleta e entregava as cartas nas fazendas da região. Na ocasião os pais agradeceram e apresentaram Raul ao senhor Isaque, dizendo que o garoto buscaria as correspondências para eles, já que estava virando um rapazinho. 129
EDITORA OLYMPIA
Na semana seguinte, o sininho tocou e o menino disparou a caminho da porteira. — Como vai Raul? Tudo Bem? Onde estão seus pais?, indagou Isaque. — Tudo! Meu pai tá no curral e minha mãe fazendo o almoço. — Hum! Que bom! Tem que comer tudo para ficar forte, hein! O carteiro, então, tirou da bolsa algumas cartas e entregou ao menino que perguntou: — E para mim? Tem alguma coisa? O homem pensou e disse: —Tem sim! Quase me esqueci! Só um instante! E sem o menino perceber, com movimentos rápidos e ocultados pela bolsa de correspondências, o carteiro fez um barquinho com uma folha de papel e entregou ao garoto deixando-o muito feliz. Nas semanas seguintes, quando tocava o sininho, Raul corria para encontrar o senhor Isaque, onde os dois conversavam sobre muitos assuntos e no final o menino recebia um barquinho de presente, sempre de uma cor diferente. Ele brincava a tarde inteira e, depois, os guardava com os outros já esperando o próximo. O tempo passou, e no dia do encontro, o senhor Isaque não apareceu. O menino ficou esperando o dia todo e, de tempos em tempos, ia até a porteira, sendo necessário que a mãe o buscasse e o convencesse que ele não viria mais, talvez na próxima semana. O menino ficou triste, mas aceitou e foi para casa. Raul ficou aguardando o tempo passar e na semana tão aguardada, tocou um sininho. Ele nunca correu tanto e nem notou que estava descalço, parecia que “pisava em nuvens”. Avistou a bicicleta, mas quando foi se aproximando, percebeu que não era o senhor Isaque e sim outro rapaz mais novo, e o menino perguntou: 130
NATAL COM GRAÇA
—Uai! Cadê o tio Isaque? E o rapaz respondeu já tirando as cartas da bolsa e as entregando o menino: —Estou substituindo-o neste mês de dezembro, pois ele está muito doente! — Moço, por que o senhor está com a bicicleta dele? — Não é dele, é da empresa. — Ele enviou alguma coisa para mim? — Não, só veio correspondência para seus pais. O menino sentiu um aperto no peito e no caminho da estrada, começou a chorar. Depois de contar o ocorrido à mãe, ele disse que não queria mais buscar as cartas e que o novo carteiro não quis entregar o barquinho dele. A mãe comovida com a história, prometeu dar um barquinho de presente a ele. Um belo dia, a mulher foi fazer compras na cidade e Raul ficou com o pai. Chegando lá, comprou um lindo barquinho de brinquedo na loja de “Seu” Nicolau e, ao chegar, presenteou o garoto que ficou muito feliz e abraçou a mãe. A criança brincou a tarde inteira e dormiu abraçado com o barquinho. No dia seguinte, Raul ouviu o sininho, veio a lembrança do amigo e um vazio tomou conta do seu peito. Ele olhou para seu lindo barquinho e sentiu saudade dos barquinhos de papel. Nisso. ele abandonou o brinquedo no terreiro e foi em seu quarto, onde dentro de uma caixa de sapatos estavam guardados todos os barquinhos que seu Isaque havia dado e ficou brincando com eles e chorando. A mãe viu toda a cena emocionada e com um sentimento de impotência. Foi até a cozinha tomar um copo de água e tentou pensar 131
EDITORA OLYMPIA
em alguma solução. Se lembrou da ida à cidade e foi aí que ela teve uma grande ideia. — Filho! Ontem quando a mãe estava na loja, encontrei com dona Fátima, irmã do senhor Isaque, e ela falou que ele está no hospital e já pode receber visitas. Por que não vamos visitá-lo amanhã? O menino deu um pulo e disse: —Eu quero muito ver o Tio Isaque! Mamãe, eu posso levar um presente para ele? Nisso, a mãe disse que não tinha dinheiro para comprar um presente. Pensou até em levar um queijo, contudo, no hospital não podia entrar com alimentos. Então, o menino pensou e falou: —Mamãe você sabe fazer barquinho de papel? —Sim, já faz tempo que não faço, mas a gente dá um jeitinho. —Você me ensina? —Claro, meu filho! A mãe encontrou alguns papéis coloridos na gaveta da cômoda e começou a ensinar o garoto, que depois de muitas tentativas conseguiu fazer um lindo barquinho. Na manhã seguinte, véspera de Natal, foram ao hospital e ficaram esperando o horário para visitá-lo no quarto. Quando a mãe entrou com o menino, seu Isaque deu um grande grito de alegria e o Raul correu para abraçá-lo, entregando o presente e fazendo-o chorar de emoção. Senhor Isaque, emocionado, disse que foi o melhor presente de Natal que já ganhou em toda sua vida. No final da visita, os dois se despediram e o menino voltou sorridente para casa. No mês seguinte, o sininho tocou novamente e Raul como sempre não foi atender, pois sabia que não era seu amigo, mas ele ouviu a voz do senhor Isaque gritando pelo seu nome e correu feito um louco. Os 132
NATAL COM GRAÇA
pais do menino também foram, e viram os dois se abraçarem por um bom tempo, quando se aproximaram, o senhor Isaque disse: — Bom dia, menino Raul! Achou que eu não vinha mais? — Bom Dia, senhor e senhora Santos! —Antes de entregar as correspondências, eu gostaria de dizer algumas palavras. Quando eu estava no hospital, não tinha mais esperanças, minha saúde ficou bem debilitada, mas depois da visita de Raul, eu nunca me senti tão vivo e com vontade de viver ainda mais. Olhar para o barquinho me deixava cada dia mais forte e eu fui melhorando e recebi alta podendo inclusive trabalhar. O filho de vocês me salvou! Gratidão Raul! Senhor Isaque entregou um grande barquinho de papel cheio de corações, que o menino amou. — Obrigado Tio Isaque! Antes de ir, o senhor Isaque disse: — Você ama barquinhos, né? Eu acho que já sei a resposta, mas vou perguntar. —O que você quer ser quando crescer Raul? Marinheiro? Comandante de navio? O garoto pensou um pouquinho e disse: — Antes eu queria ser comandante, conhecer o mar, mas eu não quero mais isso, sabe o que eu quero ser Tio Isaque? — Estou surpreso meu filho! O que você quer ser? — Quero ser carteiro, igual ao senhor.
133
EDITORA OLYMPIA
Senhor Isaque não conteve a emoção, abraçou Raul, se dizendo muito honrado, em seguida se despediu e, apertando sem parar o sininho da bicicleta, seguiu seu curso pela estrada de terra. No caminho de volta para casa, com o garoto abraçando o barquinho em seu peito como se fosse o dia mais feliz da sua vida, os pais igualmente felizes se olharam orgulhosos do filho, principalmente a mãe, que, refletindo, entendeu que não era sobre barquinhos e sim de uma linda amizade entre o menino e o carteiro.
134
NATAL COM GRAÇA
O Natal dos bichos no estábulo Paulo Henrique Gifoni Maia
Uma estrela majestosa pairava fulgurante no céu noturno, nas cercanias de Belém da Judeia, iluminando um estábulo e as pessoas e animais que ali dormiam. Os pastores já haviam recolhido as ovelhas ao curral, e ido orar junto ao casal que pedira permissão para pernoitar, pois cansados da viagem, eles precisavam de um local para que seu filho pudesse nascer ali. E assim ocorreu, com uma manjedoura recebendo o lindo bebê, conforme diziam as escrituras, que de “Belém da Judeia nasceria o Salvador”. Só a pequena Glika, a ovelhinha do rebanho teimara em ir ter também no estábulo, para ver o lindo filho dos humanos que ali chegaram. Mas seus pais não deixavam. Até que sua mãe, a ovelha Teka, sensibilizada, falou Me lembro como hoje daquela noite feliz! Os colonos da fazenda em que morei até os 5 anos, eu já tinha 7 e morava na cidade, combinaram de fazer uma grande festa de natal na tuia. Lá tinha um grande espaço, suficiente para as muitas famílias estarem juntas. Cada família levaria um alimento. Eu tinha meus avós e tios que lá moravam. E não posso 135
EDITORA OLYMPIA
esquecer de meus primos. Natal é um momento especial e encantador por si só, tempo de acolhimento, amor, paz... É mágico! Nos desperta solidariedade, alegria e traz enfeites brilhantes, que iluminam nossos olhos. Mas naquela noite feliz, na fazenda, as luzes que iluminavam, além das que foram instaladas por todo terreiro da tuia, eram as estrelinhas piscando no céu, tímidas e opacas, numa noite de lua cheia. Havia chovido mais cedo, mas agora o céu estava límpido e claro. Sob este céu, havia uma fogueira para assar as carnes e uma mesa que, com simplicidade estava opulenta de comidas doces e salgadas. Corríamos em volta dela numa feliz espera; à espera do presente que Papai Noel traria. Às vezes, olhávamos o céu cristalino para ver se não avistaríamos um rastro cintilante de seu trenó e renas. E uma risada gostosa: ho, ho, ho! Meu tio assou uma leitoa, forrou um carrinho de pedreiro com muita higiene e cuidado e levou aquela maravilha que enchia os olhos de todos! Uma delícia que fora apreciada com muito apetite. Que saudade! Vivenciando aquele momento como se fosse hoje, sinto exatamente seus cheiros, sons e frescor... Vejo através deste túnel, os olhares que brilhavam alegria e esperança, os sorrisos sinceros que desejávamos, nos acompanhassem em todos os momentos de nossa vida, as pessoas que amamos e quereríamos que fossem eternas. Na roda da vida, tudo passa, mas nas nossas lembranças, momentos ficam eternizados. No natal, as risadas do presente nos remetem às risadas de outros natais, de risos que se foram e de risos que chegaram... o carro, tentei colocar as ideias em ordem. Precisava de uma boa justificativa para o meu atraso e, como não a tinha, resolvi que era melhor assumir a ideia do antes tarde do que nunca. O que sei é que, naquele momento, o mais importante era seguir logo para o Teatro. A carona especial era a minha salvação e resolver meu problema era o que eu desejava. Mas, vocês já ouviram aquela expressão de que, quando o dia começa mal, tudo parece dar errado? Pois é. Olhei novamente as horas e pela 136
NATAL COM GRAÇA
sinalização do tempo, com trânsito normal, eu estava atrasada em 10 minutos. E o que são 10 minutos? Detalhe, como naquela época não havia celular para avisar as pessoas que me aguardavam, de que me atrasaria, não havia alternativa. Tinha de me concentrar e rezar para que tudo começasse a dar certo, e não é que lá vinha outra frase pronta na minha cabeça! Calma! A esperança é a última que morre! Enquanto o carro se movia na grande avenida, eu tentava raciocinar sobre o que se passava comigo naquela manhã, contudo, meus pensamentos foram interrompidos pelo som da voz do gentil — Olha, Glika, não vá perturbar o sossego da criança humana. — Ralhou, apreensiva com a teimosia da filhota que não sossegara, depois que os anjos avisaram todos os bichos e homens, da vinda do bebê divino. — Veja que lá já tem uma bicharada grande: tem o boi Babalú, a Vaca Rissa, a bezerra Rosa, o cachorro Bilú, o pombo Buba, o gato Soneca, a galinha Tinoca, o galo Franzué, e o grilo Cantaldo. — Ah, mãe, deixa eu ir lá, eu só vou dar uma olhadinha no bebê Filho de Deus. Ainda mais anunciado pelos anjos! — Falou a ovelhinha pulando de um lado para o outro, ansiosa. Com a concordância final da mãe, Glika saiu correndo gritando de alegria. E assim seguiu do curral para o estábulo. Mas não é que sua conversa foi ouvida por outras irmãs ovelhinhas, e sem que ela percebesse, Mica, Joélia, Tatá, Bituca, e Francielha, também seguiram atrás, felizes. Os pais das ovelhas ficaram na maior expectativa. Quando Glika chegou, com as outras cinco ovelhas do curral, os pastores humanos estavam dormindo, e apenas o casal de humanos estava cuidando da criança, trocando a fraldinha dele. O cachorrinho Bilú falou para a amiga ovelha recém chegada: “É um menino, mas ele nem chora muito!” A ovelha deu uns pulinhos e chegou mais perto da manjedoura e viu a carinha do bebê com os olhinhos brilhantes, o rosto angelical, mamando na mãe. A ovelha se derreteu em felicidade 137
EDITORA OLYMPIA
e começou a berrar: “Méé-mé-méé! - Mas que bebê fofo!” Imediatamente o boi Babalú, a vaca Raíssa, a bezerra Rosa e os demais animais acordaram. Com a barulheira da bicharada os pastores que dormiam sobre o feno no canto do estábulo, também acordaram: “O que foi isso?!” Disse um deles levantando a cabeça por entre as cobertas. “Tem ovelhas bagunçando aqui!” - Disse outro coçando os olhos enquanto bocejava. Assim, homens e bichos do local que estava na maior tranquilidade saíram do sono em sobressalto. O galo Franzué que acordou com o balido de alegria da ovelha Glika, despertou assustado: “Já é amanhecer??? Hora de cocoricó?! Já?! Parece que sim, pois os bichos e os humanos já até acordaram antes de mim! Não pode!” E então abrindo e batendo as asas, gritou: “Cocoricóóó!!!” No curral, o resto das ovelhas que ficaram, comentaram: “Olha aí, foi só a Glika aparecer e zás! Acordou todo mundo no estábulo!” Os pais de Glika, Orestes e Teka ficaram envergonhados. “Ai que vexame! Até o galo Franzué cantou, pensando que já é hora de cocoricar o amanhecer!” E um tumulto começou no curral, porque outras ovelhas queriam também ir até o estábulo, e outras achavam que era melhor esperar ali, com medo da reação dos pastores. Enquanto isso, no estábulo, os pastores tentavam acalmar os bichos, que já faziam uma algazarra. Somente o grilo Cantaldo que estava cantando normalmente sua canção noturna, havia parado a cantilena porque se assustara com a barulheira da Glika que puxou a da bicharada, e depois a dos pastores humanos mandando os bichos ficarem quietos. Os pastores estavam preocupados que os berreiros de Glika e das ovelhas perturbassem o sono do bebê divino, e dos pais da criança, mas estes apenas olharam com semblantes felizes os animais e os pastores naquela agitação. Subitamente, todos eles ficaram em silêncio. Olharam para a manjedoura. 138
NATAL COM GRAÇA
Dali se ouvia um riso divertido do nenê, que agora era seguro pelos braços da mãe, junto ao pai, e que observava contente a pequena agitação dos bichos, e dos pastores. E enquanto a criança divina ria, uma força como que mágica foi atraindo todos, pastores e bichinhos, para junto dela. Era um momento único em toda a História! A risadinha divertida do menino Jesus ecoava entre as vozes baixas e surpresas dos homens, que se voltaram para o casal e o menino, e entre os bichos que começaram a se chegar até a Manjedoura. Enquanto todos estavam nesse clima maravilhados, eis que Maria, a mãe do Salvador, ergueu a criança novamente e disse, divertida: “KKKK! Temos que trocar de novo a fralda, ele pipizou.” E a noite estava maravilhosa. Após o pequeno Jesus adormecer nos braços da mãe, e com o sono fazendo pressão, todos se recolheram pra dormir, o esposo de Maria, José improvisou um mantinho para o nenê com sua capa, para lhe proteger do frio e se recolheu também. Os animais estavam calmos e felizes. Mas antes de se passar uma hora, eis que três vultos se aproximaram da entrada do estábulo, e à porta de acesso pararam, e um deles disse: — Saudações, a todos. Viemos em paz! Somos os príncipes Belchior, Gaspar e Baltazar viajamos do Oriente para trazer esses presentes e homenagear o Salvador, cuja Luz nos indicou o caminho. Uma outra alegre movimentação surgiu, os bichos e os pastores acordaram, os pais do menino Jesus despertaram ainda grogues, mas sorriram de satisfação. Os três Reis Magos trouxeram os presentes de Ouro, Incenso e Mirra, para a criança divina. Era o Natal! E uma Luz brilhou no mundo trazendo paz, esperança e amor ao coração dos homens.
139
EDITORA OLYMPIA
O Natal e o vendedor de bananas Éverlan Stutz
É véspera de Natal e o vendedor de bananas continua paralisado na rua com o olhar de quem tem contas para pagar, talvez comprar panetones para os filhos ou frango que seria degustado como o peru anunciado na propaganda da televisão. As bananas guardam a angústia natalina dos alimentos que não constam na lista das tradições. Deve ser difícil ser banana no Natal. A rainha natalina é a uva-passa e outras iguarias que nos fazem esquecer que moramos em um país tropical. Nem para adorno a banana é requisitada em tempos de Papai Noel. Seria bom se alguém inventasse uma árvore de Natal à Carmem Miranda, com o colorido de seus balangandãs e de nossas frutas tropicais. E o vendedor segue a berrar: - Quem vai querer comprar bananas? Olha a banana da terra! Nas comemorações do nascimento de Jesus, nos transformamos em europeus nórdicos, falta apenas neve para a paisagem ficar mais próxima de uma realidade tão distante, mas almejada pela maioria que sonha na representação natalícia de filmes e desenhos animados, com seus bonecos de gelo, Olafs e trenós. Não queria ser banana no 140
NATAL COM GRAÇA
Natal, desejaria ser avelãs ou até mesmo uma simples rabanada. O vendedor continua sentado e grita aos quatro cantos: - Comprem bananas! Tem banana caturra, nanica, da prata. Há um silêncio constrangedor entre suas mercadorias, um reboco malfeito ao fundo e muitas pessoas transitando à procura de uvas sem caroço para ornamentar a ceia e o Chester. Banana, não! É fálica demais, anticonvencional no Natal. A banana não é só desprezada nesse período de festividades cristãs. O tolo é sinônimo de banana, a fruta chega a ser um gestual de repúdio, de agressão visual. A banana não é europeia. E o Natal é vendido na publicidade como algo gélido, uma paisagem requintada, repleta de pisca-pisca. - Uma banana para você que precisa de potássio, ironizou o vendedor de avelãs. As bananas devem chorar por tamanho desprezo e desmerecimento em épocas natalinas. A cada hora passada, o vendedor se desespera mais e começa a implorar aos transeuntes e possíveis clientes. - Levem bananas, preciso fazer a ceia pra minha família! Yes, nós temos bananas! O olhar do vendedor é um abismo de tristezas. Ao anoitecer, sem vender uma penca sequer, o vendedor já estava sem esperanças, não teria a ceia para a família dele. Um velho senhor negro de barba branca olhou para o vendedor, tirou uma cartela de ticket alimentação e o presenteou. - Isso aí é para você fazer uma ceia de Natal para sua família. Os olhos do vendedor encheram-se de lágrimas e de gratidão. Ele não sabia o que dizer para aquele senhor desconhecido, apenas o agradeceu e o abraçou com a fé de quem ainda acredita na solidariedade natalina. - Leve um cacho de bananas, senhor! Assim ficarei mais satisfeito e me sentirei mais útil com essa permuta. 141
EDITORA OLYMPIA
O senhor negro de barba branca olhou o cacho de bananas. Apertou a mão do vendedor e falou palavras assertivas. - Caro vendedor de bananas, no próximo Natal tente vender avelãs ou outro tipo de castanha. A ceia é diversa, assim como a natureza humana. Você se esforçou para garantir a ceia de sua família. Fique com seu cacho de bananas e nunca perca o amor por Nosso Senhor Jesus. Agora se apresse para celebrar o nascimento de Cristo com a mesma determinação que você tentou vender suas bananas no Natal. O vendedor de bananas olhou para aquele senhor negro de barba branca e bradou confiante: - Bem que eu sabia: o senhor é o Papai Noel assim como Jesus Cristo. Vocês são negros. Fui enganado esse tempo todo. Você é o Papai Noel e é negro. Não é mesmo? - Não sou o Papai Noel. Sou apenas um revendedor de castanhas e uva-passas, um coach natalino. Me segue no Instagram. No próximo Natal você vai vender nozes ou algo parecido. Faço isso porque és um bom vendedor. Apenas não acertou o produto certo, na época certa. Feliz Natal: ho-ho-ho!
142
NATAL COM GRAÇA
O Natal mais Natal Roque Aloisio Weschenfelder
Ele viria. Papai Noel. A festa começaria de tardinha, na véspera do dia vinte e cinco de dezembro. As crianças, duas meninas e um menino, de dois, cinco e oito anos, tomam banho cedo. Da vizinhança, um casal jovem, esperando o primeiro bebê, que pode nascer neste Natal, estão convidados. Uma vizinha, há algum tempo separada do marido, trará sua menina também. Terá presentes? Há dias, passou um homem aposentado passou pelas casas da redondeza, recolhendo itens com nomes nas embalagens. As crianças viram nada disso, nem sabiam quem era essa pessoa. Papai prepara uma carne de gado para ser assada no forno. Mamãe fez várias cucas e uma lata cheia de bolachas. Agora está cozinhando batatinhas para a maionese. A vizinha separada já chega para dar uma ajuda pra mamãe. Ela traz dois vidros de pepinos de conserva. 143
EDITORA OLYMPIA
A ansiedade das crianças é grande. Como será esse Papai Noel? Bravo ou alegre? Será que vai pedir pra rezar a oração que mamãe tanto insistiu em ensinar. A menina menor só sabe dizer: “Eu amo Jesus!” Às vezes, sai Sesus, outras Tesus. Os outros sabem o “Pai Nosso” de cor. Treinam a oração enquanto as mães fazem as coisas pra ceia, é assim que dizem ser a comida de hoje. Esses adultos inventam cada palavra. Será que é só hoje que vai ter ceia? Deve se chamar assim porque é Natal! A menina da vizinha já tem sete anos e sabe ler. Trouxe um livrinho colorido com uma historinha de Natal. Ela lê em voz alta: “Hoje é Natal. Em Belém nasceu Jesus! Ele está deitado numa caminha feita de capim dentro de um cocho. Os pais dele são muito pobres. Eles nem estão em casa. Eles moram em Nazaré. Têm anjos voando no ar. Eles cantam para o Menino Jesus. Tem uma linda estrela em cima do galpão. Do lado deles estão uma vaca e um jumento. Os animais estão bem quietos” A crianças, até a menor, olham os desenhos. Acham tudo muito bonito. O livrinho distrai eles e diminui um pouco a ansiedade da espera pela ceia, ou será a espera ansiosa da vinda do Papai Noel? No fim da tarde, chegam aquela senhora grávida e seu marido. — Crianças, venham ver quem chegou? — chama mamãe, quando já são sete e meia da tarde, e o sol se esconde atrás do morro. Os pequenos correm, e um medo invade os peitos deles. “Ho,ho, ho – Ho, ho, ho!” A pequena corre para os braços da mãe. Os três outros olham para o Papai Noel, e ele vem e pede que lhe deem as mãozinhas e um abraço. Cada um chega perto dele e é abraçado. — Quem sabe o Pai Nosso? — pergunta o homem fantasiado. 144
NATAL COM GRAÇA
— Eu, eu, eu — dizem os três juntos. — E, você, menininha? — Eu amo Jesus — responde bem certo a pequena no colo da mãe. — Vamos rezar juntos? — Sim! — Todos juntos na sala, crianças e adultos, rezam. Depois todos finalizam com “Eu amo Jesus!” Papai Noel abre seu saco e retira os presentes. Chama o nome de cada criança, começando pela pequena no colo da mãe, depois dos outros três. Por fim, diz: — Cadê o Carlinhos? — Está aqui — diz a jovem mãe, mostrando a exuberante barriga. Papai Noel entregou-lhe um jogo de roupa azul para recém-nascido. As meninas ganham bonecas, e o menino recebe um bola de couro leve. — Agora posso jogar com papai e meu amiguinho Pedro — comenta ele. — Nós vamos brincar de casinha e visitar as vizinhas — falam, alegres, as meninas. Papai Noel se despede de todos porque tem mais casas pra chegar onde outras crianças aguardam, ansiosas, seus presentes de Natal. Já está escurecendo, quando chegam os avós da família. Eles residem em outra cidade. Trazem mais presentes para os três netos. Roupinhas novas para eles. Papai avisa de que a carne está assada e deve ser arrumada a mesa da ceia. Além das comidas, tem refrigerante e um vinho tinto. Antes de cear, Mamãe diz: 145
EDITORA OLYMPIA
— Amanhã é o Natal do Menino Jesus. Vamos pedir que Ele nos abençoe agora e para sempre. Também queremos orar para que os povos que vivem nas terras do oriente, lá onde Ele desceu para a Terra, voltem a viver em uma paz duradoura. Que o mundo inteiro viva em paz! Amém. Vamos nos abraçar e logo começar a nossa ceia. Avós, pais e filhos se unem numa grande abra e a menina pequena diz: “Viva Jesus! Enquanto todos jantam, de repente, a senhora grávida diz que sente uma dor muito forte. Logo papai ajuda ao marido dela e a levam no carro de papai ao hospital, que não fica muito longe. Ele volta em seguida para terminar a ceia, mas o casal permanece na sala de parto do hospital. Mal terminam a ceia e toca o telefone de mamãe. Um novo pai liga do celular da nova mãe e conta que o menino Carlos nasceu com quatro quilos e duzentas gramas. Vai se chamar Carlos Jesus. A festa termina com muita alegria e mais um menino no mundo. É o Natal em dose dupla.
146
NATAL COM GRAÇA
O Natal Perfeito da Família Goulart Daiane Macedo
Era véspera de Natal, na casa da família Goulart a empolgação estava no ar. Deni e Judy, um casal que compartilhava um amor tão profundo quanto a alegria do Natal, eles estavam determinados a tornar esta noite especial para sua família. Juntos, eles cuidavam de Melânia e Seth, seus adoráveis filhos, e de Duckie, seu fiel cachorro de estimação. Amantes do Natal, desde o início de dezembro, a casa estava decorada com luzes cintilantes, guirlandas perfumadas e uma árvore de Natal imponente que brilhava com enfeites coloridos. Deni e Judy tinham uma tradição de decorar a árvore juntos, relembrando cada enfeite especial que haviam acumulado ao longo dos anos. Com a chegada das crianças, mais uma vez Melânia e Seth também participaram com entusiasmo, colocando os enfeites nas partes mais baixas da árvore. Naquela noite mágica, a família Goulart se reuniu em volta da lareira. Duckie confortavelmente estava deitado no colo das crianças, enquanto Judy vestida de Mamãe Noel, lia uma história natalina enquanto todos saboreavam biscoitos caseiros e chá quente. A felicidade no rosto de Melânia e Seth refletia a magia da noite. 147
EDITORA OLYMPIA
Os Goulart se divertiam, as crianças colocaram seus sapatinhos junto à lareira, seguindo uma tradição antiga. Deni e Judy observavam com ternura, sabendo que a manhã seguinte seria repleta de surpresas. Duckie, o cachorro da família, também parecia ansioso, deixou o seu sapatinho junto ao de Melânia e Seth, ficando com os olhos curiosos fixos nos sapatinhos. As crianças foram para a cama, próximo à meia-noite se aproximava, Duckie os acordou e a família Goulart estava reunida em torno da árvore de Natal, cantando canções natalinas com seus corações cheios de alegria. Trocaram presentes, compartilharam mais histórias engraçadas e expressaram seu amor uns pelos outros. Curiosamente, a árvore brilhava mais intensamente à medida que a noite avançava. De repente, um som suave veio da lareira. As crianças pediram permissão para olhar o que era, logo com a autorização, Melânia e Seth correram para ver o que estava acontecendo, e lá encontraram os sapatinhos repletos de pequenos presentes. Deni e Judy se entreolharam com alegria, sabendo que o espírito natalino havia recompensado o amor e a alegria que eles compartilhavam como família. Enquanto Melânia e Seth exploravam seus presentes com entusiasmo, Duckie latia alegremente, como se além das guloseimas, tivesse recebido algo mais especial. As crianças mostravam os presentes e falavam quais doariam para instituições de caridades, abraçados Deni e Judy trocaram um olhar cúmplice, sabendo que estavam conduzindo a sua família pelo caminho certo. A noite de Natal na casa da família Goulart foi realmente perfeita, não por terem banquetes a disposição, mas por serem uma família alegre cheia de amor e união. Mesmo com todas as adversidades do mundo, eles sabiam que o verdadeiro significado do Natal era estar juntos e compartilhar momentos especiais. Enquanto a neve caía lá fora, as crianças faziam planos do que vão brincar na neve. 148
NATAL COM GRAÇA
Um coral natalino se fez a cantar, os Goulart foram para a janela central, apreciar aquelas canções natalinas, eles sentiram a magia do Natal envolvendo-os, sabendo que tinham tudo o que precisavam: amor e a família reunida. Agradecidos, convidaram os músicos para saborear os famosos biscoitos e chá que Judy costuma fazer. E assim, juntos, celebraram o Natal mais perfeito que poderiam desejar.
149
EDITORA OLYMPIA
O presépio de Natal Maria Lúcia Siqueira
O presépio é a representação do momento do nascimento de Jesus Cristo. Anos após anos, segundo a tradição de família, que remete aos seus bisavôs, o sr. Fontenelle montava o Presépio de Natal. Era feito com muito carinho e capricho, havia o menino Jesus na manjedoura, os personagens bíblicos tais com São José, Maria, os reis Magos Belquior, Gaspar e Baltazar, carregando os presentes para o menino Jesus: ouro, incenso e mirra, os pastorzinhos. O laguinho feito de espelho com os patinhos, não podia faltar, bem como burrinho, o boizinho, os carneirinhos, o “galinho da meia noite” e a grande estrela brilhante. Lucinda a filha do sr. Fontenelle e dona Margarida; ficava ansiosa pelo mês de dezembro e não via a hora do presépio esta pronto. Desde a mais tenra idade ela permanecia quietinha ao lado do pai, vendo a “magia” do presépio acontecer. E assim que se achava pronto, sentava-se em frente a ele e permanecia ali por horas a fio, a sonhar... Durante todo o mês de dezembro era 150
NATAL COM GRAÇA
essa sua rotina de menina sonhadora. Aquele era um tempo mágico, onde sua imaginação voava longe. Até os nove anos de Lucinda, o presépio foi montado na casa da rua Rumaica, sr. Fontenelle “construía” uma gruta com papal pedra, embaixo da escada da sala. Para ela, era uma gruta enorme, e Lucinda imagina-se lá dentro, fazendo parte dos personagens. E assim a “magia” do presépio de Natal acontecia todos os anos na “casa dos Fontenelle”. Houve um ano, porém, em que o “galinho da meia noite” sumiu!!! O sr. Fontenelle estava montando o presépio e teve de se ausentar por algumas horas, deixando os personagens da cena do presépio em uma caixa no chão, embaixo da escada. Na hora de colocar o “galinho da meia noite” no lugar, ele não foi encontrado. Todos procuraram o “galinho” e não o encontraram em lugar nenhum. Bem naquele ano o presépio não contou com o “galinho”. Neste mesmo ano, no mês de julho, Lucinda ganhou um pintinho na feira do bairro. Pois bem, o pintinho cresceu e se tornou um belo galo branco chamado “Don Pedrito”, que voava e corria por toda a casa. Meses depois do Natal, ao cuidar das plantas do seu jardim, dona Margarida Fontenelle, achou o “galinho da meia noite” “dormindo” em baixo da roseira. Por dedução desconfiou na hora de “Don Pedrito”, que tinha o hábito “fuçar” em tudo. Só poderia ter sido ele que havia “roubado” o galinho” sem que ninguém percebesse, pensou dona Margarida. Até os dias de hoje, depois de adulta, Lucinda mantêm a tradição de montar o presépio, porém agora, não mais na casa da rua Rumaica, e sim na saleta de seu apartamento, mantendo, no entanto, os mesmos personagens, o menino Jesus na manjedoura, os reis magos Belquior, 151
EDITORA OLYMPIA
Gaspar e Baltazar, carregando os presentes para o menino Jesus, Maria e José entre outros. O laguinho feito de espelho com os patinhos, o burrinho, o boizinho, os carneirinhos, o “galinho da meia noite” e a grande estrela brilhante, também não faltam. E com isso a tradição do presépio de Natal vem sendo mantida. Fazendo a “magia” acontecer a cada Natal..
152
NATAL COM GRAÇA
O que é o Natal? Laura Souza
Para escutar o Natal, deve-se somente tocar um sino. Para sentir o gosto do Natal, o que recomendo é ir até o mercado mais próximo, comprar um panetone, e deliciar-se. Para sentir o Natal, deve-se abrir as janelas no fim de tarde, quase noite do dia 24, e deixar que a brisa fresca entre em contato com as paredes quentes da casa no verão. Para ver o Natal, espere atenciosamente atrás da porta, enquanto seus tios e avós chegam com presentes e mimos que sua Mãe nunca te daria. O Natal pode ser resumido em muitas coisas, e a maioria, se fossem em dias normais, são quase imperceptíveis. Ora, ganhar um presente em um dia qualquer não é a mesma coisa que no Natal. O sentimento é diferente, a cor do papel de presente da loja de brinquedos é mais colorida, as caixas de brinquedos são mais reluzentes, as bonecas são muito mais bem vestidas e arrumadas, é claro, elas sabem que será um dia difícil para elas. Terão que brincar da meia noite até a hora mais longa da madrugada, ter um curto espaço de descanso abraçada a quem ela foi presenteada e no outro dia, brincará ainda mais. O Natal pode também ser um gosto. Todo natal tem o mesmo gosto, não importa o que coloque na boca. A loucura de mães, tias, avós, madrinhas e primas juntas na cozinha. Uma faz arroz, a outra prepara 153
EDITORA OLYMPIA
a maionese, a outra coloca o peru no forno e sempre tem aquela avó que reclama de uvas passas no arroz, porque as crianças não comem. Protegidas, são as crianças no dia do Natal. Uma vez, perguntei à minha mãe: Mãe, se hoje é aniversário de Jesus, então por que ele não ganha presentes, mas nós ganhamos? Ela me respondeu que Jesus gosta de ver as crianças felizes, esse é o maior presente dele. Porém, agora quando cresci, essa resposta não faz tanto sentido. Mais velhos, percebemos o quão felizes ficamos ao dar um presente. Saber o que a pessoa quer, ter o gostinho de ver o rosto iluminado de alguém quando abre a caixa e vê o que mais desejava no Natal. Será que é isso que Jesus sente? Perguntei isso várias vezes para mim mesma, mas então percebi que essa é a graça: O Natal é como o tempo. Relativo. Relativo entre dar e receber. Relativo entre fazer e comer. Relativo entre viajar e ficar em casa. Estar com alguém, estar sozinho. O maior presente do Natal é a capacidade de sentir, é deixar os sentimentos à flor da pele. Sorrir e brindar. A felicidade é o maior presente. A felicidade do Natal é relativa, mas suas raízes nunca mudam: sempre vêm acompanhadas do bom e velho frio na barriga, do corpo vibrando a cada toque, cada abraço e beijo, cada palavra trocada, música cantada por nossas bocas. Natal é amadurecimento. É saber que a cada fim de ano, você está mudado, está mais forte. Uma transição. Em um ano onde seu nome escrito em dourado flamejante na lista do Papai Noel está mais brilhante que nunca, e no outro, seu nome é destacado, acariciado pelas mãos do bom Velhinho e guardado em uma linda caixinha de Natal em seu sótão no polo norte, arquivado juntamente com todas as suas cartinhas que pediam coisas exuberantes e absurdas, mas que alimentava a magia, e todas elas em uma caixinha, escrito em sua tampa “Boas lembranças”, e então, o Velho Noel vê que mais um cresceu. Mas ele não está triste. Porque para ele, tristeza também é relativa. Porque ele sabe, que a cada criança que cresce, uma outra 154
NATAL COM GRAÇA
nasce. E a cada sonho que amadurece, outro sonho toma forma. A cada folha destacada, aparece uma folha nova. Natal é crescimento, é juntar mais e mais pessoas, tanto fisicamente, quanto juntá-las no coração. São lembranças, são momentos especiais que fazem do Natal ser Natal. O seu sorriso, a risada do seu primo, as conversas da sua tia e da sua avó. O Natal é o desenvolvimento. O fortalecimento de raízes, tão fortes quanto um coração e tão presentes quanto a alma. O Natal é esperança. O Natal simboliza-se na estrela, na luz brilhante colossal acima de nossas cabeças no céu, é a esperança da mudança, superação. Natal é amor, por mais que seja o que todos dizem. O Natal é o amor de nós pelos outros, dos outros por nós, amor próprio também, o amor conecta tudo à nossa volta no Natal, desde escolha de presentes a comida servida no jantar. O Natal são memórias, são contos, são cantigas. Dizem que “Quem conta um conto aumenta um ponto”. Mas no Natal, tudo bem preencher as histórias em alguns bocados. Porque é assim que deve ser. O Natal é um álbum de memórias, onde cada uma forma uma parte especial da sua personalidade, forma quem você é. O Natal é bagunça, criancice, é fingir que se é criança o tempo todo, é esperar ao lado do forno enquanto sua mãe assa as bolachinhas de Natal, é ter de esperar, emburrado, para que os biscoitos amanteigados esfriem logo para que possa decoras com glacê que você mais come puro do que com a bolacha. É vibrar os olhos ao ver uma embalagem de presente grande, é assistir filmes de Natal, sentir o jeito o qual acorda no dia 25, quando você tem certeza que sua avó colocou um Chocotone maravilhoso na mesa do café da manhã, e quando você menos espera, sua mãe diz para se arrumar. Creio eu, que os melhores banhos e as melhores “arrumações” são no Natal. 155
EDITORA OLYMPIA
E assim vai, porque o Natal é assim, é cheio de detalhezinhos que mal cabem em um texto. O Natal é extenso, é antigo, celebrado por todos ao redor do globo, cada um com um nome diferente, cada um com uma tradição diferente, mas é por isso, que Natal também é união. Ele une pessoas que nem se conhecem, todos sabem que, em dezembro é época de Natal. Quando a mãe vai até o sótão para pegar a caixa de decorações, você sabe exatamente o que vai sentir. Todos nós sabemos. O Natal une de forma global, abraçando-nos com seu manto vermelho e dourado da compaixão e perseverança. Contar nos dedos até o dia 25, aposto que todos fazemos isso. É uma questão de criação, de molde do ser humano existente, é algo gravado, penetrado em todos nós. Essas são as minhas memórias. São memórias relativas, memórias preenchidas e cheias de glitter e purpurina porque eu as fiz assim. Natal somos nós, humanos, feitos de massa mole, de coração derretido, alma cegamente brilhante, perfeitos e imperfeitos, porém, fomos nós, em algum comitê de organização de vida Humana que, ninguém sabe exatamente quando foi, que nós criamos esse espírito de Natal, passando-o e repassando-o para cada geração. O Natal é isso… Simplesmente Natal.
156
NATAL COM GRAÇA
Os olhos de Natal Rosangela Mariano
Paulinho sempre acreditara em Papai Noel. Desde pequenino. Isso falando. Nem adiantava desmotivá-lo, fazer crer que Papai Noel era um mito. Paulinho é que não acreditava em palavras bobas! Coisas de adulto. Doidice. Mito? Ia lá saber o que era esse bicho? Pois se não era bicho, era mesmo doidice de gente cheia da bossa. Paulinho jurava ter visto Papai Noel descendo pela chaminé da casa de Ritinha! Foi em noite de estrelas. Frio? Que nada! E quem disse que o nosso Natal vê neve branca? Neve só nos filmes de americano bem posto e feliz. Neve mesmo Paulinho nunca vira, mas teimava ter visto Papai Noel na casa de Ritinha! Mamãe ria um sorriso bondoso. Papai arqueava as sobrancelhas peludas. Mudo, mas preocupado. Maninho caçoava, fazia alarde, pura zombaria. Paulinho batia o pé. Não arredava ideia! Ritinha era a única que acreditava no amigo. Firmeza no apoio. Menina doce, porém, enxuta nos porquês. Amiga do peito! Desde sempre confirmara as palavras de Paulinho. Garota sem lisura, olhos postos na estrada, mesmo com idade verde. Natal vindo com seus passos manhosos, pregando entusiasmo na alma da garotada. Paulinho olhando Papai Noel pela chaminé da 157
EDITORA OLYMPIA
casa de Ritinha... Os pais da menina faziam cara de “nada sei” e diziam ser o Paulinho um moleque cheio de encantos e estrelinhas escondidas. Ritinha muita graça achava dos comentários deles e ficava a perguntar de que estrelinhas os pais falavam... Veja bem: Ritinha também era dada a encantamentos. Explosões de sorrisos e tranças voando ao vento em dias de sol. Pontuava a casa e o jardim com novas descobertas; luzinha acesa no dia a dia. Tanta pena sentia dos adultos! ... “Fracos de sonhos” – dizia ela a Paulinho. Ao que este completava “Ideias cinzentas” – sinceridade a escorrer pelos dedos melados de doçura. Frases dos nove anos, cheirando à madureza precoce. Por isso, Ritinha sabia da verdade de Paulinho. Sangue sincero, ele. Ritinha acreditava em Papai Noel. Barbas brancas e gênio bom, o tal velhinho. De pés descalços ou não, criança é uma só, de qualquer jeito. Segredo. Papai Noel é que conhecia! Apenas o olhar de criança podia ver Papai Noel. Nem óculos adiantavam. Mistério para gente grande... Ritinha precisava pedir à papai para alargar a chaminé... e logo! Paulinho encontrara a touca de Papai Noel jogada no quintal... Com passos secretos vinha o Natal...
158
NATAL COM GRAÇA
Os sapatos de Lú Herminia Martinez
...não houve sedas, cetins nem rendas no berço humilde em que nasceu Jesus, mas os pobres trouxeram oferendas pra quem havia de morrer na cruz...(Olavo Bilac)
Luísa acordou cedo. A mãe estava na cozinha fazendo café. O cheiro era bom. Naquele dia tinham café com bolo. Era um dia especial, o dia mais bonito do ano. Ela não sabia muito bem como se mede a boniteza do dia, mas esperava o ano todo por essa data data. A mãe lhe contara que há muito, muito tempo atrás, nesse mesmo dia, nascera um menino muito pobre. Tão pobre que a mãe teve que se abrigar num estábulo para dá-lo à luz. Lá ele foi aquecido por um boi e uma mula e foi enrolado em panos velhos para não morrer de frio. Mas esse menino era muito especial e quando ele nasceu apareceram estrelas brilhantes no céu e anjos dourados que cantavam “Glóoooooo-oooria, Glóooo-ooo-oooria in excelsis Deeo”. Isso atraiu os 159
EDITORA OLYMPIA
pastores da vila que vieram com suas ovelhinhas brancas visitar essa criança recém-nascida. Ainda mais, uma estrela muito grande e luminosa foi mostrando o caminho do estábulo a reis importantes que vieram visitá-lo. Os reis pararam seus camelos no terreiro, pediram licença para entrar, ajoelharam-se e deram a ele presentes. A mãe dizia que deram ouro, incenso e mirra, mas não sabia explicar o que era mirra, nem para que um bebê recém-nascido precisava de ouro em pó e de incenso, e muito menos por que os reis andaram tanto para dar esses presentes sem graça. Por certo os reis daquela época não sabiam muito bem o que uma criança pobre precisa. O mais engraçado é que disseram que a criança pobre era, também, um Rei. O maior Rei que já existiu. Os olhos arregalados de Lú brilhavam como faróis. Ela era capaz de ver os anjos cantando, as estelas douradas dançando no céu; sentir o cheiro do estábulo e ouvir a criancinha chorando. Até os reis, Baltazar, Melchior e Gaspar ela via. E o herói da estória era pobre como ela, e era rei, e era bom. Estava acima de todo e qualquer ser vivente. Pura sabedoria e amor. O fato mais importante, entretanto, era que por causa disso, um senhor barbudo e vestido de roupas vermelhas vinha na calada da noite, sentado num trenó luminoso e puxado por renas, e ia deixando um presente no sapato de cada criança que tivesse se comportado bem durante o ano. Havia que escrever uma carta com um pedido. A mãe escrevia. Mas nunca vinha o que ela pedia. Decerto que o senhor Papai Noel não sabia ler tão bem assim. Ela sempre ficava apreensiva. Ou talvez ela não tivesse sido suficientemente boa. Desobedecera a mãe, mentira, fizera birra e brigara com o irmão. Quem sabe era por isso que os presentes sempre vinham trocados. A mãe não sabia explicar a relação entre esse bom velhinho e o Rei Menino Jesus, mas era assim, e era bom! Alguns dias antes iam à 160
NATAL COM GRAÇA
igreja e a mãe lhe mostrava o presépio, com a miniatura do menininho, dos seus pais, dos reis Magos, dos pastores e das ovelhas. A coisa mais linda que Lú já vira. Durante a noite sonhava que estava lá no meio dos pastores e via o menino sorrindo para ela. Até conseguia passar a mão na cabecinha dele. Lú passava a véspera do Natal ansiosa. Algumas casas tinham uma árvore toda enfeitada com bolas coloridas. A sua não tinha, mas a mãe fazia uma comida especial naquela noite. Em geral carne de porco assada, rosquinhas de pinga, broa de fubá com goiabada. Punha na mesa uma toalha branca e às vezes algum amigo dos pais vinha jantar com eles. A família toda vestia suas melhores roupas para o jantar. A mãe sempre comprava alguma peça nova para os filhos usarem nessa noite. Um vestido, um par de sapatos... Depois do jantar a mãe mandava Lú para a cama, mas ela não queria ir, queria ver esse velho e bom senhor que tanta alegria lhe trazia. Relutava, choramingava, ia ficando por ali até adormecer debruçada sobre a mesa. Ao acordar na cama na manhã seguinte, ao lado dos sapatos, sempre havia uma surpresa. Uma boneca, um conjunto de panelinhas, até um jogo de cálices de plástico colorido ganhou certa vez. Eram lindos, pareciam de vidro de verdade e dava para beber água neles. Havia de dois tamanhos, e três cores, vermelhos, azuis e amarelos. Os olhos brilhavam e rebrilhavam de alegria. Houve um ano em que, na véspera de Natal, o pai estava desempregado. Passou o dia fora, chegou já de noitinha. A casa de três cômodos estava quieta. Nem o rádio a mãe ligara naquela tarde. A panela de pressão chiava no fogão, alguns cachorros latiam lá longe. O pai sentou-se acabrunhado numa cadeira, com os olhos fitos no chão da cozinha. O escuro foi entrando na casa e ninguém se lembrou de acender as luzes. Lú ficou quieta ali, sentada na soleira da porta. 161
EDITORA OLYMPIA
A mãe chegou perto do pai e pousou-lhe a mão no ombro. Ele então lhe disse tristemente: - Não temos nada para as crianças. A mãe olhou para Lú ali na porta, e depois para ele, com ar aflito e repreensivo, e foi depressa acender a luz. Nesse ano não tiveram nenhum amigo jantando com eles. A toalha branca foi estendida sobre a mesa e todos puseram suas melhores roupas para o jantar, mas as crianças não estrearam nenhuma peça de roupa ou sapato novo nessa noite. Jantaram em silêncio, apenas os quatro. Antes do jantar a mãe rezou:- Abençoai Senhor, abençoai esta mesa, e dai também o pão para quem não o tem. Assim seja! Comeram macarrão com carne de panela, e rabanadas de sobremesa. Uma delícia! Não havia cerveja, nem refrigerantes, apenas limonada e água. Luísa estava crescendo, começava a conseguir lidar melhor com o sono. Não quis ir para a cama quando a mãe mandou. Saiu ao quintal inúmeras vezes. Estava uma noite quente e agradável, com céu limpo e estrelado. Decerto que sem nuvens ia conseguir ver o trenó do PapaiNoel. O pai e a mãe quase não conversavam, mas sorriam de sua inquietude, e esperavam pacientemente que ela e o irmão adormecessem de cansaço. No dia seguinte, ao despertar, ela encontrou ao lado dos sapatos uma bolsinha de plástico que imitava uma cesta de vime. Era rosa e branca, e tinha um fecho de florinhas vermelhas. Dentro dela havia dois pares de meias. É claro que não fora esse o seu pedido, mas o sorriso amplo e o brilho dos olhos foram os mesmos quando correu para a cozinha mostrar à mãe seu presente. A mãe tinha os olhos cheios de lágrimas, abraçoua, deu-lhe um beijo e lhe desejou Feliz Natal. O pai, sentado na cadeira, lançou sobre ela um olhar triste, e quando ela se aproximou dele deu-lhe um beijo sem dizer nada. 162
NATAL COM GRAÇA
Dias depois Lú começou a recordar os acontecimentos do Natal daquele ano. A tristeza do Pai, a conversa que ouvira ao anoitecer daquele dia 24, e comportamento nervoso e desaprovador de sua mãe. Ficou alguns dias pensando. Existiria mesmo Papai Noel? Algumas meninas de sua classe diziam que não. Numa tarde, entrou correndo cozinha adentro e viu a mãe na pia lavando louça. Olhou para ela e perguntou de chofre: - Mãe, fala verdade, Papai Noel não existe, não é mesmo?! A mãe deu um sorriso amarelo e respondeu: - Existe sim minha filha! Existe para quem acredita Nele! Luísa cresceu. Anos mais tarde soube que sua mãe comprava os presentes à prestação, para que sempre houvesse algo no sapatinho de seus filhos. Que naquele ano, em que o pai estava desempregado, retirara do pouco dinheiro que conseguia ganhar lavando roupas para fora, o suficiente para comprar um mimo simples e barato e os dois pares de meias que colocou dentro dele. Luísa chorou. Compreendeu que o valor do presente que Papai Noel lhe trazia não poderia ser traduzido por preço algum. Luísa tornou-se mãe e sempre celebrou o Natal, nos anos fartos e nos anos difíceis. Viu com júbilo o brilho nos olhos de seus próprios filhos. Esse brilho era a verdadeira estrela do Natal, e ela o guardava no coração. Hoje ela sabe que sua mãe não mentiu. Papai Noel existe sim! E é a mais verdadeira transmutação do amor divino. Ele enche os sapatos no Natal, passa as noites em silêncio ao lado da cama, conta estórias, puxa as cobertas para agasalhar nas noites de frio, acolhe e conforta nos momentos difíceis. Agora Lú vive só, mas todos os anos no dia 24 de dezembro ela coloca os sapatos ao lado da cama. Antes de dormir abre a janela e procura no céu o trenó do Papai Noel. É muito raro que ela não o veja! Dorme e sonha com as estrelas douradas dançando no céu e os anjos tocando 163
EDITORA OLYMPIA
trombeta. Ao acordar olha os sapatos em silencio. Eles nunca estão e jamais estarão vazios.
164
NATAL COM GRAÇA
O Sino de Prata: uma história de amor e generosidade Jean Javarini
Era véspera de Natal, e na pequena cidade de Aurora, a magia do feriado já começava a se espalhar. O cenário era coberto por um manto de neve brilhante, e as casas estavam decoradas com luzes cintilantes, enfeites coloridos e guirlandas perfumadas. Era um Natal perfeito para a família Johnson, e eles estavam prestes a vivenciar algo especial. Naquela noite, a pequena Grace Johnson estava especialmente animada. Ela mal conseguia conter sua alegria, pois acreditava que naquela véspera de Natal, finalmente conheceria o verdadeiro Papai Noel. Grace tinha ouvido falar de uma tradição antiga de Aurora, em que o Papai Noel visitava a cidade na véspera de Natal, escondido por trás de sua barba branca e roupas vermelhas, distribuindo presentes misteriosos para aqueles que acreditavam nele com todo o coração. Os pais de Grace, Anne e Michael, sorriram ao ver a empolgação da filha e decidiram tornar essa noite ainda mais especial. Após a ceia, enquanto os flocos de neve caíam suavemente lá fora, eles se sentaram com Grace ao lado da lareira crepitante. "Querida, ouvimos dizer que o verdadeiro Papai Noel visita Aurora na véspera de Natal, mas ele só aparece para aqueles que têm um coração 165
EDITORA OLYMPIA
repleto de amor e acreditam nele com sinceridade", disse Anne, acariciando o cabelo da filha. Grace olhou para seus pais, seus olhos brilhando de emoção. "Eu acredito nele, mamãe, papai! Eu acredito de todo o meu coração." Michael sorriu e continuou, "Bem, querida, a tradição diz que o verdadeiro Papai Noel deixa presentes mágicos, mas só para aqueles que merecem. Ele deixa algo que representa a generosidade, o amor e a esperança do Natal." Grace estava completamente envolvida na história, mal conseguindo conter sua animação. Ela sabia que o que estava prestes a acontecer era algo especial e significativo. Os pais de Grace guiaram-na até a árvore de Natal, onde uma pequena caixa embrulhada em papel dourado a esperava. A caixa estava adornada com um laço vermelho reluzente, e havia um bilhete anexado que dizia: "Para Grace, com amor, o verdadeiro Papai Noel." Grace abriu a caixa com cuidado e, para sua surpresa, encontrou um pequeno sino de prata. Ela o segurou com reverência, sentindo uma onda de gratidão e amor inundando seu coração. "Querida, esse sino é um presente do verdadeiro Papai Noel", disse Anne. "Ele representa a magia do Natal, a capacidade de acreditar, de espalhar amor e esperança." Grace olhou para seus pais com lágrimas nos olhos. Ela entendeu o significado do presente e sentiu a verdadeira magia do Natal fluindo dentro dela. Naquela noite, a família Johnson se abraçou com força, compartilhando o amor e a alegria que o Natal trouxera. Enquanto o sino de prata tocava suavemente, eles sabiam que o espírito do Natal estava com eles, não apenas naquela véspera, mas durante todo o ano. A magia do Natal estava presente, e eles a carregariam em seus corações com graça e gratidão. E assim, em Aurora, naquela véspera de Natal, a família Johnson aprendeu que o verdadeiro significado do Natal estava nas pequenas coisas, no amor, na crença e na generosidade. Era um Natal com graça, um Natal que eles levariam consigo para sempre. 166
NATAL COM GRAÇA
Os anos passaram, mas a memória daquela véspera de Natal nunca se desvaneceu. Grace cresceu, mas o sino de prata sempre esteve presente em sua vida, pendurado no galho mais alto de sua árvore de Natal a cada temporada festiva. A cada vez que o sino tilintava, Grace se lembrava do significado daquela noite especial e do verdadeiro espírito do Natal. À medida que o tempo avançava, Grace se tornou uma mulher generosa e compassiva. Ela dedicou parte de sua vida ao voluntariado, ajudando os menos afortunados durante o Natal. Ano após ano, ela organizava eventos beneficentes e arrecadava presentes para crianças carentes, inspirada pela magia do Natal que tinha experimentado naquela véspera. O sino de prata tornou-se um símbolo de esperança e solidariedade na cidade de Aurora. As pessoas sabiam que Grace tinha um coração cheio de amor e generosidade, e isso as inspirava a se unir para tornar o Natal de todos um pouco mais brilhante. Na véspera de Natal de um ano, enquanto Grace e seus pais se preparavam para a tradicional ceia, eles receberam uma visita inesperada. Era uma família que tinha enfrentado dificuldades durante o ano, e eles tinham perdido a esperança de proporcionar um Natal alegre para seus filhos. Grace abriu a porta e, ao ver a situação daquela família, ela soube o que precisava fazer. Ela pegou o sino de prata, que já testemunhara tantos Natais, e o entregou à criança mais nova. "Isso é para você", disse ela com um sorriso caloroso. "Ele traz esperança e alegria, assim como o Natal deve ser." As lágrimas nos olhos dos pais daquela família refletiam gratidão. Eles perceberam que, naquele momento, haviam experimentado o verdadeiro espírito do Natal com graça. A generosidade de Grace era um lembrete de que o Natal não se tratava de presentes caros, mas sim de compartilhar amor e esperança. Naquela noite, enquanto a família Johnson e seus convidados celebravam a ceia, o sino de prata ressoava alegremente no fundo, lembrando a todos que o verdadeiro significado do Natal estava presente ali. Era um Natal com graça, um Natal de amor, compaixão 167
EDITORA OLYMPIA
e generosidade, que continuaria a inspirar a cidade de Aurora e todos aqueles que acreditavam no espírito do feriado. E assim, a história daquela véspera de Natal se perpetuou, não apenas na vida de Grace, mas na vida de todos aqueles tocados por sua generosidade e amor. A magia do Natal vivia dentro de cada um deles, recordando que, independentemente das circunstâncias, o Natal poderia ser sempre celebrado com graça, amor e esperança. Os anos passaram e a magia do Natal continuou a envolver a cidade de Aurora, principalmente por meio da generosidade de Grace. Ela se tornou uma figura querida na comunidade, conhecida por sua dedicação em fazer o Natal mais brilhante para todos. O sino de prata, agora desgastado pelo tempo e pelo uso, continuava sendo o símbolo do espírito natalino na cidade. Aurora cresceu e evoluiu, mas uma coisa permaneceu constante: a crença na magia do Natal. As crianças ansiavam por encontrar o verdadeiro Papai Noel, e os adultos encontravam inspiração na história de Grace e no sino de prata que ela compartilhava. Certo ano, uma tempestade de neve surpreendeu a cidade na véspera de Natal. As estradas ficaram bloqueadas, e muitas famílias ficaram impossibilitadas de se reunir para suas festas. Foi um momento desafiador para todos, mas a cidade de Aurora era resiliente. Grace sabia que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, o espírito do Natal poderia prevalecer. Ela organizou um evento de Natal na praça da cidade, onde as pessoas se reuniram ao redor da árvore iluminada pelo antigo sino de prata. O tilintar do sino ecoou na noite, ecoando a mensagem de esperança e amor. E então, algo mágico aconteceu. À meia-noite, quando todos estavam cantando canções natalinas, uma figura misteriosa vestida de vermelho, com uma barba branca exuberante, apareceu na praça. Era como se o próprio Papai Noel tivesse ouvido o chamado da cidade. O "Papai Noel" começou a distribuir pequenos presentes às crianças, cada um deles embrulhado em papel dourado, com um bilhete que dizia: "Com amor, o verdadeiro espírito do Natal." As crianças e 168
NATAL COM GRAÇA
adultos olharam com assombro enquanto os presentes eram entregues. Então, o "Papai Noel" se aproximou de Grace e sussurrou algo em seu ouvido. Ela assentiu, e ele agradeceu com um aceno de cabeça antes de desaparecer na noite. Na manhã seguinte, quando a tempestade de neve finalmente se acalmou, as pessoas de Aurora acordaram para um Natal mágico. Os presentes deixados pelo "Papai Noel" eram simples, mas cheios de significado. Eles encontraram bonecos de neve feitos à mão, cartas de agradecimento e outros gestos de carinho. Grace sabia que o verdadeiro Papai Noel não era uma única pessoa, mas o espírito de generosidade e amor que todos podiam compartilhar. Ela continuaria a espalhar esse espírito, inspirando sua comunidade a fazer o mesmo. E assim, a cidade de Aurora celebrou um Natal com graça e magia, não importando as adversidades. O espírito de generosidade e amor estava presente, aquecendo os corações de todos e lembrando a todos que o Natal era uma época de compartilhar, cuidar e acreditar. Com o passar dos anos, a história daquela véspera de Natal, quando o "Papai Noel" apareceu na praça de Aurora, tornou-se lendária na cidade. Grace continuou a ser a personificação do espírito do Natal, sempre pronta para ajudar, compartilhar e inspirar os outros. O sino de prata, que tinha tocado naquela noite especial, continuava a pendurar na árvore de Natal de Grace, um lembrete constante de sua missão de amor e generosidade. As pessoas agora sabiam que o verdadeiro espírito do Natal não estava em dar presentes caros, mas em dar um pedaço de seu coração e espalhar alegria aos outros. Às vésperas de Natal na cidade de Aurora se tornaram um evento que ninguém queria perder. As praças eram decoradas com luzes cintilantes, e a árvore iluminada pelo sino de prata era o centro das celebrações. Famílias se reuniam em volta, crianças cantavam canções natalinas, e todos compartilhavam histórias de amor e generosidade. Ninguém sabia ao certo quem era o "Papai Noel" que apareceu naquela noite especial, mas todos concordavam que ele personificava 169
EDITORA OLYMPIA
o verdadeiro espírito do Natal. Grace, com seu sino de prata e sua dedicação, continuava a ser a âncora da celebração, uma luz que guiava a cidade de Aurora nas festas natalinas. O tempo passou, mas a tradição da generosidade e do amor no Natal permaneceu na cidade. A magia da véspera de Natal estava sempre presente, não apenas em Aurora, mas no coração de todos que acreditavam no verdadeiro significado do Natal. E assim, em cada véspera de Natal, a cidade de Aurora celebrava não apenas a festividade da temporada, mas o espírito de Natal com graça, amor e generosidade. A história de Grace e do sino de prata continuou a inspirar gerações, lembrando a todos que, no Natal, o maior presente é o amor que compartilhamos. E com isso, Aurora encontrou a verdadeira magia do Natal, mantendo-a viva ano após ano.
170
NATAL COM GRAÇA
Peru no Natal Gláucia Cristina Miranda
— Crianças, me ajudem aqui com essa caixa... Cristina e Miguel de 8 e 10 anos se aproximam da caixa que tem rodinhas e uma parte para puxar e que já está dentro da sala. Eles olham pelos buraquinhos e percebem que se tratava de um bichinho... —Ganhamos um peru da tia Josefa, disse a mãe. —Pensei que ela estava brincando, mas não estava. — Eles olharam animados. —Vamos abrir a caixa, disse Cristina — Espera, não sei o que iremos fazer ainda Uma vizinha vendo que a porta ainda estava aberta e escutando a mãe, exclama: — Conheço uma pessoa que pode prepará-lo para o Natal se quiser... As crianças em uníssono: — Não, ele é nosso! — Não se mete..., disse o mais velho 171
EDITORA OLYMPIA
— Miguel não fale assim com as pessoas, ralhou a mãe. — Tudo bem, disse a vizinha. — Depois eu passo aí pra gente conversar — Tá bom A vizinha sai e a mãe fecha a porta. As crianças começam a falar atropelando as palavras e dizendo que querem ficar com o peru e que vão cuidar dele e tudo mais... — Calma gente...Fala um de cada vez — Você não vai dar ele pra aquela mulher não, né? — falou Cristina — Eu não sei o que vou fazer preciso de um tempo. — Precisamos comprar milho, disse Miguel, —Ele deve tá com fome... — Isso a gente pode fazer, respondeu a mãe... Nos fundos da casa onde havia um pequeno quintal o peru foi colocado e lhe foi dado milho picadinho e colocado um pote com água para que bebesse à vontade... As crianças na maior parte do tempo ficavam em companhia do peru, observando a ave imponente. No dia 23, a vizinha apareceu novamente para indagar sobre o peru. Disse que falou com a pessoa que poderia prepará-lo para o Natal e que o ideal era levá-lo ainda hoje, mas disse que cobraria um valor para isso. As crianças nem ouviram a resposta da mãe, se entreolharam e foram lá para os fundos e colocaram o peru na caixa esperando o melhor momento para sair com ele dali. Nesse interim, a mãe foi bem taxativa com a vizinha. — Não tenho a intenção de prepará-lo para o Natal nem pra qualquer outro dia, vou ficar com ele. — Ahh tá certo então.... Se mudar de ideia.. 172
NATAL COM GRAÇA
— Não vou mudar. Tenha um bom dia Ela, então, foi fazer o almoço. Enquanto isso, as crianças esperaram a vizinha sair pela lateral da casa e a mãe se concentrar nas panelas. Na rua, encontram um coleguinha que perguntou para onde estavam indo com aquela caixa e eles disseram que estavam procurando um lugar para esconder o peru. Então esse coleguinha ofereceu a casa dele, pois os seus pais saíram e só voltariam mais tarde...Eles então colocaram o peru no quintal do coleguinha. O almoço ficou pronto e a mãe esperava que eles viessem correndo só por sentirem o cheiro bom da comida, mas como não apareceram ela foi até o quintal para avisar que estava na hora de comer, mas além de não os achar também não encontra o peru. Por um momento, ela fica sem ação, sem saber por onde começar. Então, resolveu sair para procurá-los. A mãe bateu na porta da casa onde as crianças se esconderam, mas o menino diz que não podia abrir a porta quando os pais não estavam em casa. Ela, então, continuou a sua busca. Miguel voltou para casa para pegar milho pra dar para o peru e, ao pegar o saco, a mãe que resolveu voltar para casa, deu de cara com ele. — Onde é que vocês estavam? Cadê sua irmã e o peru?, perguntou ela. — Não queremos que entregue ele pra virar comida. — Não, eu não vou entregar pra ninguém — Mas nós vimos você falando com aquela vizinha chata — É...mas eu disse a ela que ficaríamos com o peru —Ahh... —Cadê tua irmã? —Tá na casa do Marquinhos 173
EDITORA OLYMPIA
—Vamos lá buscá-la. —Vou deixar o milho aqui então, disse Miguel. —Deixa que ele come assim que voltar, concordou a mãe. Na casa que estavam, o irmão mais velho do Marquinhos chegou e indagou o que estava acontecendo. Eles contaram e o irmão disse que eles precisam falar com os adultos sobre o que está acontecendo. A menina fala que vai esperar o irmão chegar para ver o que vão fazer e, nesse meio tempo, a mãe bate palmas lá fora e o rapaz abre a porta. A mãe explica que não vai dar o peru para a vizinha mandar prepará-lo para o Natal. — Não vou dar a ela, mas confesso que não sei o que fazer quando as férias acabarem e vocês voltarem para a escola e eu para o trabalho. Como vai ser? Ele vai passar a maior parte do tempo sozinho. —Dona Tereza, disse o rapaz, acho que tenho uma solução: leva pra uma ONG, lá eles cuidarão do peru (e foi o que fizeram). Procuraram o telefone de uma ONG que deu um telefone de uma outra que cuida de aves. Então, ligaram pra lá e o responsável do lugar disse que o acolheria sim e perguntou se eles poderiam trazê-lo naquele dia. A mãe disse que poderia levá-lo amanhã, dia 24 de dezembro, e assim foi feito. Ao chegar lá, além de aves, também cuidavam de outros animais. O lugar é espaçoso e muito bonito, achou a mãe. Melhor: eles colocariam o peru numa área só para ele. A Cristina perguntou: — Ele vai ficar sozinho aqui? —Oi querida, meu nome é Angela, se apresentou uma das responsáveis e continuou: — É por pouco tempo, disse — ele vai ser examinado antes de ficar com as outras aves, mas ele está aparentemente bem, não vai demorar. Deixa eu te mostrar uma coisa...Ela os levou até um lugar onde já tinha outro peru e algumas outras aves — Olha!, tem outro peru aqui!, disse Cristina 174
NATAL COM GRAÇA
—Pois é. O nosso amiguinho não vai ficar sozinho, afirmou Angela. As crianças estavam encantadas com o lugar e sabiam que o peru estava em boas mãos. Como o tempo passou de pressa... o fim do dia estava se aproximando e os responsáveis pela ONG perguntaram se eles gostariam de ceiar com eles, afinal era dia 24 e eles comiam cedo. Todos concordaram e a ceia foi simples e sem carne, mas com arroz salada empadão de legumes e macarronada. Todos estavam felizes e com muita alegria, os animais bem cuidados e a certeza que escolheram o melhor lugar para o peru que ganhou o nome de Noel. Não poderia ter tido nome melhor e apropriado para um Natal que será sempre lembrado. O Natal do Noel.
175
EDITORA OLYMPIA
Por que o Natal não é todo dia? Clara Luce Fernandes da Costa
Em uma pequena vila chamada Vila da Esperança, morava uma linda menina de olhos e cabelos castanhos, que se chamava Nátali. Nátali amava o natal, mas nunca entendia por que o natal acontecia apenas um dia no ano. Todas as noites, quando Nátali dormia, ela sempre viajava para o ‘Mundo dos Sonhos’, mas desta vez ela viajou para a ‘Vila do Papai Noel’. Lá, ela encontrou um pequeno anãozinho com quem acabou fazendo amizade. Enquanto conversavam, Nátali fez uma pergunta ao anãozinho: — Anãozinho, por que o Natal não é todo dia? Então, quando o anãozinho ouviu aquilo, disse: 176
NATAL COM GRAÇA
— Mas se o Natal fosse todo dia, não iria existir outras datas legais, como a Festa Junina, a Páscoa. — Mesmo assim. Eu queria que o Natal fosse todo dia. É a melhor época do ano. Mas o anãozinho não desistiu de convencer Nátali de que o Natal fosse apenas um dia no ano. Logo, a levou nos correios do Papai Noel, onde foram recebidos por outro anãozinho, chamado Natalício. Assim, o anãozinho perguntou para Natalício se ele gostaria que o natal fosse todo dia, mas ele fez uma cara de bravo e falou: — Não! Se o Natal fosse todo dia, não ia dar nem para entrar aqui no correio. Iam ser tantas cartinhas que nem ia dar tempo de ler todas. Sem falar que nós não teríamos descanso. Mas Nátali ainda não estava convencida. Então, o anãozinho a levou para a casa do chefe das renas, Rudolph. Ele bateu na porta e então Rudolph apareceu tomando seu café. Assim, o anãozinho fez a mesma pergunta para ele, mas a rena franziu a testa e falou: — Claro que não! Nós renas ficaríamos cansadas de levar o trenó! O anãozinho pensou que desta vez, Nátali estaria convencida do porquê o Natal não é todo dia, mas a menina revirou os olhos e continuou querendo que esta data fosse todo dia. O anãozinho, assim, pediu carona para Rudolph, e pediu para que os levasse até a casa de Bob, o boneco de neve. Chegando lá, o anãozinho fez a pergunta para Bob, e ele ficou chocado: — De jeito nenhum! Desse jeito, a roupa do Papai Noel ficaria toda rasgada. 177
EDITORA OLYMPIA
Assim, o anãozinho olhou para Nátali, mas ela continuava com o mesmo rostinho. Então, o anãozinho a levou para caminhar pela trilha que dava para a floresta, para ver se no caminho ele tinha alguma ideia. Ele já estava sem esperança, quando ouviram um som vindo da floresta. Era o lenhador. Ele estava cortando algumas árvores para enfeitar, no Natal. Assim, sem esperança, ele pergunta para o lenhador se ele gostaria que o natal fosse todo dia. Ele ficou triste com a pergunta: — Não. Se o Natal fosse todo dia, não ia dar tempo de as árvores crescerem, e os animais ficariam sem casa. Assim, o anãozinho olhou para Nátali sem esperança, quando de repente... — HO, HO, HO... Era o Papai Noel. O anãozinho recuperou as esperanças. — Finalmente, a pessoa mais favorável para explicar o porquê de o Natal acontecer apenas um dia no ano — pensou o anãozinho, se sentindo aliviado. — Então você já achou a chave da solução? Mas Nátali, você já está convencida? - perguntou Papai Noel. — Sim. Na verdade, já estava convencida a um tempo, mas queria continuar conhecendo as pessoas desta vila. — Bom, agora que você já sabe porque o natal acontece apenas um dia no ano, vamos festejar! E lá foram eles: Natalício, Rudolph, Bob, o lenhador, Nátali e o Papai Noel, festejar debaixo de um lindo Ipê rosa e esperar ansiosamente a chegada do Natal.
178
NATAL COM GRAÇA
Sininho amarelo Thiago Valeriano Braga
Então, é Natal (...) Todas as luzes acesas para receber uma data tão especial. Cada sorriso, pois, alimenta a Fé, em um Ser maior, capaz de nos render a graça desejada. Natal dos povos e da conquista. Tudo, ou quase tudo, celebrado com amor e ternura. Um período poético, que mexe ao alento, com nossos sentimentos. Ao que nos parece uma estrela aparece no alto da nossa cabeça. Brilho único, servido do melhor amor, ao brinde à vida. Momento presente, de intensas alegrias♡. Nascimento do Rei, o mais humilde deles, meio à erva e os animaizinhos, há exatos 2023 anos atrás. Quanta lembrança nos levam ao par de graça promovido pelo "Natal dos sonhos". Não há o que falar muito, em pompas, para expressar a magia, acredito, do Dezembro { quisera ser todos diferentes e estridentes para todos }. Deixemos de lado o laço da religião para darmos as mãos. Sem escusas de qualquer natureza. O mundo precisa de Paz, como sempre precisou, para a boa vivência ainda inalcançada☆. O desafio é grande mas, se ouvirmos o coração, um novo tempo há de apontar algo promissor. Temos aí, uma guerra, vingança de outrora, assolando lugares que não enxergam as flores, a inocência das crianças, o correr dos rios de contorno nos vales, 179
EDITORA OLYMPIA
tampouco, escutam o pedido de clemência dos mais fracos. Que o Natal possa despertar um riso, naquele abraço sem calor, quem sabe uma ajuda, onde quer que suscite a real necessidade de AMOR. Esta é a soma, fiel e renitente, que pode mudar toda e qualquer realidade {com vistas aos desamparados }. Vamos seguir a melodia, o som das palavras, a harmonia das cordas. Mais do que isto… Renovar o nosso papel como cidadãos à busca de um universo mais justo, reto e compassivo. Se o dia 25, está próximo, o sino cor de ouro, na nossa imaginação, toca de forma abundante. Premissa linda da boa nova!☆ Façamos a nossa parte, em cada tarefa, desinteressados de recompensa. Se a ceia é farta, o bom convívio precisa perdurar. Muitas cores, muitos versos. FELIZ NATAL♡. Tenha você uma festa genuína com tudo quanto desejar. Só não se esqueça do seu irmão do lado.
180
NATAL COM GRAÇA
Tempo de perdão Queli Rodrigues dos Santos
Acordei antes do despertador tocar, como era meu costume fazer há anos. Pontualidade era uma das minhas melhores qualidades. Após um rápido e econômico banho frio, vesti-me para ir à fábrica. É como dizem: “o olho do dono é que engorda o gado”. Tinha que estar perto, atento e vigilante, senão os funcionários jamais cumpririam as metas estabelecidas para o dia. Um bando de preguiçosos e oportunistas, eu dizia a quem quisesse ouvir. Geralmente falava comigo mesmo, já que não tinha parentes próximos e menos ainda amigos. Mas a solidão não me incomodava. Pessoas são interesseiras por natureza. Eu sempre soube que qualquer um que se aproximasse, estaria de olho no meu patrimônio. Amizades e amores desinteressados eram coisa de novela, vida real é outra história. Margarete chegou dois minutos atrasada, achou que eu não notaria, mas ela estava enganada, eu vi. Vi e chamei sua atenção, na frente dos outros empregados, para que aproveitassem a lição. Despedi a moça naquela mesma hora. Um bom empregado não se atrasa, e uma fábrica de sucesso precisa de bons empregados. 181
EDITORA OLYMPIA
As lágrimas não me comoveram, que fosse trabalhar para outro, não para mim. Disse que voltasse no outro dia para receber as contas. Ela, ainda com lágrimas escorrendo e fungando o nariz, me avisou que o dia seguinte era Natal. Feriados só serviam para paralisar a produção, atrapalhavam os negócios e davam mordomia aos empregados. — Maldito Natal! — bradei. Margarete, no susto, olhou-me como quem olhava o próprio diabo. Não se conteve e, atrevidamente, me confrontou: — O senhor está ficando louco! O Natal é a melhor data do ano. O dia mais importante para qualquer cristão. Eu não posso deixar que o senhor diga uma coisa horrível dessas. O Natal é dia santo, sagrado e divino. Nada de ruim que nos aconteça permanece após uma noite de Natal cercada de bons sentimentos e pessoas queridas. Assustei-me com a ousadia da moça. Parei para analisá-la melhor. Era magra, frágil, parecia até meio desnutrida, mas foi altiva para defender a data comemorativa. Não soube o que dizer naquele momento. Nunca fui confrontado, ainda mais por uma jovem tão franzina e débil. Ela se acanhou, provavelmente percebeu sua imprudência. Fitou o chão, torcendo as mãos, e vi seu rosto corar. Tive ímpetos de rir daquela pobre, mas contive meu impulso. — Não vamos discutir a importância ou não dessa data ou de qualquer outra. Apesar de ser feriado, estarei aqui na fábrica. Venha quando quiser receber o pagamento pelos dias trabalhados. — Senhor, peço perdão pela minha audácia. Peço igualmente perdão pelo que vou dizer. Acaso o senhor poderia me pagar hoje? Eu usaria o dinheiro pra comprar o que comer. Minha casa não terá ceia, meus irmãos não terão presentes, mas se o senhor, por misericórdia e compaixão, me pagar hoje, poderei fazer a alegria para os pequenos. 182
NATAL COM GRAÇA
— Não terão o que comer? Sabia que é pecado mentir? Já que santifica o Natal, devia saber disso. Deve estar desejosa de um belo banquete ou comprar alguma coisa cara, mas tenho certeza que tem o que comer em casa. — Senhor, sei dos mandamentos, sei o que é certo e errado. Quando digo que não tenho o que comer, estou sendo honesta. Há apenas um resto de feijão que iremos dividir essa noite, mas essa pobreza não é maior que nossa devoção. Ela pediu licença e retirou-se da minha presença. Fiquei parado no mesmo lugar, pensando em tudo o que me disse aquela insolente. Que garota atrevida, eu pensava, indignado com aquela afronta. O resto do dia passou rápido. Não liberei ninguém antes do horário. O feriado era amanhã, hoje deveria ser trabalho dobrado, pra compensar a folga forçada. Sei que reclamavam, mas se estivessem insatisfeitos, que procurassem outro trabalho. Após o fim do expediente, voltei pra casa em meu carro. Chovia torrencialmente, e vi muitos dos meus empregados caminharem sem proteção contra a tempestade. Se economizassem, decerto teriam um meio de transporte que os protegesse do tempo, pensei, e acelerei. Em casa, dona Joaquina tinha preparado meu jantar, ela disse que era uma ceia especial, para comemorar o Natal. Ficou de pé, esperando minha reação. Queria dizer-lhe que não acreditava em Natal e que em nenhum momento lhe pedi que fizesse aquele banquete, era desperdício. Mas calei-me. — O senhor vai receber sua família, não vai? — ela tinha percebido que apenas eu jantaria, como num dia normal. — Não, dona Joaquina! Somente eu, como em todas as noites. Agora me diga, o que vou fazer com tanta comida? 183
EDITORA OLYMPIA
Ela ficou pálida, não soube o que dizer, só pediu perdão pelo seu erro. Retirou-se sem dizer mais nada. Sentei-me à mesa, e fui me enervando, tanta comida seria jogada no lixo. Meu dinheiro não era capim para que aquela tola desperdiçasse. Provavelmente eu a despediria. Observei a mesa ricamente decorada com enfeites natalinos, sacudi os pensamentos de ódio que permeavam minha mente, e já ia começar a comer, quando a figura patética de Margarete chorando veio à minha mente. Não sei a razão, mas senti uma vontade enorme de ir na casa daquela tola, apenas para constatar a sua ceia de Natal, e desmascaralá na frente de todos. Decidi. Eu ia até a casa daquela insolente e a flagraria em sua mentira. Deixei a mesa exatamente como estava, entrei em meu automóvel, e fui até a fábrica. No arquivo encontrei o endereço da moça. Era um bairro pobre e distante. O que eu estava fazendo, pensei. Gastaria meu tempo e combustível indo até aquele bairro longíquo apenas para provar que eu estava certo e que ela era uma mentirosa. Mas já tinha começado meu intento, decidi continuar. Dirigi pelas ruas quase desertas, muitas casas cheias de gente, todos reunidos para celebrar a noite de Natal. Cheguei em frente à uma casinha simples, de madeira. Desci e bati na porta, acreditando que era o endereço errado, mas Margarete abriu a porta, e nós dois nos assustamos um com o outro. Ela em me ver ali, e eu por descobrir que ela era mesmo tão pobre. Duas crianças surgiram atrás dela, perguntando quem eu era. Uma menina, de cerca de oito anos, disse ao garotinho que eu devia ser o Papai Noel. Os olhinhos do inocente se iluminaram, e ele sorriu. Margarete perguntou o que eu fazia ali, não soube o que dizer, pois o motivo da minha ida já não era importante. — Entra, Papai Noel! — o menino educadamente me convidou. 184
NATAL COM GRAÇA
— Ele não é Papai Noel, Márcio! — minha ex-funcionária falou com carinho — Este senhor é o dono da fábrica em que eu trabalhava. As duas crianças ficaram visivelmente decepcionadas, até senti pena. — Mas o senhor pode entrar, por favor! — Margarete virou-se para mim, terminou de abrir a porta, e fez um gesto para que eu entrasse. Precisei me abaixar para passar pela porta. Um casebre simples, mas bem limpo e arrumado. Na mesa, vi a panela de feijão, o cheiro denunciava. Três pratos de plástico esperavam pela parca refeição. Tive uma vertigem. Nunca me senti tão envergonhado na vida, eu duvidei da moça, e tinha ido até lá para desmenti-la e humilhá-la, mas agora, o humilhado era eu. Senti o nó na garganta, daqueles que vão crescendo até explodir em lágrimas, mas não podia demonstrar tanta fraqueza, eu tinha uma imagem a zelar. Margarete acompanhou meu olhar e fitou a panela de feijão que eu observava. Ela compreendeu, naquele momento, que eu tinha ido até sua casa para flagrar sua mentira, mas não havia mentira a ser desmascarada. Ela nunca mentia, a mãe tinha lhe ensinado. Olhei para ela, queria dizer que sentia muito, mas as palavras não saíam. Ela, com bondade, disse que eu não preocupasse, estava tudo bem. — Podemos comer, mana? Estou com fome! A voz infantil interrompeu o constrangimento. Ela disse ao irmão que iam comer, mas só depois da oração, e me perguntou se eu gostaria de cear com eles. Nessa hora, não contive as lágrimas, que jorraram numa explosão. Ajoelhei-me diante deles e pedi, humildemente, perdão. Ela pegou meu braço, com um sorriso terno, e levantou-me do chão.
185
EDITORA OLYMPIA
— O senhor não precisa fazer isso! Não tenho o que perdoar. O senhor foi um bom patrão. Eu me atrasei, é verdade, por isso sei que mereci a demissão. — Não. Não merecia ser demitida, não merecia minha desconfiança, e não merecia esse constrangimento. Fui estúpido, grosseiro e me arrependo muito por tudo. Como forma de compensá-la, gostaria de convidar vocês três a cearem comigo, em minha casa. Ela ficou em choque, não esperava aquele convite, mas as duas crianças vibraram muito. Depois de convencê-la a aceitar, entramos todos no carro e chegamos na casa, para mim, tão comum, mas para aqueles três era uma mansão. Admiravam tudo, cada detalhe, cada enfeite. Quando viram a mesa, ficaram em choque, nunca tinham visto tanta comida. Convidei dona Joaquina para se juntar à nós, e, antes de comermos, Margarete leu a Bíblia Sagrada e explicou para as crianças, e para mim, o sentido real do Natal. Depois que ela fez uma linda e emocionada oração, levantei-me e exclamei, com as mãos elevadas: — Jesus Cristo, meu Salvador, me dê o seu perdão!
186
NATAL COM GRAÇA
Uma Noite Mágica em Noellândia Jefferson Machado
Eu acabara de chegar de uma reunião de negócios. As ações estavam em alta, e eu precisava comprar aquela empresa a qualquer custo. No entanto, estavam chegando as festividades de Natal, mais uma festa inútil que só servia para aumentar as vendas e encher os bolsos de comerciantes. Enquanto todos à minha volta se alegravam com as luzes coloridas, músicas alegres e o espírito natalino, eu não conseguia deixar de sentir desprezo por toda essa comemoração. O Natal? Para mim, era apenas uma época irritante de gastos extravagantes e hipocrisia coletiva. As pessoas se atolavam em dívidas para comprar presentes que ninguém precisava, só para manter as aparências e satisfazer seus caprichos momentâneos. Eu, por outro lado, me preocupava mais com minha carteira de ações e o desempenho da bolsa de valores do que com qualquer celebração sentimental. Meu olhar estava sempre fixo no que poderia ser medido em cifrões, em ativos líquidos e em transações financeiras. Bens materiais eram 187
EDITORA OLYMPIA
o único ponto de referência que eu valorizava. Eu acumulava riquezas, não porque precisasse delas, mas porque acreditava que o dinheiro era o único verdadeiro indicador de sucesso na vida. Meu patrimônio líquido, minha fortuna pessoal, essas eram as únicas coisas que me importavam. Naquela noite, enquanto o mundo estava mergulhado na alegria natalina, eu me encontrava sozinho em minha casa luxuosa, calculando os números e traçando estratégias financeiras. O Natal era apenas um obstáculo, um entrave para o meu desejo insaciável por riqueza material. E, na minha mente, não havia lugar para a magia ou a generosidade que a temporada natalina costumava representar. Entrei no meu escritório à procura de um documento importante para fechar um acordo comercial. Enquanto mexia nas prateleiras mais altas, o pó que repousava sobre os livros e documentos fez com que eu espirrasse. A minha renite não perdoava nenhum encontro com poeira, e eu alcancei a estante com tosse e olhos lacrimejantes. Enquanto tentava me recuperar, ouvi um som abafado acima de mim. Antes que pudesse reagir, algo caiu sobre a minha cabeça com um impacto doloroso. Eu gemia de dor enquanto segurava minha testa e olhava para o objeto que agora repousava no chão. Era um pequeno caderno, antigo e empoeirado, cujas páginas amareladas pelo tempo escondiam histórias desconhecidas. Ao recolher o livro caído, minhas mãos sentiram a textura áspera de suas páginas envelhecidas. Cada folha frágil, como se estivesse à beira de se desintegrar com o toque. O cheiro de mofo e tempo encheu o ar quando abri o caderno com cuidado, revelando manuscritos que enfrentavam séculos de negligência. Era como segurar uma relíquia do passado, e minha curiosidade cresceu diante da perspectiva de desvendar os segredos que aquele livro continha. Na sua primeira página estava escrito: No Reino de Noel: Diário de Samuel. Quando vi aquilo lembrei de meu avô, aquele era seu diário. 188
NATAL COM GRAÇA
De alguma maneira, aquele texto me chamou atenção. Comecei a lêlo. Lá estava eu, o folheando. As páginas amareladas pelo tempo, cada uma carregada de suas palavras escritas à mão. Ao passar os dedos sobre os registros senti um arrepio percorrer minha espinha. Aqueles primeiros parágrafos emitiam uma energia inexplicável, como se estivesse esperando para ser lido novamente. À medida que me aprofundava nas primeiras letras, uma sensação começou a se desenrolar. As frases ganharam vida, dançando diante dos meus olhos. Em um piscar de olhos, fui sugado para dentro daquele livro e me vi em um mundo diferente. Acordei-me jogado numa terra gelada, sobre a neve branca e fofa. O frio era tão intenso que eu podia senti-lo penetrando em meus ossos, e minha respiração se condensava no ar gelado. Cada floco de neve cintilava como pequenos diamantes à luz suave que se projetava de todas as direções. O silêncio era apenas interrompido pelo farfalhar suave do gelo caindo e pelo som distante de sinos. Os pinheiros circundantes estavam brancos, criando um cenário de conto de fadas. Surpresa e medo me dominaram. Eu me encontrava em um mundo que saíra diretamente de uma história de Natal. As casas foram esculpidas em doces, com telhados de glacê e janelas adornadas com guirlandas cintilantes. Duendes corriam de um lado para o outro, rindo e cantando canções natalinas. Renas pastavam nas proximidades, com narizes brilhantes que iluminavam a paisagem. A sensação de estar em um lugar tão mágico e desconhecido era esmagadora. Meu coração batia com força. Tudo o que eu podia fazer naquele momento era ficar imóvel, observando maravilhado esse novo mundo que se desdobrava diante de mim. De repente, um homem idoso, com um longo casaco vermelho, forrado de branco, e botas pretas e largas, surgiu diante de mim. Seu sobretudo era enfeitado com guarnições de pele falsa que reluziam na 189
EDITORA OLYMPIA
luz natalina. Um largo cinto ornamentado circundava sua barriga fofa, e ele segurava uma lanterna que lançava uma luz suave e acolhedora. Seu rosto estava oculto parcialmente por uma barba longa e branca, que alcançava o peito, e ele usava óculos redondos que enfatizavam sua sabedoria. Seu olhar era gentil e caloroso, um sorriso iluminava seu rosto. Ele se aproximou de mim, estendendo sua mão com um gesto amigável. Ao lado do Papai Noel, havia um urso polar majestoso, de pelagem branca e espessa, que emanava uma aura de serenidade. O animal era tranquilo e confiável, como se estivesse ali para proteger e nos guiar. Ao lado do gigante branco estava um elfo vestido com roupas verdes e vermelhas e um gorro pontudo. Seus olhos cintilavam de empolgação. Estava pronto para ajudar e espalhar a alegria do Natal. A cena era surreal, como se eu tivesse entrado numa fábula. O Papai Noel, o urso polar e o elfo formavam um trio extraordinário, cada um com sua própria presença fascinante, prontos para me levar em uma jornada única no mundo de Noel. A única palavra que consegui balbuciar foi: — Eu morri? Estou sonhando? O velho barbudo respondeu: — Nenhum dos dois: Bem-vindo a Noellândia. O lugar onde os sonhos de Natal se tornam realidade, e você está prestes a descobrir por quê. Estava sem acreditar no que estava acontecendo. Fui caminhando com eles, onde chegamos a uma construção grande e ornamentada, decorada com luzes e guirlandas. A casa era aconchegante por dentro, com lareiras acesas. Noel sentou comigo numa mesa de carvalho e me perguntou: — Tu sabes por que te trouxe aqui, Jhon? 190
NATAL COM GRAÇA
— Até agora não sei. Nesse momento, Noel estalou os dedos, e como uma visão de um filme nítido, fui transportado para minha infância. Lá, me vi com minha família reunida, meu pai, minha mãe e meus irmãos, todos celebrando a festa de Natal com alegria e amor. Eu estava ao lado do meu pai, ajudando a montar a árvore de Natal, o presépio e recebendo presentes. A cena era inundada de calor, risos e afeto. A nostalgia tomou conta de mim, e uma felicidade indescritível me invadiu ao reviver aqueles momentos tão distantes no tempo. Em outro estalar de dedos, fui transportado para a minha casa, um casarão imponente e vazio, habitado apenas por empregados. A tristeza era esmagadora, e percebi o vazio que minha vida triste e solitária tinha se tornado. Ao mesmo tempo, fui levado para a casa humilde de Marta, minha empregada, que agradecia a sua refeição em uma mesa onde a comida era escassa para alimentar seus quatro filhos e seu marido. A visão da pobreza e da luta diária para sobreviver me tocou profundamente. Foi então que me vi em um cemitério sombrio, diante de uma lápide solitária, onde ninguém havia me visitado. Eu estava ali, esquecido por todos, perdido na escuridão do meu próprio egoísmo e avareza. A dor era insuportável, e o choro brotou de dentro de mim de forma incontrolável. Minha arrogância, minha ganância e minha indiferença tinham me levado a esse destino. Percebi, da maneira mais dolorosa possível, como havia perdido o verdadeiro significado do Natal e o valor das relações humanas em troca de riquezas materiais e solidão. Mais uma vez, me vi em Noellândia, com Noel em minha frente. Ele sorriu e me convidou para um passeio pela cidade. Ao sairmos da casa, caminhamos até uma oficina que era uma verdadeira maravilha. Era um lugar movimentado, repleto de elfos e duendes trabalhando, cada um desempenhando seu papel na preparação para a grande noite de Natal. 191
EDITORA OLYMPIA
A oficina brilhava com uma atmosfera mágica. Prateleiras se estendiam até onde a vista alcançava, repletas de brinquedos coloridos prontos para serem entregues para crianças de todo o mundo. Os elfos e duendes, com suas roupas vibrantes, estavam em perfeita sintonia com a magia do lugar. Uma esteira percorria o centro da oficina, trazendo consigo pilhas de cartas escritas por crianças. Os elfos as liam com atenção, sorrindo enquanto examinavam os desejos e sonhos dos pequeninos. Em outra fileira, duendes habilidosos empacotavam presentes com agilidade, usando fitas reluzentes e laços perfeitos. Noel, o urso e o elfo caminharam comigo por uma trilha que se adentrava em uma floresta densa. A cada passo, a atmosfera se tornava mais fabulosa, como se a própria natureza estivesse viva com a energia do Natal. O cheiro fresco de pinheiros e a neve recém-caída preenchiam o ar, envolvendo-nos em um aroma revigorante. À proporção que avançávamos pela trilha, a floresta se abria revelando o majestoso Palácio do Natal em seu centro. Era uma construção erguendo-se com torres de pedra ornamentadas e cúpulas imponentes. A cor das pedras era um branco reluzente, que refletia a luz suave do entardecer. As paredes estavam decoradas com motivos natalinos, como sinos dourados e flocos de neve esculpidos em relevo. O chão da floresta, que levava até o palácio, estava coberto de uma neve fofa e macia, como um tapete mágico que nos guiava até o coração daquele lugar especial. Cada passo que dávamos produzia um suave rangido sob os pés, enchendo o ar com uma melodia. O Palácio era um local de mistério e reverência, onde os Espíritos do Natal residiam, guardando as memórias das alegrias e tristezas do passado. Era um lugar de reflexão e aprendizado, onde aqueles que o visitavam podiam encontrar respostas para as perguntas mais profundas sobre o Natal e sobre si. Era um lembrete de que o Natal não era apenas sobre presentes e festas, mas também sobre a 192
NATAL COM GRAÇA
importância das experiências compartilhadas e das lições que aprendemos ao longo da vida. Ao caminhar na floresta, chegamos a um pinheiro que se destacava dos demais. Noel se virou para mim e disse: — Faça um pedido. Meu desejo era simples: Eu desejava que o espírito do Natal não fosse apenas uma data no calendário, mas um estado de espírito que guiasse minhas ações durante todo o ano, tornando-me alguém melhor e mais consciente do seu verdadeiro significado. E quando abri os olhos, estava eu jogado no chão da biblioteca com um livro sobre mim: Contos do Polo Norte: A Vida de Noel e seus Amigos.
193
EDITORA OLYMPIA
Um Natal em Natal Adriana Moreira
Em Natal, Rio Grande do Norte, tem de tudo um pouco: tem sol, tem praia, tem duna, tem o maior cajueiro do mundo, tem cocada e, claro, tem Natal. Natal o ano todo. Natal na época de Natal. Opa! Eu disse que tem de tudo, faltou então mencionar que tem gente muito rica, e tem gente pobre demais. Tem o pessoal dono das usinas canavieiras, tem os trabalhadores braçais de corte de cana que sustentam a família com um valor ainda mais mínimo que o próprio mínimo... Chico era filho de um desses trabalhadores. O pai passava sumido quase o ano inteiro, lutando para trazer o sustento para casa. A mãe passava se virando, sozinha, na lavação de roupa e nas plantações de acerola... e Chico, claro, tinha que ajudar. Por isso que agora ele estava ali, no ônibus, vendendo caixas de “chicrete”: “Moça, compra esta caixinha pra ajudar o pobre coitado.”
194
NATAL COM GRAÇA
A moça se ajeitou na cadeira, desconfortável. Nos seus treinamentos de coaching e empoderamento, aprendeu que era um grande erro alguém se autodenominar “pobre coitado”. Ficou com pena, coitadinho! Não ia comprar chiclete: “Sei lá qual a origem”, nem dar dinheiro: “Vai que ele usa para beber ou comprar drogas.” Por sorte, era perto do Natal, e ela tinha um panetone na bolsa: “Menino, quer um panetone?” Os olhinhos brilharam: “Eita piúla, que quero sim, moça. Este bolo aí tem pareia não.” Achou engraçado o sotaque carregado vindo daquela coisinha miúda. “Quantos anos você tem, piá?” “Tenho oito.”, mentiu Chico, já orientado pelos pais, pois menino de seis anos não ia poder andar sozinho por aí. “Te dou o panetone com a condição de você não se chamar mais de pobre coitado. Chama de carente, necessitado, que são coisas temporárias. Chama de qualquer outra coisa, mas não coloca na sua cabecinha que você é um pobre coitado, não, porque a mente manda na gente!” Na realidade, a moça do ônibus nem sabe se o menino ouviu alguma coisa, ele só conseguia pensar no panetone: “Eita que podiam comer na noite de Natal.” Nem viu a hora que saiu do ônibus e foi para casa, correndo e pulando que nem cabritinho novo, que mal aprendeu a correr e pular: “Mãinha, Painho vai chegar pro Natal?” “Sei não, Chico, vai depender do patrão lá da usina.”, respondeu Mãinha, sem ela mesmo acreditar nas probabilidades, pois, a safra, no Nordeste, se estendia até para fins de abril e o transporte era caro demais. Isto se Painho não precisasse ficar depois, para carpir a cana! 195
EDITORA OLYMPIA
“Então, me avio agorinha mesmo a rezar pro patrão dele.”, respondeu o menino. Já ia ligeiro para o quarto quando se lembrou: “Pia, Mãinha, o que a moça do ônibus me deu... Muito massa ela.” “Que Deus abençoe ela, fio, que bolo de fruta é bão demais da conta!” Não sei para qual santo Chico rezou, mas parece que o patrão da usina acordou inspirado e mandou escolher uns homens para passar o Natal em casa aquele ano. Painho foi contemplado: “Amanhã cedinho, véspera de Natal, sai carro para os lados da cidade. Tem passagem de graça para ir para casa. Só desta vez, hein?”, disse o encarregado. E Painho, com uma saudade da família que há muito já não cabia no peito, subiu no carro, feliz. Os braços doíam da jornada pesada, todo dia correndo atrás de cortar uma quantidade inacabável de cana para ganhar a paga, uns poucos Reais por tonelada. Trabalhava até a vida parecer se esvair do corpo e, mesmo assim, nem sempre conseguia bater a média ao final da tarde. Na verdade, a tal média estava literalmente matando, tinha gente até dando infarto e morrendo no meio do canavial. Painho tentava ser bom trabalhador, não faltava e manejava o facão com vontade, mesmo quando a perna esquerda lhe doía muito e o dedão da mão ficava duro, sequela de quando se machucou na lida e não falou para ninguém, para não ser dispensado. Mas devia ser grato, certo? Ao menos tinha trabalho, e alojamento com comida — da pior qualidade e gosto, é verdade, mas deixe estar que o desconto no salário era baixo e a gororoba servia para não morrer de fome. Lembrou-se da tal relação de “ganha-ganha” que o encarregado mencionava nas reuniões com a turma do corte. Bom, grato ele era sim, mas por que será que nunca achava a sua parte do “ganha”? 196
NATAL COM GRAÇA
Ei, vamos mudar o rumo da prosa e do pensamento, porque era Natal, a data favorita do filho Chico. “Ih!”, lembrou de repente, “mais um ano que não vou poder dar um brinquedo para o moleque.” Visualizou os olhinhos de decepção do ano passado: “Virge Maria Santíssima, que este ano não tenho como, de novo. A senhora manda uma lembrancinha pro Chico, por favor.” Isso tudo ele vinha remoendo no carro, na viagem dura, esticada pela saudade, nas estradas esburacadas de terra batida... mas chegar em casa compensava a jornada! Chico veio correndo, com aquelas pernas finas de quem quase não come, mas ainda assim encontra energia para viver, principalmente na véspera de Natal. Abraçou Painho apertado: “Eita, Painho, que o sinhô veio para o Natal! Bença.” “Bençoe, meu fio. Cadê Mãinha?” “Tá lá pros lado da cidade, foi entregar roupa lavada da dona Berê.” Já anoitecia e Mãinha andava rápido. A casa de Dona Berê ficava do outro lado do rio, tinha que andar muito, mas se chegasse numa hora boa e a madame resolvesse pagar logo, ela podia comprar um pedacinho de carne de sol para o jantar de Natal, mais tarde. Chico ia gostar, os olhinhos reviravam de gosto quando tinha carne de sol. Cada dia mais raro, “com os preço pela hora da morte.” Por sorte, Dona Berê estava em casa: “Toma um trocado a mais pra modo de você comprar uma Cajuína.” “Deus lhe pague, Dona Berê. Inté semana que vem. Feliz Natal.” Mãinha já ia virando as costas quando Dona Berê chamou:
197
EDITORA OLYMPIA
“Espera. Meu filho ganhou brinquedo repetido, um caminhãozinho de madeira. Leva pro Chico, presente de Natal!” Mãinha sorriu. Agradeceu e saiu correndo para passar no armazém. Com as compras, o caminhãozinho e a trouxa de roupa suja pesando nos braços, ela andava depressa, as pernas finas que nem as de Chico, tão ligeiras como sua própria mente: “Neste Natal, Chico vai ganhar presente. Eita! Que alegria! Pena Painho não estar com...” Parou, com os olhos arregalados. O coração bateu forte. Era Painho esperando na ponte. Os dois se encontraram num abraço. Tanta novidade para contar... O trabalho duro — de ambos —, Chico crescendo, precisavam ver estudo para o piazinho... Ah! Tinha carne, refrigerante e panetone para o Natal... e, mais, tinha o presente do menino, melhor esconder a surpresa para quando ele acordar no dia seguinte! Chico esperava na porta de casa. Estava alegre, era Natal. Natal em Natal. Ele tinha Painho de volta, ele tinha Mãinha, e ainda puderam comer muito bem, tinha arroz, carne seca e panetone. A comida era pouca, mas Mãinha cozinhava tão gostoso... Depois, Painho fez bichinhos de sombra para ele e era a melhor coisa que ele podia querer da infância: O pai presente, a mãe contente, e ele, ali, de barriguinha cheia, rindo das figurinhas na parede! Na hora de dormir, o menino agradeceu ao Pai do Céu por ouvir seu pedido e mandar Painho, e pediu para não precisar mais se chamar de pobre coitado, como disse a moça do ônibus. Painho, por sua vez, agradeceu por terem um presente para Chico, e pediu para que o menino não fosse cria da cana, tivesse um futuro melhor. Mãinha agradeceu por tudo e pediu pelos seus amores, Painho e Chico. 198
NATAL COM GRAÇA
Também pelos dois bebês que tinha perdido para as condições precárias da vida e, por fim, pelos pais e irmãos que estavam longe. Por sua vez, Dona Berê agradeceu o sucesso da sua ceia de Natal, da toalha bonita e engomada na mesa, trabalho de Mãinha, e pediu para que, um dia, todos possam ter um Natal feliz. Teve também o dono da usina, saciado de champagne e lagosta, lá na capital de fora do país. Ele quase dormiu sem agradecer, mas cismou com o sonho da noite anterior, que o encorajou a mandar alguns trabalhadores para o Natal em casa. Pensou como era bom ter um negócio grande como o seu, envolvendo tantas partes... ele mesmo e sua família, seus sócios e diretores, as empresas, os consumidores, o governo, os trabalhadores fixos e os sazonais... Será que ele, privilegiado, não seria responsável por um equilíbrio maior?!? Enquanto isso, Chico terminou sua oração e se perguntou se, na manhã seguinte, perto do seu chinelinho, haveria um presente de Natal: “Oxente que nem carece tanto disso não”, consolou-se, para não ficar triste nem entristecer os pais. Os olhos coçavam, cansados, mas ele estava excitado e curioso demais para pegar rápido no sono. Assim mesmo, fechou os olhos e tentou dormir, ignorando o barulho estranho que vinha dos pais na cama ao lado. Ele não se incomodava, aquilo era o som do amor... E, antes de tudo, era Natal!
199
EDITORA OLYMPIA
Um Natal Inesquecível Alair Alves de Carvalho
Há muitos anos, quando ainda não havia celular, tive uma experiência incrível numa comunidade, que, naquela época, chamava-se favela. Era dia 24 de dezembro, cerca de três da tarde. A família toda iria se reunir lá em casa. Eu havia distribuído inúmeras tarefas entre meu marido e meus filhos adolescentes, e, por uma série de circunstâncias, estava momentaneamente só com Zezé – que fora babá de meus filhos e que continuava lá em casa como empregada –, quando ela recebeu um telegrama. A irmã, que há anos não via, estava chegando do interior, e ia direto para o barraco de Zezé, com um “presunto pronto e delicioso”. Fiquei triste, porque, fora o curto período de seu casamento, Zezé sempre ceara conosco. Quando ia saindo, a ex-babá sentiu-se tonta e a levei à emergência de um hospital próximo. Não foi grande coisa – um ligeiro aumento de pressão, certamente de fundo emocional. Mas não podia deixá-la subir o morro sozinha. Eu sempre tivera um medo visceral de favelas, imaginando-as imundas, malcheirosas e cheia de perigos. Mas engoli todos os receios e foi com passos firmes que apoiei Zezé até o casebre 200
NATAL COM GRAÇA
e obriguei-a a deitar-se. Vi que uma vizinha ia descendo e lhe dei umas fichas e um papel com meu telefone, pedindo-lhe que ligasse, do orelhão que havia lá embaixo, para minha casa, explicando o acontecido. O barraco era limpo e arranjado, mas nada nele lembrava o Natal. Peguei um vaso com um galho seco, arranquei as folhas e dispus meu comprido colar de contas coloridas como uma guirlanda natalina. Olhei os mantimentos no armário e na geladeira. Não havia muita coisa, já que Zezé passava a maior parte do tempo conosco. Mas consegui preparar rabanadas com pão de forma e leite em pó e ainda uma sangria com laranjas e um abacaxi que comprei de um vendedor ambulante que voltava para casa. Zezé acordou e ficou encantada com o que eu havia aprontado. — Dona Vânia, obrigada. Mas é melhor a senhora ir pra casa. Seus parente tudo já vai chegá. — Não, não. Meus convidados só vão à noite e Reinaldo e os meninos já foram avisados. Eles sabem que estou com você. E mesmo que eu chegue atrasada, todos vão entender. Só vai gente da família, todo mundo conhece você e sabe que eu não a deixaria só num momento desses. — Ah, DonaVânia, assim a senhora me faz chorá... — Não chore, vamos conversar. Como é a Luzdalua, sua irmã? Por que vocês não se veem há tanto tempo? — É uma história triste, Dona Vânia. Fui eu, com três ano, que escolhi o nome dela, Luzdalua. Ela não gosta. A gente tudo chama ela de Luz. A Luz fugiu de casa com 16 ano, grávida de um cafajeste casado que morava perto da gente, em Mendes. Papai tinha morrido do coração um ano antes. Mamãe e eu, com 19 ano, sustentava a casa com doce e costura. Luz dizia que ia pra escola, mas pelo jeito ia mermo era saracotiá. A Mãe morreu logo depois, de coração partido. Eu não 201
EDITORA OLYMPIA
podia pagá sozinha o aluguel. Dona Cristina, a tia do Seu Reinaldo, que mora em Mendes e era minha freguesa dos doce, falô que a senhora ia precisá de babá quando tivesse o nenê. Aí eu vim pro Rio. Cuidei do Júnio e depois do Pedrinho. Aí me casei. O Clenilso tinha esse barraco. Foi nessa época que eu fiquei sabeno da Luz. Ela, quando fugiu, foi pra Campos. O tal pai da criança não ficô muito com ela. Antes do meu sobrinho fazê um ano, ele se mandô. E nem voltô pra mulhé antiga com os filho que tinha com ela, não. A Luz, que nunca tinha feito nada na vida, saiu de Campos, arranjô emprego de arrumadera numa pensão em Macaé, onde tinha um quartinho pra ela e o bebê. Ela levava a criança numa cesta de pão, enquanto arrumava os quarto. Depois, ela conseguiu creche pro Uóxito, meu sobrinho. —Uóxito? Ah, Washington... — Pois foi o que eu disse. A Luz pediu pruma pessoa assuntar em Mendes sobre a mamãe e eu. Foi aí que ficô sabeno da morte da Mãe e que eu tava no Rio. Ela ficô com medo de falá comigo porque sabia que a Mãe tinha morrido por causa dela. Há uns cinco ano é que ela me escreveu uma carta contando tudo o que eu contei pra senhora. Eu fui a Macaé e falei com ela e com o meu sobrinho. Achei o garoto esperto e gostei de sabê que ele tava na escola. Falei com o Clê e ele concordô que eles viesse, se quisesse, morar com a gente. E o Clê, coitado, morreu de bala perdida logo depois. E a Luz, ela sumiu de novo. Escrevi para ela e nada. Fui até lá e me dissero que ela tinha se mudado. Quero vê o que ela vai contá. Alguma ela andô fazeno... O telegrama veio de Paraíba do Sul. Ela não fala do Uóxito. Será que ele vem junto? — Agora falta pouco pra você saber... — E enquanto esperávamos, Zezé foi se lembrando de coisas acontecidas lá em casa, nos Natais passados. Dos 16 anos que nos conhecíamos, só no seu pouco tempo de casada é que ela não ficou conosco. 202
NATAL COM GRAÇA
— A sua tia-avó, a D. Inês... — Inácia, Zezé. acrescentava...
Aliás, “Ignácia com g”, como ela sempre
— Pois é, ela imitava cada colega da turma de dança de salão, era muito divertida. — Ah, que saudades dela!... — E os presente que os irmão se dava? — Pedrinho nunca foi bom em fazer coisas, mas tinha ideias. Como quebrou o pincel do Júnior, resolveu fazer um... — Ele pediu pra eu ajudá. Eu cortei um poquitinho do cabelo dele, ele usô um canudinho e durex. — Ficou um horror, mas valeu pela satisfação no seu rostinho. — O Júnio é que não entendeu bem o espírito da coisa, né? — E foi aí que começaram os presentes de um para o outro. Faziam brinquedos, desenhos, cartinhas. No início, era coisa de criança, coisa ingênua. Agora é só gaiatice. Eu finjo que me aborreço, mas no fundo também acho graça. — E a senhora alembra o Seu Alberto? — Alberto, Alberto... — O vizinho da sua prima Ele se separô e sua prima morreu de pena e levô ele. — Ah, o bêbado que quebrou meu vaso azul! Ah, eu me lembro, sim! — Pois ele me pidiu em casamento... — Foi? E você? 203
EDITORA OLYMPIA
— Ah, DonaVânia, pedido de bêbado a gente dexa pra lá. Eu tô muito acostumada com fala de bêbado aqui no morro. — Ainda bem que você sempre teve juízo! Já a sua irmã... E rimos e tomamos sangria e comemos rabanadas , emendando casos até que, esquecidas de tudo, fomos surpreendidas por batidas na porta. Eram oito da noite e a irmã finalmente chegara. Quase lamentei a brusca interrupção de nossa conversa. Luzdalua era bonita, apesar da pele maltratada e do cabelo sem brilho. Ela trouxe o filho. Washington regulava com meu Júnior. Ele usava tênis de grife e tinha um sorriso lindo. Eles carregavam malas. Teriam vindo para ficar? Eu estava morrendo de curiosidade de saber sobre tudo o que acontecera a eles nos últimos cinco anos, mas minha casa e minha festa me esperavam. Luzdalua, inteirada dos meus cuidados para com a irmã, agradeceume muito. Eu elogiei Zezé, despedi-me de todos e fiz votos de feliz Natal e de um ano novo cheinho de boas realizações. Zezé chamou um garoto e lhe deu uns trocados para que me acompanhasse até lá embaixo. Dali, tomei um táxi, entrei em casa como um foguete, não dei explicações e voei para tomar banho e colocar minha roupa nova. Estava no toque final, umas gotas do perfume que Reinaldo me dera no aniversário, quando ouvi a campainha tocar. Era o primeiro convidado! Tudo correu conforme o esperado, com elogios, canções, presentes e muito disse-me-disse sobre os ausentes. Mas, daquele ano, a lembrança mais marcante que me ficou foi, sem dúvida, o tempo que passei no barraco da Zezé, quando usei de toda a minha criatividade e, ao tentar improvisar uma festa de Natal no morro, acabei tendo o meu Natal inesquecível!
204
NATAL COM GRAÇA
Um Natal Inesquecível 2 Paula Gibbert
É Natal! Sim, é Natal e cá estou eu, no Paraná, sozinho, para comemorar essa data tão...tão... família. Meus pais viajaram para a Europa porque querem sentir a magia do Natal na Alemanha e ver o Papai Noel distribuindo os presentes em um trenó sendo arrastado pela neve por algumas renas (como mostram nos filmes); meu irmão mudou-se para o Recife e minha mulher me deixou há três meses. Sendo assim, estou literalmente sozinho. Com ‘sozinho’ quero dizer que minha família não vai estar aqui comigo. Até o ano passado, tínhamos comemorado essa data sempre juntos. Porém, os planos para o meu Natal deste ano já começaram há alguns meses e aposto que vai ser muito especial. Ofereci-me na casa paroquial da igreja que frequento para ser um dos Papais Noéis na noite de Natal. Vamos sair de caminhonete (Que pena não poder ser um trenó!) e distribuir os presentes de Natal para as crianças carentes da cidade.
205
EDITORA OLYMPIA
A equipe da coordenação paroquial adaptou um projeto dos correios: vamos arrecadar presentes de Natal para a criançada junto aos empresários. Houve uma campanha para que as crianças escrevessem cartas para o Papai Noel pedindo que presentes queriam ganhar as quais deveriam ser entregues na secretaria da igreja. Lá, todas seriam lidas e providenciaríamos os presentes. Cada presente seria empacotado já com nome e endereço da criança que o receberia. O trabalho foi intenso, pois recebemos muitas cartinhas. A maioria das crianças pedia brinquedos. Foram mais de 80 bonecas, 92 bolas, 16 pares de patins, 8 skates, 16 bicicletas, 128 carrinhos (alguns de controle remoto), kits com blocos de montar, quebra-cabeças com figuras dos desenhos animados, livros de literatura infantil, ursinhos de pelúcia, chocolates, entre outros. Alguns pedidos nos surpreenderam muito. Uma menina negra de oito anos pedia uma boneca da sua cor. Como poderia chamar de ‘filhinha’, uma boneca branca? Sua autoestima era altíssima. Disse que se achava linda e que, quando crescesse, seria presidente do Brasil. Uma menina de dez anos pedia uma árvore de Natal e as figuras de um presépio para montar em sua casa. Queria a árvore já com todos os enfeites: bolas brilhantes de tamanhos variados, festões coloridos e um pisca-pisca com luzes coloridas, pois eram coisas que ela poderia guardar para usar novamente nos anos seguintes. Disse, na sua cartinha, que tinha visto isso em uma loja e pensava que não seria mais natal na sua casa se não tivesse um cantinho com esses enfeites. Um menino que sofrera um acidente aos dois anos de idade e perdera uma das pernas pedia uma prótese para poder andar sozinho novamente. Sonhava em chegar andando na escola sozinho. Disse que estava ficando pesado para ser carregado pela mãe e que ela sempre se atrasava para o trabalho por ter de levá-lo para lá primeiro. 206
NATAL COM GRAÇA
Um menino de doze anos pedia um par de chuteiras porque queria ser um jogador de futebol de campo, mas por ter de jogar descalço com os amigos no campinho do bairro, já arrancara a unha do dedão do pé por três vezes. Sendo assim, como poderia se destacar se ficava sempre um bom tempo sem jogar? Muitas crianças pediam roupas e calçados para poderem ir bemvestidas para a igreja na missa de Natal e os pais não tinham dinheiro para isso. Outras pediam que pudessem ter uma ceia de Natal com a mesa farta naquele ano. Uma carta recebida foi escrita pelo pai de gêmeas cuja mãe as tinha abandonado com ele. Esse pai pedia humildemente um carrinho duplo de bebê para que pudesse levá-las à igreja aos domingos, para creche quando ia trabalhar e para onde mais precisasse. Um menino que morava na rua mandou a carta que fez chorar a todos os que estavam presentes na hora da leitura: ele disse que sua mãe havia morrido em um acidente de trânsito quando ele tinha oito anos. Desde então, uma mulher que também morava na rua, ajudava-o a mendigar para ter como matar sua fome e sua sede. Ele pedia para ser adotado. E a carta com o pedido mais desesperador foi o de uma menina franzina de onze anos que passava facilmente por uma de nove. Ela pedia para ir morar com o Papai Noel porque não aguentava mais ‘os carinhos do papai’ em sua casa. Fizemos por essas crianças tudo o que estava ao nosso alcance. Os brinquedos foram muito fáceis de conseguir. O par de chuteiras, as roupas, a árvore de Natal e o presépio, o carrinho duplo de bebê e outras coisas que não eram brinquedos conseguimos com os comerciantes do bairro onde cada uma morava. A prótese conseguimos com o médico da cidade.
207
EDITORA OLYMPIA
Entretanto, o que nos deixava de coração partido eram a menina que sofria violência sexual em casa e o menino que queria ser adotado para sair das ruas. Como resolver isso? Fomos ao endereço da menina que era molestada pelo pai num horário em que julgávamos que ele estivesse no serviço, mas ele estava em casa. Expulsou-nos de lá aos berros dizendo que os problemas da sua família era ele mesmo quem resolvia. Continuamos a investigação e ficamos sabendo que o pai era guardanoturno. Sendo assim, num outro dia, fomos visitá-la de noite. Ela nos recebeu com um olhar desolador e, meio ressabiada, nos contou como tudo acontecia: a mãe tinha sofrido um AVC e, desde então, o pai a forçava a ter relações com ele. A mocinha não podia sair dali porque cuidava da mãe que via tudo acontecer; tinha ficado com um lado do corpo paralisado e perdera a fala. Seu olhar era mais triste que o da filha. Entramos em contato com o conselho tutelar e com a polícia. A mãe e a filha foram acolhidas em um abrigo. O caso está sendo tratado pela justiça, mas ficamos muito preocupados com a adolescente e com sua mãe porque, num caso desses, é bastante comum o homem ficar violento exigindo seus ‘direitos’. Ela ainda não teria o Natal dos seus sonhos, mas tinha tido coragem de dar o primeiro passo, mandando a cartinha para o Papai Noel. Seu presente era a expectativa do distanciamento definitivo e nós, da coordenação paroquial, continuaríamos acompanhando o caso de perto dando apoio moral e financeiro para as duas. O caso do menino que queria ser adotado foi encaminhado para o abrigo da cidade. No local, ficamos sabendo que o menino já tinha estado lá por um tempo, mas não se adaptara. Dizia que sofria muito bullying e acabava voltando para as ruas novamente. Isso já acontecera por três vezes. Já tinha sido investigada sua paternidade, porém do seu pai, o garoto só sabia o primeiro nome. Não conhecia nenhum parente e, a mulher que lhe dava um pouco de atenção e 208
NATAL COM GRAÇA
comida quando ele não conseguia nenhum trocado em sua mendicância, já tinha três crianças para cuidar. Ele se sentia um fardo para ela. A coordenação cogitou levá-lo para uma casa de abrigo na capital. Talvez lá, ele conseguisse conviver com os demais até ser adotado. Entretanto, estávamos cientes que a adoção dificilmente ocorre quando a criança tem mais de cinco anos e Carlinhos já tinha nove. Começamos a ajudar o menino bem como outros moradores de rua do local onde eles costumavam ficar com cestas básicas e roupas. O olhar de expectativa desse menino começou a povoar os meus sonhos e, depois de duas semanas rolando na cama sem conseguir dormir direito; depois de muitas conversas com meus pais e meu irmão, com o juiz e com pessoas do orfanato, tomei uma resolução. As providências foram tomadas e, dois dias antes do Natal, o menino já estava sob a minha guarda. Na véspera de Natal, ele foi comigo, entregar os presentes que tínhamos preparado. Foi um Natal inesquecível.
209
EDITORA OLYMPIA
Um trabalho especial Estela Simone Costa
O Natal era sempre motivo de felicidade para Zoe — felicidade e trabalho. Fazia parte do time de gnomos que ajudavam Papai Noel a levar magia e presentes àqueles que se comportaram bem durante o ano. Sim, era muito cansativo, mas a gnominho travessa tinha um jeito especial de descontrair em meio às tarefas que pareciam infinitas. Com o avanço da tecnologia, as pessoas foram deixando de lado a magia, completamente intransigentes à existência de criaturas místicas. O que, por um lado, ajudava Papai Noel a realizar seu trabalho sem grandes sobressaltos, mas por outro. Tornava difícil estabelecer a magia que caracterizava a festa. Sendo assim, entregar presentes às crianças tornou-se ainda mais imprescindível, pois a imaginação de cada criança era o que mantinha a vida mágica das grandes comemorações. A imaginação das crianças também era a segurança de todos, já que nunca acreditavam nas histórias que elas contavam sobre visitas do bom velhinho, dos elfos, gnomos... Sempre atribuindo os presentes inesperados a algum parente esquecido que não colocou o nome nos cartões — quando há algo que não se pode compreender, a primeira 210
NATAL COM GRAÇA
explicação que aparece, mesmo a mais desajustada, serve como fato incontestável. No entanto, havia adultos especiais. Adultos que mantinham a imaginação de criança e conseguiam reconhecer a magia de tudo que existe para além do que os olhos podem alcançar. Pessoas raras que, com o passar dos anos, ficavam cada vez mais raras. Portanto, sempre que uma delas partia ou deixava de imaginar, a notícia era recebida com choro pela equipe de Papai Noel que se entristecia à cada pessoa que parava de acreditar. Na manhã daquela noite de Natal, receberam a notícia de que uma de suas grandes admiradoras havia deixado de comemorar a festa, substituindo a decoração vibrante pelos tons sombrios do luto. O coração era tão triste que lágrimas tomaram completamente o lugar das risadas. A novidade afetou ainda mais profundamente Zoe que tinha boas recordações da menininha que vira crescer em cada verão que se disfarçava entre as luzes coloridas para entregar presentes Era sempre recebida com um sorriso no rosto, mesmo depois que a menina tornou-se adulta e perdera a visão. O essencial é invisível aos olhos, ainda era capaz de ouvir perfeitamente a doce voz lhe dizer. Portanto, decidiu que trocaria sua distração por uma missão especial. Ah, sim, não falamos sobre a distração de Zoe. Pelo meio das entregas de presentes, gostava de se embrenhar em grandes festas e aprontar pequenas travessuras que resultavam em grandes confusões. Dava altas gargalhadas toda vez que pensava em como objetos que sumiam misteriosamente e chaves de carros inexplicavelmente trocadas levavam as pessoas à loucura. Era maldosa nesses momentos e adorava ser! Mas deixaria a satisfação pessoal de lado pelo bem de sua amiga humana e, por consequência, pelo bem do Natal. Quando se aproximou da residência, sentiu parte da alegria contagiante se esvair 211
EDITORA OLYMPIA
ao contemplar a falta de luminosidade destacada das casas repletas de luzes e guirlandas que convidavam a uma visita para conhecer mais da decoração natalina. A casa de luzes desligadas refletia o desânimo da moradora. Como em todas os anos, entrou por uma fresta por baixo da porta sem grandes dificuldades graças ao seu corpinho de trinta centímetros. Porém, diferente das outras vezes, foi recebida por um ambiente gelado em vez de um sorriso aconchegante. Avistou a menina sentada no sofá, numa completa escuridão que não permitia observar o rosto dela. Num primeiro momento, julgou que ela estivesse adormecida até ouvi-la dizer: — Não há doces hoje, Zoe. A gnomo suspirou com tristeza. Não pela falta das guloseimas que costumavam encher sua barriga, mas pelo desânimo na voz. Ainda era doce, porém sem um traço de alegria. — Confesso que estou desapontada — Zoe disse para quebrar o gelo que se misturava à sala desoladamente escura. — Eu gostaria de ver o seu rosto, se não se importar. — Na verdade, eu me importo sim. Não vejo você, é justo que não me veja. — Engraçadinha — sorriu ao perceber que a personalidade divertida da amiga estava ali em algum lugar. — Eu não envelheço como vocês, então tô igual ao que se lembra. O uniforme natalino continua o mesmo vermelho e branco. Tentei converter Noel a inovar e colocar um pouco de azul no gorro, ou sei lá, mas aquele velhinho teimoso é tão apegado às tradições! Cabelos vermelhos, nariz grande, boca pequena, orelhas pontudas, corpo de formiguinha... Tudo bem proporcional. — Eu sempre te achei adorável! 212
NATAL COM GRAÇA
Zoe observou a menina se levantar do sofá, pegar a bengala longa que usava para rastrear o caminho e ir até um interruptor, iluminando a sala. Não havia sequer uma bolinha dourada que representasse o Natal, fato que, somado à aparência abatida dela, muito lhe entristeceu. Sua amiga costumava carregar uma energia vibrante que combinava perfeitamente com o feriado de que mais gostava. Agora, era somente tristeza. — Onde estão suas sobrinhas? — Na casa dos pais — a menina respondeu enquanto retornava ao assento. — Devem estar se divertindo com uma boa ceia e presentes embaixo da árvore... — Acredito que não. Eu sou a única da família que é apegada às tradições do Natal. — Noel se entristeceu com sua falta de entusiasmo. — O Natal pode muito bem sobreviver sem mim. — O Natal sobrevive sem você. Mas, e quanto ao Natal das suas sobrinhas? — Zoe ficou satisfeita ao observar um franzir de testa. A menina estava pensativa. — Você é a estrela no topo da árvore de Natal da sua família. Precisam de você para que a tradição seja mantida. Noel precisa de você. — Por isso está aqui? — Está certa, o Natal sobrevive sem você! Estou aqui porque sou sua amiga. Estou aqui porque sei que ainda existe magia em você. — O Natal perdeu o sentido pra mim. — Não acredito nisso. Você só está triste. Quando perdeu a visão, também disse que o Natal não fazia mais sentido. 213
EDITORA OLYMPIA
— É bem diferente! — Sim, você perdeu pessoas e eu sinto muito por isso! O Natal nunca mais será o mesmo, haverá sempre alguma tristeza no meio da alegria, mas não precisa terminar com a tradição. Querida, imagine como teria sido se sua mãe, que era a estrela no topo da sua árvore de Natal, tivesse desistido da comemoração quando você ainda era criança. Imagine como seria a vida das suas sobrinhas sem você... Zoe precisou conter um gritinho de alegria quando a menina voltou a se levantar do sofá. — Tem razão. Elas não precisam ficar tristes só porque estou triste. Não é justo... Mas, eu não preparei nada. — Faça uma surpresa. Vá até a casa delas e convide-as para virem comemorar o Natal com você aqui. O resto, deixe comigo. Foi com imensa alegria que a travessa gnomo reuniu seus companheiros de trabalho para organizarem uma decoração de Natal como deveria de ser: Uma vibrante explosão de cores adornando a fachada. A casa decorada com uma combinação harmoniosa de cores: luzes vermelhas, verdes e douradas brilhando intensamente. Uma árvore de Natal repleta de decorações reluzentes num canto da sala. As luzes piscando e destacando os enfeites delicados, bolas coloridas e laços. Em cada extremidade dos galhos, pequenos presentes aguardando ansiosamente o momento de serem abertos. Na cozinha, uma mesa ricamente posta com todas as guloseimas e comidas típicas. O cheiro do frango recém-preparado no forno trazendo calor e acolhimento à casa. Como toque final, músicas natalinas. — Quando a menina se esqueceu da própria tristeza para trazer felicidade a quem ama, demonstrou o altruísmo que é o verdadeiro espírito do Natal. Não será esta noite, mas ela voltará a ser feliz, pois 214
NATAL COM GRAÇA
leva o amor consigo. Ao ajudar uma amiga, também demonstrou a alma natalina que vive em você. Estou orgulhoso. Zoe sorriu com as palavras de Papai Noel antes de se virar para olhar a menina que chegava à casa acompanhada das sobrinhas. O sorriso iluminado no rosto de todos ao verem a decoração da casa trouxe uma sensação de imensa alegria. Compartilhar felicidade era sem dívida o trabalho mais importante dos guardiões do Natal.
215
EDITORA OLYMPIA
Vestido de formatura Detuner Jaques
Estou dentro do ônibus indo com a minha família para o centro da cidade. Passo por uma loja de esquina com um enorme Papai Noel inflável e meus olhos correm rapidamente para dentro da loja, enquanto o motorista tenta acelerar para conseguir ainda passar no sinal amarelo. Eu não tinha visto essa loja, pois quase nunca passo por esse caminho, ainda mais de ônibus, momento esse que me permite olhar todo o caminho despreocupado, bem diferente de quando estou dirigindo. Cutuco minha filha e pergunto: - Vamos entrar nessa loja? Ela apenas acena com a cabeça concordando, talvez por educação ou devido a ter feito recentemente 18 anos. 216
NATAL COM GRAÇA
Afinal, está no final da adolescência, situação que ela queria continuar confrontando o início da vida adulta, situação que ainda é uma incógnita gigante para ela. Prefiro acreditar que ela realmente quer conhecer a loja. No restante do percurso continuo com as distrações do caminho, transeuntes, cachorros na rua, carros “gritando” com suas buzinas, lojas, restaurantes, igrejas, farmácias (uma infinidade delas, deve ter muita gente doente ...) até chegarmos em nosso destino final, o centro da cidade. Nosso objetivo é encontrar um vestido de formatura para nossa filha, para a festa que ocorrerá em dezembro – lembro novamente do Natal – aliado a essa busca, temos que encontrar o a condição ideal – vestido que agrade minha filha x preço possível que podemos ou que nós definimos como razoáveis. Logo na primeira galeria, um vestido preto, a encanta. Fico mais afastado apenas observando a conversa entre a minha esposa e minha filhota. O vestido é experimentado, não fica tão bem, é o que deduzo pelos movimentos da vendedora que logo já está com outra opção em mãos. Ela é mais rápida que o Papai Noel – novamente estou fazendo analogia com o Natal. Resumindo não compramos o vestido, pois não foi satisfeita a segunda condição, o tal preço razoável ... Caminhamos bastante e parece que somente existe aquele vestido preto que atendeu a primeira condição, minha filha amou. Aproveito e olho atentamente as lojas que já tem enfeites de Natal e falo baixinho novamente para a minha filha – Vamos naquela loja que vimos de dentro do ônibus? Agora ela nem responde, só quer achar um vestido que satisfaça as tais duas condições. 217
EDITORA OLYMPIA
- Será que o Papai Noel tem esse mesmo tipo de problema ou os duendes fabricam tudo o que as crianças querem, sem gastar nada de dinheiro?! Acho melhor eu comprar algum enfeite de Natal senão vou sonhar com presentes, renas, viagens pelos céus, ... Os dias se passam a rotina volta ao normal, eu volto a dirigir pelos mesmos caminhos, mesmos horários, mesmas sinaleiras, mesmas lojas – não é uma reclamação, é apenas uma constatação. Nos dias que seguem, estou com o carro parado devido ao trânsito, estou sozinho quando vejo abaixo da sinaleira uma pessoa fazendo acrobacias vestido de Papai Noel e depois pede alguma ajuda financeira. Me deixo levar pela imaginação pensando que o bom velhinho deve ter passado por alguma situação muito difícil, tipo uma nevasca muito forte, que destruiu sua base, sua fábrica de presentes e teve que pedir empréstimo a juros altíssimos no polo norte, o que acarretou um desencaixe financeiro, e a solução foi vir ao Brasil pedir esmola. Quase bato o carro, o que me faz voltar a realidade. Mas ainda tenho um rasgo de lembrança daquela loja que eu quero ir, aquela de Natal, numa esquina. Eu vou lá sozinho penso alto, ou melhor eu falo isso e por estar aberto o vidro do carro, o tal Papai Noel chega perto, sorri e diz: - Vamos juntos na minha loja, quem sabe tu não encontras o vestido da tua filha ali perto. Eu fico desnorteado penso em falar algo, mas nada sai. O Papai Noel continua sua caminhada em direção aos carros detrás do meu, que começam a buzinar impacientes, para eu acelerar. Eu obedeço, mas penso em dar meia volta na quadra, para voltar a ver aquela pessoa, que sabe do vestido. O trânsito tá complicado demais e vou perder o 218
NATAL COM GRAÇA
horário de buscar a minha filha. Eu tento me convencer que eu ainda devia estar no estado de imaginação, quando escutei aquela frase. Minha filha entra no carro e conto a história, ela ri, mas já entra com outro assunto e eu opto por não falar mais nada. O mês de novembro passa, o vestido não foi comprado, ei ainda não esqueci do que ouvi do “Papai Noel”, não fui na loja, por que está cara a gasolina e só abasteço novamente, depois que fechar a fatura do cartão de crédito, etc., etc., etc. ... Até que num dia, tenho um sonho todo maluco, com Papai Noel, coelhinho da Páscoa, vestido da Branca de Neve, eu perdido numa rua cheia de neve, acordo e penso entre sono – amanhã eu vou de ônibus na loja!!! É um lindo sábado de sol e depois das minhas rotinas de passear com a minha cachorra, preparar o café para as gurias, varrer o chão e molhar as plantas comunico que estou indo na tal loja de artigos de natal. Minha esposa só fala – não vai comprar nada! Minha filha nem pensa em me acompanhar e já vai direto para o quarto dela. Saio animado, entro no ônibus, desço na bendita parada, caminho até a loja, que está lotada. Eu nem sei bem o que vim fazer aqui, pois não posso comprar nada, e nem sei o que pensar sobre a frase que escutei dias atrás. Todos os itens, enfeites, brinquedos, lembranças, guloseimas e mais um monte de coisas que nem sei dizer, me encantam, me fascinam. Tudo lindo, se eu pudesse comprar... na verdade poder comprar eu posso, mas não devo ... lembrando do aviso da minha esposa. Ao sair da loja lembrei novamente da frase e resolvo caminhar pela rua, para ver se tem algum lugar que venda o vestido. 219
EDITORA OLYMPIA
Percorro tudo com olhos de lince, mas nada, nenhum comércio. Resolvo voltar para a parada de ônibus me distraindo com um casal que está noutro lado da rua, parecendo discutir, quando esbarro no mesmo Papai Noel de outro dia. Ficamos nos encarando pasmos com a coincidência. Ele sorri abre a carteira, tira um cartão de visitas e me entrega. Nele está escrito – VESTIDOS NOVOS e USADOS – eu penso e falo: - Como assim? Como tu sabes que eu quero um vestido? Ele responde: - Eu vi o senhor olhando para a loja de Natal, quando eu estava na parada e entrei no mesmo ônibus. Escutei vocês falando que estavam procurando um vestido. Também desci no final da linha e como trabalho como vendedor numa loja de vestido, segui vocês até a galeria. Vi quando a menina experimentava um vestido. Acho que era sua filha. Continuei escutando. - Eu também “faço bico de Papai Noel” nas ruas e quando vi o senhor no carro falando alto, lembrei de onde tinha lhe visto e deduzi que era um aviso de Deus. Então lhe falei do vestido na esperança do senhor vir aqui no nosso bairro. Fiquei pasmo, pensei em milagre de Natal, sorri agradeci e disse que certamente eu voltaria com a minha família na loja de vestidos. E foi o que aconteceu dias depois encontramos o vestido desejado x preço razoável, comprei com o vendedor “Papai Noel”, e fiz questão de contar a história para o gerente da loja. Depois de um tempo voltei na loja e soube que o vendedor foi transferido para outra local, mas agora como gerente, ou seja, cada vez mais temos que acreditar em Milagres de Natal. 220
NATAL COM GRAÇA
Vou matar o Papai Noel Paulo Martins
Em plena ceia de Natal, com toda a família reunida à mesa, o menino segurou a faca de destrinchar o peru e falou com firmeza, vou matar o Papai Noel. O menino não entendia muito bem o Natal, mas já havia sido pior, quando era ainda menor. Apesar de agora compreender melhor algumas coisas, ainda sim tinha muitas dúvidas. Por exemplo, notava que, nesta época, o pai chorava de vez em quando, pelos cantos da casa. E olha que era ele que dizia que homem não chora. A mãe explicou que nessa época as pessoas ficavam mais sensíveis e que, normalmente, choravam mesmo. O caso do pai talvez fosse saudades de algumas pessoas que se transformaram em estrelinhas e estão morando no céu. O Natal e amor são palavras que se entrelaçam. É a festa que celebra a vida e o amor. Somos corpo, mas também alma. Na alma estão os nossos sentimentos. E o sentimento nos torna sensíveis ao outro e ao amor. Por isso, quando o natal se aproxima, nosso coração fica sensível, queremos estar junto das pessoas que amamos. Choramos, é natural. 221
EDITORA OLYMPIA
O menino se encantava ao ouvir a mãe falar essas coisas. Admirava a mãe. Ela tinha a capacidade de realizar ações pensando no bem-estar das pessoas ao seu redor, mesmo que, para isso, tivesse que sacrificar os seus próprios desejos e interesses de vez em quando. Outra coisa que o menino observava no Natal, e que o intrigava, era que a mãe saía de casa mais do que o normal e chegava, quase sempre, muito tarde da noite. Muitas das vezes ele já estava dormindo e só a via no outro dia, na mesa do café da manhã. Enquanto lia o jornal, com toda sua sabedoria, o pai esclarecia ao menino que, no Natal, as pessoas sempre estão mais ocupadas, por isso é natural chegarem mais tarde. São as horas extras no trabalho. As compras para a ceia natalina. Visitam-se mais os familiares distantes. É uma ocasião em que se gasta mais amor e horas no salão de beleza, todos querem trocar amor e estar mais elegantes. Dezembro era mês de muita chuva. Como era que o Papai Noel fazia para entregar aquele mundo de presentes? Imaginava que era muito difícil ficar por aí andando de um lado para o outro, na chuva, em um trenó conversível e sem capota. E as renas? Coitadinhas, certamente estavam sempre resfriadas e usando capas de chuva. Também não entendia como era que os presentes apareciam em baixo da árvore de natal. Sua casa não tinha chaminé, e as janelas ficavam trancadas durante à noite. Simples, o Papai Noel entra pelo telhado, explicava a mãe. Como era que ele passava pela laje? Ele dá um jeito, ele é experto – dizia o pai, com um sorriso nada modesto. Sim, muito experto, experto de mais, expertíssimo – confirmava a mãe, em bom som. Naquela noite de Natal, o menino resolveu que iria ver o Papai Noel, custasse o que custasse. Foi para o quarto na hora de sempre. Deitou, apagou as luzes, fechou os olhos, mas não dormiu. Ficou com os 222
NATAL COM GRAÇA
ouvidos atentos durante toda a noite. Lá fora, um vento leve balançava o coqueiro, que vez ou outra esbarrava suas folhas na parede da casa. Um cachorro latiu, um foguete se estourou ao longe. Minutos depois, ouviu ruídos que pareciam vir da sala, ou da cozinha. O menino se sentou na cama, colocou os pés no chão, levantou-se no escuro, sem fazer barulho. Para não despertar ninguém, caminhou descalço em direção à sala. Viu a cena que não queria. Amedrontado, correu de volta para o quarto, embrulhou a cabeça, ficou chorando baixinho o resto da noite. No outro dia, em plena ceia de Natal, com toda a família reunida à mesa, segurou a faca de serra e disse que iria matar o Papai Noel. Todos olharam aterrorizados para o menino. A mãe o chamou para um canto da casa. Perguntou-lhe se aquilo era coisa de se dizer, onde estavam os bons modos que lhe ensinara. Que voltasse lá e se desculpasse com todos. Que dissesse que era só uma brincadeira. Vou matar o Papai Noel – voltou a afirmar em voz alta e com convicção. A mãe percebeu que a coisa era mais séria do que pensava. Pediu-lhe explicações. Então o menino disse que havia visto tudo. Tudo o quê? – quis saber a mãe, com cara de desentendida. O menino contou que, durante a madrugada, ao se levantar, tinha visto o Papai Noel sentado no sofá da sala. A mãe lhe perguntou qual era o problema naquilo. Que era mais do que comum um Papai Noel sentado. Provavelmente se cansou de tanto entregar presentes e se sentou. Que aquilo não era nenhum crime. Não se mata alguém por estar sentado no sofá da sala. Só que o Papai Noel não estava só, afirmou o menino. 223
EDITORA OLYMPIA
Também é comum o Papai Noel e as mães ficarem se pegando no sofá, se beijando durante a madrugada? – quis saber o menino. Desconcertada, com a voz falhando, a mãe contou ao menino que o Papai Noel e o seu pai eram a mesma pessoa. Só que ele jamais poderia contar o que tinha visto, nem ao pai e nem a ninguém. E se contasse? – o menino a desafiou. Em tom de ameaça, a mãe lhe explicou, pela última vez, que se ele contasse, além de estragar o clima natalino, mais gente morreria naquela casa, além do Papai Noel.
224
NATAL COM GRAÇA
Avenida Rondon Pacheco, 2300/65 Uberlândia – Minas Gerais CEP 38.408-404 E-mail: editoraolympia@gmail.com 225