VIAGENS AOS REINOS
ENCANTADOS
EDITORA OLYMPIA
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Capa e contracapa arte de Roberto Pereira com ferramentas de IA
F825
Franco, Carlos (organizador) Editora Olympia, 2023
Pág. 200 ISBN 978-65-86241-06-8
1. 1. Ficção brasileira - Contos I. Título CDD B869.301 CDU 821.134.3 (81)
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DEDICATÓRIA
Aos loucos, poetas e amantes, pois “enquanto houver um louco, um poeta e um amante haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança”. William Shakespeare 3
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AGRADECIMENTOS
Adriano Amaral, Alessandro Gustavo, Aline Mainart, Amarildo Bertasso, Beatriz Calasense de Campos, Carolina Travaglia, Cassiano Souza da Silva, Célio D’Ávila, Eric Luciano Fernandes Miranda, Fabiana Niero, Gabriela Tassi Goes, Giovanna Gonçalves de Almeida, Gleciane Grigório, João Paulo Costa, Leila Marango, Lucas de Souza, Mariana Grigório, Marlene Lourenço Sartori, Natália Marcelino, Paula Ferraz, Sara Scarpini, Thaina Gabriela Tassi Goes, Wesney L.G. Sartori e Wilson de Carvalho.
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SUMÁRIO
Apresentação/Página 8 A casa dos espelhos Lilian Santos Fernandes/Página 10 A Magia do Amor e da Aventura Matile Facó/Página 15 A magia interior Marcio Niero/Página 20 A maldição do Reino Chá de Meias Daiane Macedo/Página 26 A viagem de Alfredo Carlos Franco/Página 29 A voz do passado Clara Formatti Oliveira/Página 35 Big Night Rider: o Guerreiro da Terra dos Sonhos Erick Pitt Salmista das Ruas/Página 42 Big Night Rider e a Batalha do Portal Erick Pitt Salmista das Ruas/Página 51 5
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Branca de neve e os sete milhões de seguidores Célio D’Ávila/Página 58 Chapeuzinho Vermelho – O lado oculto do capuz Célio D’Ávila/Página 63 Clayson e o videogame Robert Portoquá/Página 68 Definhem L.Maximino/Página 75 Frisson Felipe Priore/Página 81 Jana – Escrito nas estrelas Jeanne Pipa/Página 85 Mel e madeira Coral Daia/Página 98 Na terra dos narigões Robert Portoquá/Página 104 Neloran, a Árvore Sagrada Wesney G. L. Sartori/Página 111 Noites Brancas Estela Simone Costa/Página 117 No maravilhoso Reino dos Pinguins Jonas Matheus Sousa da Silva/Página 123 O conto da sereia e da morte Vaniele Franco/Página 129 O encanto que nos cerca Cyro Baylão/Página 133 6
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O grotesco e o milagre Felipe M. Oliveira/Página 139 O homem que tocou Lactea Marcel Enok/Página 143 O meu amor é valente Maurício Lucas/Página 148 O reino da música Sonia Regina Rocha Rodrigues/Página 152 O Reino Escondido: uma jornada em Éldora Jefferson Machado/Página 155 Pedro Pedra Jorgina Nello/Página 160 Ratazanas L. Maximino/Página 167 Recanto Viviane Ferraz/Página 174 Reino dos Mitos Mariana Grigório/Página 178 Ritos fantásticos 30xRed/Página 185 Sacrifício Caíque Pereira/Página 189 Se não houver amanhã Felipe Priore/Página 195
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APRESENTAÇÃO
A Editora Olympia, fundada em 2006, está convencida de que as antologias de contos e poesias são essenciais para que novos e até premiados escritores expressem ao público o prazer que os move na arte da escrita. São estas obras coletivas que também abrem as portas para diferentes visões em torno do mesmo tema. Emoções que ganham vida por meio de intenso exercício, pois, como anotou Clarice Lispector, “escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poderse-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler (...).” Portanto, leia, navegue por estes reinos caudalosos de palavras incorporadas às entrelinhas com as quais estes autores nos fisgam a atenção com personagens e cenários de ficção que nos convidam para uma viagem de puro encantamento. Afinal, todo mundo já sonhou com reinos e mundos encantados onde existem fadas, duendes, príncipes, princesas, reis, rainhas, bruxas, magos e seres imaginários. O resgate deste lado lúdico de livros infantis com a visão agora de adulto traz à tona deliciosas imagens que estimulam o prazer da leitura e resgatam a memória afetiva e coletiva, o tecido das palavras das quais somos feitos e nos constituímos como seres pensantes.
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Como magos, portanto, estes autores fisgaram as palavras, afiaram as linhas nas entrelinhas e nos entregam nas páginas a seguir histórias de aventuras e desventuras, personagens e cenários que renovam a importância do sonhar para a humanidade, pois como escreveu o bretão William Shakespeare “há quem diga que todas as noites são de sonhos, mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.” Boa viagem,
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A Casa dos Espelhos Lilian Santos Fernandes*
*Lilian Santos Fernandes é formada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e tem pós-graduação em literatura brasileira. Tem três livros publicados: “Os amiguinhos da floresta”, livro infantil, e dois romances: “Minha doce e insegura Charlot” e “Beijei meu príncipe e ele continuou um sapo”. 10
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Já estava tarde e eu estava tão brava com a minha irmã que acabei me esquecendo completamente da minha carona e, além de estar atrasada para o jantar, teria de ir para a casa a pé. Naquele dia tudo parecia estar dando errado comigo. Mamãe certamente enlouqueceria ao saber que sua preciosa filha estaria andando sozinha altas horas da noite, mas não havia escolha, pois era preciso. Enquanto andava eu refletia sobre muitas coisas, principalmente sobre as últimas palavras da minha irmã mais nova, porque você não some, sim aquilo me irritou muito. Lembro-me que a noite estava bem estrelada, mas não havia muitas pessoas na rua. Percebi um homem sentado na calçada que parecia não ter pressa para ir embora, é como se ele não tivesse ninguém esperando por ele, aquilo me causou um sentimento estranho. Naquele momento, me senti agradecida por ter alguém que me esperava em casa todos os dias. — Aí... o que é isso? — Miauuu — Um gato bobo quase me fez cair... — Some daqui. Logo me lembrei das palavras da minha irmã e isso me deu mais raiva ainda. Comecei a andar a passos largos, até que algo me chamou atenção, na esquina de uma rua havia um comércio novo que nunca havia notado antes, algo me atraiu para ele e eu precisava dar uma espiadinha. Era uma casa de espelhos. O local era pequeno, mas parecia agradável, os espelhos eram de todos os tamanhos: grandes, pequenos e médios, e eram belos. Senti uma grande vontade de tocá-los e minhas mãos foram em direção ao espelho médio, mas quando finalmente eu iria tocá-lo. — Aí, o que é isso? — Gato idiota! Você de novo... — O mesmo gato... — Céus o que faz aqui? Ele tentava me puxar como se quisesse evitar o meu contato com o espelho, mas eu queria tocá-lo e naquele instante notei que estava mais bela. O gato, então, fez um movimento desesperado e mordeu a minha perna. — Aiiiii.... Gato idiota saia daqui agora.
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Lembro-me de ter dado um leve chute nele, o expulsando, mas irritantemente ele veio novamente em minha direção. E, antes que ele pudesse me tocar, finalmente eu encostei as minhas mãos no espelho. Um clarão surgiu em minha frente e vi o meu frágil corpo sendo sugado para dentro do espelho e minha última lembrança foi a do gato em ato desesperado e inútil tentando me puxar, mas era tarde demais. Quando percebi estava em um mundo paralelo. Era difícil de acreditar. As pessoas estavam lá vivendo as suas vidas. Eu corri para chegar à minha casa o mais rápido que pude. A minha mãe estava na sala conversando com o meu pai, e eu estava lá tentando chamar a atenção deles, mas era como se eu tivesse invisível. Então, fui até o meu quarto e lá estava a minha irmã chorando. Lembrei que naquele dia eu não havia sido nada gentil por conta das palavras dela que não me saíam da cabeça: — Porque você não some?. Ela havia dito isso logo após eu expulsá-la do meu quarto porque ela queria usar o meu anel de brilhantes que eu havia ganho da mamãe de aniversário. É claro que eu não dei o anel. Confesso que não sabia que ela havia se magoado. Sim, eu precisava mudar. Até o pobre gato que só estava tentando me avisar, eu o expulsei e, agora. eu estava presa em mundo que ninguém me enxergava. Então, corri para fora de casa na esperança de encontrar respostas e quem estava lá na porta de casa para a minha surpresa. Seria o mesmo gato que tentará me impedir de tocar o espelho? — Sim era ele. Ele miava como se quisesse me mostrar algo, então eu fui correndo atrás dele. parei e dei de frente com uma cabana velha e lá estava uma velha senhora. — O que faz aqui? — Pergunta a velha senhora. — Desculpe-me entrar assim, eu gostaria de saber como eu faço para sair daqui? — A velha ria. — Você não pode sair, a não ser... — A não ser o que? — Perguntei com pressa de ouvir a resposta. — A não ser que adivinhe essa charada e aprenda algo. — Fale, qual é a charada? — Tenho recebido, mas não agradecido, um coração me foi dado, mas não foi aproveitado. Um presente espero ganhar, mas com os outros não quero compartilhar.
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— Essa é a charada, e depois que verdadeiramente encontrar a resposta um novo portal se abrirá. — E se eu não encontrar a resposta? — Perguntei aflita. — Ficará presa neste mundo. — Respondeu a velha de forma seca. Depois que a velha senhora disse isso, eu confesso que sai sem rumo e já não tinha pressa para voltar e logo me lembrei daquele homem sozinho que também parecia não ter pressa. Essa charada me era familiar, então eu repetia as palavras da velha senhora em minha mente. — Tenho recebido, mas não agradecido, um coração me foi dado, mas não foi aproveitado. Um presente espero ganhar, mas com os outros não quero compartilhar. E seguindo em frente eu me deparei com uma figura frágil e feminina, ela era uma menina franzina e chorava em um banco, então, gentilmente, eu me aproximei. — Tudo bem, eu posso ajudar? — Não, ninguém pode me ajudar. — Ela respondeu. De repente ela olhava fixamente para o meu anel que parecia brilhar ainda mais. — Que lindo anel! — É sim. Eu ganhei de presente no meu aniversário de quinze anos. — Quem te deu? — Ela perguntou. — A minha mãe! Eu pedia este anel todos os dias e ele foi bem caro. — Hum... — Você deve ter ficado muito agradecida, não é? Naquele momento eu lembrei que não agradeci a mamãe, mas tive vergonha de dizer o contrário, então eu menti. — Sim eu agradeci! E logo mudei de assunto. — E aonde está a sua família? — Eu não tenho ninguém, somente uma irmã e não sei onde ela está!
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Quando aquela frágil menina disse que não tinha ninguém, logo senti algo em meu coração que não sabia explicar, coitadinha... — Quer ajuda para procurar a sua irmã? — Não! — Por que não? — Por que eu a magoei: — Eu queria que ela sumisse, então ela sumiu. A frágil menina parecia fria ao dizer essas palavras. — Eu sinto muito. — Tudo bem... — Ela respondeu. — E esse gato? — Ela perguntou! — É só um gato bobo. Depois que eu disse aquilo o gato olhou fixamente nos meus olhos como se ele estivesse decepcionado comigo, então saiu correndo. Eu queria ir atrás dele, mas o meu orgulho bobo não deixou. A menina balançou a cabeça e me disse: — Menina boba! Você recebeu, mas não agradeceu. E, falando isso, olhou fixamente para o meu anel. Engoli a seco aquelas palavras. E ela continuou — Um coração lhe foi dado, mas não foi aproveitado. Lembrei, então, de como havia tratado a minha irmã e daquele gatinho e de como eu era ingrata. A menina prosseguiu: — Um presente você ganhou, mas não compartilhou. Depois disso, aquela frágil menina se transformou naquela velha senhora e pegou o seu cajado e seguiu em frente sem olhar para trás. — Espere! — E agora, o que eu faço? — Eu perguntei desesperada. A velha olhou para trás e me disse: Enquanto você tiver um coração, ainda há esperança. E depois disso eu vi a sua imagem frágil sumir pelo horizonte.
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A Magia do Amor e da Aventura Matile Facó*
*Matile Facó, nascida em Fortaleza, Ceará, é uma mulher multifacetada que transcende os limites da sua formação em Administração de Empresas. Como artista, ela encontra sua expressão nas palavras, nos desenhos e nos sonhos, criando um universo único e inspirador.
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Em um mundo onde a realidade se entrelaçava com a fantasia, vivia uma mulher com alma inquieta e um olhar audaz, cujo nome era Amelia. Ela era conhecida por seus cabelos rebeldes e sua veia aventureira, uma eterna buscadora de experiências e mistérios. Enquanto seus pés estavam firmemente plantados na terra, sua mente flutuava entre os reinos encantados que apenas sonhadores e visionários poderiam vislumbrar. Amelia cresceu ouvindo contos de fadas que eram sussurrados ao luar, e essas histórias alimentaram sua imaginação desde jovem. Com um coração que ansiava por aventura, ela sempre acreditou que esses reinos mágicos, embora escondidos dos olhos humanos, existiam em algum lugar, à espera de serem descobertos. Um dia, enquanto caminhava por uma floresta densa e misteriosa, Amelia viu uma luz cintilante entre as árvores. Movida por uma curiosidade incontrolável, ela seguiu a luz, que a conduziu a um portal escondido, uma passagem para um reino encantado além da imaginação. Atravessando o portal, Amelia encontrou-se em um mundo diferente, onde fadas coloridas dançavam no ar, duendes travessos riam em cantos sombrios e príncipes e princesas viviam histórias de amor e coragem. Ela ficou maravilhada com a beleza e a magia que a cercavam. No coração desse reino, havia um castelo majestoso, onde reinava um rei sábio e benevolente. Ao conhecer Amelia, ele a acolheu em seu reino, sabendo que sua chegada não era uma mera coincidência, mas o resultado de destinos entrelaçados. Ao longo do tempo, Amelia explorou cada canto do reino encantado, conhecendo os seres imaginários que habitavam suas florestas encantadas e suas montanhas misteriosas. Ela ouviu os segredos sussurrados pelas árvores antigas e aprendeu com os magos e bruxas que detinham a sabedoria ancestral. Entre todos os encontros, um ser em particular capturou seu coração: o príncipe herdeiro, Arthur, que carregava a bondade e a bravura em seu coração. Eles compartilharam histórias e risos, e Amelia percebeu que, em meio à magia desse reino, encontrara uma conexão especial com o príncipe. Conforme os dias passavam, a amizade entre Amelia e o príncipe Arthur florescia, tornando-se algo ainda mais profundo. Eles passavam horas conversando sob a luz da lua, compartilhando seus sonhos, anseios e segredos mais íntimos. A cada encontro, seus corações se entrelaçavam ainda mais, e a cumplicidade que se formava entre eles era como um feitiço encantador.
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O rei e a rainha do reino encantado, percebendo o afeto crescente entre Amelia e Arthur, olhavam com benevolência para essa nova conexão. Eles sabiam que, quando o amor verdadeiro florescia em seus corações, o reino como um todo era abençoado com uma energia positiva e poderosa. No entanto, nem tudo eram flores no reino encantado. Enquanto Amelia desfrutava dos encantos mágicos, uma ameaça desconhecida começou a se espalhar, semeando discórdia entre os habitantes do reino. Criaturas antes amigáveis começaram a se tornar hostis e os elementos da natureza, que antes cooperavam harmoniosamente, agora pareciam descontrolados. Amelia, com sua alma inquieta e olhar audaz, não pôde ignorar as mudanças no reino. Com o apoio de Arthur, ela embarcou em uma jornada para descobrir a origem dessa escuridão que ameaçava a paz do lugar encantado. Os dois viajantes, lado a lado, encontraram pistas escondidas nas profundezas da floresta e nas montanhas cobertas de neve. Eles enfrentaram criaturas assustadoras e superaram testes complexos, fortalecendo ainda mais sua união. Amelia e Arthur descobriram que sua conexão não era apenas uma paixão fugaz, mas uma força poderosa capaz de enfrentar qualquer desafio. Enquanto o mistério da escuridão se desenrolava, Amelia e Arthur descobriram uma teia de intrigas urdida por uma bruxa desonesta e gananciosa, que havia se infiltrado no reino encantado para roubar sua magia. Essa bruxa, uma rival amargurada do rei e da rainha, estava decidida a assumir o trono e governar com punho de ferro. Com a coragem que brotava em seus corações, Amelia e Arthur enfrentaram a bruxa malévola em um confronto épico. Em meio a um redemoinho de feitiços e magia, eles prevaleceram, com Amelia invocando sua essência inquieta para encontrar soluções criativas e Arthur usando sua bravura para proteger o reino que tanto amava. A derrota da bruxa trouxe de volta a harmonia ao reino encantado. Amelia e Arthur, agora inseparáveis, foram aclamados como heróis, e sua história de amor se tornou uma lenda cantada por gerações. Juntos, eles reinavam com sabedoria e compaixão, unindo os habitantes do reino em uma aliança de amor e respeito. Amelia finalmente encontrou o lugar onde pertencia, ao lado de Arthur e do povo que ela aprendeu a amar como se fossem sua própria família. A alma inquieta e o olhar audaz que a caracterizavam não desapareceram, mas agora se concentravam em proteger e nutrir o reino encantado que a acolhera.
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Com o passar dos anos, Amelia e Arthur se casaram, unindo seus reinos e seus corações em uma cerimônia majestosa e mágica. O reino encantado estava em festa, celebrando o amor e a coragem que os dois trouxeram para suas vidas e para todo o povo que ali vivia. Como rei e rainha, Amelia e Arthur governaram com justiça e compaixão, sempre atentos às necessidades e desejos de seu povo. Eles promoveram a harmonia entre as diferentes criaturas do reino, criando laços de amizade entre fadas e duendes, príncipes e princesas, e todas as demais criaturas encantadas. Amelia também abraçou seu papel como guardiã da magia do reino, trabalhando em conjunto com os magos e bruxas para preservar e proteger os segredos místicos que permeavam as terras encantadas. Sua alma inquieta e olhar audaz, agora combinados com a sabedoria e a empatia adquiridas ao longo dos anos, a tornaram uma líder admirada e respeitada. O reino prosperou sob o reinado de Amelia e Arthur, e sua fama de um lugar encantado onde a magia era real e os sonhos se tornavam realidade se espalhou por todo o mundo. Viajantes curiosos vinham de longe para testemunhar a beleza e a maravilha que permeavam o lugar, e muitos deles encontravam seu próprio encantamento ao longo do caminho. Amelia e Arthur também foram abençoados com filhos, cuja presença trouxe ainda mais alegria ao reino. Os príncipes e princesas cresciam cercados pelo amor dos pais e pelo calor de uma terra onde a fantasia e a realidade se entrelaçavam harmoniosamente. No entanto, como em todos os contos encantados, desafios e provações continuaram a surgir ao longo dos anos. Uma nova ameaça se aproximava, uma força sombria que não se contentava em apenas desestabilizar o reino, mas em extinguir a magia e a luz que ali viviam. Desta vez, não era uma bruxa ambiciosa, mas um ser antigo e poderoso que estava decidido a mergulhar o reino encantado em trevas eternas. Amelia e Arthur enfrentaram esse novo inimigo com coragem, mas rapidamente perceberam que a batalha exigiria mais do que apenas bravura e magia. A escuridão começou a se espalhar por todo o reino, consumindo a beleza e a harmonia que existiam ali. Amelia sentiu a pressão aumentar em seu coração, o peso de ser a guardiã da magia e a rainha responsável por proteger seu povo. Em meio à
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adversidade, ela teve que invocar toda a sua determinação para encontrar uma solução. Ela se lembrou das histórias que ouvira quando criança, dos contos de fadas em que os heróis eram guiados por uma força maior, algo além da magia comum. Amelia percebeu que o verdadeiro poder estava na união e na conexão entre todos os seres do reino encantado. Ela reuniu os habitantes do reino, dos mais humildes duendes às majestosas fadas, e juntos realizaram um ritual que canalizava a energia positiva e o amor de todos. Com a força coletiva, eles enfrentaram a escuridão, empurrando-a de volta e restaurando a luz e a magia que haviam sido roubadas. Em meio à vitória, Amelia e Arthur aprenderam que o verdadeiro encanto não estava apenas na magia dos reinos e mundos encantados, mas sim na capacidade do coração humano de amar, criar laços e unir forças em busca do bem comum. Assim, o reino encantado continuou a brilhar como uma jóia preciosa, protegido pelo amor e coragem de sua rainha e rei. Amelia, a mulher com alma inquieta e olhar audaz, encontrou seu propósito e seu lar em um lugar onde a fantasia e a realidade se fundiam em uma dança encantadora de vida e magia. E com o tempo, a lenda de Amelia e Arthur foi entrelaçada à história do reino encantado, inspirando gerações futuras a acreditarem no poder dos sonhos e da união para transformar o mundo em um lugar mais mágico e harmonioso.
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A Magia Interior Marcio Niero*
*Marcio Niero, 24, é do interior do Paraná e formado em Letras Inglês pela Universidade Estadual do Paraná. Apaixonado pela escrita, poetiza a vida e é autor da coleção de poemas ‘O Sol Infinito’ e do romance ‘A Garota do Post’. 20
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Nas vastas Terras de Aston, reino encantado que se localiza há três universos de distância da Terra, um grande evento havia acontecido. Todos os anos, durante o ciclo do florescer da primavera, a Festa da Revelação é realizada. Nesta celebração, todos os jovens chegando à maturidade são levados até a sala mística no centro da cidade onde fica o Espelho da Revelação. O espelho, que havia sido um presente do Rei, mostra a mais profunda verdade sobre os dons mágicos de cada pessoa. Desse modo, elas começam a estudar para se aperfeiçoar até alcançar domínio completo de suas habilidades. Contudo, em uma antiga guerra, o povo se rebelou contra as criaturas mágicas tentando usar seus poderes para dominá-las. O Rei, irado com tamanha atrocidade, afastou seu castelo e levou todos os seres mágicos com ele. Se colocando sobre o monte mais alto de Aston, ele deixou o povo para viver sem a presença dele e da realeza, de modo que tudo que havia restado para eles era o Espelho. “Olha ela novamente, não sei como ainda continua por aqui”, foi o que uma das garotas passando por perto de Korine disse e riu. “Ela quer pena eu acho, deve ser isso”. “É verdade, pois se eu fosse ela já teria fugido para viver com os bichos na floresta obscura, afinal, ela é um deles”, disse outra do grupo que também riu. Korine havia passado pela Festa da Revelação junto com aquelas meninas e muitas outras. Mas ela era a única que não possuía dons mágicos. Ela era uma jovem, agora já adulta pela maturidade, muito bonita e de estatura média. Com olhos azuisalaranjados, cabelos bronze escuro e pele bem bronzeada, ela havia sido deixada de lado por todos e até mesmo por sua família devido ao triste fim que a cerimônia tomou. Pouquíssimas pessoas na história já haviam passado por aquela mesma situação, mas Korine era a única conhecida na atualidade por não possuir habilidades reais mágicas. Aquele era o momento mais esperado por todos em suas vidas, e não ter dons mágicos era como ser um mero animal da floresta. Tamanha era a importância daquilo, que devido ao que aconteceu, Korine foi expulsa da cidade, tendo seus registros queimados, como se ela jamais tivesse existido nas Terras de Aston. Korine sabia que não possuir dons mágicos não a tornava uma pessoa ruim ou pior que as outras, mas era tão doloroso ser deixada por todos que às vezes ela pensava que simplesmente não queria mais existir. Contudo, nada que ela fizesse mudaria sua realidade para o povo de Aston, ela precisava tomar algum rumo, pois sua vida não poderia simplesmente acabar por ali. Olhando ao seu redor e pensando em onde viver, decidiu algo jamais antes imaginado. Korine resolveu ir para o Castelo do Rei.
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A jovem sabia que aquela jornada não seria nada fácil, ela nem sabia exatamente como fazer aquilo. Só que o Castelo era visível de todos os cantos do mundo, então ao menos uma coisa ela já tinha, a direção que deveria seguir. Antes de adentrar a floresta obscura, primeiro obstáculo de sua jornada, ela colheu diversas frutas para levar como alimento. Ela queria fazer um estoque, pois não sabia o que poderia acontecer. Assim que arrumou as coisas em sua mochila, ela adentrou a floresta. Aos poucos foi ficando escuro e era possível ver muito pouco, mas por entre a copa das árvores reluzia a luz do Castelo, então ela não se perderia. Depois do que ela considerou umas 5 ou 6 horas, Korine resolveu parar um pouco para comer e descansar. Não dava para saber ao certo se já era noite, pois tudo era bem escuro onde ela estava. Seus olhos já haviam se acostumado com aquele ambiente e ela via levemente mais. Contudo, mesmo depois de tanto tempo naquele lugar, ela sentia que a cada minuto ficava menos sozinha. Korine sentia alguns calafrios, sentia um medo profundo, pois parecia haver outras presenças com ela e mais uma vez pensou que talvez era melhor não existir. Na verdade, ela pensou que era melhor ter dons mágicos para se defender, caso necessário. Só que ela se lembrou que se tivesse alguma habilidade mágica ela nem estaria ali. Em meio ao medo, ela riu de si mesma. Depois de caminhar mais umas 2 horas, Korine precisava descansar. Ela encontrou uma grande árvore e conseguiu se aconchegar dentro das raízes dela, fator que lhe dava uma sensação de maior segurança. Depois de lutar para pegar no sono, ela adormeceu e teve sonhos encantadores. Era um alívio para ela ter alguns sonhos com seres mágicos que ela nem sabia se existiam ou não. Ela apenas tinha a sensação de que eles eram amigos e isso a permitia lidar com sua solidão. Depois de dormir um período de tempo indefinido, Korine acordou num susto. Ela havia escutado um grande estrondo e isso a deixou aterrorizada. Sem fazer barulhos ela vasculhou ao redor e aquela sensação horrível de que ela não estava sozinha só aumentou. A jovem se levantou e percebeu que não sabia onde estava sua mochila. Ela começou a procurar, na esperança de apenas tê-la deixado ali por perto. Seu medo era de que algum animal pudesse ter sentido o cheiro das frutas e roubado-as. Depois de alguns instantes, Korine ouviu um grito, era uma ordem. No mesmo momento, ela foi puxada para cima com uma corda em seu tornozelo esquerdo e ficou pendurada de ponta cabeça. “Aaaah, socorro!”, gritou ela desesperada. “O que é isso? Quem está aí?”. “Nós somos monstros da floresta e você é uma invasora humana”, respondeu uma voz que Korine não sabia dizer de onde vinha.
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“Vamos fazer coisas horríveis, não use seus poderes mágicos. Nós também somos mágicos”, disse uma outra voz misteriosa. “Exatamente, acabou por aqui, humana terrível!”, exclamou uma terceira voz muito raivosa. “Não, espere!”, gritou ela novamente. “Eu não vou fazer nada com vocês. Isso é só um mal entendido, eu só quero chegar ao Castelo”. “Chegar ao Castelo!”, repetiu uma das vozes misteriosas. “Ela vai matar até o Rei, eu não acredito nisso, temos que detê-la”. “É isso mesmo, que loucura”, afirmou outro deles. “Temos que salvar a todos agora!”. “Por favor, eu juro”, clamou ela que acabou confessando algo. “Eu não tenho poderes mágicos”. “O que? Não tens poderes?”, perguntou uma das vozes. “Como assim?”, disse outro que logo chegou a uma conclusão. “Por isso você está aqui. Os humanos não vêm para a floresta. Faz séculos que não vemos um deles”. “Sim, eu só queria ajuda, quero chegar ao Castelo, pois não tenho nada, não me restou nada”. “Sim, entendemos!”, disse mais uma das vozes. “Mas como ousa ir para o Castelo, ninguém jamais tentou isso!”. “Eu não tenho escolha, é tudo que posso fazer, eu não sou nada”, respondeu Korine. Comovidos com tal confissão, os monstros se revelaram. Eram elfos muito altos de uma espécie não vista em outros mundos. Usavam chapéus muito pontudos, assim como suas orelhas, e todos eram bem parecidos. Possuíam olhos coloridos, cabelos brancos e a pela levemente esverdeada. Carregavam arcos e flechas mágicas que acertariam um alvo até mesmo do outro lado do mundo. Após aparecerem para Korine, soltaram-na para que pudesse ficar em pé novamente. “Por que você diz que não é nada jovem mulher?”, perguntou um daqueles seres. “Porque não sou mesmo. Fui expulsa e acredito que já entenderam o motivo. Preciso chegar ao Castelo, pois quero saber o motivo e acredito que o único que saiba disso seja o Rei!”, afirmou ela categoricamente.
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“Oh, o Rei!”, disse um deles abismado. “Você possui tal bravura para pronunciar o grande nome!”. “Sim ela realmente possui, eu escutei”, disse outro admirado. “E por qual motivo eu não possuiria, sei de tudo que aconteceu na história e se o Rei não volta, eu vou até ele”, respondeu ela firmemente que perguntou algo de volta. “Mas não entendo, as criaturas mágicas não estavam todas com o Rei no Castelo?”. “Nós somos enviados de ciclo em ciclo da primavera para rondar as Terras de Aston e você é a primeira que encontramos com coragem suficiente para ir ao Castelo”, respondeu aquele que estava mais próximo a ela. “Nós a levaremos até o topo do monte”. "Nossa, é mesmo?! Eu agradeço muito por isso!", exclamou ela. Korine nem conseguia acreditar que receberia ajuda deles. Ela estava muito feliz com tudo aquilo. Ela realmente estava a caminho do Rei e isso era quase que inimaginável. Mas para tudo que é inimaginável se tornar real, alguém tem que imaginar pela primeira vez. Depois de caminharem por algumas horas, chegaram ao fim da floresta obscura. Era possível ver luz novamente. Eles se encontravam ao pé do monte de modo que no topo era possível ver o Castelo. Assim que deixaram a floresta para trás, um dos elfos tomou a frente do grupo. Ele ganhou certa distância dos outros, pegou uma de suas flechas e colocou em seu arco. Korine não sabia o que ele estava prestes a fazer, mas ficou admirada com a beleza daquela arma que ele segurava. A ponta da flecha parecia algum tipo de cristal e possuía uma cor arroxeada. Feixes de luz reluziam dela e quando o elfo a soltou, mirando o Castelo, um caminho se abriu entre os arbustos, pois essa era a única maneira de subir o monte, com a ajuda de um elfo real. No caminho que se abriu foram surgindo degraus e mais degraus que se perdiam de vista até o topo do monte. A cada passo que eles davam, o Castelo ficava ainda maior e mais esplêndido em beleza. Ao olhar para ele, era possível ver que era todo construído em ouro e então Korine percebeu que era ele que iluminava o mundo e não o contrário. Depois de uma magnífica subida, eles chegaram às portas e adentraram a imensa propriedade real. Após entrar, as portas se fecharam novamente. Korine ficou maravilhada com aquilo. Fadas voavam pelos ares, com cores que ela nem conhecia ainda. Haviam seres com penas que se pareciam com pequenos ursos pelo chão, brincando como crianças. Muitos elfos também estavam lá dentro e ainda haviam centauros e sereias em um lago que ficava por ali. Depois de olhar por um tempo, Korine foi levada ao salão real para se encontrar com o Rei. Ela estava com medo e
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temia ser castigada de algum modo por estar ali sozinha. Ao entrar no salão, ela viu um trono e uma luz muito intensa sobre ele. Ela simplesmente sabia que era o Rei e que seu poder era imenso demais para que ela pudesse vê-lo. “Não tenha medo Korine, eu te conheço”, afirmou ele que logo continuou. “Sei que você está temerosa e sei que não foi uma jornada fácil chegar até aqui. Você passou por muita dor, sendo rejeitada até mesmo por seus pais. Você não queria mais existir, mas ainda assim ousou chegar até aqui. Eu cuidei de você o tempo todo, meus elfos foram um pouco exagerados, mas estavam te observando desde o momento que adentrou a floresta. Seu coração é puro e isso te trouxe até aqui”. “Eu sabia que era real, eu sabia disso”, começou ela dizendo. “Algo dentro de mim me dizia que não era só aquilo que existia e realmente agora estou na sua frente. Sei que sofri muito e realmente pensei em desistir. Mas se eu tivesse feito isso, estaria agindo de acordo com o que os outros me diziam e eu não queria isso, eu queria mais”. “Você fez muito bem, minha querida”, respondeu o Rei com muito carinho. “Há anos eu espero alguém com a ousadia de me encontrar novamente. Há anos eu anseio escutar a voz de um ser humano que queria me conhecer. Um dia chegará a hora de todos eles entenderem isso, mas você já entendeu. Você entendeu que o segredo não é a magia, é o mágico. Você entendeu que o segredo não está nas dádivas mágicas, mas naquele que as concede. Você acha que não possui nenhum poder, mas eu coloquei o maior de todos dentro de você, o poder de conhecer a verdade, a minha verdade. Todos fazem grandes coisas lá fora, e é só isso. Tudo que eles possuem são os poderes, por isso ainda não os tirei deles. Sei que não suportariam, mas isso é conversa para outra época. O que nos importa aqui é que você não é rejeitada, você é a primeira aceita. Você não está errada, você é a primeira que enxergou com meus olhos, enxergou além de um padrão que o mundo inteiro segue. Hoje você se torna parte do povo real. Portanto, seja bem-vinda, alteza!”. A partir daquele momento tudo mudou. Korine entendeu cada detalhe de sua vida com novos olhos e isso foi simplesmente inigualável. Conhecer o Rei permitiu que ela se conhecesse finalmente. Depois de ser recebida, ela passou a morar no Castelo com todas as criaturas mágicas de Aston. Ela e o Rei se tornaram grandes amigos e eles discutiam sobre todos os assuntos. Cada novo dia trazia novas aventuras lá dentro, desbravando as instalações reais, conhecendo as criaturas e ajudando o Rei com os afazeres mais nobres que são conhecidos apenas por eles e nem mesmo por esse narrador que vos fala. Era uma nova realidade para Korine, ela agora fazia parte da realeza.
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A Maldição do Reino Chá de Meias Daiane Macedo*
*Daiane Macedo, 29 anos, nasceu em Caririaçu, no Ceará, descobriu na escrita, uma maneira de expressar-se e superar os momentos mais sombrios da vida. Tendo dois livros publicados, além disso, sua paixão pela escrita a levou a contribuir com antologias, enriquecendo o mundo com sua arte literária. 26
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Era uma vez um reino encantado chamado Reino Chá de Meias, onde a família Goulart reinava com sabedoria e bondade. O rei Deni, a rainha Judy, a princesa Melânia e o príncipe Seth eram queridos por todos, pois sempre se preocupavam em proteger e cuidar de seus súditos. No coração do reino, há o majestoso castelo em que a família real reside, cercado por uma exuberante floresta. O castelo era conhecido por seus jardins deslumbrantes e seus aposentos luxuosos. Duckie, o cachorro da família Goulart vivia era livre para brincar em qualquer parte do jardim. Duckie, um adorável e leal cãozinho da raça caniche, que também é um dos membros mais adorados da família. Duckie tem a habilidade mágica de entender a fala humana, o que facilita quando brincava com as crianças, o cachorro tem um coração puro que o faz compreender a língua dos animais. Certo dia, uma sombra estranha começou a se espalhar sobre o reino. Uma maldição parecia ter caído sobre Chá de Meias, fazendo com que suas terras ficassem estéreis e suas águas ficassem turvas. O rei Deni, a rainha Judy e seus filhos, Melânia e Seth, ficaram preocupados com o bem-estar do reino e de seus súditos. Os conselheiros foram acionados, decididos a descobrir a origem dessa maldição e restaurar a paz em Chá de Meias, a família Goulart se reuniu na sala do trono para discutir os acontecimentos. Os mágicos estavam chegando à presença da realeza, quando Duckie, com seus olhos brilhantes e focinho úmido, se aproximou deles, como se tentasse dizer algo. — Duckie? O que será que está tentando dizer? — Perguntou a princesa Melânia, acariciando-o carinhosamente. Duckie late, incessantemente, como forma de dizer para que o seguissem. Não tendo nada a perder, instintivamente, a família o seguiu até os jardins do castelo até onde havia uma árvore antiga e majestosa. Duckie parou em frente a ela e, ao olharem para cima, viram um brilho misterioso vindo de uma das folhas. O príncipe Seth estendeu a mão e pegou a folha brilhante. Assim que tocou nela, uma visão mágica apareceu diante de seus olhos. Eles viram um ser encantado, um espírito da floresta, que lhes disse que a maldição havia sido lançada por uma bruxa malvada que desejava o poder do reino. Determinados a desfazer a maldição e proteger Chá de Meias, Deni queria seguir viagem sozinho com os seus soldados, no entanto, a sua esposa e filhos não o deixaram partir. A família Goulart seguiu em uma jornada perigosa pela floresta
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encantada, com Duckie sempre ao seu lado. Eles enfrentaram criaturas mágicas, superaram armadilhas e desvendaram enigmas para chegar até a moradia da bruxa. Ao chegar na caverna escura e sinistra da bruxa, eles foram recebidos por um desafio final. A bruxa lançou um feitiço poderoso, tentando enfraquecer a coragem da família Goulart. Mas a união e o amor entre eles eram mais fortes do que qualquer magia do lado obscuro. Enquanto a bruxa contava os vários motivos pelo qual queria tomar o poder, a princesa Melânia, com sua sabedoria e gentileza, falou com a bruxa e a tocou com a folha brilhante. O coração da bruxa foi tocado pela pureza da família Goulart e, aos poucos, a maldição começou a se dissipar. A bruxa, percebendo o mal que havia causado, se arrependeu e prometeu que fará apenas o bem. Com a maldição desfeita, a família Goulart retornou ao castelo. No dia seguinte, deram uma grande festa. Todos os moradores se fizeram presente e a antiga bruxa, agora faz parte da equipe de magia da realeza. O Reino Chá de Meias estava mais próspero que antes, suas terras ficaram férteis, as águas cristalinas e o povo voltou a sorrir. Duckie, foi coroado como o protetor oficial do reino, sendo amado e ganhando o carinho de todos os habitantes de Chá de Meias. Ele sempre acompanha a família real em suas aventuras. Com amor, coragem e a ajuda de um cãozinho especial, a família Goulart manteve o Reino Chá de Meias seguro e a sua história inspira as crianças a acreditarem em contos de fadas e na força do amor verdadeiro.
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A viagem de Alfredo Carlos Franco*
*Carlos Franco é jornalista e escritor, atuou por mais de três décadas nos principais jornais do país como Jornal do Brasil, Última Hora, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Correio Braziliense entre outras colaborações em jornais e revistas. É autor, entre outros, de “O inferno de Zaragoza” (Editora Francis) e “A bolsa dos brasileiros” (Bovespa). 29
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“Urashima Taro,/um pobre pescador,/salvou uma tartaruga/e ela, como prêmio/ ao Brasil o levou./Pelo reino encantado/ele se apaixonou/e por aqui ficou./Passaram muitos anos,/De repente,/a saudade chegou./Uma arca misteriosa/de presente/ele ganhou./Ao abri-la,/quanta alegria/vibrou seu coração./Encontrou uma passagem da VARIG/e voou feliz para o Japão.”
Para Alfredo Antônio Costallat Bastos e Olga Savary, in memorian A estrela brasileira não voa mais no céu azul, de norte a sul, e nem aquele refrão musical “Varig, Varig, Varig” é repetido nas emissoras de rádio AM e nas telas dos televisores preto e branco, mas seguiam vivos na memória de Alfredo naquele final dos anos 1990, derradeiros dias do século 20. Quando era criança, de sete ou oito anos, ele elegera a canção criada por Archimedes Messina como predileta e a cantarolava por todos os cantos: “Urashima Taro,/um pobre pescador…”. Ele sonhava naqueles tempos encontrar uma caixa mágica numa praia e voar direto para o Japão. A paixão de Alfredo pela lenda do pescador era tanta que falava o tempo todo sobre isso nos almoços de domingo. Por isso, passeando pelo bairro japonês da Liberdade, em São Paulo, uma tia comprou para ele uma pequena estatueta de um pescador no casco de uma tartaruga e acatou a sugestão do vendedor de presentear o sobrinho com um chaveiro com Jizō dependurado. O japonês, bem velhinho, explicou que aquele era o protetor das crianças, dos viajantes e dos sonhadores. Alfredo, ao receber os presentes, se encantou com Jizō, a criança pequena e sorridente que passou a tratar como amuleto da sorte. Ele acreditava que Jizō o ajudaria a encontrar a chave mágica que o levaria para o país do sol nascente. À noite, no quarto dividido com o irmão mais velho, fitava a estatueta no seu criado mudo imaginando quão mágica seria a sua viagem. Um dia, numa inesquecível noite em que o irmão iria dormir na casa de um colega para se preparar para uma prova de admissão do curso primário para o colegial (processo seletivo de tempos atrás que não existe mais), ele contemplou com tanto desejo de viajar a pequena estatueta que acabou fechando os olhos e, em sonho, voou para o Japão. Foi assim que, de repente, se viu no casco de uma tartaruga gigante envolta por uma serpente que se apresentou como Genbu, protetora do Norte do Japão e que reinava no inverno. E como Alfredo queria ver a neve e Genbu parecia conhecer seu desejo, ficou encantado com os vulcões de Hokkaido. A região para onde a tartaruga e sua
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inseparável serpente o levaram é rodeada pelos montes Koma, Meakan, Usu e Shōwa-shinzan, Tarumae e Tokachi. Do alto do Meakan, contemplou a neve cobrindo o pico das montanhas. Percebeu que a serpente mágica parecia se esgueirar defensiva por um dos barrancos e pode ver, entre os abetos sacalinos, algo que se mexia além do vento. O movimento chamou sua atenção e ele viu, então, um urso imenso. Não um urso qualquer, mas o famoso urso pardo de Hokkaido. Depois com a serpente se transformando em um cinto de segurança, a tartaruga abriu suas patas em forma de asas e quatro pás voadoras sobrevoaram a cidade de Sapporo. O vento, ainda que frio, era acolhedor e Alfredo contemplou o mar e uma cidade que parecia adormecida no tempo. Ficou admirado ao notar no voo lento e calmo da tartaruga um caminho sinuoso lá embaixo que levava a um belo templo japonês. Com Genbu voando baixo, pode notar que naquele caminho havia inúmeros Jizōs como o que carregava no chaveiro, o seu amuleto da sorte. Não resistiu e mostrou para Genbu que tinha um igualzinho. A sábia tartaruga, que conhecia a língua dos homens, disse em voz soturna e gutural que Jizō protege os viajantes, por isso eles deixam sua imagem pelo caminho em sinal de agradecimento. Era a confirmação de que aquele seria sempre o seu inseparável companheiro. Feliz em cima do casco da tartaruga, planaram rumo ao Leste, onde Genbu, de quem Alfredo ficara amigo, o entregou aos cuidados de Seyru, um imenso e imponente dragão azul, o guardião daquela região. Nessa viagem mágica de sonhos, Alfredo se encantava com o dragão que cuspia fogo e que também anunciava o nascer e o pôr do sol. Vaidoso, Seyru passeou pelos templos em que estatuetas suas guardavam as entradas e aterrissou suavemente no Monte Fuji, o mais famoso do Japão. As cerejeiras já se preparavam para florir e, do alto, Alfredo pode contemplar no horizonte o acender das luzes de Tóquio. Guardião de Kantô, a região Leste onde está a capital japonesa, Seyru levou Alfredo a passear numa espécie de videogame em meio aos prédios altos, as lojas, os carros, as luzes de neon. Ele se sentiu dentro de uma daquelas máquinas de jogos com fichas, em que se solta uma bola e ela sai batendo e iluminando tudo no jogo. A cidade estava, enfim, iluminada. Seyru como se também falasse a língua dos homens, voou de volta ao Monte Fuji e disse a Alfredo: — Eu sou o guardião do Leste do Japão. Controlo a chuva e represento tudo o que um dia vai precisar para vencer todas as suas batalhas: a força bruta, a autoridade, a
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agressividade e também a criatividade. É preciso ousar, pequeno Jizō, disse Seyru e prosseguiu: — Para ousar é preciso ter força bruta para enfrentar os inimigos. Não uma agressividade qualquer, mas aquela com a qual você demonstra autoridade. Eu, por exemplo, assusto sem precisar recorrer à violência. Solto fogo pelas narinas e todos me respeitam. Guardo os templos, estou na porta de vários deles porque também sou guardião da criatividade e da ponte que une a matéria ao sagrado. Alfredo encantado com as palavras de Seyru ficou contemplando a paisagem enquanto o dragão alçava voo. Numa planície mais a Oeste, avistou um belo tigre branco. Seyru disse a ele, antes de soltar fogo pelas narinas para aterrizar no solo, que o entregaria a Byakko, para um passeio ao Oeste do Japão. O tigre branco como a neve soltou um rugido forte ao receber Alfredo no lombo e pôs se a correr com celeridade pelos campos da região de Chugoku até avistarem Hiroshima. Alfredo percebeu uma lágrima nos olhos do tigre branco e lembrou de uma aula em que o professor de História falou sobre a guerra e as bombas atômicas jogadas em Hiroshima, a destruição e as mortes. De mansinho, veio na sua cabeça a música “Rosas de Hiroshima”, de Vinicius de Moraes, que seu professor chamava de “poetinha”, não para diminuí-lo, mas pelo carinho que tinha por ele. Byakko parecia ter ouvido a canção da mente de Alfredo e disse: — Sim. É preciso pensar nas crianças, nas crianças de Hiroshima, vítimas da bomba atômica. Eu sou o guardião da Justiça nessa região, mas sinto que falhei ao não proteger todos. Então, aprendi a controlar os ventos e guardo o outono das nossas vidas, abro as portas do infinito para os justos. Alfredo parecia não ter dúvida de que Byakko era um ser celestial e percebeu que a bomba não foi suficiente para destruir a vida que fluía nas trilhas onde se podia, mais uma vez, ver Jizō pelo caminho até um jardim japonês com água jorrando, onde o tigre branco parou para saciar a sede. No lugar exato em que a bomba caiu, pode ver a solidariedade que outros países emprestaram ao Japão e ficou orgulhoso em contemplar ali o mapa do Brasil em pedra com uma pomba da paz pousada onde fica a pontinha do Oiapoque, a Amazônia. Byakko então voltou a correr veloz, agora em direção ao Sul. Num lugar de rara beleza, Alfredo pode avistar uma imensa e bela ave vindo em direção aos dois. Era Susako, o guardião do Sul, uma Fênix que traz o calor e o sol, o fogo da vida e o sangue que corre em nossas veias. Ela pegou Alfredo e alçou voo, mas quando ele
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avistava a bela cidade de Nagoya, o despertador tocou e, ao mesmo tempo, sua mãe berrou da cozinha: — Alfredo!!!! Hora de levantar, tomar banho e escovar os dentes. Naquele dia ele foi para escola pisando nas nuvens. Nem se concentrou direito nas aulas de química e matemática, torcendo para o horário do recreio, pois planejava ir na biblioteca. Lá, Lilian que sempre o atendia com um sorriso no rosto perguntou o que ele estava precisando: — Queria ver alguns livros sobre o Japão. Ela entregou a Alfredo um Atlas e uma enciclopédia, mas não era bem o que ele queria. Disse para ela que queria ver histórias e lendas do Japão, como as do SaciPererê e da Mula-sem-cabeça. Lilian, então, buscou um livro de mitologia japonesa. Alfredo sentiu um frio na barriga ao ver as imagens dos animais que o levaram a cruzar o Japão em sonho. Eram, na realidade, os guardiões dos pontos cardeais. Ele não resistiu e disse a ela apontando a página do livro: — São meus amigos. Eu já viajei com eles. Deixou, então a biblioteca, mais uma vez pisando nas nuvens, e, enfim, fez a sua grande viagem. Lilian ao guardar os livros na estante, acabou derrubando outro, que caiu com as páginas abertas, onde se deparou com um pequeno poema: Borboletas e aves agitam voo: nuvem de flores. Fechando o livro, viu que eram Haicais de Matsuô Bashô com tradução de Olga Savary, de quem acabara de ler no jornal o obituário. A vida é mágica — pensou, tentando decifrar a viagem de Alfredo com seres mitológicos do Japão e o livro que se fez ler como prova do talento da escritora, poeta e tradutora que partira no dia anterior, vítima da pandemia Covid-19 como muitos brasileiros abandonados à própria sorte por um governo sem a menor empatia pela vida, defensor das armas e da morte.
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Quem sabe hoje, passados alguns anos e sob a proteção dos guardiões do Japão, os que partiram como Alfredo e Olga estão colhendo as flores de cerejeira que inspiram as primaveras de nossas vidas. Flores de reinos encantados para os quais um dia também viajaremos e, desejamos, viveremos felizes para sempre.
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A Voz do Passado Clara Formatti Oliveira*
*Clara Formatti Oliveira é terapeuta integrativa, autora de fantasia e sobrenatural que gosta de dar destaque para personagens diferentes e como são vistos pela sociedade. 35
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“Houve uma época, onde o céu era azul e o calor do sol trazia alegria. Os pássaros cantavam e as crianças brincavam na rua. Hoje, todas essas coisas desapareceram. Dizem que Deus puniu os homens pela sua ganância. No momento em que destruíram o que lhe foi dado, tal presente também fora retirado de ti.” ////// Elliot olhou para o céu acinzentado. Seu avô costumava lhe mostrar livros e histórias sobre os tempos antigos, onde tudo era mais vivo e belo. Com certeza não era pacato, sem cor e morto como era atualmente. O jovem de pele escura, olhos castanhos e cabelos negros seguiu seu caminho até a loja onde trabalhava. Não havia cor no céu, nem no sol, nem no chão. Elliot Apertou o casaco bege e grosso contra o corpo, na tentativa de afastar o frio. O vento era forte, porém, não havia nenhum som. Elliot nunca soube oque era ouvir. Qual era o som da água, do vento ou como era a voz de seus pais. Todos ali se comunicavam através de sinais ou escrita. O garoto se perguntou se seria melhor se todos pudessem mostrar sua opinião ao mundo ou se tudo ficaria pior se tal coisa acontecesse. Ele se perguntou o motivo de a audição e a fala terem sido retiradas. Seu avô contava que, como o Ser Humano não aceitava as diferenças, Deus fez com que todos fossem iguais, sem poder emitir ou ouvir sons. Não enxergar seria melhor ou pior? Haveria alguma mudança? O menino não sabia a resposta O garoto viu a loja de longe, a porta vermelha vibrante, as janelas brancas, o telhado alaranjado e as paredes amarelas. A única coisa com cores vivas na rua, já que todas as outras casas eram de cor branca ou cinza. Ele finalmente abriu a porta e entrou, lá dentro era quente e aconchegante, algo bom em um lugar que parecia tão triste. A senhora Ely o cumprimentou com um aceno, seus olhos verdes eram doces e seu sorriso gentil. Ela apontou para os fundos, na direção da biblioteca e Elliot já entendeu qual seria o trabalho do dia. Entrando na biblioteca suas narinas foram preenchidas com o melhor cheiro de todos, o de livros novos. O jovem se aproximou das grandes mesas de madeira cheias de volumes literários e começou a separá-los por gêneros. Logo depois, levou alguns consigo para organizá-los nas prateleiras. De repente, Elliot deu um pulo assustado. Alguém havia lhe tocado a perna e ele estava muito imerso em sua tarefa para notar. Ao olhar para baixo, viu que era sua amiga, Jane. Uma menina baixinha, gordinha, loira e com algumas sardas, usava óculos fino e redondo, um suéter rosa juntamente com uma calça preta que modelava suas curvas. Jane riu ao ver sua expressão irritada. A sua maneira descontraída fez com que o garoto fizesse o mesmo. Ele se perguntou qual seria o som da risada deles.
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No entanto, logo aquele momento passou. Sua amiga lhe mostrou algo que ela segurava, uma folha grande, antiga e desbotada, no centro havia um desenho. Era um pássaro majestoso, dourado com luzes azuis adornando suas penas, um bico mais longo que o de uma ave comum e um rabo que se dividia em cinco caudas, cada uma com um cristal de cores diferentes nas pontas. A criatura era magnífica, contudo, Elliot não entendeu o que a menina queria lhe dizer com aquilo. Ao ver sua expressão de desentendido, Jane apontou para o canto da folha onde havia uma assinatura, Magnus East. Aquele era o avô de Elliot, que havia falecido há 10 anos atrás quando o neto ainda possuía 6 anos de idade. O homem era um arqueólogo e cientista famoso que buscava os seres místicos e sábios que viviam no passado. O senhor acreditava que algumas dessas criaturas ainda podiam existir e que seriam de grande ajuda para a humanidade se fossem tratados com boas intenções e respeito. Jane queria que eles buscassem o pássaro? Aquilo era loucura. ― Pensou. Mesmo que seu avô acreditasse naquilo, tudo não passava de histórias de um velho com lembranças de um passado esquecido. “Por quê?” Elliot rabiscou em um papel com uma grafia apressada. “Não quer que o mundo volte a ser melhor? Sentir o calor? Ver os animais? Ouvir as crianças brincando na rua? Ouvir a voz dos seus pais? A minha voz?” ― Ela escreveu calmamente com sua letra elegante.” “Isso não é lógico, Jane. Esse pássaro não passa de uma história. Você acha que ele vai mudar tudo milagrosamente? Isso não é possível e, mesmo que fosse, nem sabemos onde encontrá-lo. Histórias não mudam o mundo.” “Mas histórias podem mudar pessoas”. ― Ela escreveu. ― “Seu avô também acreditava nisso”. ― Continuou, logo abaixo. A garota sempre foi fascinada por aventuras e livros de histórias. Ao contrário dele, que preferia pesquisas científicas. A loira ficou o olhando com um sorriso gentil, Jane sabia que ele não podia negar nada àquele sorriso. Finalmente, com um longo suspiro, o jovem assentiu. A loira deu pulinhos de felicidade e mostrou o verso do papel para ele. Haviam escrituras e desenhos sobre um lugar há algumas horas dali. O monte Erus ficava ao norte da cidade de Iritan, onde os jovens viviam. Um trem podia ajudá-los a chegar lá, porém, não havia instruções para quando chegarem lá e possivelmente encontrar a criatura.
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//// Os dias passaram e o fim de semana chegou. Não foi difícil convencer os pais de Elliot, afinal, eles achavam que ele e Jane iam a um encontro e tinham vergonha de contar a eles. O jovem saiu com o rosto vermelho enquanto sua mãe acenava com um risinho. ///// A estação de trem era perto da casa de Elliot e, em cinco minutos, ele já estava no local. Comprou seu bilhete acinzentado e deu um aceno para a vendedora ruiva que mascava chiclete e vestia um macacão azul. Passando pela catraca, o garoto viu a amiga e acenou. Jane vestia um suéter azul bebê com uma calça bailarina branca e tênis rosa. O oposto dele, que vestia camiseta branca, jaqueta e calça jeans e por fim, o tênis branco. A menina acenou de volta e eles se aproximaram, ela pegou na mão dele e o puxou até o vagão do trem. Elliot sabia que era para que não se perdessem, mas não pôde evitar de corar. No trem, ambos acabaram dormindo, mas não havia problema já que o monte Erus ficava próximo a última estação. //// Finalmente chegando ao seu destino, os jovens desceram do trem ainda esfregando os olhos de sono. Jane cutucou o braço de Elliot e mostrou o mapa e a bilheteria que havia logo na saída da estação. Elliot acenou e eles se aproximaram do local. Lógico que não iam entrar tão facilmente, o policial rechonchudo, com bigode branco, pele pálida e olhos cobertos pelos óculos de sol os encarou ao dizerem que queriam visitar o monte. Ninguém se interessava por aquele lugar esquecido, então por qual motivo dois jovens o fariam? O senhor os encarou mais um pouco, no entanto, seu turno estava acabando e ele estava cansado. Então, entregou um bilhete para os jovens e indicou a entrada do monte cercada de guardas. Ninguém sabia porque havia tantos guardas em um local com o qual ninguém se importava. Talvez eles soubessem de algo que o público comum não fazia? Jane mostrou o bilhete. Os guardas os encarraram, curiosos, deixando-os passar. Os garotos subiram a montanha com um guia à frente. O homem de mais ou menos 30 anos de idade, cabelos loiros e olhos mel os guiou monte acima. Ele mostrava aos
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jovens aos jovens que havia uma trilha que facilitava a subida, com isso, em pouco tempo eles já estavam quase no topo. O guia, mostrava toda a história do monte através dos papéis, porém, Elliot não se importava com aquilo. O cume do monte estava se aproximando e nada de pássaro místico. Talvez, tudo aquilo fosse mesmo uma baboseira. No entanto, ele sentiu um tremor abaixo de seus pés e o chão se abriu. Primeiramente, o jovem procurou por Jane. Ela estava caindo! Elliot estendeu a mão rapidamente, a garota a agarrou, contudo, isso não foi o suficiente para impedir que caíssem. Com certeza eles estavam gritando, mesmo que o som não pudesse ser ouvido. Tudo era coberto de escuridão, não havia onde se apoiar a não ser um no outro. Até que sentiram algo duro abaixo deles, haviam chegado ao chão. Uma luz inesperada quase cegou Elliot. Era o celular de Jane com o aplicativo de notas aberto, nele estava escrito: “Você tá bem?” O menino bateu em suas roupas, na tentativa de se limpar, e procurou o celular no bolso da calça, felizmente estava inteiro. Abriu o aplicativo e escreveu: “Sim, e você?” Jane acenou afirmativamente, se levantou e o ajudou a levantar, o puxando pela mão. Elliot se pôs a iluminar o local, estavam cercados de paredes, a única saída visível era pela qual entraram. De repente, notou algo em seu pé, era um papel e nele estava escrito: “Não saiam daí, vou buscar ajuda.” Provavelmente, o guia havia enviado aquilo para eles, talvez ficar lá em cima esperando que caíssem demoraria muito. Jane o puxou pela manga da camisa e apontou para frente. Ele entendeu o que ela queria, seguir em frente. Talvez houvesse uma saída. Com essa intenção em mente, eles seguiram com a tela dos celulares iluminando o caminho. Não sabiam por quanto tempo andaram, até que, finalmente, conseguiram ver uma luz. Eles correram até o ponto iluminado, porém, era aquilo, um ponto. Elliot se sentiu frustrado, caídos e perdidos em uma montanha escura, por nada. Ao ver sua expressão, Jane escreveu. “Não podemos desistir. Não viemos aqui à toa.” No momento em que ele ia responder, algo inesperado ocorreu. A parede se abriu e seus olhos foram cegados pela intensa luz. Quando finalmente conseguirem abrir seus olhos, a dupla viu algo não visto há muito tempo. Uma floresta enorme, repleta de verde e, o mais incrível, um céu azul e lindo.
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Tudo ali era colorido e vivo. Ao contrário de onde viviam. Talvez tenham ficado ali por 10, 15 ou quem sabe 30 minutos. O tempo não era importante ao ver algo daquela beleza. No entanto, algo os tirou de seu transe. Esse “algo” era uma sombra enorme, talvez com 10 metros de altura. Sem tempo para entenderem o que acontecia, os dois sentiram uma pressão em seus ouvidos, ondas atacaram seus tímpanos e algo estridente e agudo os preencheu. A parte científica de Elliot pensou que aquilo podia ser um som. Segundos depois, ele soube que o som era um pio, já que uma ave enorme se pôs a frente deles. Um vento fortíssimo era enviado para baixo enquanto a criatura descia ao chão. Ela era majestosa, dourada com detalhes azuis em suas penas, seu longo rabo dividido em 5 com uma pedra de cada cor em cada uma dar partes, azul, branco, vermelho, amarelo, verde e preto. Instintivamente, ambos os humanos caíram de joelhos. O pássaro aproximou seu longo bico de seus rostos e piou altamente novamente, fazendo-os cair no chão. Logo após o impacto, suas mentes foram preenchidas com imagens de guerras, queimadas, geleiras derretendo, animais morrendo e o céu azul se tornando escuro. Elliot não precisou ouvir ou ler para entender a mensagem. Era como se a criatura dissesse: “Olhe o que vocês tinham e destruíram. Agora querem tudo de volta?” Os jovens olharam para o pássaro, ele os encarava docemente. Elliot instintivamente esticou a mão e tocou seu enorme bico, lhe enviando sentimentos bons de pureza e humildade. O garoto o olhou e pediu mentalmente. “Nos ajude, queremos ver um mundo colorido de novo, um mundo como era antes.” A ave fechou os olhos, como se sentisse e entendesse seus sentimentos. Então, em uma súbita atitude, a criatura abriu asas e voou na direção oposta. Ela olhou para trás, como se pedisse que os seguissem e, dessa maneira, os humanos o fizeram. O grande pássaro era rápido e suas pernas pequenas sentiam a dificuldade em alcançálo. Felizmente, não tiveram que correr por muito tempo. O pássaro parou perto de uma clareira, a sobrevoando, em seguida uma luz dourada os tocou, fazendo-os fechar os olhos. Naquele momento, vários sentimentos os atingiram, uma paz muito grande, felicidade, bondade, alegria e amor. Enquanto eram inundados de sentimentos, a floresta começou a desaparecer. Em instantes, Jane e Elliot se viram na entrada do
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monte Erus. Os guardas estavam perplexos, os jovens procurados estavam bem a sua frente, haviam surgido do nada. Enquanto os policiais estavam alvoraçados, os dois jovens observavam o pássaro se distanciar. Olhando para o céu, viram que a luz dourada se transformou em chuva, isso fez com que as pessoas se desesperassem ainda mais. Nenhum deles notou que o Céu estava azul, estavam ocupados demais com o que não conseguiam entender, distantes demais para agradecer pela dádiva. Só agiam através do medo pelo desconhecido mais uma vez. Nesse momento, algo nem tão inesperado aconteceu. Um canário amarelo pousou no ombro de Elliot. Jane o acariciou com um sorriso, ao mesmo tempo que o menino olhava o horizonte sem mais ver o pássaro místico. Logo após, observou os homens atacando uns aos outros. Discutindo sobre os estranhos eventos. Elliot sorriu, o céu estando azul e os animais voltando novamente era o suficiente. Jane segurou sua mão e encostou a cabeça em seu ombro. Eles não precisavam ouvir ou falar para entender esses sentimentos. Haviam conquistado sua mudança e, por isso, o jovem sabia que não haveria outra chance.
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Big Night Rider: o Guerreiro da Terra dos Sonhos Erick Pitt Salmista das Ruas*
*Erick Pitt escreve desde os 7 anos, apaixonado principalmente por poesias. Ganhou seu primeiro concurso de contos aos 12 e também aos 12 escreveu seu primeiro rap. A partir daí gravou discos, ganhou concursos e se enveredou na lírica e na literatura, se tornando autor de livros, participando de antologias poéticas e transformando linhas brancas em linhas críticas e sujas na literatura marginal. É um pioneiro do hip hop de Goiás e autor do livro “Conexão Suburbana Catalogando o hip hop na Central do Brasil”. Poeta crítico e protestante, carrega o pseudônimo Salmista das Ruas. 42
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Vou chamá-lo de Big Night, porque quando o vi em pé e no pé da minha cama, cobri a cabeça de medo. Ele era enorme e também assustador. Usava uma bandana no rosto que só o fui compreender o motivo em seu mundo arenoso e cheio de guerras e lutadores, bruxas e demônios que o perseguiam. Era já tarde e estava com medo e chorando, pois era apenas uma criança assustada com a escuridão. Pedi para minha mãe para dormir aos pés da sua cama, enquanto meu padrasto brigava com ela porque era totalmente contra que eu dormisse no quarto deles. Para não ouvir a discussão entre eles, cobri a cabeça com o cobertor e foi quando novamente Big Night me apareceu. Eu queria gritar, mas como? O soluço do choro me fez engasgar e não consegui disparar o grito. Então, ele me deu um puxão pelos braços e já caímos em outra dimensão e eu cavalgando com ele, em um lance bem louco, pois enquanto ele dava espadadas, chovia sangue e pedaços de gente e a bandana era para proteger ao máximo o rosto dele de tanto vento, areia, sangue e os pedaços que voavam toda vez que ele golpeava com a espada. Quisera eu também estar com uma dessas bandanas porque eu já estava cheio de areia pregada no rosto com sangue, e enquanto seu cavalo corria em disparada, eu ouvia gritos de dor e muitos soldados à frente - ou bichos parecidos com homens - todos cobertos com roupas negras e aquele clima de trevas sem luz, cada vez golpeando mais e assim foi por quase 30 ou 40 minutos até que ele chegou do outro lado em um grupo que o ovaciona e com as espadas para cima como se ele tivesse vencido aquela batalha, com soldados vestidos iguais a ele e diz: Obrigado, Soldados dos Sonhos! Enquanto comemoram, um deles grita: — Lá vem Drakar! Olhei e vi um grande monstro de chifres parecendo um búfalo, corpo de homem e cabeça de touro, com um enorme porrete, uma bola cheia de pontas, que dá golpes e consegue acertar quase todos. Big, então, dá um pulo em seu cavalo e zarpa pelos lados e golpeia para trás acertando as pernas do bicho que abaixa. Ao abaixar, ele golpeia as pernas do cavalo e eu aterrisso na areia, enquanto ele corre para que o bicho corra atrás dele na tentativa de distrair Drakar para que não me veja. 43
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Que lugar terrível. Eu tentava esfregar os olhos e me machucava por causa de tanta areia misturada às lágrimas até que parei de esfregar, percebendo que não estava sonhando, mas vivendo uma aventura noutro mundo. Enquanto acabava de limpar os olhos, avermelhados e arranhados de areia e lágrimas, ele, Big Night, retornava com a cabeça de Drakar em sua mão. Aproximava de outro cavalo, enquanto o seu gritava, e uma mulher gigante e descabelada chamada Snókia, de cabeleiras pretas e que lançava suas mãos que se transformavam em serpentes mordedoras, ia destruindo tudo o que via pela frente. Big, então, corre e me joga no cavalo em disparada como se fosse num jogo de fases: soldados, Drakar e, agora, uma bruxa gigante, a Snókia descabelada destruindo tudo com suas mãos de serpente cada vez mais longas. Era uma bruxa enorme. Tinha olhos gigantes e boca de dentes de tubarão, rosto bem geométrico com queixo bastante fino como ponta de facas e quando lançava os braços, eles aumentavam como borracha e as mãos como cabeças de serpentes tanto à direita como à esquerda. Mordiam tudo e deixavam escapar um barulho alto: “Snókia”. Quando olhei, já havia comido quase a metade do antigo cavalo de Big Night, que gritava de dor também pelo golpe que recebera de Drakar. E ela, então, devora o cavalo ferido por meio com uma só bocada, do lançamento de sua mão esquerda enquanto estávamos galopando em disparada pelo deserto. Correndo, entramos por uma mata, deixando Snókia gritando alto para trás, até paramos em um córrego, após 30 minutos de correria. Ali, tivemos tempo para respirar e contemplar a maravilhosa paisagem formada por uma mata com animais mansos, comendo e vivendo em tranquilo habitat. As margens de um córrego, onde o guerreio se lavava, limpando também sua enorme espada, enquanto eu, transpassado, falava: — Cara quem é você? Me devolve para casa pelo amor de Deus, me fala onde estamos? Eu estou cheio de sangue com os olhos arranhados de tanta areia do deserto! enquanto ele me olhou e — Psiiiiiiuuu: —Se lave e se prepare porque temos outra batalha e assim iremos derrotar a Snókia, rainha do mundo das trevas, para viver em paz o Mundo dos Sonhos, onde eu sou o guerreiro mor, nascido como 44
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promessa para derrotar seu feitiço e trazer de volta Nádia, a amaldiçoada. Sou o único capaz de viajar pelos sonhos e te buscar na terra; “um sonhador” para conseguir tocar a “pedra magistral” e a levantar. Esta será a chance de destruir a Rainha das Trevas para sempre, e quando levantar a pedra e ela reluzir e quebrar a maldição sobre Nádia, o Mundo dos Sonhos florescerá. E ele continuou: — Os soldados que me viu derrotando, eram os soldados da Rainha das Trevas, Soldados das Trevas que foram Soldados dos Sonhos e que, hoje, são escravizados pela Snókia, para lutarem em seu favor. E aquele homem com cabeça de touro era o melhor amigo e companheiro de Snókia, Drakar, considerado o Príncipe das Trevas. — Nós precisamos enfrentar o dragão da montanha, para conseguir a pedra magistral para destruir Snókia, e o desejo dela também é capturar a pedra como nós, mas, os Profetas da Eternidade é quem nos monitoram para termos paz com o Povo no Vale dos Sonhos, que protegem o Castelo, o rei e a princesa que vai conhecer agora. E indaguei: — E por que o Rei e a princesa? Ele não tem rainha? —Sim, a rainha foi morta por Nádia sua irmã que morria de inveja e foi amaldiçoada e se transformou em Snókia, e eram as princesas gêmeas, as irmãs Nadia e Maura. Nádia foi amaldiçoada pelo roubo de uma pedra, e ambas não se davam bem, porque Nádia era namorada de Romero, que hoje é o rei. Ele era o camponês Romero, vendedor de frutas e o caçador mais assertivo do Vale dos Sonhos. E ele trazia presentes como pedras preciosas e colares de outros mundos para Maura enquanto Nádia tinha inveja da irmã porque ela namorava o seu ex-namorado, que há muito ela teria humilhado, e ele se tornou mais feliz com sua irmã. A pedra que iremos capturar era uma pedra que foi um presente para Maura e que vinha dos sonhos de uma criança terrena, o único que pode tocá-la. Doada numa caixa de vidro e que em seu mundo chamado ouro; uma pedra, que aqui na Terra dos Sonhos dividiu o mundo em dois, por causa da maldição e que hoje é guardada pelos Profetas da Eternidade através do guardião que é um enorme dragão que cospe fogo! Os profetas que têm acesso ao plano eterno que conduz os planos dos dois mundos, com desejo de destruir o Mundo das Trevas, eles concederam pela 45
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minha coragem e fidelidade, poderes de atravessar portais e proteção, além de um lindo plano de ser um grande estadista no futuro da Terra dos Sonhos. E os profetas são a ligação entre o plano eterno para julgar o plano da terra e o plano dos céus, de ambos os mundos que se misturam numa concepção e liberação entre plano de sonhos, plano terrenos, planos de mundos e planos eternos. Por isso, fui te buscar: para conseguir chegar ao dragão contigo, vencer o dragão sem matá-lo porque ele é o guardião da pedra magistral. Te fazer chegar à pedra antes que a Snókia, amanhã até o meio dia, chegue, pois é desejo dela também capturar e guardar a pedra. E o acesso a permitirá controlar sua vida eterna trancando a pedra no Castelo das Trevas. O brilho da pedra levantando ao sol do meio dia, por um jovem sonhador, quebra todas as maldições de Nádia e da divisão da Terra dos Sonhos e do Mundo das Trevas, tornando, somente uma só Terra dos Sonhos definitivamente. Ele prosseguiu: — Desde o dia que ela roubou a pedra; ela se transformou nessa criatura que é: uma bruxa gigante, má, destruidora e que tem mãos de serpente e olhos que jogam fogo e queimam as criaturas da Terra dos Sonhos, enquanto ela pode encantar a outra metade escravizando e tornando a outra parte dessa terra em Mundo das Trevas. Enquanto o ouro Menino Sonhador, na sua terra encanta as mulheres e os homens, e brilham as joias e os objetos, aqui nesse mundo a avareza dessa pedra torna a potencializar na pessoa tudo em exagero conforme seu desejo e avareza. E como ela desejava mal para irmã e o domínio da terra que queria do seu pai, ela fez cair a maldição a transformando em uma bruxa poderosa e ainda matou sua irmã com o olhar de fogo porque era muito invejosa. Porque foi potencializado nela o poder: da altura a grandeza, as mãos de possuir de tudo, que se transformam em serpentes que mordem e destroem possessivamente, assim é a maldição de Nádia que queimou a irmã gêmea com os olhos e dividiu o mundo com a maldição da pedra magistral. Até seu pai Melquisedeque morreu de desgosto ao ver o que havia acontecido com as duas filhas. O Rei Romero teve uma filha com a Maura, antes de morrer, a que hoje vive com ele no Castelo do Vale dos Sonhos que se chama Princesa Rimena, que ao atingir a idade correta será rainha de todo planeta dos sonhos.
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Romero é um rei depressivo desde então, só vive porque o conselho tem um dos Profetas da Eternidade chamado Pitt que o liga em virtude ao aconselhálo, fazendo com que não desista dos planos e projetos que a eternidade tem para ele. E assim, mesmo depressivo, ele consegue tratar o povo bem e fazer um grande governo com sabedoria, porque seu povo é feliz e o tem como homem honrado. Eu sou Rider seu irmão, mais novo, e adotivo, somos filhos de pais camponeses. Sou um enviado da guarda e caçador para lutar no exército do Vale dos Sonhos. Sempre fui um protetor e Soldado do Sonhos do Rei Melquisedeque que teve as gêmeas Maura e Nádia, que foram extremamente apaixonadas por ele: meu irmão Romero e que não sabe que sou seu irmão adotivo, porque quando tinha 17 anos ele foi enviado a corte para ser soldado do Rei e nessa mesma época mamãe estava me adotando de uma família carente; Segundo os profetas, não era para falar porque meu projeto é se casar com Rimena, minha sobrinha, mas meu irmão nunca deixaria por ter um grande ciúme dela. Meu papel é protegê-lo a todo custo com sua filha, minha futura esposa. Como planejado pelos Profetas da Eternidade aos quais são revelados o plano eterno do nosso mundo. — E daí? Eu dizia bravo. Pelo que entendi então eu terei que ir na sua missão pegar essa tal pedra, enfrentar o dragão contigo e ... —Fique tranquilo porque nessa parte estamos protegidos. Os poderes de Snókia nessa região são nulos. Ela não pode vir para cá e somente alguns de nós pelo plano eterno podemos chegar até lá. Observou os soldados que me defenderam morrendo, e alguns que se safaram que estão além nas árvores nos protegendo? Estes estão no plano monitorados pelos Profetas da Eternidade que podem nos avisar dos perigos a qualquer momento. —Então porque nos protegem? — indaguei. —Porque os animais, assim como em seu planeta, são selvagens e os soldados das Trevas podem atacar com bolas de fogo através de flechas acesas em seus monstros voadores. —Ai meu Deus! Então não estamos protegidos.
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—Sim Senhor Nanico, quer dizer Menino Sonhador, assim me tratou o Big Night Rider, pode? E continuou...até que não tenhamos um sinal dos Soldados dos Sonhos estamos sim protegidos senhor! O grandão é atrevido, me chamou de Nanico. Eu queria ir para casa... —Eu posso fracassar contigo e torço para eu não perder, porque somente eu posso te repassar no tempo além do portal da montanha e te levar de volta. Peço ao senhor já desculpas se eu não conseguir porque eu não sou um ser eterno e não posso deixar que ninguém seja, assim como tenho que impedir a maldição de Nádia e que ela deixe de ser Snókia para ela parar de escravizar metade do nosso povo. —Cara você tem que ter sucesso na sua missão, dizia eu. — Porque eu quero ir embora e preciso voltar a escola e ver a Claudinha de novo. Falava da garota que eu amava. E Big continua... —Eu tenho que levar o senhor ao castelo para descansar porque temos uma missão amanhã. Continuamos dali a cavalgar em direção ao castelo, onde passamos e vimos alguns sinais de ataques e jovens anões como gnomos pelo caminho, informando que tiveram sido atacados por Soldados das Trevas em seus monstros voadores, com suas flechas de fogo, acredito que nos procuravam. Os soldados de Big Night com ele partiram à porta do castelo enquanto fiquei com o Pitt, um dos Profetas da Eternidade que olhava e trabalhava no Castelo do Vale dos Sonhos com o Rei Romero. O castelo gigante era maravilhoso, ganhei um quarto só pra mim, com serviçais que me acompanharam ao banho, me enxugaram e me colocaram roupas estranhas, mas limpas e perfumadas. Fui conduzido até a sala de jantar e ali estavam alguns serviçais da casa, ministros, o Rei de semblante bem triste e conheci a falastrona Princesa Rimena, que era linda. A princesa prometida de Big Nght e que não podia revelar ali, só pensei: —Como esse cara vai passar bem..., parecia a minha Claudinha, só que em versão dez anos mais velha. Mas era uma coisa e eu pensava: “será que 48
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Claudinha será no futuro tão linda assim...” pensava na minha paixão de escola. Ela me serviu, pode? Eu fui servido por uma princesa. E ela me chamava de Menino Salvador em vez de Menino Sonhador. Bem melhor! Também pelo nome Roberto. Nesse reino de sonhos já fui chamado de Senhor Nanico, como pode? Ela me tratou bem e bem à porta no outro dia cedo me jogaram junto a Big Night e percorremos montanhas montado a cavalo até que chegamos à NER, chamadas Montanhas Negras Entre Reinos ou Montanhas da Divisão, porque ficavam bem à divisa dos dois Reinos, dos Sonhos e das Trevas, onde ficava o dragão, mas assustei com o barulho, porque ao aproximar percebemos muito fogo, incêndio, soldados de preto que era o das trevas, enquanto nossos soldados recuaram e esconderam. Enquanto essa observação ocorria avistei e vi as cobras gigantes que eram as mãos de Snókia estendidas no fogo que era cuspido pelo enorme dragão diante de um presépio de cristal às suas costas, onde estava guardada aquela pedra redonda de ouro. Precisávamos chegar à pedra antes que Snókia queimasse com olhar o dragão que já estava exausto na batalha e ela estava prestes a recuperar a pedra. Ele cavalgou comigo por horas e parecia que o cavalo não somente galopava, mas voava até chegarmos aos pés da rocha para capturar a pedra antes que Snókia. Big Night Rider lutava com suas mãos, as enormes cobras que o tentavam devorar o que viam pela frente. Eu subia nas rochas em direção à pedra. Big Night cortava as cabeças das cobras que cresciam novamente como se intermináveis criaturas não morressem, para que ela não matasse o guardião. E eu cheguei e peguei na pedra e ele gritava comigo: — Ergue pra cima, Menino Sonhador, o sol está ao centro da terra, já é meio dia. Ao tocála e levantar-se, ela brilhou com brilho que ofuscava todas as visões até ofuscar na bruxa das cobras Snókia, que gritou ao brilhar em seus olhos e eu levantando a pedra no topo, salvei a Terra dos Sonhos até ela se transformar em terra ensolarada. Alguns Soldados das Trevas foram acordando do feitiço da escravidão e Snókia retornou ao estado normal para Nádia, e diz a linda
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mulher que tornou: — Onde eu estou? O que aconteceu? —Acordando, ela em um mundo chamado, agora por completo, Terra dos Sonhos! Enquanto eu observava e olhava feliz para Big Night Rider que dava as mãos para ela.
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Big Night Rider e a Batalha do Portal Erick Pitt Salmista das Ruas
Nádia se levanta sã após a quebra da maldição e graças ao Menino dos Sonhos que levantou a pedra quando o sol estava ao meio dia, a hora em que se abrem os portais da luz e ela volta a ser o que era. Big monta em seu cavalo e vai conferir a exaustão do Guardião que deitado sofre enquanto os Profetas da Eternidade se aproximam e dizem: — Vamos curá-lo. Os Profetas da Eternidade são ao todo sete homens com o poder dos planos dos céus e da terra. Eles falam com Deus e profetizam aos homens da terra. Rider, retorna e coloca o Menino dos Sonhos em seu cavalo e segue ao Castelo dos Sonhos, enquanto avistam a terra transformada e o Guardião dando um grito e se levantando em meio ao iluminado horizonte que ofusca as sombras dos Profetas da Eternidade de mãos levantadas para reerguer o Guardião da Pedra Magistral.
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Enquanto eles vão embora, surge na floresta uma festa de ação de graças dos gnomos e entre eles tem um gnomo nada feliz: Spóken, o desobediente, porque era presenteado pela bruxa Snókia a quem contava tudo que se passava. Ele observava e ia até a divisa revelar tudo sobre a Terra dos Sonhos. Snókia soube por ele do segredo da Pedra Magistral e correu até o dragão para capturar a pedra, pois queria roubar a pedra e observava a Caverna dos Profetas ou a Caverna Iluminada, onde se reuniam os Profetas da Eternidade, Por meio de Spóken, ela sabia que o portal se abriria em 24 horas e o que os sete Profetas da Eternidade iriam devolver a pedra ao Menino dos Sonhos. Também ficou sabendo que o guardião dormiria por uns dias e a pedra ficaria acessível para ele. Enquanto isso, no castelo, todos comemoram e dizem que, quando Nádia se recompor será informada do julgamento, disse Romero a Rider. Eles conversam enquanto os serviçais e Rimena tentam ajudar o Menino que quer suas roupas normais de volta para retornar para casa. Ele recebe o pijama na porta entreaberta enquanto Rimena ri dele e diz que a roupa dele era estranha e pergunta: — Você quer mesmo ir embora? Não quer saber dos planos e projetos com os Profetas da Eternidade? Talvez se torne um grande cavaleiro como é o valente e valoroso Rider! Meu Deus ela gosta e admira ele! —pensou Roberto. —Não Princesa, eu preciso ir mesmo, já vivi uma aventura e tanto. Necessito ver minha mãezinha e o amor da minha vida, a Claudinha. Hum, ela diz: — Menino Salvador, o Menino dos Sonhos e apaixonado... Quem terá o prazer de ser o par e ser estadista ao lado da mulher mais linda da Terra dos Sonhos, quem será este? Ela responde: — Menino poético, curioso, ainda por cima parece que quer se revelar sobre planos que só os Profetas da Eternidade se incubem de fazer.
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Pitt um dos profetas, toma o corredor, e diz ao menino: — Senhor, amanhã ao meio dia, em que o sol estará no centro da terra. o portal abrirá e seu servo Raider te levará de volta para o seu mundo. —Obrigado Senhor Pitt, vou arrumar minhas madeixas. Deixa o quarto e toma o corredor do castelo. Pitt estava pensativo porque ouvira um barulho na porta da Caverna Iluminada quando retornava da reunião e se sentiu como que culpado por não ter averiguado. No almoço festivo no castelo, Pitt traz da Caverna dos Profetas, a Caverna Iluminada, o tratado sobre o futuro de Nádia que adormecida após o banho, descansava de muitos anos apoderada de uma bruxa que tomou forma no seu corpo de princesa. A decisão de sua vida já está nas mãos do rei. A festa para, pede o Rei Romero, sinalizando silêncio: — Quero louvar ao nosso Deus pela Terra dos Sonhos, o Guardião e todos os Profetas da Eternidade por guardar e direcionar nossa terra, os céus e a eternidade! Batem muitas palmas e louvam a Deus com Glórias. — Salve ao Grande Deus! Depois, prosseguiu o rei, quero agradecer todo esforço de comando que obedeceu a Rider e que possa ele ter todas honrarias de soldado possíveis como nosso capitão da guarda na Terra dos Sonhos. O povo assobia e bate palmas, o rei continua... — Também agradecer ao Menino dos Sonhos, Roberto, por tudo que fez ao povo da nossa terra mesmo sem querer, pois o capturamos para fazer isso e foi todo colaborativo e o devolveremos amanhã conforme conselho dos Profetas e suas decisões. E, por fim, quero registrar aqui a carta de julgamento de Nádia. A sentença foi suspensa porque ela veio de uma maldição e ela não responderá pelo assassinato da Rainha Maura porque a acusada era a Bruxa Snókia, mas Nádia responderá pelo roubo da pedra de ouro da Rainha que continuará sendo protegida pelo Guardião e como pena ela perde o título de princesa, mas, podendo viver no castelo pelas próprias decisões facultativas. Isso quer dizer que Nádia é livre e somente não terá direitos como filha real do Rei Melquisedeque. Ficou assim definido pelos 53
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Profetas da Eternidade que são ministros e justiceiros, responsáveis dos planos da terra, dos céus e da eternidade na Terra dos Sonhos. Enquanto isso, Spóken escala a montanha na tentativa de capturar a Pedra Magistral enquanto dorme o Guardião, exausto e abatido pela batalha contra Snókia. Ele aproveita e avança para escalar a Montanha do Cristal. O povo se diverte no Castelo e Betinho passa a tarde e início da noite a conversar com Rimena, a Princesa enquanto o Rei se diverte com o povo. Big Night se recolhe e decide ir na casa dos pais que o recebem e perguntam sobre o irmão. E indagam sobre a presença do Rei porque a última vez que estivera em casa, a mãe o escondeu no quarto. Ele a pedia para ver o que a mãe havia guardado, como se a mãe estivesse escondendo algo. Ela não deixou ele entrar no quarto para ver o que tinha, sem revelar os planos, por um bom tempo. Romero já estava ausente e ressentido, perguntou ao pai que também não falou, mas eram os planos eternos que estavam em voga. De volta para casa, Rider pensava em Rimena e de como ela havia crescido e estava tão formosa. E como um projeto de Deus, ela também olhava aos céus estrelados e pensava de como ele era heroico, másculo e desejava ele como virava na cama Betinho com vontade e desejo de casa. O dia amanhece e Spóken rola pelas Montanhas do Cristal com a caixa na mão que quebra no caminho por descuido. Spóken se torna uma incrível criatura após tocar a pedra nua de ouro, a Pedra Magistral que espalha a maldição em seu corpo e o gnomo cresce e torna-se um bruxo de cabeça enorme e que pula distâncias com seus poderes. Agora, ele não é o pequeno gnomo, mas sim o grande bruxo Spóken, invejoso, revelador e quer estragar os planos do Menino dos Sonhos em ir embora. Corre até a Montanha do Portal, no local adequado de onde escutou os profetas informando que abririam, onde já haviam a postos alguns Soldados dos Sonhos, Ele chega ali e ao tocá-los poderia enfeitiçar aqueles soldados e com um olhar de feitiço também torna-los Soldados das Trevas e muitos outros vão tocando aos outros e transformando-se em um exército das trevas. A caminho das montanhas, a Princesa por gostar muito de Betinho vai acompanhando seu transporte até o portal. Big Night Rider a frente, e o Rei 54
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ao lado por gratidão quer dar um último tchau, com uma guarda numeral com eles, gnomos da floresta, animais e toda comitiva e de repente começam a ser atacados. Rider dá meia volta e protege o Rei com a princesa, mas o Rei atento pega numa espada. Spóken sabe onde eles estão e o grande Romero com aptidão como grande guerreiro e flecheiro combate Spóken por muito tempo que, mesmo sendo ferido a espadas, tem a pedra como amuleto e aquilo faz com que se torne uma criatura invencível e eterna enquanto estiver com a pedra em seu poder. Com ela amarrada em sua cintura, combate o rei no duelo para pegar a Princesa. Big Night protege o menino Betinho para que ele não seja atacado, e vai derrubando e batalhando com vários soldados e ouve um enorme e sonoro grito e reconhece que é Rimena chorando junto do corpo do pai que tem a cabeça atingida pelo monstro bruxo Spóken que agora entra em uma luta fervorosa com Rider que está muito furioso. Betinho chora aos pés das montanhas protegido por Soldados que estão em guerra com muitos outros Soldados das Trevas. Os Soldados dos Sonhos são enfeitiçados por Spóken que vai levando espadadas de Rider que, furioso, acerta a pedra e a separa do cinto na cintura de Spóken que, agora, cai ao campo de batalha, mas ninguém se atreve a pegá-la. Agora está exposto o bruxo Spóken que tenta ir atrás da pedra e é impedido por Rider e mais uma dezena de soldados. A batalha continua. Enquanto Rimena corre a pedido de Rider que pede para que de alguma forma traga Betinho para levantar a pedra. O portal se abre e soldados não sabem se pedem para Betinho correr, enquanto Soldados das Trevas impedem sua chegada ao portal. Spóken grita: — Deixa ele passar e um dos Soldados dos Sonhos põe Betinho na garupa e eles fogem com a princesa. Enquanto isso, a batalha de Spóken e Rider continua e em poucos minutos o portal se fechará. 55
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Os sete profetas impedem Betinho, um dos soldados e a princesa de correrem. E dizem: — Ele, o Menino dos Sonhos, tem que voltar, enquanto a princesa fica. O soldado logo pega o menino e eles gritam: —Levante a pedra! Rapidamente eles chegam e Rider está ferido no braço e encurralado por Spóken e só não morre por que os gnomos jogam pedra e impedem de Spóken matar Big Night. O soldado aproxima com Betinho que logo pula e acha a pedra e levanta entre as árvores no brilho do sol que repentinamente reflete em Spóken que volta a ser gnomo e sai correndo. O portal vai se fechando, Betinho chora, os Profetas da Eternidade vão se aproximando. A princesa corre para se jogar em Big Night Rider ali caído e os dois se beijam. E os Profetas consolam o Menino dos Sonhos e dizem a ele que darão um jeito para que os portais se abram novamente. E assim termina a batalha do portal. É dia de tristeza no reino, o corpo do Rei Romero é queimado ao cair da noite e o povo passam dias de luto. 45 dias depois... Cornetas tocam no reino, ali no Castelo do Reino dos Sonhos. A guarda bem impostada com uniformes de guerra prontos a solenidade. Pitt com suas vestes sacerdotais ao lado de uma caixa de Cristal com uma coroa, a coroa do Rei Melquisedeque, que fora também da geração de Romero e agora será passada ao Rei Rider com sua Rainha Rimena. Os dois passeiam entre o povo que chora de alegria ao ver um casal tão formoso. E ali está presente Betinho e outras personalidades que são nomeadas ministros e chefes de estado. Betinho é nomeado pela Rimena como Ministro das Relações Exteriores e ainda Titia Nádia Chefe de Palácio para cuidar do Castelo, e outros nomes são cedidos como gnomos, profetas, gente do povo e vários outros na solenidade que nomeiam o novo reino e Big Night Rider em o poderoso estadista desta nova fase e geração da Terra dos Sonhos. E quando o portal irá se abrir para eu ir embora? Indaga Betinho em pensamento, para que você também pense sobre isso. 56
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E se ver um clarão próximo, lá pelas bandas de NER, saiba: são os Profetas da Eternidade reunidos e somente eles sabem os planos da terra, dos céus e da eternidade.
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Branca de Neve e os sete milhões de seguidores Célio D’Ávila*
*Célio D'Ávila, professor de artes, ator, autista. Desde muito jovem ligado à literatura e com gosto por criação e reinvenção de contos (especialmente contos de fada). Hoje, com 30 anos, vivencio o desafio de me entender no mundo e entender o mundo dos adolescentes das escolas. 58
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Era uma vez em um reino onde as histórias aconteciam de forma diferente. Neste reino, Branca de Neve ainda era uma garota vista como frágil, delicada, gentil e que amava muito os animais, aqui o espelho magico também dizia: — Irmão, pensa numa mulher bonita! Pois é, ela é o trem mais, lindo! Mas a Branca de Neve deste reino, perdeu sua mãe ainda na infância, vítima de uma pandemia. Por isso, a princesa se refugiou e viciou completamente nas redes sociais, a coisa mais importante para ela eram seus seguidores, ou seguimores como ela chamava! Branca vivia bem com o pai até que ele resolveu se casar novamente, com uma forasteira linda em uma grande cerimônia! O reino estava em festa, mas a princesa, logo demonstrou seu ciúme da relação, enquanto transmitia a cerimônia ao vivo, no espelhogram, questionando como o pai poderia gostar daquela mulher e dizendo ter certeza que o pai só estava com ela por causa de um certo chá que aparentemente a mulher sempre dava para seu pai a noite. Meses após o casamento, pelo excesso de fastfood, o pai de Branca acabar não resistindo a um infarto. E por fazer a live do funeral do pai, ela a marca de 7 milhões de seguidores, enquanto ela dizia como iria ser difícil manter a rotina de Rainha e blogueira ao mesmo tempo, mas branca teve que cortar a transmissão quando sua madrasta a chamou para uma conversa séria: _ Oh...minha filhinha, o meu marido morreu! O Rei está morto! E não sei o que será de nós, mas você sabe que nosso casamento foi legalizado e por isso eu serei a rainha, mas não tema Branca, você é uma filha para mim e nada vai te faltar enquanto formos amigas! A princesa por sua vez respondeu de forma educada: —Filha... vê lá se eu sou filha de uma lambisgoia! Me erra tia! Por mim meu pai nunca teria te conhecido, fique sabendo que farei um mutirão na internet, você vai ser CANCELADA. A rainha ficou completamente desolada, pois amava muito sua enteada, e Branca cumpriu sua promessa, espalhando mentiras sobre sua madrasta: — Seguimores, seguimores meus! Existe alguém mais bela do que eu? Claro que não, né querides? É quase como se eu pudesse ouvi a voz de todos os sete, sete milhões! Gente, eu estou sendo perseguida pela minha rainha! Ela colocou um caçador para pegar o meu coração! E nem é de um jeito bom... Estou em perigo, não confiem nela, ela é uma rainha má! E não se esqueçam, se hidratem e sejam saudáveis. #princesa #brancarainhamadrastanadinha. Logo a notícia se disseminou e o caçador quis tirar satisfação com a monarca em uma audiência formal, enquanto ela estava sozinha e sem guardas no jardim:
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—Oh, rainha! Escuta aqui, eu tô precisando saber com você que história é essa de que eu vou matar a Branca irmão... A monarca respondeu: —Oh, tu fala direito comigo que eu não sô plebeia não, tá? Ela espalhou essa história e não sei como resolver. O caçador insistiu: —Pô Rainha, é o que dizem né, pra fazer uma fake News deixar de ser fake News, faz ela virar verdade, uai! Eu trago o coração dela pra você! Levando a um ultimato da Rainha: —Que horror! Seu caçador de meia tigela, eu quero que você pegue essa faca e enfie no meio da sua bainha! Agora procure o caminho de casa, antes que eu mande cortar sua cabeça! E olha que isso é coisa de outra rainha... Eu amo a Branca como se fosse minha filha, jamais faria isso com minha amorinha! Mas o caçador na verdade já era há muito tempo encantado por Branca de Neve, todo mundo era, como ele não ia ser? Ele sempre mandava a reação de foguinho nos stories da princesa. Como sabia que ela acordava cedo, ao meio dia, foi até sua janela se declarar e contar o que a madrasta falou, mas assim que Branca o viu: —Socorro, quem é você? Ele Responde:— Irineu, o caçador! Deixando a garota apreensiva: —Oh não, a rainha te mandou me matar? Era pra ser uma mentira, socorro! E como bom gado, o caçador lançou a braba: — Pelo contrário Senhorita Branca, ela diz que te ama! E eu também na verdade. E a princesa o desafia a provar: — Pois se você ama, mate ele para mim, posso pagar bem! O caçador fica alguns instantes pensativo e finalmente responde suspirando de forma maliciosa: — Ah senhorita branca, tudo que eu poderia desejar tomar um pouco do seu chá e ganhar visibilidade com seus seguidores, vai chover serviço para mim. A garota que para alguns assuntos era muito inocente respondeu: — Pois faça o serviço e te servirei o chá pessoalmente! O caçador esperou até a noite para tentar pegar a Rainha de surpresa, mas quando ela estava prestes a dormir percebeu os pés do caçador embaixo das cortinas ao olhar no seu espelho: — Você veio me matar? A Branca te mandou? Fique sabendo que pago o triplo do que ela ofereceu!
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Ele então responde: —Pois você não pode me dar o que ela ofereceu, se é que me entende. Deixando a monarca em choque: — Misericredo com essa menina... Olha lá caçador, são os sete milhões de seguidores da Branca? E enquanto apontava, o caçador olhou e ela fugiu, para o meio da floresta, chegando numa casa com sete camas pequenas, onde encontrou uma pessoa que não via a muito tempo: — Malévola? E a pergunta foi respondida com uma voz avassaladora: — Oxe, estava esperando os sete anões é? Enquanto as duas trocavam grosserias, Malévola explicou que namorava os criadores dos sete fã clubes da princesa e que ela poderia ficar ali, mas que deveria mesmo era se vingar amaldiçoando ela com um pão de queijo envenenado que a bruxa criou na sua frente: —Eu Malévola, portadora do mal, coloco nesse pãozinho de queijo, a maldição do sono eterno! Pronto, agora é só ela comer e dorme para sempre! Pronto agora é só ela dar uma mordida que dorme! E a rainha questiona: —Mas e se ela não comer, Mal? E a conversa termina com Malévola: — Irmãos Grimm, daí me paciência... Aí ela não dorme, sua inteligente! Enquanto isso no reino, o caçador levou um coração de boi para fingir que a rainha havia morrido e com isso Branca acabou não servindo o chá, mas fazendo uma live enquanto tomavam café juntos, quando chegou o pão de queijo e Branca abriu como se fosse um mimo ganho de um seguimor: — Querides seguimores, acabei de receber um belíssimo pão de queijo de um seguimor não identificado! Hum... amo admiradores secretos! Tem apenas uma carta dizendo “Querida e mais bela, espero que tenha ótimos sonhos!”. Sei que já falei sobre carboidratos, mas vou abrir uma exceção por ter sido presente! E não se esqueçam, se hidratem e... Branca imediatamente caiu no sono e sua “morte” se tornou furo de noticiários, alguns diziam ser trama da rede espelho e outros pediam intervenção militar, quando a Rainha arrependida vai com Malévola ao reino para tentar acordar a garota: —Malévola, o que podemos fazer para conseguir acordar essa menina?
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Malévola faz pouco caso: —Dormiu tarde essa vilã aí! Mas a rainha insiste: — Tem que ter um jeito! E Malévola, então, falou: —Olha, até teria com um beijo de amor verdadeiro, mas isso nem existe... Em meio a esse momento se ouve uma voz distante: — Alguém disse amor verdadeiro? Eu amo ela! Eu amo ela! Desde que Branca me serviu o café, nunca mais fiquei sem trabalho, ela mudou minha vida e irei acordá-la com meus lábios. Malévola, no entanto interferiu: — Oh, rainha eu disse só o amor verdadeiro e ela com certeza não ama esse aí... Olha a cara dele, virou gado pela menina. Além disso, não deixo um beijo sem consentimento não! Em meio a conversa, o celular da rainha começa a tocar continuamente até que ela olha suas notificações e fica em choque: —Gente, olha aqui! O perfil da Branca bombou com a notícia da sua morte, ela já está agora com 70 milhões de seguidores! E claro, o que Branca mais amava eram os seus seguimores e assim ela levantou sem precisar de nenhum beijo sem sua permissão: — Um celular! Alguém me dê um celular, não é possível!!! Eu estou com mais seguidores do que a Juliette? Malévola entrega o celular da garota e diz: —Está sim, e nem precisou ganhar um reality. Só precisou morrer! Em choque, a blogueira percebe o que aconteceu: — Espera, eu morri? Quem me salvou, o caçador? A Rainha responde: — Ele não! Eu te tirei de uma intoxicação alimentar, lembrando quem você mais ama: seus seguimores. A garota chorando emocionada diz: — Mesmo depois de tudo o que te fiz, todos acham que você é uma rainha má... como posso me redimir? Posso te chamar de mãe? A rainha respondeu docemente: —Claro que pode garotinha, sempre foi o meu sonho! E não acho ruim essa fama... antes ser respeitada por temor do que por amor! Vai que eu acabo virando uma vilã famosa! E foi assim que Branca de Neve se tornou conhecida como uma vítima da Rainha Má, ao vender sua história, a garota inventou que os líderes dos fã clubes eram na verdade sete anões e causou toda a confusão que hoje temos na história. Quanto à rainha, dizem que ela chamou Malévola para morar com ela e todas as noites tomam chá e trocam insultos. Já o caçador... esse continua ainda achando que tem chance com Branca de Neve, enquanto eu, narrador encerro essa história.
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Chapeuzinho Vermelho O Lado Oculto do Capuz Célio D’Ávila
Era uma vez uma jovem garotinha, tão linda e delicada como nunca se viu outra. Sua avó havia a criado sozinha e era fascinada pela menina... Quem a via, imaginava que ela era uma menina perfeita e que nunca seria capaz de fazer nada errado. Para todo lugar que a garota ia, era possível ver seu capuz vermelho e sua cesta os quais ela jamais abandonava. Conta-se também que naquela região morava um ameaçador lobo, com imensas patas, dentes e boca tão grandes que poderiam engolir uma criança sem o menor esforço! Todos pareciam ter medo desse lobo, exceto por Chapeuzinho que não cansava de dizer aos quatro ventos como achava desprezível uma criatura que se esconde na floresta e ataca pessoas inocentes. Ela dizia sempre: — Um lobo nojento e peludo como esses, daria um ótimo alvo para o caçador. E todos falavam para ela ter cuidado pois se o lobo escutasse iria querer fazer algo com a garota. A floresta era muito unida e todos amavam comprar os doces que a vovó fazia, por isso todos os dias sua netinha ia de casa em casa levando as encomendas desde muito pequena, mas conforme foi crescendo a vovó começou a perceber uma mudança no comportamento da menina, que passava a demorar mais para chegar em casa e quando chegava, parecia estar muito suada e agitada: —Não se preocupe vovó, é que tenho aproveitado as entregas para fazer alguns exercícios. Mas gostaria de saber se é verdade que você tem encontrado alguém
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todos os dias, os vizinhos disseram ouvir vozes masculinas durante a tarde, disse a garota um dia. _ Como poderia, minha netinha! Você sabe que sua avó é meio gaga só escuta o rádio. Os únicos homens que que escuto sãos os do Queen, Rolling Stones, Beatles, Queen, Pink Floyd, Rolling Stones..., respondeu a vovó. Em uma noite quando a vovó percebeu que Chapeuzinho estava saindo escondida, pegou o telefone dizendo de forma discreta: — Alô, ela está saindo de casa agora, preciso que você a siga e não deixe ela correr perigos, por favor! Chapeuzinho seguia pela estrada a fora, para a vila em que os ricos da floresta moravam, quando foi surpreendida pelo lobo: — Olá, Chapeuzinho! Me diga aonde você vai! – Falou ele com sua voz assustadora. — O que eu deveria responder? Eu vou varrendo? Não te interessa seu atrevido, você devia estar dormindo essa hora para aproveitar que o caçador não está acordado te procurando, respondeu a menina em tom insolente e o lobo insistiu: — Você está levando doces nessa cesta? E a garota responde enquanto vai embora: — Pode se dizer que sim, agora se me dá licença, tenho negócios a tratar e pretendo ficar a noite fora, mas chegar antes que minha avó acorde. E aliás, fique longe de mim e da minha avó seu lobo nojento! O lobo então pegou o seu telefone e ligou para um amigo: — Ela está seguindo para a vila como você disse, fique de olho! Eu vou para a casa da vovó. E foi o que ele fez chegando à casa da velha senhora, ela o recebeu calorosamente: — Oh, meu lobinho! Você não deveria estar seguindo a garota? — Fique tranquila vovó, eu coloquei uma pessoa nessa missão. Ela já sabe sentir meu cheiro, se eu seguisse ela, não conseguiríamos descobrir o que ela tem levado naquela cesta!”, responde o lobo. A verdade é que o lobo e vovó já se conheciam há muito tempo e eram, digamos, bem próximos. Então, ele vigiava a garota escondido mesmo com todo perigo que o caçador oferecia. Na casa da vovó, o lobo sempre foi tratado bem, recebendo comida e vinho, que a vovó adorava compartilhar com ele. Mas enquanto eles estavam saboreando o momento juntos, ouviram alguns barulhos lá fora:
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— Jesus, Maria, José! E se for um assaltante querendo fazer mal a minha netinha? — disse a vovó. —Como ele iria poder, vovó, ela nem está aqui..., mas se está com tanto medo, esconda-se no armário eu vou deitar na cama e fingir que sou você!” – Sugeriu o lobo em um plano que sinceramente não parecia fazer muito sentido, ainda que ele tenha tido a brilhante ideia de se vestir como a vovó. Com a senhora no armário e o lobo deitado a porta se abre, e em um momento de tensão, quem abre a porta é ninguém menos que Chapeuzinho! — Vovó? A luz parecia estar acesa, a senhora está acordada? — Falou a menina. —Entre minha netinha — diz o lobo tentando imitar a voz da velhinha. — Nossa vovó, o que está acontecendo com sua voz? — Foi o chá que tomei muito rápido antes de dormir, Chapeuzinho. — Aí, mas e esses olhos grandes vovó, a cor está diferente? — Não te contei, comprei lentes novas na internet netinha, você sempre dizia que meus óculos eram ultrapassados. Mas e a minha cesta, o que tem dentro dela essa hora da noite? — A cesta, não é sua vovó! E, aliás, e essa sua boca, por que está tão grande? — Pior é a sua que não cala! Não é possível que você está acreditando que sou sua avó — diz o lobo se levantando. — Socorro! É o lobo, ele vai me pegar, ele já devorou minha vovó! Gritava, desesperadamente a garota. — Ora, não era você que não tinha medo de mim? Por que está fazendo isso agora? E uma perseguição dentro de casa começa, o lobo tenta pegar a cesta da menina, que foge a todo custo. De repente se ouve um grito ensurdecedor e acompanhado de um estrondo de vidros e um homem furioso entrando na casa pela janela: — Ahhhhhhh menina, esse machado que você me vendeu não corta nem queijo! Eu quero reembolso! — Era o ameaçador caçador.
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— Vendeu? Você revende armas garota, você sabe o que esse homem faz? Quantas arvores ele já derrubou? Quantos amigos meus ele já matou? Responde o lobo em choque. — E daí, você matou minha vovozinha!! E eu vendo o que eu bem entendo, agora caçador, se der um jeito nesse lobo nojento, te dou um credito vitalício e com jeito, acho que sabe o que quero dizer! — falou a garota. Com os olhos vermelhos o caçador quebrou tudo, como se fosse um dos filmes do Tom Cruise, enquanto perseguia o lobo! Esse por sua vez apenas correu do caçador no seu encalço e com tanto barulho, não demorou muito para a polícia chegar à casa da vovó, mas antes que os policias chegassem Chapeuzinho gritou ao caçador: — Fique aqui, preciso que você seja testemunha, e me ajude a abrir o armário a minha avó está lá dentro! Quando saiu do armário a vovó contou sua história para o caçador, mas chapeuzinho disse a ele: — Não Acredite nessa mulher, ela é velha, caduca e até um pouco esquizofrênica. Está em estado de choque! Com sua melhor cara de vítima Chapeuzinho contou para a polícia sua versão da história, confirmada pelo caçador e repetiu o que disse sobre a vovó dizendo que precisa de leva-la em um médico por que ela não é capaz de responder por si mais: — Pobre chapeuzinho, sabemos bem do que esse lobo é capaz! E já encomendamos o mais justo dos homens para julgá-lo quando for preso. Agora se acalme, pois, tudo vai ficar bem e não se preocupe com a casa, faremos uma campanha para concertála... A garota respondeu com doçura: — Muito me agrada senhor policial que haja pessoas tão doces como você no mundo... e eu juro o Lobo fez tudo isso soprando e bufando! Se não fosse o caçador tirar eu e a vovó de dentro da barriga do lobo, eu não estaria mais aqui! Esse homem é um herói! E assim Chapeuzinho passou a ser conhecida como a garota que foi atacada pelo lobo, e ainda não se sabe bem tudo o que tem dentro de sua cesta, mas graças ao material de caça que ela oferece ao caçador ele está cada vez mais derrubando árvores para acabar com o habitat dos animais.
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Quanto a vovó, vive na cama, triste por não ter seu amigo Lobo por perto. Ele teve que sumir por uns tempos, mas seu informante ainda estava lá, de olho na Chapeuzinho, esperando uma chance para rever a vovó e levar a menina à Justiça. Enquanto isso, a floresta vive feliz sem saber que a doce Chapeuzinho é, talvez, o maior risco para o felizes para sempre de todos eles.
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Clayson e o videogame Robert Portoquá*
*Paulo Roberto Aleixo (Robert Portoquá) é do Capão Redondo, São Paulo. Vive no Nordeste, em Aracaju-SE. Curte literatura contemporânea. Seus textos falam de pessoas e seus cotidianos reais e oníricos. Escreve, pois reter o verbo é insuportável. Conquistou o 1⁰ lugar no VII Concurso Literário ALLA, da Academia Leopoldinense Letras Artes com a crônica Ossos em Fila e o 1⁰ Lugar no 9⁰ Concurso Biblioteca Lydia Frayze com a poesia Pipa bailarina. Participa de várias coletâneas de crônicas, poesias e contos. 68
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Clayson adora videogame, em seu jogo favorito o herói precisa vencer uns monstros, chegar ao topo da montanha mais íngreme do mundo, subir à torre do castelo e resgatar a destemida princesa presa por enfrentar o rei e não se submeter às ordens do tirano. Numa tarde que não sabemos se era bela ou não, Clayson jogava videogame com a janela fechada e justificava em tom de professor: — Por causa do reflexo da luz solar na tela da tevê! A partida avançava em ritmo frenético, o garoto superava os obstáculos e derrotava os monstros, quando de repente. O jogo travou! Clayson esmurrou o sofá e praguejou copiosamente, mas não havia cristão ou pagão que fizesse o jogo funcionar. E, pior, o CD não saía do console. Puxa, empurra, cutuca, e nada do disco se soltar. Depois de muita insistência, com medo de danificar o presente de aniversário, o garoto desistiu e foi se deitar para relaxar um pouco. De olhos fechados na penumbra do quarto, Clayson ouvia os sons do jogo lá no fundo da memória enquanto o sono chegava e quando finalmente chegou ele não resistiu. Algum tempo depois, com o controle caído para um lado da cama, Clayson constatou que o aparelho voltou a funcionar. Agora o jogo parecia bem mais fácil, pois ele interagia com os personagens apenas com comandos mentais, sem segurar o controle com as mãos. "Algo perfeitamente explicável pela neurociência", pensou. Explicável ou não, ele seguiu jogando e vencendo monstros com golpes estratégicos. Interagindo presencialmente o jogo ficou ainda mais emocionante e a possibilidade de encontrar a bela e rebelde princesa, mais real. O menino sentia-se assustado naquele ambiente só conhecido pela tevê, porém, atravessando um lindo bosque florido, ele foi invadido por uma grande paz e uma sensação de liberdade que turbinaram a vontade de prosseguir em sua saga. Um pouco mais a frente deparouse, com uma jabuticabeira enorme com caules e troncos apinhados de frutinhas pretas. Ele nunca havia visto um pé de jabuticaba, tampouco sabia se seus frutos eram comestíveis, então não se atreveu a prová-los. Mas reparou alguns passarinhos se alimentando na árvore. Assim, resolveu dar uma pausa no jogo e experimentar aquelas delícias. Um sabor exótico invadiu seu paladar deixando uma agradável sensação. Enquanto comia à sombra da árvore, ouviu um ruído e reparou que não estava só. Ao se virar viu que tinha um companheiro de refeição. Era um garoto vestindo apenas um calção e uma touca vermelha. Ele estava protegido pelos galhos da árvore e ao ser descoberto fugiu. Saciado e sem saber o paradeiro do garoto Clayson continuou no objetivo de encontrar o castelo e resgatar a princesa. Depois
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de algum tempo trilhando aqueles caminhos, ele se deparou com uma pinguela que precisaria ser atravessada para ele cruzar um riacho. Enquanto reunia coragem para se equilibrar sobre o fino tronco, ouviu um rugido grave e forte. Era uma enorme onça pintada. O garoto ficou paralisado e trêmulo. A onça caminhava lentamente em sua direção com olhar esfomeado e Clayson correu em disparada junto à margem do riacho, porém o animal levava vantagem e o medo do garoto aumentava na proporção em que diminuía a distância que o salvava de virar refeição de onça. Ele já sentia o bafo do bicho em sua nuca quando pressentiu um vulto passar rapidamente atrás de si. Aquilo desviou a atenção da onça que sem saber o que estava acontecendo parou e ficou perdida olhando para os lados tentando reconhecer o que teria atravessado sua frente no momento exato em que ia abocanhar sua presa. Tudo aconteceu em segundos, e depois de correr um pouco mais, o garoto aliviado e em segurança, olhou e viu o menino que vestia vermelho provocar a onça com estripulias e peripécias. Ele ria e saltitava com sua única perna, cantando para a onça: — Sou Saci. Sou Saci Pererê! E me pegar você não vai poder! — Sou Saci. Sou Saci Pererê! E estou mangando de você. O felino avançou em direção ao Saci que fugiu rapidamente e, de pulo em pulo, escalou com extrema facilidade uma árvore. Chegando ao topo parou e esperou numa postura fria e calculada. A onça subia lentamente com passos macios e olhar fixo na presa preparando-se para o bote! Assim que pulou para alcançá-lo, o Saci Pererê mais rápido, saltou para uma árvore vizinha, e de lá para outra árvore, e outra, até que a onça ficou sentada num galho "a ver navios"; ou melhor, (ou pior para ela), a ver árvores sem Sacis. Clayson, que assistia a tudo submerso nas águas do riacho, esperou até ter certeza de não haver mais perigo e saiu. Focado em seu objetivo, retomou rapidamente seu caminho e ao perceber que estava sendo seguido pelo Saci parou, abriu os braços e acolheu seu novo amigo. O Saci saltou em sua direção e como se fossem velhos conhecidos ambos seguiram brincando, pois a onça a essa altura, já havia desistido deles. Depois de algum tempo, seu amigo saltitante passou a puxá-lo pela mão. Clayson não queria retardar seu encontro com a princesa, porém, percebendo que o Saci não desistiria, se deixou levar. Caminhando por uma trilha ouviram um som parecido
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com um cavalo relinchando, mais à frente se depararam com um arbusto fechado, entrelaçado por galhos espinhudos. O Saci passou a agitar freneticamente os braços e a pular, então eles ouviram novamente o cavalo e desta vez o som parecia sofrido de dar dó. Ao rodearem o arbusto os amigos encontraram o animal enroscado naquele emaranhado de espinhos, seu pêlo marrom com manchas brancas estava ensanguentado, eles imaginaram que ele tivesse se metido ali ao fugir de algum perigo, talvez a onça faminta também tenha tentado almoçá-lo. Lembram-se dela? Clayson e o Saci conseguiram afastar alguns galhos e abrir uma passagem grande o suficiente por onde o cavalo se levantou e depois de algumas passadas vacilantes começou a galopar em rodeios desferindo coices ao vento. Porém, do mesmo modo que pareceu estar recuperado ele desfaleceu de cansaço junto à margem do riacho onde matava a sede. Os amigos observavam tudo entre curiosos e assustados, sem saberem o que fazer pensaram que o cavalo precisava mesmo descansar, então, o Saci lavou seus ferimentos e os tratou com folhas colhidas na mata. Em seguida, de alguma maneira que Clayson não compreendeu bem, convenceu o cavalo a permanecer deitado até que os emplastros agissem na cura. Já anoitecia e os três adormeceram ali mesmo na expectativa de que o cavalo malhado se recuperasse completamente. Pela manhã, ao acordar, Clayson viu o Saci montado no cavalo. Ele estendeu o braço, também montou, e partiram em direção à montanha num trote acelerado. Depois de alguns quilômetros de galope a chegada não poderia ter sido mais tranquila. Eles iniciaram a escalada e após um bom percurso, um obstáculo intransponível surgiu no caminho. Era uma cratera que circundava a montanha. Após examiná-la em toda sua extensão, Clayson constatou exausto, que seria impossível atravessá-la por terra, pois sua profundidade era infinita e não havia pontes que os levasse ao outro lado daquele fosso em forma de anel. Mas o desânimo não o dominou pois ele pressentia que se vencesse o obstáculo estaria a poucos galopes do topo da montanha. Assim, como recompensa por sua determinação, lhe foram atribuídos super poderes. Talvez mais uma intervenção do místico ser da floresta que o salvara da onça. Utilizando-se novamente de seu controle mental, Clayson conseguiu trocar alguns bônus que acumulara durante a trajetória, por asas para seu cavalo. Porém, como em todas as aventuras de videogame, esses superpoderes tinham um período limitado para serem utilizados, mesmo assim Clayson teve tempo de ponderar sobre as aventuras cheias de mistérios e emoção que experienciou desde que assumiu o
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controle mental do jogo. Nesse momento o Saci tocou seu ombro e, olhando em seus olhos disse: — Daqui pra frente você deve continuar sem mim. Essa missão é só sua! E completou: — Ah! Eu sei que quase não se fala a meu respeito lá onde você vive, mas te peço, não se esqueça que eu existo. O coração da floresta, nossa Mãe Protetora, é minha morada, o quintal de todos nós. Se cuida! Valeu pela amizade. Após contemplar o amigo saltitando em direção a floresta nativa onde desapareceu embrenhando-se mata adentro, Clayson montou seu cavalo e atravessou voando o desfiladeiro. Ao pousarem no outro lado, Malhado recolheu suas asas e voltou a galopar até chegarem ao topo da montanha onde avistaram o castelo. Uma daquelas magníficas fortalezas medievais com um enorme portão na entrada que era ao mesmo tempo uma ponte levadiça, já que em seu entorno também havia um longo e profundo fosso repleto de jacarés esfomeados. Ao perceber a movimentação lá embaixo, a princesa que jazia debilitada num canto frio e úmido da mais alta torre, se arrastou até a janela e com o que lhe restava de forças gritou por socorro. Clayson ouviu os gritos, empinou seu cavalo, que abriu novamente asas, voou e se posicionou adejando ao lado da estreita janela no alto da torre. A jovem princesa subiu pela parede, se apoiou no batente e após uma breve espiada para baixo se jogou no ar caindo sentada na garupa do Malhado, abraçou Clayson pela cintura e a dupla partiu em fuga voando para alcançar o espaço além das fronteiras daquele reino de tirania. Tudo parecia se encaminhar para um final apoteótico com o casal livre a voar em galopes pelos céus daquelas paragens. Mas, eis que surge no mesmo céu, também montando um cavalo alado o chefão da grande montanha. Fiel general do exército do rei, ele se prepara para o combate com o propósito de evitar a fuga da princesa. E ali, nas alturas desafia Clayson para um duelo do qual quem sair vitorioso decidirá sobre o destino da princesa. — Eu não admito que ninguém decida sobre o meu destino! Gritou a princesa erguendo seu punho, numa posição de resistência.
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— Por isso, grande Chefão, prepare-se para enfrentar uma princesa que conhece e luta pelos seus direitos. Completou a moça apeando do cavalo e se posicionando para o combate. — É isso mesmo, general, não pense que irá nos subjugar com sua patente, lutaremos até o fim por justiça e liberdade. Clayson bradou, também apeando. Enquanto o casal de amigos trocava olhares de cumplicidade, o Chefão partiu para cima de Clayson, que desarmado esquivou-se dos golpes, defendendo-se com seu gingado de capoeirista. A princesa arrodeava os lutadores gingando e procurando uma oportunidade de atacar. Porém, tudo indicava que os jovens não teriam chances contra o general do exército do rei acostumado a intermináveis batalhas campais. O Chefão, após algumas ofensivas e golpes quase certeiros, encurralou o menino junto à ribanceira do abismo sem fim. Ele babava e uivava de raiva e regozijo prevendo a vitória triunfal. Clayson suava frio e não tirava os olhos dos olhos da fera que se preparava para desferir o golpe fatal. Uma enorme sombra cobriu o garoto quando o Chefão pulou sobre ele empunhando sua espada de dois gumes. Porém, num gesto de incrível reflexo, que só adquire quem domina o jogo de Capoeira, Clayson rolou para fora do alcance do corpo do Chefão que caía sobre ele. Este, percebendo a manobra do menino, desviou o curso de seu corpo no ar, porém a princesa que também era uma exímia capoeirista, depois de uma estrela e um salto mortal, atingiu o chefão, ainda no ar, com os dois pés em seu peito jogando-o no infinito do abismo sem fundo. A interminável queda do chefão, levou aos ouvidos do garoto, um triste e agonizante gemido que permaneceu na memória de Calyson por muito, muito tempo. O menino só se livrou daquele som agourento, quando uma voz, agradável e conhecida, vinda de bem longe invadiu docemente seus ouvidos chamando pelo seu nome. O chamado foi se tornando mais nítido até Clayson despertar com sua mãe tocando seu ombro: — Acorde filho. Temos visitas. O garoto, que dormia desde que o videogame enguiçou levantou-se meio atordoado, lavou preguiçosamente o rosto e saiu para receber as visitas. Ao chegar à sala, Clayson não pode disfarçar sua surpresa. Suas pernas tremiam e pasmo ele cumprimentou sua prima, a quem não via há anos.
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Enquanto trocavam beijinhos ele sentiu o hálito quente da garota junto ao seu ouvido. Ela agradecia por ele tê-la resgatado do jugo da terrível criatura que a mantinha cativa numa torre úmida e fria, no topo da montanha mais íngreme do mundo.
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Definhem L. Maximino*
*L. Maximino é escritor por hobby. É leitor voraz de ficção especulativa ou qualquer outra combinação de caracteres que comunique uma ideia. 75
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Soldados corriam por todos os lados da cidade. Os sinos das torres badalavam o alerta de ladrão. As passagens da muralha logo foram interrompidas até que encontrassem o fugitivo. A cidade havia se tornado uma prisão onde ninguém entrava ou saía. Enquanto toda Brnal estava um caos, Canred corria por entre as quitandas, desviando de bêbados, mulheres e mendigos. A sua armadura negra da Ordem dos Corvos era como um forno debaixo daquele sol infernal, mas era a única forma de passar despercebido naquela confusão. Pelo padrão dos sinos e o frenesi de soldados por entre as ruelas da cidade, os civis acreditavam que se tratava de mais um ladrão qualquer, como sempre, mas isso não os preocupava tanto, afinal Brnal era a cidade sede da Ordem dos Corvos, e governada por ela. Ela era guarnecida por todos os cantos, e todas as saídas, após o alarme, já tinham sido trancadas. Era apenas questão de tempo até que os soldados ou os próprios cavaleiros da Ordem o encontrassem. Poucos sabiam, porém, que esse alguém procurado era, na verdade, um cavaleiro da Ordem. Canred sabia que, por enquanto, isso era uma vantagem para ele, já que a Ordem não ia anunciar que buscava por um dos seus próprios membros, pelo menos não até recuperar o tesouro roubado. Por isso mesmo, Canred precisava continuar fugindo. Não podia entregar a joia. Precisava encontrar uma forma de passar pela muralha. Ele parou para descansar um pouco num beco ao lado do mercado, onde vendedores exotéricos exibiam seus amuletos e poções sobre lonas coloridas, quando apareceram dois guardas correndo. Não reconheceram ele de primeira devido à armadura. Ele aproveitou e tentou disfarçar ensaiando um cumprimento de cabeça para os soldados, que responderam o gesto, mas o superior que chegou logo depois acabou o reconhecendo. — O que estão fazendo, seus idiotas? ― praguejou o sargento. ― É ele, o ladrão. Novamente se viu fugindo em outra direção que provavelmente o levaria outra vez a lugar nenhum. A menos que ele aprendesse a voar, não passaria pelas muralhas. Os apitos tocavam de um lado e de outro da cidade. Os soldados estavam vindo de todos os lados. Não tinha onde se esconder. Seria forçado a lutar, ainda que não quisesse. Acabaria matando a todos. ― Mate todos eles ― disse a joia. Jamais faria isso. Um cavaleiro deveria proteger os fracos e não massacrá-los. Lutar estava fora de cogitação.
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― Eu posso salvá-lo, cavaleiro. Use-me ― a joia tentava-lhe seduzir, mas Canred não falaria com ela outra vez. Ele sabia do que ela era capaz. Os soldados apitavam em quase todas as direções, mas à sua frente parecia não haver nenhum som de apito, na verdade, aparentava não ter muitas pessoas por ali também. Era parte leste da cidade, onde existia uma periferia, mas que fora destruída a mando do marechal Oliveg, sob o cruel argumento de que ao expulsar as pessoas que ali viviam, haveria uma diminuição da marginalidade. Entretanto, a única coisa que ele conseguiu criar foi uma multidão de mais miseráveis que agora perambulavam pela cidade, sem ter onde morar, sobrevivendo das sobras. Seu corpo fervia em ódio ao lembrar daquilo. Mas não havia muito tempo para pensar nisso. Os soldados estavam cada vez mais próximos e a muralha estava logo a sua frente, e o portão mais próximo ficava a dozenos passos na direção dos apitos. Ao seu redor haviam apenas os escombros das casas daquelas pessoas que ali moravam. Canred subiu numa alta pilha de escombros tentando descobrir de onde os guardas estavam vindo. No entanto, o que viu não o deixou nada contente. Esquadrões de soldados liderados por cavaleiros da Ordem se aproximavam em forma de pinça. Ele tinha sido manipulado pelos sons dos apitos e empurrado para aquele lugar. Canred ainda tentou se esconder num desses escombros. Era uma pequena casa arruinada com um buraco na lateral e o outro lado com rachaduras que subiam da base até o topo. Mas aquilo parecia ser em vão, pois sabia que as chances de se salvar daquela situação eram ínfimas. Logo o primeiro esquadrão liderado pelo marechal Oliveg parou de frente ao seu esconderijo. — Saia, Canred, eu consigo sentir sua presença daqui ― disse o marechal apoiado em sua espada como se fosse uma bengala. ― Não sei quais são as suas intenções com a Joia da Morte, mas se devolvê-la e se entregar pacificamente, prometo intervir por você junto ao concelho. Talvez consiga ser apenas exilado. O cerco estava pronto. Os esquadrões esperavam apenas a ordem de ataque. E Canred sabia que o marechal estava mentindo. O que havia feito era traição. Não havia possibilidade para outra punição além da morte. Mesmo assim, entregar a joia estava fora de questão. Não havia passado por tudo aquilo para entregar a joia de mão beijada agora. Canred, mesmo com treinamento e experiência em batalhas, acabou trocando o título de major pelo de historiador no Castelo Azul, a grande casa da Ordem dos Corvos. Dessa forma, ele teve acesso a vários documentos históricos do continente, além de todos os itens mágicos, sagrados e profanos, esses últimos os mais perigosos, que haviam protegidos num salão subterrâneo no castelo, o salão do tesouro.
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Os tesouros que haviam lá dentro datavam de eras antes mesmo dos próprios homens, e alguns deles com poderes suficientes para criar catástrofes, se entregue em mãos erradas. Canred estudava com afinco todos eles. Ler qualquer um daqueles pergaminhos antigos e cheios de conhecimento era para ele tão satisfatório que, às vezes, passava dias inteiros dentro do salão até que algum soldado viesse ver se ainda estava vivo. Ele não contava a ninguém, no entanto, que podia ouvir um dos tesouros o chamando. Nem sequer poderia imaginar dizer isso ao marechal. Achariam que ele estaria enlouquecendo, ou pior, que a Joia da Morte estava mesmo se comunicando com ele, talvez com a intenção de transformá-lo em uma criatura tão abominável como fez com Purgos. De toda forma, iriam tirá-lo do salão, prendê-lo em algum calabouço escuro e interrogá-lo até a morte. Isso seria um golpe muito forte depois de toda sua dedicação com a pesquisa e catalogação. Além disso, sentia que não podia ficar longe da joia. Não é como se a desejasse. Não era isso, negou Canred. Talvez só um pouco. Mas a verdade, segundo ele, é que ninguém além dele podia suportar a tentação da joia. Pensar em outra pessoa para essa tarefa era inconcebível. O mais perigoso tesouro profano, a Joia da Morte, pertencera ao arquimago Purgos, que, por sua vez, tinha a utilizado para dizimar todo reino de Brnal décadas atrás. O mago desejava se tornar um lich, um ser abominavelmente forte e praticamente imortal, mas isso só era possível por meio da joia, que deveria consumir a alma de todos na cidade. Os cavaleiros da Ordem, entretanto, acabaram derrotando-o, mas não sem que muitos deles perecessem na batalham. Uma noite, um receio agudo de que alguém roubasse a joia não saiu da mente de Canred. O melhor a fazer seria tomá-la para si e protegê-la com todas as suas forças, pensou. Ele saiu do salão segurando a joia enrolada em sua capa azul profundo, símbolo do protetor dos tesouros. Um dos dezesseis soldados que fazia a guarda da entrada do salão cismou com aquele objeto em sua mão. ― Sir Canred ― disse o soldado dando um passo a frente e interrompendo o caminho. ― Sei que o senhor é meu superior e peço perdão pela insolência, mas terá que nos mostrar o que leva enrolado em sua capa. O Sir, mais que todos nós, sabe que não podemos deixar ninguém sair com objetos estranhos do salão. ― Saiba o seu lugar, soldado, ou eu mesmo o disciplinarei. Agora deixe-me passar. — Canred saiu contornando o soldado, mas antes que o fizesse o soldado puxou sua capa, fazendo a joia escapulir da mão dele. Ela era mais ou menos do tamanho de um crânio de goblin adulto. Era polida e vermelha, com um tom escuro que pulsava no seu interior. — A Joia da Morte ― balbuciou um soldado.
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Canred buscou a joia entre os seus pés enquanto os soldados desembainhavam sua espada. Seus dedos foram mais rápidos e tocaram a joia antes que os soldados pudessem atacar. Nesse instante, saiu da sua boca uma frase seca e involuntária como se alguém estivesse falando por ele. ― Definhem! Os soldados caíram e se contorceram. Seus membros ficaram delgados, seus olhos fundos e sem brilho. Realmente haviam definhado até morrer. Dezesseis soldados bem aramados e treinados, mortos num piscar de olhos. Gostaria de sentir-se triste, pensou Canred, lamentar pela vida desses inocentes, mas algo de estranho tinha acontecido com ele, pois se sentia energizado, satisfeito. Saiu de lá sentindo suas botas afundarem no mármore como se estivesse andando sobre a areia. Derrubaria todo o castelo se desejasse, bastava só usar a joia novamente. ― Não ― disse ele balançando a cabeça. ― preciso sair daqui antes que eu provoque mais desgraça. Logo depois, todos os cavaleiros e soldados estavam atrás dele, e as passagens da muralha interrompidas por ordem do marechal. Agora, Canred estava sob um cerco preparado para abatê-lo e tomar a joia de volta a qualquer custo. ― Use-me ― insistia a joia. ― Consiga o poder que você deseja. ― Sinto muito, marechal, mas eu não posso entregá-la ― gritou Canred de dentro do da casa. ― O senhor viu o que aconteceu com aqueles soldados. Se ela cair em mãos erradas será um desastre. ― Ela já está em mãos erradas, Sir Canred ― disse o marechal Oliveg. O marechal levou a mão ao rosto, alisando as grossas sobrancelhas com o indicador e o polegar simultaneamente numa expressão pensativa. ― Soldados ― disse o marechal para o pequeno grupo de quatro soldados que o acompanhava, ― marchem. Recuperem a joia e executem o traidor. A joia pulsava sobre a mão de Canred que a fitava, quase não aguentando de desejo por usá-la. Os soldados haviam entrado na casa, não havia outro jeito além de lutar. A sentença tinha sido de execução e eles não iam desistir até conseguir a joia de volta. ― Que assim seja ― Canred desembainhou a espada e preparou-se para o combate. Os soldados usavam espadas longas, como a sua. O espaço para brandi-las, porém, era limitado pelas paredes, mas essa era uma limitação exclusivamente deles. Um
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cavaleiro da Ordem não precisava se preocupar com tais limitações, pois sua espada de arinium, a qual somente os membros da Ordem podiam usar, era tão afiada e resistente que cortaria até mesmo essas paredes como se fossem queijo. O pequeno espaço da casa fez os soldados avançarem de dois em dois. Canred parou o ataque do primeiro com a espada, depois o chutou, jogando-o sobre a parede. O segundo hesitou por um momento ao ver aquela cena, mas Canred não parou. Girou sua espada na altura do peito do soldado, cortando seu corpo em duas partes. Na verdade, em quatro, já que os dois braços também foram amputados com o golpe. ― Fujam ― disse Canred aos outros dois soldados que tremiam em frente a porta. Eles soltaram suas espadas e correram. Um cavaleiro da Ordem valia uns cem soldados comuns. Uma disparidade enorme. ― Venha, Canred ― disse o marechal agora com a espada em posição de combate. ― Vamos acabar com isso. Canred saiu andando vagarosamente, trazendo a joia na mão esquerda e a espada na outra, reluzindo a luz do sol que estava prestes a se deitar sobre o Castelo Azul. Todos os cavaleiros com seus grupos de soldados estavam reunidos em volta dele. Não havia escapatória. Eles começaram a se aproximar, fechando o cerco. Nada poderia se comparar ao terror que se seguia com o som daquela marcha. Canred, desesperançado, olhou para a joia e a ergueu diante de si. ― Definhem ― disse ele consciente do que aconteceria. Todos os soldados que estavam em volta murcharam como frutas ao sol. Os cavaleiros da Ordem, entretanto, ainda conseguiram ficar de pé e continuaram a se aproximar. A proteção sagrada das armaduras era muito boa, mas não seria o suficiente para garantir a vitória. Era questão de tempo até terem sua força vital sugada pela joia. De toda forma, não seria uma batalha justa. Doze corvos contra um único cavaleiro da morte. Eles estavam em clara desvantagem.
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Frisson Felipe Priore*
*Felipe Priore é natural de Arujá, SP. Formado em Direito. É contista e roteirista. Tem alguns contos publicados. Tem projetos de contação de histórias. RPGista, Nerd e Cinéfilo. 81
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O colorido da estante descascou assim que a Garota passou a ponta do canivete na fórmica. Ela girava a cabeça e com as pontas dos dedos tocava as ranhuras da fórmica e suas emendas. Não fez grandes estragos, apenas o suficiente para descolar pontos da tinta. Fechou os olhos e uma imagem da sala se formou, porém não estava vazia. A estatueta em cima da mesa, de um militar já idoso do Povo de Haken, apontava um quadro na parede. O quadro com seu desenho de um professor ômega dando aula e apontando na direção da estante, marcando um ponto distinto. Passou as costas da mão na testa suada e desabotoou a jaqueta. Olhou o visor de pulso, o termômetro marcava um calor na sala em quase quarenta graus e tinha pouco tempo para sua presença permanecer invisível. Ainda não controlava muito bem seus poderes recém-adquiridos. Precisava agradecer ao Doutor Miguel de Haro. As janelas estavam pregadas e a sala limpa e fechada, sabia que os documentos da Antiga Forja de Paz tinham sido roubados e escondidos pelo Conselho de Guerra. Tinham mantido o acordo escondido por quase dois anos. A hélice de vento e sucção estavam surrados e pendiam do teto, com partes mastigadas. Aquela sala cofre era também um lugar de torturas de membros do Alto Escalão. Por um instante respirou profundamente e inspirou, mantendo a imagem que tinha da sala em sua antiga arrumação de seus tempos áureos. Fixou a direção que queria e como uma acrobata se moveu pelo espaço sem encostar em nada. Parecia uma bailarina, suave, rodopiando, enquanto girava o canivete, os movimentos precisos e os olhos ainda fechados. O suor na testa começava a escorrer por causa do movimento. Como a primeira dançarina de uma companhia de ballet parou em uma perna e a outra em balanço arremessou o corpo e cravou a ponta da butterfly em uma parte do móvel próxima de onde estava cutucando inicialmente. Abriu os olhos e limpou o suor. A luva ensopada. Descascou o pedaço onde havia perfurado. Uma ponta de plástico surgiu por baixo da tinta desgastada ao mesmo tempo que surgia um sorriso no seu rosto sardento. Olhou o relógio novamente, ainda restava alguns minutos invisível. “Preciso ser rápida e cirúrgica”, pensou. Raspou até que a ponta do plástico estivesse totalmente visível. Depois disso começou a puxa-lo delicadamente para fora. Ele vinha surgindo um tanto ensebado e escurecido. Assim que saiu por completo, ela enrolou e enfiou no bolso da jaqueta. Olhou ao redor e caminhou até a porta. O visor vibrou para indicar os últimos dois minutos de invisibilidade. Girou a maçaneta da porta com uma cautela nervosa. Olhou o corredor, um agente vindo do fundo. Puxou a porta de leve para que o trinco travasse. Começou a correr de forma que não fizesse barulho. As sapatilhas macias não faziam som.
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Diminuiu o movimento apenas quando chegou próxima ao segurança. Ele estava atento, parecia sentir algo. Prendeu a respiração enquanto ele passava esticando o pescoço como um cão perdigueiro farejando, parecia perceber algo de errado. Uma gota de suor deslizou e ele parou à sua frente. Olhando o vazio como se pudesse toca-la. Levantou a arma, mas um som mais ao fundo chamou sua atenção e ele se afastou. O coração da garota estava quase saindo pela boca. Soltou a respiração de forma controlada e tão devagar que vinha num misto de dor e alívio. Ainda permaneceu imóvel como uma estátua e esperou que ele se afastasse o suficiente. Fazia tanta força que sentia o músculo latejar, até quebrar a posição. Assim que virou o corredor o visor vibrou. Estava visível. Outro agente caminhava pelo corredor, de costas para ela. Os olhos fixaram e ela disparou pelo corredor em alta velocidade. Quando o segurança se virou a lâmina dela entrava por sua traqueia e uma mão enluvada tapava seus olhos e nariz. O som de deglutição foi baixo. Ela subiu o corte para a artéria. “Rápida e Cirúrgica”, moveu os lábios murmurando. Passou a mão pelo rosto dele enquanto o deitava no chão. Deslizou seu corpo pelos braços enquanto pegava o crachá e a pistola laser. Vasculhou os bolsos e encontrou um maço de cigarros e um isqueiro. Recolheu e encheu os bolsos. Girou o corpo para olhar o ambiente. Sussurrou algumas palavras enquanto rodopiava em volta do corpo. Uma estranha névoa começou a surgir, e o agente começou a virar pó, até se desfazer por completo. A garota inspirou a fumaça e seus olhos brilharam e faiscaram até que ela estava com a aparência dele. Enrolou os sapatos no amontoado de roupas que restou no chão. Correu até a porta de acesso e passou o crachá que apitou e liberou a passagem. Estava no corredor de elevadores. Colocou o amontoado atrás de um vaso de plantas ornamentais que decorava o local. Apertou o botão enquanto virava a jaqueta, mudando seu estilo para um vermelho chamativo. Todos os itens agora estavam para o lado de dentro. Puxou um par de óculos escuros. Guardou o par de luvas. O elevador chegou e ela entrou, apertou o térreo, e usou o espelho para passar a mão no rosto emprestado. A porta se abriu e seus movimentos mudaram. Ela se movia de forma mais atlética até a guarita, depositando seu crachá na caixa da catraca, seguido de um sorriso elegante e agradecido ao porteiro que foi bem muito simpático no adeus. Ela apontou o horário de almoço.
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Quando o portão se abriu, um carro esperava por ela. Um sedan vermelho luxuoso de vidros filmados, que destravou as portas assim que encostou o visor do pulso na maçaneta. Olhou para a fachada do prédio e o letreiro: Academia de Ciências e Tecnologia de São Paulo. Puxou um cigarro do bolso de dentro e acendeu. Tirou o celular e discou. — Está feito. — Desligou rapidamente e deu uma última tragada. Assim que o alarme disparou no prédio, entrou no veículo, enquanto sua verdadeira forma surgia. O carro disparou em direção ao por do Sol, a janela se abriu e a garota soltou a fumaça de cigarro que se misturava com o cenário.
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Jana — Escrito nas Estrelas Jeanne Pipa*
*Jeanne Pipa é mineira de Juiz de Fora. Mãe de Isabella e avó de dois netos, Théo e Maria. Participa de várias antologias de contos. É autora do livro De Mãos dadas com Gaby, biografia do filho trans que faleceu após injetar silicone industrial nas mamas, além de Meu nome é Dama, As Aventuras de Franz, Desejo Imenso, A Lenda da Rosa. 85
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Numa fazenda, de uma região do interior de Benfica, vivia Jana, uma moça de estatura mediana, com formas bem definidas e sensuais. Seu rosto trazia estampado, a inocência de quem não conhece o mundo, estando sempre cercada pela natureza e pelos animais. Seus olhos castanhos e astutos, estavam sempre atentos à todos os acontecimentos da fazenda. Jana era uma menina-mulher, com o coração sempre a sonhar e esperar que algo a complete. Apesar de tímida, ela sempre soube o que quer, sendo determinada e corajosa. É orgulhosa, não gosta muito de pedir favores ou depender de alguém. Apesar de ser uma camponesa feliz com a vida no campo, se sente solitária. Numa cidade pequena do interior, próximo da casa de Jana, mora Robinson. Um homem apaixonado e obcecado pela moça. Jana tinha sonhos os quais Robinson jamais poderia concluir com ela. Ela era sonhadora e tinha a cabeça literalmente ligada ao romantismo. Pedia em suas orações um homem com traços diferentes de Robinson e que fosse um amor escrito pelas estrelas. Numa tarde de domingo, passou pela fazenda um forasteiro, por quem Jana se apaixonou. Era um homem imponente e educado. A moça ficou completamente envolvida pelo olhar e pelo belo sorriso daquele visitante, que trajava roupas de fazendeiro com chapéus, botas e um belo cavanhaque que desenhava seu rosto, parecido com o personagem Massimo do filme. Jana gamou a primeira vista. Sem muitas palavras, o homem de nome Claus demonstrava ser discreto e observador. Robinson aparece na fazenda e logo começa a questionar o rapaz que traz um ar de mistério mudando o assunto. Robinson curioso é instigado a descobrir mais sobre Claus. Não se conteve em demonstrar seus ciúmes. Jana aborrecida com a atitude do amigo o ignorou e Robinson foi embora, deixando Jana sozinha com o homem que podia ser um bandido perigoso. Mara, sua amiga confidente e totalmente liberal, aconselhou ela a deixar seu coração falar mais alto. E embora Jana soubesse dos riscos, ela estava deslumbrada com o estiloso homem e seguiu o conselho da amiga. Ele tomou ela em seus braços e se despediu, prometendo um retorno.
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Foi mágico aquele contato, que fez seu coração pular e a boca tremer. Despediramse e também como se fosse mágica, desapareceu das vistas dela. Voltando para a fazenda, ela ajoelha e pede a Santa Gina aquele homem que mexeu com sua estrutura. Passaram-se três longos meses, aquela moça estava prostrada de dor e saudade, não saía da roça, evitava amigos e se desentendeu com Robinson, que não se conformava de não ter a mão da moça. Ametista, sua amiga de infância e protetora, tentava consolar Jana. E para piorar, falava que o homem era um galanteador e que ia destruir a vida dela e talvez não voltasse mais. Sem dar ouvidos, mantinha a expectativa de ver e reencontrar aquele que passou deixando saudade. Sentada na noite fria de inverno na varanda, com os olhos cheios de lágrimas, ela pedia pelo milagre da volta de Claus. No céu enxergou uma bola de fogo que esquentou seu corpo rapidamente como sinal de resposta à sua prece. Ela adormeceu e ao amanhecer, Robinson chegou com a notícia de que invasores galácticos estavam chegando na região. Jana levou um susto e pensativa, teve receio que a bola de fogo fosse um aviso ruim. Ela então ligou para Bragança e pediu para que campanhas de orações fossem feitas. A amiga Renilda só dizia: vamos ter calma, nossa Senhora vai livrar nossa terra. As pessoas da cidade saíram para os montes, avistando marcas estranhas na terra. O povo entrou em desespero. Eram desenhos de uma civilização de Extraterrestres. Na madrugada, Jana viu Claus na beira de sua cama. Com um susto ela despertou e o abraçou, os dois se tocaram e choraram. Ele perguntou se ela aceitava deixar tudo pra ir embora com ele e ela sem palavras apenas sorriu. Ele foi embora, prometendo voltar no outro dia para buscá-la. Jana deitou e ficou olhando para janela e um clarão de fogo se aproximou. Ela levantou correndo e viu Claus se aproximar, porém ele estava com uma fisionomia diferente e o medo tomou seu coração. Claus se aproximou e disse que morava nas estrelas e veio atraído pelos sonhos e pedidos que ela havia feito, para ele vir na terra.
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Ela então sorrindo o abraçou e pediu que ficasse naquela noite para conversarem. Ele recusou e foi embora. A moça confusa rezava para Santa Gina e pedia sinais. Um grande barulho a assustou e ela correu ficando paralisada. A nave dele chegou na fazenda, e com ele mulheres e homens da constelação J&M (Jesus Maior) chegaram. Curiosos invadiram a fazenda, e as pessoas aproveitavam para tentar estudar a mente dos visitantes. Claudinha começou a analisar os seres das estrelas, ela é uma psicóloga curiosa e completamente obstinada. Sr. Leão é um homem conhecido na região por ser muito safado. Tentou sequestrar as mulheres de beleza extraterrestre e tentou seduzi-las, mas a situação ficou difícil, as visitantes estavam hipnotizadas com os homens da cidade e quase foram negociadas pelo Sr. Leão. O Guru Gerber chegou com seu chinelo de poderes energéticos e logo foi advertindo ao Leão de uma guerra que poria fim na terra. O Leão não acreditou e chamou o amigo Ivi, para conhecer as belas, encantadoras e sensuais moças. Ligi apaixonou se rapidamente por Ivi, e fugiu com ele pedalando e nunca mais foram vistos. Arolds, um caboclo nato, observador gritava: — Para gente. Isso é sombra de avião. A terra vai pegar fogo. Fabi enfurecida prendeu seu marido Leão e pôs fim na confusão. Nilds e Janilce são professoras muito competentes e sempre dispostas a ajudar e decidiram ensinar os visitantes o dialeto local para a comunicação se tornar possível. Bragança e Pastora Ribeiro questionavam sobre a religião que eles entendiam. Os mesmos respondiam que eram seres de Deus. Luço, o piloto da nave, descobriu o prazer da cevada e não pretendia voltar ao espaço. Claus estava desesperado com toda aquela situação, pois seu povo queria dominar a terra e não voltar para a galáxia, a fim de desfrutar os prazeres terrestres.
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Sem piloto de nave, ele pediu para o Guru Gerbis o levar embora com Jana antes que uma catástrofe viesse ao mundo. Seu povo estava se perdendo em jogatina, provocada pelo cabelo de fogo de uma mulher convincente e tomada pelo vinho, que seduzia os terráqueos para sua mansão. Luço estava completamente dependente da cevada e não se movia pra longe do barril. Salamandra mostrou o segredo das rolhas para os soldados da nave. A desordem foi realmente um transtorno para o povo real da constelação J&M. Camuflada, Jana foge com Claus, deixando a fazenda e toda a parentela, a fim de se unir ao seu amor. Linda Mara fez muitos quitutes e delícias para a viagem. O Guru pilota a nave, como instinto do carro europeu guiado pelo vento ao som de Pink Floyd e combustível a base de bateria carregável. Por anos luz viajaram. Feliz e cheia de expectativas com o amor ao seu lado, Jana se iludia com a vida contada pelas estrelas. Concentrados na viagem, o casal mal podia se falar e fazer planos, a moça não sabia nada dos mistérios do planeta do rapaz e tudo seria surpresa. Guru Gerber foi totalmente conduzido pelos chinelos poderosos que acionavam os pedais da nave e com velocidade máxima subiu ao céu, atravessou tempestades, entrou nas nuvens escuras e frias, e finalmente aterrizou em solo J&M. Quando a nave se abriu, legiões de soldados cercaram o local e preparados para receber ou atacar ficaram à postos. Claus desceu primeiro e sinalizou a paz. Os soldados fizeram continência. Jana desceu e Gérber e Claudinha também, que viajou junto para fazer sua tese em psicologia com os seres extraordinários, com a promessa de que enviaria relatórios à equipe de psicologia Bella, Marilakuez e Tifany, afim de entenderem as reações psicológicas de todos. As gêmeas siamesas, unidas por um tronco, registravam tudo com total atenção e formatando a Ata com requinte de detalhes, para entregar ao Rei e Senhor das Estrelas. Desceram por último junto com sua equipe do conselho real.
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Teodora, muito sábia e completamente atenta a tudo, observou Jana e disse que naquele planeta não tinha distinção de raças e gênero e deu as boas-vindas a todos. Caminharam todos para o Palácio e Jana contemplava e também se questionava sobre o motivo de estar ali, porém apaixonada pelo nobre príncipe. Ela, uma plebeia fugitiva da terra, com um homem poderoso. Qualquer erro entre planetas e a culpa seria de Jana, pois ela foi a responsável pela invasão, tendo encantando o príncipe Claus e o atraído para ir para Benfica, lugar onde pertencia sua fazenda e seu coração.
Qualquer guerra atômica, Inter galáctica, seria ela a acusada. O melhor era ninguém saber seu paradeiro. Chegando próximo ao Palácio ela gelou de receio. Seu coração era tão puro que não via imperfeições em nada, nem em ninguém. Os sussurros de Gerbin sobre aquela aventura era nítido, ela não conseguia enxergar tudo o que via e ouvia e não compreendia o que narrava Jarbas o locutor, seu olhar para tudo era de curiosidade e espanto. O que seria deles naquele planeta? Tudo era surreal. Acomodada no reino, ela se banhou nas nuvens, trocou as vestes e descansou sobre a cama de algodão. Ao amanhecer percebeu que não era sonho, ela estava na galáxia das estrelas. Seu príncipe foi se reunir com os Reis Lixto e Tima, para relatar tudo que ocorreu na terra. As gêmeas siamesas Helecássia, de posse do relatório, leu toda ata inocentando Claus. Marcius então, se aproximou de Claus dando boas vindas e questionando a política que Meireles e Aroldis debateram no que a ata relatava. Claus então conclui que nos países da Terra não existe amor, que tudo era tomado a força, que dominantes fazem guerra e os ignorantes se matam. Rei Lixto perguntou onde estavam seus guerreiros e soube que se perderam na ostentação e nos prazeres da carne e do vinho. — Como faremos para resgatá-los? perguntou Ieio.
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— Já fizemos o mapa geográfico e teremos que infiltrar nosso povo. — Angeles, chefe da engenharia daquela galáxia, apresenta um projeto com desenhos e maquete para construírem esconderijos que Pépe, seu arquiteto a ajudou a preparar. Katiane apresenta uma fórmula para passar pelos animais ferozes. A volta na terra já estava sendo programada no Conselho Real. Claudinha questionava o comportamento de inteligência dos E.Ts, indagando de onde vinha tanta sabedoria. Eles eram gênios, nerds em potencial. Uma inteligência sobrenatural e impossível de ser estudada. Eles eram muito além, de tudo que ela jamais tinha estudado. Enquanto isto, uma recepção foi preparada para receber os humanos da Terra. Teodora apresenta Miriam para Jana, uma E.T. de um olho só, que a presenteia com joias de asteróides, lapidadas e formosas, feitas por ela com um só olho. Gileusa e Cacilda, eram mulheres homo que geravam filhos próprios, e tinham uma tropa, todos com carinha de super-heróis. Zororô era o E.T. responsável pelo translado das nuvens e por abastecer as comportas com água para a constelação consumir, assim era como tinham acesso a água. Eneluci dirigia o ônibus espacial para resolver assuntos intergalácticos. No fundo da capela que representa a fé sem denominação, está sentado o deus negro da cor da Coca-Cola, abençoando o casamento dos novos Reis Jana e Claus, os sucessores da coroa. Rei Lixto, se abstém do trono por opção e para deixar o irmão em posição de destaque, pela inteligência e coragem, repassou para ele os direitos, tornando-o de príncipe a rei Claus, o E.T. da camponesa. Chica a religiosa respeitada pela cor da Coca, sentada ao lado de deus Coca, pede pela paz e união entre todos os seres. A festa foi preparada por Felício Sol e Cristine Lua, que se reencontram no eclipse lunar iluminando todo céu. O mundo pôde sentir a festa que acontecia no céu. 91
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Céus e terra recebendo o amor do casal lua e sol, que foram impedidos de viver juntos, por convenções da guerra entre tribos na terra, separados, eles lutam pelo amor, emocionados com a celebração, Cristine derramou lágrimas e Felício secou com seus raios quentes. As estrelas trigêmeas Tica, Helo e Rit, prometeram cuidar, proteger e livrar de todos os males o casal Jana e Claus. A estrela cadente caiu exatamente sobre o casal no momento da benção nupcial, acendendo todo aquele evento. Em sua lua de mel, Jana esperava pelo marido, imaginando como seria a primeira noite “caliente” com o homem completamente exótico, uma figura única que usa chapéus, botas e cavanhaque para complementar o desejo de Jana. Quando ele chegou no quarto, abraçou ela com tanto amor, carinho e cuidado, que o coração do casal bateu tão forte que podia ser ouvido por toda galáxia, uma emoção indescritível, a luz do céu estrelado dividia a cumplicidade. Todos os seres vivos do planeta aguardaram o momento de celebrar o encontro de almas, encontro de verdadeiro amor, daqueles que foram atraídos pelo coração, uma história já escrita pelas estrelas. Abraçados, devotando todo seu corpo ao dele, ela se sentiu dominada e dormiram em paz. Questionada por ela sobre o ato, ele respondeu: — Não usamos partes íntimas ou físicas para amar. Aqui transamos com o coração. O olhar com olhar, o abraço o beijo, fonte inesgotável de prazer, e o coração, este sim é o órgão responsável para gerar, aqui só nasce crianças que são concebidas pelo amor. Ela então descreveu nunca ter sentido tanto amor envolvido e realizada, estava ainda mais deslumbrada com seu Rei. Admirada e emocionada teve a certeza que o amor entre eles era real, para todo sempre. A vida nas estrelas era tranquila para uma rainha, tudo era levado até a ela, sem ter que se mover de lado a lado.
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Alimentava de raízes, e águas das nuvens. O planeta era pacífico e sem guerras ou desavenças, tudo era decidido de forma harmoniosa e na paz. Seus guerreiros não tinham armas, tinham poderes. A preocupação da galáxia eram os terráqueos tentando invadir o espaço. A lua Cristine estava sendo sacrificada, quase sempre tinha depressão e minguava por estar sendo explorada, por tentativa dos humanos de chegar até ela. Com saudade do seu povo, ela tem sua fase crescente e quando pensa no sol ela fica cheia e bonita. O sol Ferdinando, está ficando velho, sua camada de ozônio desgastada, tem destruído o seu brilho, esgotado para encontrar sua lua ele passa sem ofuscar. As estrelas estão aumentando com a população, cada uma simboliza uma família que vive no céu, e o castelo de Jana fica na constelação. Chegando o dia de voltar à Terra para resgatar os E.T.s que se esconderam, Jana pede para ir junto. Andrews foi convocado a pilotar a nave porque Gerbe iria voltar para terra e sem poder retornar, ele passou por processo de regressão, tendo agora mente infantil. Deslumbrado com as galáxias, estrelas e constelação e aprontando todas as aventuras, perdeu o pé do chinelo mágico e seus poderes de Guru. Gerbe é um homem esperto e muito inteligente, ele teria descoberto segredos do universo e para não haver uma guerra, passou por uma regressão. Alienígenas tiveram receio, que ele implantasse um ferro velho de lixo tóxico no céu e logo apagaram suas memórias a fim de proteger o espaço sideral, do empresário que podia transformar o céu no inferno bilionário. Gerber deu trabalho, nadando nu nas nuvens, correndo e escorregando no arco-íris que quase mudou seu gênero, pois quem passa por baixo vira homo e ele por sorte escorregou por cima. Milhares de horas e chegou a terra novamente a nave de Claus, pela madrugada e camuflada com camadas de folhas. Escondidos, entrariam na cidade sem serem identificados. Na fazenda entra Jana matando saudade dos animais que festejam sua volta. Mal entrou e já ouvia berros do coração peludo, do insuportável Robinson, que questionava seu sumiço.
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Jana justificou que por medo se escondeu na casa da Dota, sua amiga hospitaleira que sempre a recebeu para pernoites. Ele então conta que depois que ela sumiu muita coisa aconteceu por ali. Que as alienígenas se perderam na prostituição e sem abrigo estavam morando na casa da Neides, que doou mandioca e alimentos do sítio para Teixeira fazer sopa e garantir a sobrevivência de todos. Mulheres de coração e humanidade. Sandreia veio de Sampa para proteger a família com medo de uma guerra nuclear, sabendo que satélites foram enviados ao espaço para descobrirem a origem dos invasores e asteróides poderiam ser jogados na terra destruindo tudo. Elenici descobre na faculdade que uma alienígena por nome Sandrinha, muito barulhenta, que canta hinos, está presa para estudos. Soraia muito caridosa envia roupas para todos os alienígenas como disfarce, para não serem capturados. Catita faz chamadas de vídeo para os amigos e pede que protejam a fazenda de Jana. Enquanto isso, Luis e lui Teixeira fazem a guarda. Infelizmente, Jana foi presa por um oficial do exército. Claus desesperado, não vê saída a não ser se entregar, mas Jana pede que o marido fuja e leve seu povo, ela seria solta com certeza se não houvesse provas contra ela. Claus com medo da mulher sofrer na prisão, pede Luço que retorne com seu povo para a galáxia, pois ele ia se entregar para libertar Jana e com seus poderes sairia da prisão. Assim foi resolvido, porém Luço tomou umas (cervejas) e não decolou. Começaram as buscas, E.T.s atrás de seus alienígenas e terráqueos atrás dos E.T.s, eles estavam cercados pelo número de habitantes, mas eles tinham poderes especiais, inteligência acima do normal, técnicas de resgates e habilidades. A correria foi grande e Luço foi encontrado em cima de uma mesa de queijos nobres e inúmeras garrafas de cerveja, o sujeito falava em linguagem lenta e que durava horas uma palavra ser completada. Gerbe completamente desmemoriado serviu de isca para atrair os curiosos, com histórias mal contadas e sem fatos reais.
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Foi feito uma hipnose na Claudinha, que ficou detida junto com Jana. Porém a psicóloga não conseguiu fazer nem um tipo de tese com mentes tão evoluídas, desse povo tão evoluído. A guarda costeira, imigração, todos estavam em alerta geral. A nave já tinha de volta seu povo, exceto Luço desertor e Sandrinha. Precisavam agir rápido.Meirelles muito falante entra na faculdade, e o guarda cansado de dar explicações se rende, hora de agir na fuga. Meirelles é uma humana amiga de Jana que com ajuda do esposo militar, patente alta entra pra libertar a alen. Tudo certo, a alen Sandrinha corre em direção ao seu povo. Com todos reunidos Andrew leva o vôo deixando Claus e Luços na terra. Claus se entrega no quartel general, onde estudiosos e poderosos o investigam. Jana liberta, corre para fazenda e reúne com amigos para pedirem Santa Gina um milagre para os povos. Com ajuda do militar, Claus foge e encontra Jana ajoelhada em oração. Abraçados, fazem juras de amor eterno e ela o seduz. E fizeram amor. Claus perdeu seus poderes e se tornou um homem comum, seu planeta inicia uma guerra de asteroide, que caem em cidades, que são tomadas pela ira do Rei Lixto, que concedeu honras ao irmão que não cumpriu a lei de se manter puro. A fazenda ficou destruída e os dois foram cercados e presos. Voltam para Galáxia e sem contato o casal é separado. Jana descobre que está grávida do herdeiro, filho do Rei sucessor do trono. A terra está em guerra, alienígenas lutam para dominar o planeta, enquanto foguetes entram, explodindo todo espaço sideral. Enquanto isso e em meio a toda confusão, a criança de Jana nasce, e ela pede asilo em outra constelação, onde se torna uma rainha piedosa e com seus valores obtém seguidores de toda parte.
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Contra o rei Lixto, seus fiéis travaram guerra, libertando Claus do exílio e capturando o seu grande e verdadeiro amor. Mas, para que a paz, as leis e costumes salvem a constelação, Jana precisa voltar para seu povo e Claus permanecer sem contato físico. Ela então volta para Benfica e cria o filho. O menino cresce sem saber suas origens até que chega uma mensagem que Claus quer seu filho. Desesperada, ela se recusa e pede ajuda aos amigos. Uma nave chega com as gêmeas e fala sobre o regimento das Estrelas, que diz que seu filho pertence à Galáxia, considerando que ela assinou o termo sem ler, tem que entregar o filho para obter seus poderes e defender seu povo. Convencida deixa o filho partir, fazendo um último pedido, que seu marido fosse visitá-la. Aceito pelo conselho, ele vem até ela e convencido que poderiam ter uma vida pacata juntos, eles abririam as entradas dos portais para todos fazerem expedições sem fins lucrativos e sem destruição. Determinou-se que o ônibus intergaláctico de Miranda seria para excursões. Manteriam os laços interfamiliar do filho e não o impediria de ser quem ele escolhesse: Rei ou plebeu. Assim então foi concedido o trono e tudo voltou a reinar. Um acordo com a terra foi feito, aliança foi feita. Pipo então conheceu Vitória e foram reinar com, é claro, a liberdade de se amarem só na terra. Lá eles são assexuados. Claus então, cansado e querendo aproveitar todo tempo no braços de Jana, se tornou um camponês simples e feliz. A noite, Jana pegava as lágrimas de Cristine e a consolava. Durante o dia Ferdinando fervia, de tão quente, dizendo que nunca ia desistir dela. Não muito distante, a Constelação J&M, morada de Claus era vigiada atentamente. Zolpilandia, o menor planeta do sistema solar e o mais distante, guarda o maior segredo do universo.
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Protegida por camadas de gelo, mantém em tubos o cérebro dos maiores gênios da história, estudado por aliens, que são especialistas em cérebro humano. Sr. Gracioso, soldado aposentado e síndico do planeta, cuida e o protege contra invasores. Lila, a bela feiticeira que foi transformada num réptil venenoso, que assusta e causa tumulto em companhia da bruxa Leiloca que tem medo de virar rã e foge sempre deixando para trás objetos que carrega para aparecer vistosa e enfezar a cobra do espaço, espera pacientemente, o momento certo para adentrar naquela confusão dos humanos com os E.T.s. Surpresas e reviravoltas acontecerão.
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Mel e Madeira Coral Daia*
*Coral Daia é de São Paulo, capital. Publicou "Lua Errante" (2018) e "Café passado e outros dotes de Valdete" (2023), além de diversos contos e poemas em antologias, revistas e newsletters. Também ilustra e faz quadrinhos. 98
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Era uma vez, um reino tão, tão distante chamado Reino de Favo, amplamente conhecido pela sua produção de mel. Por ironia do destino, Nebula, a princesa, vivia enclausurada dentro do próprio quarto devido à uma forte alergia a picadas de abelha e apenas sabia do mundo através dos livros, que eram seguros e cheios de sabedoria. Um dia, a filha de uma criada, uma menina de espírito indomável e curioso, se enfiou no quarto da princesa, escuro e fechado. A verdade é que Karina entrou correndo na primeira porta que avistou, pois estava fugindo do mordomo. Assim que se deparou com Nebula, a menina empalideceu no mesmo instante. Tomou fôlego e se jogou no piso num pedido encarecido de perdão. — Qual o seu nome? Karina levantou os olhos. Nebula a encarava com curiosidade. Tinha longos cabelos ruivos, olhos verdes como a mata e pele alva tal qual a neve nas manhãs de inverno. — O que disse? — perguntou Karina atordoada. — Eu perguntei qual o seu nome. — Você não tá brava? — insistiu Karina. — Não! — Nebula exclamou. — Eu fiquei deveras assustada, confesso. Ninguém nunca entra no meu quarto sem permissão, mas você veio e eu não soube como reagir! Mesmo sendo claramente uma criança — uma de idade muito próxima à de Karina, aliás —, Nebula não falava como uma. Tinha um sotaque fechado, cheio de pompa, muito parecido com o dos adultos. Parecia ter saído dos livros amarelados, clássicos difíceis de se entender. Karina sempre achou literatura uma grande bobagem de gente esnobe — afinal, não sabia ler e correr pelo jardim era muito mais legal. Karina esfregou o nariz, ainda suada e cheirando a suor frio. — Obrigada por não ficar brava comigo — disse e fez uma reverência. — Eu sou a Karina. — Prazer! — Nebula tirou um pedaço fino de madeira dos cabelos castanhos de Karina e ficou olhando para aquilo com uma curiosidade que beirava o esquisito. — Onde conseguiu isto?
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— Sei lá. — Karina deu de ombros. — Deve ter ficado preso quando eu fugi pelo jardim. — Jardim? Você pode ir até o jardim? — Claro, ué, que pergunta. Algo dentro de Nebula pareceu se encaixar. Ela pegou sua mão com força, uma ânsia da qual Karina não via meios de fugir. Aqueles olhos grandes e verdes brilhavam como duas estrelas cadentes. — Por favor — pediu a princesa —, leve-me até lá. Escondidas, Karina guiou Nebula pelos corredores do castelo. Apesar da discrição, a princesa parava a todo instante para admirar maravilhada um quadro, um vaso, ou qualquer outro enfeite pelo caminho. Desceram lances de escada, atravessaram longos corredores até encontrarem uma porta velha. Quando colocaram os pés para fora, Nebula estacou no lugar. O jardim era simplesmente a coisa mais linda que ela já vira, nada parecido com as imagens nos livros. Arbustos do tamanho de uma criança cobriam a vista, repletos de flores das mais diversas cores: lavanda, lantana, ixora, azaleias, orquídeas, petúnias — Karina conhecia cada uma delas como a palma da mão. Com delicadeza, puxou Nebula para o caminho que serpenteava dentro do jardim e foi nomeando cada flor da forma que conhecia, apresentando à princesa reclusa os encantos do próprio quintal. — Então isso é que chamam de “maravilha da natureza”? — sussurrou Nebula consigo mesma diante de uma onze-horas. A flor era densa e vinha em cores berrantes como a fúcsia, o laranja e o amarelo. De dentro da flor saiu uma abelha. Karina sorriu, pois as adorava, então aproximou o dedo do pequenino inseto que, de tão carregado de pólen, bamboleava bêbado e pesado. Mostrou a abelha para Nebula, que recuou no mesmo instante. O pavor empalideceu seu rosto. Nunca antes Karina vira alguém com tanto medo e isso a assustou também. — Karina, eu te vejo! É aí que você se meteu?! — gritou ao longe a governanta. Nebula entrou em pânico, não podia ser vista fora do quarto. Virou-se tão bruscamente que sua mão bateu na de Karina. Um grito de dor irrompeu de sua garganta e a princesa caiu no chão.
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A governanta veio correndo ao encontro das duas. Puxou a mão da princesa, e a abelha, já morta, caiu no chão. Apavorada, Karina deu espaço para a adulta agir: ela tirou um abridor de cartas do bolso do avental e raspou pela palma da princesa. Pinçou o ferrão assim que despontou para fora da pele. Karina soltou um longo suspiro de alívio, mas Nebula não parecia bem. A princesa continuou caída no chão coberto por grama, sua pele avermelhou e os lábios incharam numa velocidade preocupante. A governanta não pensou duas vezes: pegou Nebula no colo e saiu o mais depressa possível. — Chame o mordomo e peça pelo médico! — gritou para a criança. — Vá antes que seja tarde! Karina correu de volta ao castelo, os sapatos sujos de terra e o coração nas mãos. Um tapete vermelho com motivos hexagonais cobria o salão até o altar onde rei Altamiro e rainha Eliza se sentavam. Com os dedos presos nos nós do vestido, Karina se apresentou com uma pequena reverência. Sua mãe fora convocada para a audiência e parecia extremamente pesarosa. Guardas se espalhavam pelo salão como se fossem estátuas de mentira, cobertos por armadura e elmos fechados. — Por que você tentou matar a princesa? — perguntou a rainha, seus cabelos eram ruivos iguais ao de Nebula, mas havia algo obscuro no brilho de seus olhos, um ódio que Karina temia com toda a sua vida. — Eu não fiz isso! Foi tudo um acidente! — exclamou a ré. — Ela que me pediu pra ver o jardim! — A princesa é extremamente alérgica a abelhas — disse o rei. — Levá-la até o jardim onde há tantas delas foi uma tentativa de assassiná-la. — Não, não, isso nunca! Vocês precisam me ouvir... — Te ouvimos em alto e bom som, menina — disse a rainha, e Karina se calou. — O que você fez é imperdoável, e você deve ser responsabilizada por isso. — O choro da mãe de Karina ecoou pelo salão. A rainha soltou um muxoxo. — Alguém tire essa mulher daqui.
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Sem a presença da mãe — a única pessoa cujo rosto lhe era conhecido — Karina se sentiu desolada e sozinha. Lembrou-se então de Nebula e de como a encontrara presa naquele quarto. — Vocês deviam deixar Nebula visitar o jardim! — exclamou furiosa. — Ela vive sozinha naquele quarto e está sempre sozinha! O que custa deixar ela sair de vez em quando? — Chega! — Eliza bateu o pé ao se levantar, aproximou-se com passos pesados. — Você sequestra nossa herdeira, tenta assassiná-la e questiona as nossas decisões. Quem você pensa que é, sua fedelha? — Eu sou amiga da Nebula! Eu quero o bem dela! Vocês deviam... A rainha desferiu um tapa contra o seu rosto. Karina sentiu os olhos lacrimejarem com a dor. No altar, rei Altamiro massageava a barba. — Querida, não gaste sua energia com a plebe — disse. — Por que não fazemos assim? Menina, o que você fez é imperdoável. Mas ainda é apenas uma criança... — Uma assassina — rosnou a rainha. — E será tratada como tal. — Altamiro anuiu e sua esposa pareceu satisfeita. — Daremos a você a chance de decidir seu destino. Você prefere ser enforcada em praça pública ou o exílio no bosque? Karina tinha o coração apertado, pois sabia que, independentemente do que escolhesse, dificilmente iria sobreviver. Então fechou os olhos e se deixou desistir. — O exílio, por favor. Era uma vez, num reino tão, tão distante, uma mata amaldiçoada que aprisionava quem quer que entrasse nela. Esse lugar era conhecido como o Bosque da Madeira Eterna, pois todos que ficavam presos nele eram transformados lentamente em planta. Era um local tão denso que nem mesmo o sol entrava. Mesmo sob risco de virar madeira, Nebula, no auge dos seus vinte e poucos anos, adentrou aquela mata amaldiçoada. Quando soube que Karina, a menina que lhe apresentara as maravilhas da natureza quando crianças, fora exilada, Nebula jurou para si mesma que iria resgatá-la, nem que para isso precisasse esperar pela morte
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dos pais e, assim, se tornar a própria rainha do Reino de Favo. Vinte e poucos anos de espera foram necessários, mas nem por um dia Nebula se esqueceu de Karina. Seu primeiro ato como rainha foi abrir o Bosque da Madeira Eterna, desmatá-lo por completo se fosse preciso. Ordenou que soldados derrubassem as árvores, cortassem os arbustos e triturassem as vinhas e espinhos. Encontrou corpos de madeira e esqueletos feitos de gravetos e até mesmo esses cadáveres ruíram. Nebula vasculhou atrás das árvores, debaixo das raízes e entre a relva. O corpo adormecido de Karina estava camuflado em meio a raízes, o reconheceu pelas roupas simples de criada. O tempo havia feito a floreta crescer ao redor dela, transformando seu cabelo em vinhas, seus dedos em galhos e a pele num tapete de musgos. Descobrira que a transformação não passava de um forte feitiço que o próprio bosque emanava na esperança de se preservar. Nebula depositou um beijo cálido na testa da jovem que havia se transformado em planta e esperou até que ela abrisse os olhos. — Princesa? — sussurrou Karina. — Rainha — disse Nebula, sorrindo. — Finalmente te encontrei, levá-la-ei para casa. — Mas eu quase te matei... A sua alergia... —Você passou muitos anos no exílio, mas não há mais com o que se preocupar. Graças aos clérigos de um reino vizinho, agora consigo lidar com a minha alergia. Seiva escorreu pelos olhos de Karina, emocionada. Estendeu a mão esverdeada, fazendo seu corpo de galhos e folhas estalar, e Nebula a abrigou contra o rosto. — Encontraremos a cura para a maldição do bosque, eu prometo. Enquanto isso, visitaremos o jardim sempre que quisermos.
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Na terra dos narigões Robert Portoquá
Eu conheci um garoto cuja história vou-lhes contar. Émerson vivia junto a sua família num bairro da periferia e como todos os meninos de sua idade, adorava brincar com os amigos. O tempo foi passando e Émerson foi crescendo, bem, isto é um fenômeno natural, porém para ele a coisa foi um pouco diferente. Conforme ele crescia, crescia também, e de forma bastante avantajada, seu nariz. Esta parte de seu corpo cresceu tanto e tão rapidamente que o menino virou motivo de chacotas. Dia após dia ele voltava para casa chorando depois das aulas, pois os colegas haviam passado todo o intervalo a zombar de seu narigão. Até mesmo durante as aulas ele podia perceber os olhares e risinhos zombeteiros. Na rua, onde brincava com os vizinhos, a coisa não era diferente e Émerson voltava pra casa chateado e abatido dizendo aos pais que não queria mais ir à escola e tampouco brincar na rua. A mãe aninhava o filho em seu colo e conversava longamente dizendo que não prestasse atenção a tais conversas, pois seus colegas não faziam por mal, no fundo eles gostavam dele e só diziam estas coisas porque ainda não haviam aprendido a aceitar as pessoas como elas são, e que também não sabiam que as aparências não demonstram quem realmente nós somos, e o que importa é o que vem de dentro de nossas almas e de nosso coração. Depois destas conversas o garoto se sentia melhor
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e aos poucos ia se acostumando com a situação. Um dia, porém, Émerson chegou em casa mais triste que de costume, tomou seu banho, e no jantar quase não tocou na comida, terminada a refeição escovou os dentes e foi imediatamente se deitar. O pai percebendo a melancolia do filho foi até seu quarto para uma conversa. Contou-lhe como foi seu dia, o que fez de diferente e disse que tinha uma surpresa: o doce preferido do filho, mas nada do garoto se animar. Perguntou-lhe então, muito sutilmente, o que havia acontecido que o deixara tão triste, ao que o menino, em lágrimas respondeu: — Hoje foi o último dia que eu saí para brincar com meus amigos. Ah! E também nunca mais vou à escola. — Mas o que aconteceu de tão grave que o deixou assim, filho? — Sabe o Marquinhos, pois então até ele me chamou de narigudo. Marquinhos era o melhor amigo de Émerson, os dois viviam juntos e sempre se uniam nos momentos difíceis. O pai conversou, aconselhou e orientou o filho, porém percebeu que seu olhar permanecia melancólico. Por fim, após o garoto adormecer, o pai retirou-se do quarto pensando: “Amanhã ele acordará melhor e esquecerá um pouco desta mágoa...” Émerson adormeceu. Mas estava tão impressionado com os acontecimentos do dia que teve um sonho muito longo... No sonho, ele brincava com os amigos, quando todos passaram a dizer aquelas coisas horríveis: "Olha o narigão dele. Hei! Ladrão de oxigênio. Parente do pica-pau. Voa tucano, voa... " Ele saiu correndo e chorando, e correu tanto, mas tanto que de repente não reconhecia mais o lugar onde estava. A paisagem era totalmente diferente e, aliás, muito mais agradável, com belos jardins e lagos ladeados por lindas árvores que se refletiam como se as águas fossem um enorme espelho. Ele então passou a caminhar
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lentamente observando as pessoas. Pareciam todas muito simpáticas e tinham uma coisa em comum. Um nariz tão grande quanto o dele. Após algum tempo naquele paraíso resolveu puxar conversa com um garoto que parecia ter a mesma idade que ele e que estava brincando de atirar pedrinhas no lago. Émerson estava tão ansioso que despejou-lhe um turbilhão de perguntas. — Olá, meu nome é Émerson, que lugar é este? Por que aqui todas as pessoas têm o nariz grande? Há nesta terra alguém que tenha um nariz normal? O garoto, atônito com tantas perguntas, respondeu que ali todos eram normais e seus narizes não eram grandes, inclusive eram do mesmo tamanho do dele. Porém, sem prestar muita atenção, Émerson interrompeu o garoto, contou-lhe sua história e em lágrimas pediu que o ajudasse. O garoto respondeu que somente o Rei poderia ajudálo, pois ele era uma pessoa muito justa e inteligente, dava conselhos, dirimia pendengas e resolvia as questões de todos no reino. Émerson então quis saber como falar com o Rei. — Veja! Você vai por este caminho e após avistar a árvore torta vire à esquerda, no fim da alameda dos girassóis você verá o Castelo Real. Dito e feito, Émerson trilhou o caminho indicado e se deparou com o portão do castelo. O portão se abriu e, vindo lá de dentro um guarda lhe perguntou: — O que queres aqui garoto? — Quero falar com o Rei! — Espere um instante. Disse o guarda, e retirou-se. Passaram-se alguns segundos e ele voltou com a permissão para o garoto adentrar a sala Real. Era um enorme e belo salão, onde ao fundo havia um trono. Émerson aproximou-se e prostrou-se de joelhos, como já vira sendo feito em vários desenhos animados que assistia pela
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televisão. O Rei vendo aquele gesto imitou o garoto e perguntou: — Em que poderia ajudá-lo o Rei? — Tenho um problema gravíssimo, Majestade. Meu nariz é muito grande, e meus amigos vivem troçando comigo. Eu não aguento mais essas brincadeiras. A verdade é que eu queria ter um nariz normal. O Rei, nada entendeu destes queixumes, então Émerson explicou que não vivia em seu Reino e sim em uma terra distante onde as pessoas tinham os narizes bem menores que o dele. O rei então lhe disse: — Eu conheço uma pessoa que poderá ajudá-lo. Trata-se do Senhor dos Narigões. É um mago cujo nariz é o maior do mundo, Ele vive no mais alto pico que há em nosso Reino, na fronteira com o horizonte. Venha comigo até a janela Real que eu mostrarei. Émerson olhou na direção indicada pelo Rei, mas quase não pôde enxergar o tal morro de tão distante. — Mas senhor Rei, como posso chegar até lá, é muito longe, meus pais estão em casa e não sabem de minha ausência se eu não voltar logo eles vão ficar preocupados. — Você está vendo aquele castelo ali adiante? Lá, mora a Princesa Bela. Ela irá orientá-lo como chegar até o Pico onde habita o Mago; e também poderá lhe emprestar as botas que inibem o cansaço. Vá até lá e boa sorte... Émerson partiu em direção ao castelo da princesa e lá chegando teve uma agradável surpresa, a princesa era linda. Ele ficou tão extasiado com sua beleza que não conseguia se explicar direito. A princesa, muito simpática e inteligente, compreendeu em meio aos gaguejos do garoto o que ele queria e disse com voz meiga:
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— As botas que inibem o cansaço estão próximas ao portão de saída e o caminho para o Pico do Mago passa por aquela ponte e segue por entre a mata até o horizonte, lá você encontrará o sopé da montanha; depois suba a trilha. O garoto despediu-se e saiu tão encantado que caminhou durante um bom tempo até perceber que havia esquecido as botas. Se voltasse, além de perder muito tempo, iria se sentir mais constrangido que da primeira vez. Assim, continuou caminhando e um tanto cansado encontrou a montanha. Olhou para cima e entrou em desespero. A montanha era muito mais alta do que aparentava, e a trilha para a subida era tão íngreme que Émerson pensou em desistir. Mas, depois de descansar e refletir sobre tudo o que lhe ocorreu, resolveu subir, o que fez surpreendentemente rápido. Ao chegar ao cume, Émerson foi presenteado por uma visão maravilhosa. Para onde olhasse havia beleza: Um lindo vale se perdia no horizonte, lagos cristalinos, belas cidades e campos repletos de animais e plantações, sob um céu indescritivelmente azul. Émerson passou horas admirando o local. Depois, desceu novamente e caminhou de volta. Atravessando o vale lembrou-se do Mago, porém já estava muito tempo fora de casa e resolveu que voltaria outro dia para conversar com ele. Ao passar pelo castelo da princesa, ela perguntou sobre as botas, e ele respondeu que havia esquecido, mas que na verdade não precisou delas para chegar até a montanha. — E o que disse o Mago, ele pôde ajudá-lo? — Na verdade eu fiquei tão extasiado com as belezas que se avista daquela altura que divaguei durante horas e voltei sem ter conversado com ele... A princesa riu e disse que com ela também acontecia o mesmo sempre que ia até lá para pedir conselhos. Porém, quando voltava, como num passe de mágica, seus problemas se resolviam. Conformado com essas palavras, Émerson despediu-se e pegou o caminho de volta ao palácio do Rei.
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— Como é meu rapaz, esteve com a Princesa? Ela o recebeu bem? E quanto ao Mago, te ajudou com o seu problema? Émerson, meio desconcertado, falou do embaraço na presença da Princesa, da experiência no cume da montanha e… O Rei o interrompeu e completou: — E você se esqueceu de calçar as botas e também não esteve na presença do Mago, não é mesmo? — Sim meu senhor, mas como adivinhou? — Eu sou o Rei, e o Rei tudo sabe… Agora, volte para a sua família antes que eles fiquem preocupados. No caminho de volta, Émerson refletia sobre sua recente aventura e já sentia saudades da princesa quando de repente ouviu um som estridente, uma música que se repetia cada vez mais alta… Émerson acordou com o celular despertando, era hora de ir para a escola. Ele se levantou, tomou seu café e foi para as aulas, na volta almoçou, saiu para brincar com os amigos e à tarde depois do dever de casa brincou com sua irmãzinha. Dormiu ouvindo as histórias de seu pai. Assim se passaram duas ou três semanas, até que seu pai perguntou? — Filho, há tempos percebo que você não volta para casa triste e isso me deixa muito feliz, mas, o que aconteceu? Seus amigos finalmente pararam com as brincadeiras?
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— Não pai, na verdade já não presto atenção a estes detalhes, quando estou com meus amigos, procuro me divertir, respeitá-los e ser uma boa companhia para eles e para mim mesmo, assim meus dias têm sido mais felizes.
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Neloran, a Árvore Sagrada Wesney G. L. Sartori*
*Wesney Gustavo Lorenço Sartori, nascido em 27 de junho de 2004, na cidade de Juara, Mato Grosso. Estudante de Letras (Bacharelado) pela Uninter, é um leitor assíduo, poeta, contista e futuro romancista, além de nerd, apaixonado por séries, animes e música geek e fã de J. R. R. Tolkien, George R. R. Martin, Christopher Paolini e Agatha Christie, suas principais inspirações. 111
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A vida já não tinha mais valor, mas Edrel não queria morrer… Não no campo de batalha, onde tanto companheiros quanto inimigos pereciam pelas mãos uns dos outros ou jaziam em agonia, alguns desesperados para escapar do abraço frio da morte, outros desejando que ela os libertasse de seu tormento. Edrel compartilhava do desejo desses últimos… Mas não queria morrer ali, cercada por tanta dor e sofrimento… Não queria morrer no mesmo lugar onde seu amado, seu filho, seus pais e seus amigos tinham sucumbido… Por isso, ela corria. Todos que amava estavam mortos… Seria esse o preço por sua arrogância? Estaria ela sendo punida por ceifar tantas vidas, esperanças e sonhos? Edrel acreditava que sim… Arrependia-se amargamente daquela guerra… Por que não fez nada quando percebeu os caminhos sombrios em que seu povo adentrava? Por que não impediu aquele conflito antes que tivesse início? Sendo a mais poderosa maga dos ayvan, seu povo certamente teria lhe dado ouvidos. Então… por que não fez nada…? Com amargura, lembrou: estava tão cega quanto todos os outros. Cega pela ira… pela soberba… pela ganância… A ira veio primeiro… Assim como todos os ayvan, Edrel nutria grande amor e respeito por seu líder; quando ele foi morto pelos zayon, um povo rival, uma fúria impetuosa e inigualável apoderou-se não somente dela, mas de toda sua gente. Sucedendo ao pai na liderança, o primogênito do falecido atiçou essa fúria, incitando-os à vingança. Não eram eles os descobridores da magia, os únicos que sabiam usá-la, o mais numeroso e poderoso de todos os povos élficos? Nenhum poder no mundo se equiparava ao deles. Então, quem os zayon pensavam que eram para matarem seu líder e acreditarem que permaneceriam impunes? Impulsionados pela sede de vingança, os ayvan atacaram e subjugaram seus rivais, mas isso não foi suficiente… Sua ira logo deu lugar à soberba e essa, por sua vez, tornou-se ganância. Por que se contentar em conquistar apenas os zayon se seu poder lhes permitia dominar todos os povos élficos? Os ayvan eram superiores; era seu direito governar. Por que tinham sido tão arrogantes, tão tolos…? Lágrimas escorriam pelas faces de Edrel enquanto ela se afastava cada vez mais dos horrores do campo de batalha. Suas mãos estavam sujas de sangue… o sangue das
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centenas de vidas que ceifou. Agora, num só golpe, todos que amava tinham sido roubados dela: seus amigos… seus pais… seu amado… seu filho! Ela merecia aquilo… Estava pagando por seus pecados… Graças à sua magia, Edrel sabia que três elfos inimigos a perseguiam. Eles certamente estavam cientes de quem ela era, da ameaça que representava… E por mais que se sentisse tentada a permitir que a alcançassem e dessem fim ao seu tormento, Edrel não queria morrer. Não sem antes ver Oranius, a Primeira Árvore, uma última vez. Portanto, esforçou-se para correr mais rápido, ainda que seu corpo estivesse no limite; agora com quarenta anos, arrependia-se por não tê-lo treinado melhor quando mais jovem, focando apenas em desenvolver sua mente e a magia. Mas arrependia-se ainda mais daquela guerra… Durante algum tempo, seu povo foi vitorioso: expandiram seus territórios por grande parte de Nollamis, a floresta onde viviam, e escravizaram os povos derrotados. Edrel sentia repulsa ao lembrar-se disso e a culpa a corroía. Quem eram eles para tirar a liberdade daqueles elfos? Não tinham esse direito! Mas estavam cegos demais para perceber… Não muito tempo depois, os outros povos élficos, tanto habitantes de Nollamis quanto das terras exteriores, uniram-se para combatê-los. Assim, ao longo de vários conflitos, os ayvan foram forçados a recuar até o coração de suas terras, a vila onde Edrel morava com sua família, e ali sofreram uma emboscada. Então, o conflito definitivo teve início… o mesmo do qual Edrel agora fugia, depois de ver seus pais, amigos, amado e filho caírem em combate. Nenhum lado sairia vitorioso daquele confronto… Tropeçando numa raiz exposta, Edrel caiu e bateu a cabeça numa pedra. Por alguns instantes, sua consciência vacilou enquanto, por meio da magia, sentia seus perseguidores se aproximarem cada vez mais. Ela não queria morrer ali! Não queria morrer sem ver Oranius novamente… Mas não conseguia mover seu corpo, então chorou, sendo invadida por lembranças… Sob os galhos da Primeira Árvore, Edrel tinha nascido e, sobre suas raízes, muitas vezes brincou na infância… Ali, fez seus primeiros amigos e com eles se divertiu… Sob a sombra de Oranius, seus pais ensinaram-lhe magia e ali, também, praticou durante horas para aperfeiçoá-la… Demonstrando ser um prodígio nas artes mágicas, Edrel tornou-se discípula do mais poderoso mago dos ayvan, que costumava ensiná-la às margens do lago Iretel, não muito longe da clareira onde Orarius ficava…
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Tudo isso passou por sua mente num instante. Com um repentino surto de adrenalina, Edrel despertou e percebeu que seus perseguidores estavam perigosamente próximos. Agora que não estava concentrada em correr, conseguia distingui-los melhor com sua magia: eram um homem e duas mulheres, uma delas com uma espada desembainhada, os outros dois empunhando arcos com flechas prontas para serem disparadas. Imóvel, ela ouviu-os se aproximarem lenta e cautelosamente… Chegando cada vez mais perto… Sem tempo para pensar num plano, Edrel cegou-os com um clarão de luz e pôs-se de pé num salto. Antes que pudesse tornar a correr, porém, foi atacada pela elfa espadachim. Escapando por pouco de ser decapitada, usou magia para desequilibrála e fazê-la cair sobre a própria espada, a lâmina mortal trespassando seu coração. Lágrimas brotavam dos olhos de Edrel quando, murmurando um pedido de desculpas, abandonou o corpo sem vida da adversária. Como ela se recuperou tão rápido!? Será que não tinha sido cegada pela luz? A resposta, qualquer que fosse, já não importava… Aquela era apenas mais uma vida ceifada por Edrel. Sentia-se culpada; não queria tê-la matado… Não queria matar mais ninguém… Mas precisava chegar a Oranius. Edrel foi pega de surpresa quando uma flecha passou assoviando próxima à sua orelha… e gritou de agonia quando outra se cravou em seu ombro. Apesar disso, não desacelerou nem por um instante, nem mesmo para curar seu ferimento. Os arqueiros tinham se recuperado… Saltando sobre raízes e pedras e esquivando-se de galhos baixos, ela correu tão rápido quanto seu corpo era capaz, sentindo seus perseguidores aproximarem-se mais e mais. Ainda assim, seu coração enchia-se de esperança, pois, a cada passo, o murmúrio distante das águas do Seidon, o rio que desaguava no lago Iretel, tornavase mais alto. Oranius estava próxima… Não faltava muito agora… Deixando-se levar por esse sentimento, Edrel permitiu que sua mente fosse inundada por mais memórias relacionadas à árvore… Sob ela, declarou-se para seu grande amor e o beijou pela primeira vez, assim como muitas outras depois dessa; ali, também, seu filho nasceu, brincou e aprendeu magia, tal como ela no passado… Feliz, ela sorriu…
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Então foi bruscamente trazida de volta à realidade ao ser atingida por outra flecha, dessa vez na panturrilha. Edrel vacilou, quase caiu, mas recuperou o equilíbrio e continuou em movimento, meio correndo, meio mancando. Estava mais lenta que antes e, a cada passo, a dor irradiava de sua perna para todos os outros membros do corpo. A esperança deu lugar ao desespero… Ela não conseguiria… Não chegaria a Oranius! Ela morreria ali, sozinha, abatida como uma presa. Seus olhos se encheram de lágrimas, turvando sua visão, mas Edrel não parou nem por um único instante, pois mesmo que não conseguisse, precisava ao menos tentar… Ah, como se arrependia de sua vida! Teve bons momentos, sim, mas não os aproveitou como deveria, não lhes deu seu devido valor. Agora que tinha perdido tudo, a angústia e o arrependimento consumiam seu coração e corroíam sua alma, drenando suas forças. Por que continuar fugindo? Ela seria morta de qualquer jeito… Mas não podia parar! Precisava chegar a Oranius; aquela árvore era tudo que lhe restava. Ali tinha nascido, ali queria morrer, envolta pelas lembranças de tudo de bom que viveu… Com sua magia, sentiu mais duas flechas vindo em sua direção, seguidas por outras duas… Num último esforço desesperado de sobrevivência, Edrel parou de correr e, virandose, elevou os braços em frente ao corpo, as palmas das mãos voltadas para seus perseguidores. Reunindo todo poder mágico que lhe restava, fez com que as flechas desviassem dela e retornassem aos arqueiros antes que disparassem novamente. O homem foi atingido no pescoço e a mulher, na barriga; duas flechas erraram os alvos, perdendo-se na floresta. Enquanto ele tombava e ela, gritando de dor, dobrava-se sobre si mesma, Edrel retomou sua jornada. Embora exausta, ferida e mancando, continuou pelo que pareceu uma eternidade… Até que, finalmente, alcançou a clareira em cujo centro Oranius erguia-se, bela e altiva, a maior e mais velha árvore de Nollamis. Chorando, Edrel caiu de joelhos e agradeceu a todos os deuses, conhecidos e desconhecidos, por ter conseguido chegar até ali. Novamente em pé, aproximou-se da árvore e a abraçou e, pela última vez, permitiu-se ser preenchida pelas lembranças felizes do passado. Aquela árvore esteve presente nos momentos mais importantes de sua vida e guardava suas memórias mais preciosas. Por isso, para Edrel, ela era sagrada; sempre foi e sempre
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seria. Para Edrel, aquela não era Oranius, a Primeira Árvore, mas sim Neloran, a Árvore Sagrada… E ali, abraçando-a, Edrel ouviu o estalar da corda de um arco… então sentiu uma flecha perfurar suas costas e, atravessando seu coração, cravar-se no tronco da árvore. A arqueira tinha sobrevivido, afinal… Lágrimas quentes escorreram pelo rosto de Edrel e ela sorriu, feliz, sentindo a vida rapidamente se esvair de seu corpo. Ela tinha conseguido… Tinha cumprido seu objetivo… Finalmente em paz, cantou enquanto sua consciência se apagava e desejou… desejou que aquela guerra… toda aquela dor e sofrimento… aquele infindável ciclo de mortes… desejou que tudo isso chegasse ao fim. E no seu último suspiro, desejou, também, poder unir-se eternamente àquela árvore que guardava tudo que lhe era mais precioso e sagrado… Então, Edrel sentiu sua mente mudar… E sua magia fluiu em todas as direções, muito mais poderosa do que jamais havia sido, percorrendo distâncias maiores do que alguma vez alcançou. Sentiu seu poder se espalhar por toda Nollamis, afetando cada ser que nela havia, modificando-os, transformando-os… Com os olhos da mente, viu os elfos pararem de lutar, soltarem suas armas e caírem de joelhos, confusos e assustados, arrependidos. Viu, também, seu corpo lentamente desaparecer, absorvido pela árvore que, pouco a pouco, transformava-se como tudo mais na floresta: suas raízes, tronco e galhos tornaram-se como prata e o verde de suas folhas adquiriu um aspecto dourado. Transformada, a árvore resplandecia, aparentando emitir luz própria conforme era iluminada pelo sol da alvorada. Assim, transbordando felicidade, paz e, acima de tudo, gratidão, Edrel deixou de existir… Restava apenas Neloran, a Árvore Sagrada.
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Noites Brancas Estela Simone Costa*
*Estela Simone Costa, mulher com deficiência visual apaixonada por ler e escrever. Sempre em fuga da realidade. 117
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Era uma vez, num tempo muito distante, muito mesmo, um reino onde todos os dias eram de sol, onde o cair da noite nada mais era do que uma lenda e onde todos os habitantes eram felizes e viviam cantando e dançando, num contentamento sem fim. Seu nome era Cidade das Luzes. Tudo em Cidade das Luzes transbordava felicidade. Cores fortes, vibrantes, fantásticas e inimagináveis davam contorno a cada centímetro do reino, desde as infinitas variedades de árvores, flores e frutos, até as roupas coloridas dos habitantes da cidade. Os habitantes eram pessoas que combinavam perfeitamente com a vibração das cores de suas roupas: alma viva, coração amoroso, rosto iluminado por um sorriso constante e sincero e energia contagiante. A tolerância era regra e o amor que unia a todos era infinito. Os músicos mantinham o ritmo animado, enquanto todos se divertiam cantando e dançando, numa harmonia inquebrável. Havia um arco-íris constante que cintilava por toda cidade. Uma chuva refrescante caía algumas vezes, fazendo com que a vida fosse renovada. Os pássaros cantavam, compartilhando do ritmo das músicas festivas e os outros animais viviam alegremente, em meio às pessoas... Um equilíbrio perfeito! Sem dúvidas a melhor definição para Cidade das Luzes: um reino perfeito! Toda essa alegria era proporcionada pela Rainha, a Senhora Brilhante, que guardava a energia benéfica que alimentava o reino. Era graças ao seu espírito alegre que o equilíbrio se mantinha perfeito. Mas o que ninguém sabia era que a Rainha guardava um sentimento estranho dentro de si. Não era tristeza, pois ela não seria capaz de senti-la — se convencia de que não seria —, o sentimento poderia ser chamado de um pequeno desejo. — Elliot, o que você vê quando olha para mim? — Num belo dia, perguntou ao seu fiel escudeiro. O homem encarou sua soberana com olhos devotos e respondeu: — Uma mulher perfeita! A Rainha mais bondosa e iluminada que já existiu. A mulher suspirou, deveras decepcionada. — Isso é tudo? — E existe algo além da perfeição? — A Senhora Brilhante não tinha resposta para a pergunta.
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Caminhou até a varanda do castelo com o questionamento ainda martelando em sua mente, enquanto seus olhos encaravam o arco-íris que atravessava o reino. Existe algo além da perfeição? Um pequeno desejo era o sentimento que tomava forma dentro de si. Desejava ser conhecida, pelos outros e principalmente por si mesma, porque sentia que não era verdadeiramente conhecida. Toda vez que encarava sua imagem refletida num espelho tinha a sensação de que não fazia ideia da dimensão de quem era. Existia algo por detrás de sua imagem de perfeição e seu desejo era descobrir o quê. Pensou nos habitantes da Cidade, será que sentiam o mesmo que ela? Ou será que estavam contentes com a perfeição? Enquanto observava os casais dançando, as mães abraçando os filhos, as crianças brincando com os animais, concluiu que todos eram felizes e satisfeitos. Então, por que sentia essa estranha sensação de ser incompleta? Num outro belo dia, Elliot surgiu com ares trágicos e desatou a falar: — Minha Rainha, uma tragédia está acontecendo! Oh, Céus! Quando poderíamos imaginar... — Tragédia? — ela replicou tomada por curiosidade. — O Rei de Cidade da Escuridão está aqui. — Mas isso é esplêndido! O homem ficou incrédulo. — Minha Senhora, não entende a dimensão do problema! Aquele reino é triste! Lá existe o cair da noite! — Ele colocou as mãos sobre a cabeça, numa pose horrorizada. — As chuvas não são tranquilas e refrescantes como as nossas, são tempestades! E dizem que as músicas lá são cheias de choro e lamento. A energia triste do Rei vai acabar por desequilibrar a nossa alegria. — Todos são bem-vindos em Cidade das Luzes — A Rainha falou, se valendo de sua autoridade. — Que o Rei permaneça o tempo que desejar. Ao contrário do escudeiro, a Rainha sentiu o coração ser inundado com ainda mais alegria. O Rei era uma possibilidade, uma maravilhosa possibilidade. Imediatamente solicitou uma audiência com o Senhor de Cidade da Escuridão, alegando que desejava saudar pessoalmente a chegada dele em Cidade das Luzes.
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Quando o homem adentrou o seu castelo e caminhou até ela, a Senhora Brilhante segurou a respiração. — Encantado em vê-la, minha Senhora — o Rei a saudou, fazendo uma mesura. Ela não conseguiu tirar os olhos daquela figura estranha. Definitivamente, não era como imaginava. Estava acostumada ao padrão de aparência de seus súditos, que eram perfeitamente bonitos. Já o Rei era maravilhosamente imperfeito. Era alto, as roupas eram pretas, o cabelo desgrenhado, a pele do rosto era de uma palidez quase mórbida e havia muitas cicatrizes por sobre ele. Ficou tentada a tocálo. — A que devemos a honra? — Vim buscar um pouco da alegria do seu reino. Ouço maravilhas sobre a perfeição de Cidade das Luzes. — Meu Senhor, o que ouviu faz jus ao reino? — Bem, posso dizer que as expectativas foram superadas — Deu um triste sorriso — , mas chegou o momento de voltar à Cidade da Escuridão. Seus súditos ficaram bastante impressionados com minha aparência, creio que causaria um desequilíbrio se ficasse por mais tempo. A Rainha se encheu de coragem para fazer um pedido e, quem sabe, conseguir o seu pequeno desejo. — O Rei poderia retribuir a cortesia? Se permitir, gostaria de conhecer seu reino. O homem ficou ainda mais pálido com a surpresa, já que Cidade da Escuridão não era um destino aprazível. No entanto, atendeu ao pedido, pois a diplomacia assim obrigava. A Senhora Brilhante não se lembrava de alguma vez ter deixado Cidade das Luzes, também nunca soube que um de seus habitantes tenha atravessado o limite e atingido o fim do arco-iris. Não era de se estranhar, afinal, quem deseja acabar com a perfeição? Assim que rompeu a ligação com seu reino, sentiu a sensação de aconchego que sempre teve ser substituída por uma sensação gélida. Por alguns segundos, hesitou e desejou voltar à segurança da luz. O céu escurecido era tão ameaçador! Notando a hesitação, o Rei daquele lugar triste segurou sua mão. Ela encarou os olhos melancólicos dele, estranhando que o toque frio tenha trazido de volta a sensação de aconchego.
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Aos poucos, seus olhos foram se acostumando à falta de luz. Já não se sentia vulnerável, pois sabia que era amparada pelo Rei. Após se familiarizar, passou a observar o lugar. Seu escudeiro não mentiu, o cair da noite era assustador, mas também havia tanta beleza nele. Não existia o magnífico sol que tudo ofuscava, porém no céu, brilhava uma luz mais fraca e fria, que dava um ar de mistério às casas, às árvores, aos objetos e às pessoas. Tudo parecia ser meio iluminado, o que dava a impressão de conseguir contemplar apenas parte do que se olhava. Era inevitável pensar na sensação que tinha de conhecer apenas uma parte sua. A música que preenchia o ambiente era triste e combinava com os habitantes do reino, cujas feições e expressões eram de pura infelicidade. Contudo, quando vistos sob a luminosidade da lua, era possível vislumbrar algum traço de contentamento neles que se apoiavam com gestos sutis e carinhosos. A aparência do reino e de seus habitantes era envolta por sombras e distorções, o que era belo para a Rainha, de um jeito que não conseguia explicar. — Imagino que a Rainha esteja ávida por voltar à Cidade das Luzes depois de ver tantas imperfeições. — Acreditaria se eu dissesse que sinto exatamente o contrário. — O homem se tornou confuso. — Finalmente compreendi o desejo do meu coração. — A mulher se aproximou e tocou o rosto dele, contornando as cicatrizes com os dedo, num carinho gentil. — A perfeição não é o que parece, ela intimida, sufoca, cansa... A imperfeição, por outro lado, parece ser tão real e acolhedora. Gostaria de ser imperfeita... Receio dizer que talvez eu já seja. — Eu gostaria de ser mais perfeito — o Rei confessou ao tomar a mão dela entre as suas. — Podemos juntar os nossos reinos e dividir nossas perfeições e imperfeições. — Acredite, esse é meu maior desejo. Mas uma Rainha deve fazer o que é melhor para seus súditos e os meus estão satisfeitos com a perfeição. De volta ao seu reino, a Rainha mais uma vez se viu na varanda do castelo e pensando na pergunta de Elliot, embora agora soubesse a resposta. Existia algo maravilhoso além da perfeição! Ela se conheceu verdadeiramente na Cidade da Escuridão, o que transformava o pequeno desejo num sentimento de tristeza. Sim, estava triste, era capaz de sentir tristeza. Abdicou da própria felicidade pelo bem do reino e não se arrependia, porém agora era infeliz. Pela primeira vez em sua vida, sentiu a quentura de uma lágrima sobre seus olhos. Estava chorando...
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No mesmo instante, o céu se tornou cinza e o arco-íris foi encoberto por enormes nuvens negras. A música animada foi substituída pelo barulho de trovões. Raios iluminavam o ambiente, assustando as pessoas e os animais. Um caos se instalava. A Rainha estava desesperada, o que alimentava o caos, já que Cidade das Luzes pulsava em conjunto com seu espírito. Contudo, através de sua visão turva devido às lágrimas, avistou uma cena que aqueceu seu coração: uma menina abraçando um cachorro para protegê-lo da tempestade que se aproximava, criando um abrigo com seus pequenos braços num ato de coragem e puro amor. Quando a tempestade chegou, mais cenas como aquela surgiram. As pessoas estavam se protegendo, cuidando umas das outras e acalmando os animais. Ela mesma foi amparada por seu escudeiro. A Rainha teve a mesma sensação que sentiu em Cidade da Escuridão: apesar da melancolia, havia uma certa alegria. A imperfeição trazia novas cores à Cidade das Luzes. As demonstrações de afeto eram mais profundas quando havia um perigo por perto. O amor pulsava sem limites quando o desalento atingia as pessoas amadas. Foi quando finalmente ela compreendeu que poderia ter seu desejo atendido. Seguiria seu coração, pois sabia que os habitantes do reino também estavam se conhecendo verdadeiramente. O imperfeito também era divino! Caminhou até o limite do seu reino, deixou o dia e atingiu a noite na Cidade da Escuridão. Dessa vez, não teve o amparo do Rei, mas não ficou assustada. Contemplou a escuridão e a frieza do ambiente com genuína alegria e isso lhe deu ainda mais certeza de que estava certa. Quando se aproximou do Rei, não disse palavra alguma, apenas tocou os lábios frios dele com seus lábios quentes, selando a união entre o dia e a noite; a perfeição e a imperfeição. Um novo equilíbrio acabara de surgir.
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No maravilhoso Reino dos Pinguins Jonas Matheus Sousa da Silva*
*Jonas Matheus Sousa da Silva, natural de Capanema, Pará. Nascido em 1989. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 123
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No auge do verão europeu em dois mil e vinte e três, um dia ensolarado se ergueu como um convite para a aventura na vida de Rebeca e seu irmão caçula, o destemido Roberto. Embarcando em uma jornada que prometia encanto e maravilhas, a dupla inseparável uniu forças com sua adorável avó, carinhosamente conhecida como Gentileza. De São Paulo, a cidade das oportunidades, eles alçaram voo rumo a Gênova, um recanto que destilava magia por entre suas ruelas históricas e marés misteriosas. O sussurro dos ventos já trazia murmúrios sobre o mágico Reino da Fantasia que se escondia por entre as tramas da cidade. Entre risos e expectativas, surgiu a decisão: o destino seria o Museu do Aquário Marítimo de Gênova, um templo de águas profundas repleto de segredos submersos aguardando para serem desvendados. No exato momento em que cruzaram os umbrais do museu, uma explosão de maravilhas fez os olhinhos curiosos de Rebeca e Roberto se acenderem como estrelas. O espaço à frente revelava um verdadeiro tesouro das profundezas, com criaturas marinhas pintando um quadro de cores e formas deslumbrantes. Porém, dentre todas essas maravilhas, uma cena em particular roubou o fôlego da dupla de exploradores. Os pinguins, com suas elegantes penas e olhos cheios de travessura, dominavam o palco da admiração. Ali, naquelas águas cintilantes, eles executavam uma dança hipnotizante, equilibrando-se como acrobatas em um grandioso espetáculo aquático. Cada movimento era um sorriso que se expandia nos rostinhos encantados de Rebeca e Roberto, mergulhando-os em um mundo onde a magia se fundia com a realidade. Rebeca, na florescência de seus nove anos, e o corajoso Roberto, com seus cinco anos de pura curiosidade, encontraram-se cativados por completo pela encantadora exibição dos pinguins. Os olhares fixos eram como âncoras que os mantinham presos naquele espetáculo marinho. O tempo parecia dilatar enquanto eles observavam os pequenos seres deslizando graciosamente pela água cristalina. A conexão entre as crianças e aqueles adoráveis pinguins era tão intensa que o tecido entre a realidade e a fantasia começou a se entrelaçar. Como se um feitiço antigo se cumprisse, uma onda de energia prateada dançou ao redor deles, e de repente, o mundo se transformou. O impossível tornou-se realidade quando, num piscar de olhos, Rebeca e Roberto se viram como parte do bando, com penas macias e asas que ansiosamente testavam o ar. A magia do Reino da Fantasia abraçou-os, trazendo-os para dentro do espetáculo que antes apenas observavam. Como se tivessem mergulhado em um livro encantado, Rebeca e Roberto sentiram a textura suave de suas novas penas e a incrível sensação de mover as asas no ar fresco. Sem hesitar, eles se aproximaram dos outros pinguins que nadavam com uma graça
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quase teatral. No meio daquele reino aquático, a amizade transcendeu a própria natureza. Entre os pequenos pinguins, um brilho especial emanava de Jordan, um ser de penas escuras e olhos curiosos. No entanto, o pequeno pinguim parecia carregar uma sombra de timidez, isolando-se dos demais. Rapidamente, Rebeca e Roberto intuíram que precisavam agir. Com passos suaves, eles se aproximaram de Jordan, asas batendo com suavidade no ritmo do coração. A empatia se tornou a língua que compartilhavam. Com histórias de coragem e superação, as crianças pinguins mostraram a Jordan que a verdadeira força reside na aceitação de si mesmo. Com cada palavra incentivadora e cada sorriso compartilhado, a autoconfiança de Jordan cresceu como uma onda quebrando as barreiras da insegurança. Logo, aquele pinguim outrora recluso estava deslizando pela água com alegria contagiante. Juntos, os três se tornaram um trio de amigos inseparáveis, mergulhando em aventuras marítimas e desbravando os recantos mais secretos do oceano. Eles traçaram linhas sinuosas nas águas, como artistas que pintam suas jornadas no vasto canvas azul. Cada mergulho era uma coreografia, cada riso um acorde na sinfonia das profundezas. Enquanto o sol cedia espaço para a lua e as estrelas dançavam no céu noturno, os laços entre Rebeca, Roberto, Jordan e os outros pinguins cresceram ainda mais fortes. Eles aprenderam que a verdadeira amizade é uma força mágica que une almas, independente das formas que possam assumir. Sob as ondas prateadas, a jornada dos pequenos heróis marinhos continuava, envolta em mistérios e maravilhas além da imaginação. Como o tempo fluía sem pressa no reino dos pequenos pinguins, os dias se transformaram em um conto de pura diversão e aventura. Rebeca e Roberto mergulharam nas águas cristalinas, unindo-se aos seus novos amigos alados em um balé aquático de cores e formas. Cada movimento era uma acrobacia incrível, um espetáculo marinho que só podia ser comparado à dança das estrelas no céu noturno. Mas a diversão não se limitava às ondas suaves. Nas profundezas do oceano, onde a luz se transformava em sombras mágicas, os jogos de esconde-esconde nas cavernas subaquáticas se tornaram uma aventura eletrizante. Risos ecoavam entre os corais, enquanto Rebeca e Roberto exploravam os cantos secretos do mundo submerso, desvendando mistérios que a água sussurrava aos ouvidos curiosos. No meio dos jogos e risos, melodias alegres preenchiam o ar salgado. Rebeca, Roberto e seus amigos pinguins entoavam canções que pareciam saídas das próprias
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ondas. Era como se a música se fundisse com a maré, criando uma sinfonia única que ecoava através das águas. E, entre uma estrofe e outra, eles descobriam que cada nota compartilhada fortalecia os laços de amizade que os uniam. O mar, com seus segredos profundos e suas criaturas misteriosas, tornou-se o palco perfeito para esses pequenos heróis marinhos. Eles exploraram, aprenderam e se divertiram, enquanto as memórias de suas aventuras eram gravadas nas marés do tempo. À medida que o sol se punha no horizonte, tingindo o céu com tons de rosa e laranja, eles emergiam da água, com corações cheios de gratidão pela magia compartilhada com seus amigos alados. A alegria borbulhante das crianças-pinguins era uma força contagiosa que fluía através das águas do aquário, tocando os corações de todos os pequenos visitantes que ali estavam. Era como se a energia lúdica das crianças transformasse o próprio ambiente em um reino encantado de risos e surpresas. De todos os cantos, olhinhos curiosos brilhavam como estrelas em uma noite de verão, ansiosos para capturar cada momento daquela experiência única. As travessuras e brincadeiras dos pinguins-humanos eram uma verdadeira sinfonia de encantamento, uma coreografia de saltos e mergulhos que desafiava a gravidade e os limites da imaginação. A plateia formada por crianças de todas as idades e origens estava cativada por essa performance aquática, unindo-se a esse maravilhoso espetáculo com sorrisos radiantes e aplausos tímidos. Ali, no santuário de vidro que separava o mundo terrestre do oceano mágico, ocorria uma dança invisível de trocas emocionais. Aqueles pequenos pinguins e suas brincadeiras, como embaixadores da fantasia, construíam pontes entre o visível e o invisível, entre a realidade e os sonhos. E à medida que as crianças assistiam, uma conexão secreta se formava entre elas e os intrépidos pinguins. O aquário tornou-se um refúgio de maravilhas compartilhadas, onde a imaginação podia dançar livremente ao lado das criaturas marinhas. Enquanto os pequenos pinguins exploravam as profundezas da água com sua graça natural, as crianças observadoras se viam imersas em um mundo onde tudo era possível, onde a magia da natureza encontrava a magia do coração humano. E assim, nesse encontro entre alegria e maravilha, as crianças-pinguins e as criançasvisitantes formavam uma teia de conexões efêmeras e preciosas, costurando um laço de maravilhamento que se estendia além das fronteiras do aquário e se transformava em histórias compartilhadas, sonhos tecidos e sorrisos inesquecíveis. No ápice da narrativa encantada, como um relógio de contos de fadas que sempre aponta para o último capítulo, a hora chegou para Rebeca e Roberto retomarem suas
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formas humanas. Com um misto de relutância e aceitação, eles sentiram a magia cedendo espaço à realidade, e num piscar de olhos, seus olhos curiosos se abriram para um cenário familiar: estavam novamente diante da parede do aquário dos pinguins. No entanto, o rastro daquela aventura inusitada não se dissipou com o fim da mágica transformação. Como estrelas cintilantes no céu noturno, as memórias da jornada permaneceram acesas nos cantos mais profundos de seus corações. Cada riso, cada mergulho, cada palavra compartilhada com os amigos de penas deixara uma marca indelével em suas almas. E assim, com um suspiro de gratidão pelo vislumbre que tiveram do reino das possibilidades, Rebeca e Roberto se despediram do mundo dos pinguins e seguiram adiante com Gentileza, sua avó que os guiara por esse encontro mágico. Embora o espetáculo submarino tivesse chegado ao fim, ele se transformara em um daqueles preciosos segredos que nos lembram que a magia existe tanto nas páginas dos contos quanto na vida cotidiana, esperando para ser descoberta sempre que mergulhamos de coração aberto nas águas do inesperado. Como uma trilha de estrelas brilhantes que persistem no céu mesmo após o pôr do sol, o brilho de empolgação continuou a iluminar os olhos de Rebeca, Roberto juntos a querida avó Gentileza. Movendo-se pelo museu como exploradores destemidos, eles desvendaram cada segredo oculto nas profundezas do mundo marinho. Cada criatura, cada cor, cada textura se desdobrava como uma página de um livro encantado, contendo histórias de vida e mistérios insondáveis. A jornada continuou, e as três gerações compartilharam risos, compartilharam suspiros de admiração e trocaram olhares cúmplices que diziam mais do que palavras jamais poderiam. A avó Gentileza, uma guardiã de histórias e sonhos, compartilhou sua sabedoria enquanto caminhavam pelos corredores que ecoavam com os murmúrios do oceano. As crianças ouviam, absorvendo não apenas fatos científicos, mas também as lições mais profundas que o mar e seus habitantes podiam ensinar. Enquanto os corredores se desenrolavam à sua frente, Rebeca, Roberto e Gentileza sabiam que aquele era um dia que jamais se perderia na correnteza do tempo. A experiência como pinguins, ainda que mágica, havia criado laços indeléveis entre eles. A vida marinha não era mais apenas um espetáculo exibido através do vidro; era um universo de beleza que habitava seus pensamentos e sentimentos, expandindo a visão que tinham do mundo. Ao deixar o aquário dos pinguins para trás, o brilho nos olhos da família não se desvaneceu, mas sim ganhou uma nova qualidade. Era o brilho da maravilha
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compartilhada, a centelha que permanece quando a realidade e a fantasia se entrelaçam, quando o ordinário encontra o extraordinário. E enquanto Rebeca, Roberto e avó Gentileza seguiam seu caminho pelo museu, deixando para trás os pinguins e a experiência mágica, eles sabiam que carregariam aquele dia com eles, como um tesouro no cofre do coração, lembrando sempre que o Reino da Fantasia é tão real quanto qualquer parte de suas vidas encantadas.
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O conto da sereia e da morte Vaniele Franco*
*Vaniele Franco, 24 anos, autora de poesias e contos. Brasileira de uma cidadezinha do interior do Piauí chamada Piripiri, formada em letras português pela Universidade Estadual do Piauí e amante da literatura em geral. 129
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Era um belo dia de verão quando a sereia mais bonita do lago de Brightstone se apaixonou pela primeira vez. Todos sabem que quando uma sereia se apaixona, ela nunca esquece seu amado, e ela o necessita como o sol anseia pelo amanhecer para renascer novamente. O homem misterioso com feições tão apáticas olhava seu reflexo na água, seus dedos tocando a superfície do rio sem os afundar. Era impossível não perceber aquela presença; ele estava revestido por uma longa capa preta e parecia preso em sua própria mente. A criatura sobrenatural mergulhou e apareceu onde o nobre rapaz observava seu reflexo. Ele não pareceu surpreso nem tentou fugir gritando como os mortais comuns, e isso a deixou mais curiosa ainda. — Oi cavalheiro, você me chamou a atenção assim que pisou na beira desse lago. Corajoso por ter atravessado o bosque mais perigoso e místico de todo o reino - os olhos verdes e curiosos da sereia tentaram encontrar algum traço de vida nos olhos negros à sua frente. — Eu apenas estou por aqui fazendo meu trabalho, criatura das águas, nada de mais - ambos pareciam analisar a figura um do outro, os cabelos longos e escorridos da garota brilhavam mais ainda em contato com o sol, e a figura negra à sua frente era um contraste gritante com toda a cor da floresta ao redor. — E qual o seu trabalho, nobre cavalheiro, se me permite ser curiosa? — De que importa saber desse assunto? Não iria fazer diferença se soubesse ou não - ela não podia negar que aquele homem misterioso tem sua total devoção; quando uma sereia marca alguém, ela o quer até o fim. — Então pelo menos me diga seu nome. Devo chamá-lo de senhor ou... — Se isso te importa tanto, me chame de Abadon — a sereia abriu um sorriso e resolveu sair da água, sentando ao lado da figura preta a seu lado. O homem se mantinha em pé e observava a grande cauda da sereia batendo na água. — Você não perguntou, mas me chamo Anikin. É um prazer conhecer você. — Eu não ouço isso há muito tempo, mas talvez você apenas esteja achando que eu sou mais um que você irá carregar ao fundo das águas — ela foi pega de surpresa por essa fala, mas o desejo em seu coração ardia como fogo, e ela virou para encarar o estranho.
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— Eu não faço isso por querer, Abadon. Apenas faço porque amo demais e sou amaldiçoada por esse destino maldito em sua voz, o homem notou um pouco de tristeza. A sereia resolveu voltar novamente para a água, ficando com apenas sua cabeça para fora, as palavras do homem a tinham magoado, mas ela não podia lutar contra sua natureza. — Então, criatura... digo, Anikin. Eu nunca iria cair nesse seu encanto. Quando disse que estou a trabalho é porque minha função é deveras diferente. Por que você acha que eu cruzei esse bosque perigoso? Não sou um humano — a sereia se mantinha mais longe, apenas observando o homem. Ele tinha um cabelo liso que caía em seus olhos, aqueles olhos negros e sem vida. —Então, o que é você? Não consigo sentir nenhum tipo de magia vindo de você - ele soltou um riso mostrando seus dentes brancos antes de responder. — Talvez você me conheça por outros nomes. Geralmente, os humanos me chamam de desgraça, tristeza, morte ou o que mais gosto, ceifeiro! — Anikin abriu os olhos em descrença. Como ela poderia ter se apaixonado justamente pela morte, e o que ele estaria fazendo no bosque? — Está à procura de que, então, Abadon? Ou melhor dizendo, de quem? - a sereia retornou lentamente próxima da beirada do lago, onde o homem se mantém inerte. — Não acho que devo dizer a você. Isso não é de interesse de outras pessoas ou criaturas. Ele era como um escudo em forma de uma pessoa; ela simplesmente não conseguia o ler direito. — Abadon, quando você disse que eu carrego pessoas para dentro das águas... você é o primeiro por quem eu me apaixono e eu nunca fiz isso com ninguém mais — a sereia não conseguia esconder o seu rosto vermelho. Ela parecia não querer acreditar no que a figura negra à sua frente acabara de revelar. Ou talvez ela não ligasse se ele era o próprio ceifeiro. — Não importa o que você acha. Não poderíamos ficar juntos, nem se quiséssemos, sereia. Você teria que me levar para o fundo das águas, e eu simplesmente sou a morte, a personificação da tristeza e a desesperança dos humanos. Não vê que isso é impossível? Anikin tinha lágrimas formadas em seus olhos, que caíram em abundância nas águas cristalinas em que ela estava.
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Ela não esperou por despedida e afundou para as profundezas do lago. Foi a primeira vez que se apaixonou, e todos os dias ela se apaixonaria novamente por aquele homem, se pudesse. Abadon ainda parado no mesmo local olhava o movimento das águas agitadas pelo mergulho abrupto da sereia. Suspirou enquanto levantava o olhar para os céus, enquanto falava para si mesmo. — Tudo o que eu mais queria era poder te amar de volta, Anikin. Poder afundar nas profundezas desse lago ao seu lado e te ouvir cantar em meus ouvidos. Sua doce e bela voz que ecoa em meus sonhos mais selvagens. Todos temem a mim, mas quem eu devo temer? Não existe nada que me liberte desse peso de ser quem eu sou, de não poder escolher, e por que eu, de todas as criaturas, deveria ter isso? Eu não mereço nada! Ele voltou sua atenção para as águas novamente, ainda com uma dor em seu peito. O ceifeiro nunca tinha sentido nada assim antes. — Se eu pudesse te contar que eu te amei antes de você saber da minha existência, será que acreditaria? Me doeu ter que te tratar assim, e espero que um dia você me perdoe. Só espero que não seja logo, Anikin. A figura negra desapareceu pelo ar como uma densa fumaça, e uma única lágrima caiu no lago. Logo depois, uma densa chuva sucumbiu o ambiente em uma escuridão, quase como se a tristeza dos dois amantes tivesse tocado algo mais superior que estivesse observando tudo.
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O encanto que nos cerca Cyro Baylão*
*Cyro Baylão, nascido em 03 de maio de 1989, é um advogado e escritor. Obteve sua graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Desde a infância, nutre uma paixão por jogos de RPG, o que sempre o conectou com a escrita criativa. Sua contribuição abrange uma variedade de projetos, nos quais desempenhou um papel fundamental na elaboração de conteúdo para zines e antologias. 133
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A humana observava com ar de adeus os últimos raios de sol que se dissipavam no horizonte. Ela ainda não se acostumara como eles pintavam o céu de dourado, violeta e turquesa naquele reino encantado. No pátio do majestoso castelo, ocorria a despedida da jovem corajosa e destemida. O rei duende agradecia com águas nos olhos: — Elora, muito obrigado. Graças a você nosso reino pode voltar a viver em paz. — Não fiz nada. Apenas mantive em meu coração a certeza de que o bem prevaleceria. — Não diga isso. Graças a você, a paz voltar a reinar nas terras das fadas da Floresta Mágica. — Não foi nada. — Afirmava com falsa modéstia. — Era apenas influência daquela bruxa malévola. E até mesmo no coração dela, o bem resplandeceu e ela conseguiu alcançar a redenção. Príncipes e princesas se aproximavam com olhares de gratidão e respeito. Alguns curvavam-se, outros apertavam suas mãos e, ao fundo, uma doce melodia de flauta ecoava, tocada por um habilidoso sátiro. As fadas voavam ao redor de Elora, deixando um rastro de brilho e cores em seu caminho, como se quisessem agradecer através da beleza mágica que possuíam. Os duendes, normalmente tímidos, sorriam e acenavam, transbordando de alegria. Os reis e rainhas dos reinos encantados longínquos vieram prestar suas homenagens. A sábia e gentil rainha encantada, segurou as mãos da humana e disse com ternura: — Você trouxe luz e esperança ao nosso reino, e jamais esqueceremos sua bravura. — Que isso, não foi nada. — Encobria seu ego sob um manto de humildade. — Não tenho poderes, mas tenho coragem. Até mesmo a própria bruxa, que antes era malévola, apareceu, mas desta vez em uma forma redimida e gentil. Ela agradeceu à humana por ter mostrado o caminho da esperança e do perdão, transformando o ódio e a vingança em amor e compaixão. Com uma capa colorida e um olhar de respeito, o grande mago feérico se aproximou. Ele veio prestar sua gratidão e respeito pela humana através palavras de sabedoria e conhecimento. Ele, mais que ninguém, reconhecia a força que Elora mostrara ao enfrentar os desafios e salvar o mundo mágico. Entretanto, ele falou as palavras que ela menos queria escutar: — Está na hora de ir, campeã dos reinos encantados.
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Um lamento uníssono ecoou entre todos os presentes, repleto de tristeza. Instantaneamente, os seres encantados do local passaram a ter lágrimas de felicidade e saudade ao mesmo tempo nos olhos de todos. Eles sabiam que, apesar da despedida, a lembrança da corajosa jovem que salvou o reino viveria para sempre em seus corações e canções. — Eu não posso ficar mais um pouco? — Você é sábia o suficiente para saber que aqui não é o seu lugar. — Mas aqui é perfeito. Até o ar daqui é de uma beleza mágica, onde a harmonia entre seres fantásticos e natureza se entrelaçam em uma dança encantadora. Enquanto dizia, a humana dançava de forma radiante e inocente. Um balé deslumbrante que era possível ver o rastro de beleza que deixava no ar. — Você fala isso pois não é daqui. Quando eu visitei os seus reinos eu os achei infinitamente mais encantados que este. — Você está brincando comigo. — Respondeu em tom surpreso. — É verdade. Lá as pessoas conseguem viajar distâncias enormes em cima de cavalos de metal. Eram capazes de se comunicar uma com a outra com uma espécie de caixa mágica. Vocês conseguem controlar a temperatura do ar dentro de um quarto. E vocês têm tantas luzes que até mesmo as estrelas são ofuscadas. — Mas aqui existe a paz, a natureza e a magia. — E por acaso você não tem isso no seu mundo? — Não em todo lugar. E não magia. — Aqui também não é em todo lugar. Tanto que você teve que nos ajudar com a bruxa. E como você chamaria andar dentro de uma minhoca de metal debaixo da terra, senão magia? — Mas isso é tecnologia. É bobeira. — Isso é magnífico. Nas pequenas alegrias do cotidiano, reside a verdadeira magia da vida, que muitas vezes negligenciamos. — O senhor provavelmente está certo, como sempre. Eu vou sentir falta de vocês.
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— Todos gemeram de tristeza ao mesmo tempo. — Mas, mago, eu sou a escolhida. Talvez meu destino não seja voltar para casa e sim ficar aqui. — Você é a guia do seu destino e condutora da sua alma. — Afirmava o arcano. — Mas você tem que entender que a felicidade vem de você e não até você. — Odeio sua sabedoria. — Disse com sorriso e tristeza nos olhos. — Mas eu nunca mais vou ver vocês? — Espero que sim. — Eu gostaria muito de vê-los novamente. — Para isso vou lhe dar meu último e mais valioso presente. O mago lhe apresentou uma moeda feérica dos Reinos Encantados. Elora não sabia exatamente do que se tratava, mas somente pela aparência tinha certeza de que aquilo era uma verdadeira joia da magia, forjada por habilidosos artesãos gnomos. Ela era feita de um metal raro e misterioso que irradiava um brilho suave, semelhante ao reflexo da luz da lua em uma noite estrelada. Ao segurá-la, a humana notou que superfície da moeda era lisa, mas à medida que a manuseava, podia sentir uma leve textura que se assemelha ao toque delicado das pétalas de uma rosa. Ela questionou ao mago: — Olha essa estrutura ricamente detalhada. E esses símbolos mágicos entalhados em alto-relevo, o que eles significam? — Observe, campeã, que na face principal da moeda, há a imagem de uma árvore majestosa, cujos galhos se estendem em direção ao céu e cujas raízes mergulham profundamente na terra, simbolizando a conexão entre o mundo natural e o mundo mágico. Folhas e flores de diferentes formatos embelezam o entorno da árvore, representando a diversidade e a riqueza da vida na floresta encantada. Na face oposta, está gravada a figura de uma fada, em uma pose graciosa e etérea, lembrando-nos da presença mágica e dos seres encantados que habitam os reinos encantados. As asas da fada brilham com um esplendor suave, como se capturassem a luz da aurora e a difundissem pela moeda. — E esse bordo da moeda adornado com pequenas inscrições rúnicas? — Esses significados são conhecidos apenas pelos guardiões dos segredos antigos. Essas inscrições amplificam o poder mágico da moeda e protegem seu portador
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contra influências malignas que possam tentar impedi-lo de regressar aos Reinos Encantados. — Como assim, regressar aos Reinos Encantados? — Perguntou a escolhida com sorriso esplêndido no rosto. — Com essa moeda, você será capaz de retornar ao nosso reino. Ao segurar a moeda nas mãos e adentrar em qualquer floresta, um brilho intenso e dourado emanará dela, evolvendo-lhe em um casulo de magia e proteção. Dizem que essa sensação é como se estivessem sendo abraçados pela própria natureza e guiados por uma força benevolente. — Então poderei retornar aqui? Jura? — Perguntava dando pulos de alegria, literalmente. — Sim, mas apenas uma última vez. A face da humana esmaeceu. Apesar de feliz com a possibilidade de um retorno, não conseguia esconder sua frustração que somente poderia fazê-lo mais uma vez. Entretanto, não ousaria reclamar pois tinha noção do que aquele objeto significava e da grandiosidade do presente que estava recebendo. Mesmo sem conhecimento específico, era claro como o sol que essa moeda era considerada um tesouro para os seres encantados. Sua mística e beleza transcendiam a imaginação, e era um símbolo de esperança e reencontro com o mundo mágico que, provavelmente, poucos tiveram a honra de experimentar. O mago notou a tristeza e decepção da heroína. Nesse momento, tentou dar um conselho de despedida: — A mente é atraída pelo exótico, pelo desconhecido, pelo que foge aos padrões habituais. Por isso, nosso reino lhe parece tão maravilhoso. É a sua efemeridade que preservará o seu fascínio por ele. — Disse em tom sereno e carinhoso. — Contudo, é justamente nessa busca incessante pelo extraordinário que negligenciamos o encanto genuíno que se esconde nas coisas simples. O canto dos pássaros ao amanhecer, o aroma da chuva após uma longa seca, o sorriso acolhedor de um amigo, a beleza de uma flor que desabrocha. São tesouros preciosos que estão lá o tempo todo, mas que, por estarem sempre diante de nossos olhos, deixam de ser notados. Lembre-se: a felicidade vem de você e não até você. Ela sorriu de maneira triste e feliz ao mesmo tempo. Um sorriso que somente poderia existir naquele reino. Com os corações cheios de gratidão, os seres encantados fizeram uma última reverência à Elora, enquanto ela sorria e acenava com carinho para cada um deles. Então, ela foi em direção ao portal mágico que a levaria de volta
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ao seu mundo, levando consigo as memórias de suas aventuras e a amizade que construíra naquele reino encantado. Mas antes de entrar no portal, o mago disse: — Abra o coração para ser capaz de apreciar o espetáculo que o seu sol os oferece todos os dias, sem alarde, porém com esplendor incomparável. Ao emergir do outro lado, Elora percebeu que não estava mais nos reinos encantados. Em vez disso, ela se encontrava de repente em sua própria cama macia, no conforto de seu quarto. A porta se abriu e sua mãe entrou, dizendo: — Minha filha, não é hora de criança estar acordada. Amanhã você tem que ir para a escola. — Não se preocupe, mamãe, foi apenas um sonho. — Respondeu Elora. A mãe fechou a porta, e a criança se deitou novamente, tentando pegar no sono. No entanto, era difícil adormecer, pois Elora não conseguia deixar de pensar em sua nova moeda mágica. Ela a admirava enquanto tentava finalmente descansar.
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O grotesco e o milagre Felipe M. Oliveira*
*Felipe M. Oliveira é escritor de ficção fantástica e histórica. Publicou os livros "O Olhar do Falcão" e "O Anão e o Dragão", além de diversos contos em antologias. É fã de J. R. R Tolkien, Bernard Cornwell e Robin Hobb. 139
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A floresta escura ficou em silêncio. Quando a criatura ameaçou atacar, não tive outra escolha a não ser desembainhar Dente de Dragão e mantê-la com o gume em direção à sua boca aberta. Nunca havia visto seres tão estranhos quanto os que encontrei aqui no Novo Mundo. Antes de vir pra cá, comentaram que seria uma terra de fácil riqueza e muito descanso. Talvez para um humano normal, não para mim. De um salto, o bicho avançou. Esquivei-me com uma guinada para trás e, após a fera ter tocado as patas no chão, seu único olho vermelho — imenso no meio da cabeça — emanava sensações de insanidade, afobação e ódio bestial. A fera tinha o corpo semelhante ao de um homem — se é que o corpo de uma criatura com dois metros de altura coberto por uma grossa pelagem marrom poderia ser comparado à espécie humana. — O único olho no centro da cabeça e a boca repleta de dentes pontiagudos localizada no meio da barriga tornavam nítida a origem abominável. Lembrei dos aldeões reclamando que seus porcos, galinhas e algumas crianças estavam desaparecendo nos últimos tempos. Ao me ver, a certeza de mais uma refeição fácil pode ter atraído o monstro. Mas ele não esperava ter se deparado comigo. Ah, mas não esperava, mesmo! Tudo bem que eu também não aguardava um encontro destes. Vim para o Novo Mundo em exílio. Minha carreira havia acabado. Passei meses na mesma nau que dezenas de outros marinheiros. Passamos fome e sede. Enfrentamos tempestades em alto mar. Monstros marinhos espreitavam à distância, pois eu estava lá. Das sete embarcações que saíram dos Algarves, apenas três chegaram aqui. — Afinal de contas, não consigo cuidar de todo mundo. — Dente de Dragão é uma espada medieval, criatura! — bravejei. — Ela passou séculos lutando contra seres como você, enviados das entranhas da Terra para atormentar o ser humano. Não pense que me intimidará. Óbvio que a fera não entendeu. Após um brado rouco e bestial, os dois grandes braços avançaram em minha direção com as garras ainda banhadas pelo sangue coagulado de sua última vítima, provavelmente algum felino de médio porte. Aparei o golpe com o lado da lâmina da minha espada de dois gumes. Firmei ambos os pés, mas não consegui empurrar o monstro para trás.
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“É, Fernão. Você está perdendo o jeito, mesmo.” — pensei. Estava na hora de eu me aposentar. Mas não havia um lugar melhor? Talvez as Índias e suas especiarias... Com um baque surdo, a criatura me chutou para longe. Bati com as costas em uma árvore grossa e caí de bruços no chão, meu comprido cabelo escuro esparramado e a barba curta suja de lama. Olhei para minha arma. Eu nunca gostei de pistolas de pólvora ou outras armas de fogo. Dente de Dragão estava comigo desde a minha juventude. Porém, uma espada é boa para lutar contra alguém que também porte outra espada, ou no máximo uma lança ou um machado. Atacar uma fera que possui uma envergadura de quase duas vezes o seu alcance não era nada fácil com a arma que eu portava. Além disso, eu não queria usar de minhas habilidades aqui neste lugar. Vim para este continente para descansar. Atravessei o oceano para um exílio até o final dos meus dias. Mas... Não encontrei outra alternativa. Direcionei a ponta da lâmina de Dente de Dragão para baixo. Firmei os pés no chão, me apoiei na espada e levantei. Encarei o único olho vermelho da criatura. Apesar dos urros grotescos emanados pela bocarra na barriga do monstro e do olhar demoníaco em seu descomunal olho vermelho, não me intimidei. Fiz contato mental. A criatura levou um susto. Acho que ela nunca havia se encontrado com outra pessoa como eu. Confusa, ela estacou, não se decidindo se avançaria ou fugiria para dentro da floresta. Comuniquei-me mentalmente: “— Volte para a imundície obscura de sua toca, monstro!” Entendendo que eu buscava comandá-la, a fera não aceitou e avançou contra mim com um ódio assassino. A selvageria de seu ataque também deixou a criatura menos atenta. Abaixei-me e desferi uma rápida investida contra seu tornozelo esquerdo, tão certeira que fez o grandalhão se desequilibrar e tombar com o joelho no chão. Dente de Dragão finalmente experimentou o sangue de um monstro aqui no Novo Mundo. Não é porque nasci com um dom diferente de pessoas normais que eu gosto do que faço. A verdade é que sempre fui escarnecido, desde criança. Desde a morte dos meus pais. Desde a educação na escola do seminário. Eu era um diferente em meio a
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muitos iguais. E, por ser incomum, raro, estranho, só era valorizado quando minha diferença poderia proporcionar algo de valor. Quando a ameaça provinha dos locais mais nefastos do velho continente, me convocavam: Fernão Pascoal. O Lobo-ibérico. O hipnotizador de monstros. Ainda pressionando mentalmente o nefasto ser, três rápidos golpes com Dente de Dragão acabaram com a vida daquela criatura. Minha cabeça ficou zonza e eu tombei desmaiado no chão.
***
Dias depois eu estava na taverna da vila quando alguns aldeões da região me contaram que eles haviam recebido um milagre, uma grande bênção de Deus e Maria Santíssima. Orientados pelo padre e depois de muito jejum e oração, os porcos e as galinhas que criavam pararam de desaparecer, as mulheres podiam lavar roupa no rio em segurança e as crianças brincavam sem perigo na mata. Claro que eu concordei com eles. Afinal, tudo o que aconteceu realmente poderia ser considerado como um milagre. Tomei meu último gole de cerveja, paguei o taverneiro e fui embora. No caminho, lembrei do buraco fundo que eu tinha cavado no chão da floresta, onde joguei o corpo morto da fera e ateei fogo. Milagres acontecem, às vezes. Eu acredito nisso. Mas algo que eu não acredito é que os seres perversos vão me deixar em paz. Talvez tenha sido só aquela criatura. Talvez. Pode ser que agora eu consiga descansar neste Novo Mundo.
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O homem que tocou Lactea Marcel Enok*
*Marcelo Stoenescu é desenhista e produtor, fotógrafo ambientalista e paisagista, dono do blog stoenescu.blogspot.com "Fazendo Arte em qualquer parte", escreve textos, poemas, publica desenhos e fotos de projetos ambientais no Flick, blog e Instagram. Na literatura, escreveu Além da Criação e Remanso Madrugada, livros de contos totalmente ilustrados, nos anos 80. Em 2016 foi o ganhador do Prêmio Literário Línguas & Amigos, na categoria não ficção com o livro: "No jardim de Ângela"histórias de um professor na periferia”. 143
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Artaud e Marcel se preparavam conforme os costumes dévicos. O éter daquela clareira amenizou-se. Por todas as copas das árvores, elementais das mais variadas hierarquias, acocorinhavam-se pelos galhos. Milhões de fadas chegavam voando em círculos perfeitos, criando mandalas e emanando a bondade dos seres da outra dimensão. Marcel pegou sua espada e a levantou aos céus. Um facho de luz azulada desceu dos céus e fitou a espada. Artaud fez o mesmo, e um facho também iluminou sua espada. Começaram um duelo de espadas flamejantes, com os dois produzindo estrondos de luzes quando cingiam o bronze. Era uma luta medieval em plena Era de Aquarius. As flores se multiplicavam quase que instantaneamente, conforme cingiam as espadas e espalhavam energia por todo o lugar. Tonalidades da energia invadiam os olhos dos guerreiros fazendo seus chacras expandirem de energia, quando pararam. Toda energia a volta desacelerou-se e a magia diminuiu de intensidade. Marcel levantou a espada e partiu como num raio para o hiperespaço em questão de segundos. Viu a via láctea a sua frente e sorriu. Sentiu o fluxo de energia para o centro da via. Sentiu os braços da via mais perto como se quisessem abraçá-lo. Voava para o centro com rapidez e sabia que a velocidade era equivalente a bilhões de anos-luz. Sentiu o pulsar gigantesco que aumentava de intensidade quanto mais se aproximava. De repente, estava diante de um imenso coração que pulsava incessantemente. Estava diante do coração da via láctea, que ia absorvê-lo e desintegrá-lo, transformando-o em antimatéria e seus átomos retornando sob a forma de estrelas em um de seus braços. Alguém um dia ao olhar para o céu com um telescópio veria o rosto de Marcel na forma de uma estrela. Seria um bonito fim para Marcel que teve medo. Um sentimento humano misturado com paixão tomou conta de seu coração. Seria uma dádiva se isso realmente acontecesse. Pensou na possibilidade e temeu. O medo assolou-o e tomou conta do seu espírito. Não era ainda a sua grande hora. O temor cresceu ao mesmo tempo que o coração da grande mãe láctea queria absorvêlo. Sentiu uma outra força puxando-o ao contrário do grande coração e foi jogado na direção contrária. Viu o coração de láctea se afastando cada vez mais e seus braços deram-lhe um triste adeus. Sentiu que de uma forma ou de outra, ela queria agradecer a visita deste estranho ser. Agradecido, voltou ao seu corpo que o fez retornar para o vale de onde partira. Acordou com a lâmina de Artaud no pescoço. “tive que neutralizar seu chacra faríngeo para que você voltasse ao seu corpo”. Disse Artaud a Marcel.
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Artaud ajudou Marcel a levantar-se com a força de um guerreiro de poder, com o respeito de um adversário a altura, buscando a liberdade do voo e justiça para esse voo perdurar… Guardaram a espada na bainha, fitaram-se e falaram na estranha língua: “-Taobé set Anok”. Quer dizer: “Energia para Anok”. Marcel despediu-se de Artaud e começou a andar pela floresta onde havia deixado seu hilfo* brincando com cogumelos andantes. O hilfo* era azulado e assemelhavase ao cavalo-marinho, só que com asas de libélula. O objetivo de Marcel sempre foi tocar o coração da via Láctea e tocar o centro da galáxia, o centro do universo, o ponto ômega onde o bem e o mal cessam de ser vislumbrados contraditoriamente. Marcel fez alguns exercícios respiratórios iogues e deitou-se. Foi quando Bárbara colocou placas de ginsêng em suas costas harmonizando sua cruel condição humana; prisioneiro da carne e da existência passageira. Marcel se preparou por um longo período para o ritual da espada, e não tinha nada em sua mente além do desejo de tocar o coração da via Láctea. A mãe Láctea abrira seus braços e o acolheu como um filho das estrelas. Que poder teria adquirido Marcel se tocasse o coração de Láctea? Marcel então foi descansar em uma cápsula de cristal, uma espécie de casulo energético por um longo tempo. Somente no duelo, um ou outro tocaria o coração da via Láctea. E quem o fizesse, seguiria para a eternidade no convívio com os planetas do universo. O outro, desintegrado na hora. Artaud era um grande mago com estudos profundos de magia e fórmulas, e procedimentos de acúmulo de energia que eram a tradição da primeira linha dos devas. Marcel elevou-se por sobre as pastagens de trigo e viu ao longe, grandes cocos amarelos que se destacavam por sobre as copas dos coqueirais que beiravam uma grande montanha, onde pomposo, o obelisco estava. Seu desejo de voar se materializava sob a forma de duas lindas asas de libélulas, transparentes e rebuscadas com o puro ouro. Alçavam a altura de 3 metros e balançavam suavemente por sobre a sua cabeça. Suas asas batiam no ar sentindo o peso do corpo forçando os músculos para uma posição de recepção energética sincronizado nas correntes telúricas da floresta e partiu em direção à “boca celeste” que se postava a sua frente. Suas asas se
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fortificavam a cada bater, a cada pulsada brusca, toda musculatura se estruturava energeticamente e crescia ao se aproximar da “boca celeste”. A boca chamou pelo nome de guerreiro e suas asas obedeceram e pulsaram cada vez mais rápido. Sentia com o pulsar, seus ombros, cabeça e pernas, esticavam em movimentos opostos alongando seu corpo como que elástico. Conforme se aproximava da boca, a elasticidade aumentava e Marcel crescia esticando. Ao aproximar-se da boca e do espaço sideral, seu corpo mede 50 metros esticando na forma de um filamento que o ligava as correntes do universo. Este filamento percorria as galáxias e mundos distantes mantendo-o ligado a bateria cósmica lá embaixo, seu corpo. O filamento passou por dentro da boca como um relâmpago que cruza os céus à uma velocidade além da luz. O filamento de energia se projetava no espaço em espiral até diminuir de velocidade e parar. Agora seu corpo filamento estava coberto por glóbulos de luz amarela com um ponto violeta no centro dos glóbulos. Uma luz fosforescente cobria seu corpo. Marcel levantou o braço e sentiu o corpo gelatinoso e ver o sangue pulsar por todo o corpo, seus órgãos e olhos como pontos de luz violeta. De seu coração emanava uma luz rósea e os ossos sumiram, pois não haveria lugar para um amontoado de cálcio. Em seu lugar surgiram luminosas, fibras ópticas. Sua estrutura se metamorfoseou. A frente, mãe Láctea o esperava de braços abertos, novamente.… Clamava-o com amor e contente em vê-lo. Marcel sentiu que agora poderia tocá-la finalmente e ser envolvido por seu coração lácteo. Poderia tocá-la sem medo com seu corpo gelatinoso protegendo das forças cósmicas do seu coração. Sua energia condensada era controlada por um fio prateado maior. chegou perto do coração devagar, percebendo se fundir com Láctea em um só. Aquele imenso coração pulsava mais forte e o sentido auditivo ia explodir de tamanha intensidade. Aproximou-se devagar como se andasse pelo universo flutuando. Chegou no coração, tocou-o com os dedos, agora um filamento de fibra óptica. Era um ser flamejante, e a energia do coração de Láctea passou para Marcel. Seus chacras estouraram de energia. O coração da grande mãe o confortou e seu corpo cresceu alguns metros, mas voltou ao normal. Marcel renovou a energia atômica estabilizando o corpo astral. Sentiu dois braços fortes o abraçando e o calor tomou seu corpo gelatinoso, agora só luz. Quanto mais amor recebia, mais seu corpo aumentava, até a dimensão de uma galáxia e seus trilhões de extensão e bilhões de planetas. Sentiu-se do tamanho dela, da mãe Láctea e abraçou-a com amor, tal como o filho abraça a mãe, e sentiu saudade
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de abraçar a mãe, hoje só em sonhos. Sentiu o calor pelo corpo, segurou-a pelos braços e olhando-a nos olhos sentiu amor e paixão e chorando disse: “mãe”. Ficaram juntos um bom tempo abraçados. Ao lado, uma estrela explodia em uma anã branca tornando-se uma estrela de sétima grandeza. O tempo, conectou-se no universo ligado por estes filamentos que o levavam ao final, ao criador. Seu corpo gelatinoso percorria o universo até o criador. Buscou em cada estrela e planeta, nos cantos do universo a essência divina, a onipotência da criação. Despediu-se da mãe e seguiu os filamentos ao âmago do universo. A centelha divina voltando à luz. Os dois pontos unidos no âmago do universo se separaram e um foi para um lado e a matéria se deu por criada, e o cosmos se formou da explosão da luz. A energia da pérola solar do centro da Terra harmonizou Marcel na floresta. Desacordado, Marcel pegou a espada e embainhou-a. Começou a andar por um caminho que o levaria de volta a sua casa e ter a companhia de sua filha Bárbara e do amigo guerreiro Artaud. Conforme caminhava, as lembranças do olhar da sua mãe lhe vinham à mente e o seu sorriso brilhava no seu coração para sempre, até um
dia poder encontrá-la novamente...
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O meu amor é valente Maurício Lucas*
*Maurício Lucas, natural de Belém-PA, libriano, militar, transeunte irrequieto pelo mundo das artes em geral. Amante de esportes, cinema, leitura, viagem, música... Ativo, principalmente na presença de Deus e no amor da família e amigos. 148
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E minha menina nascera. Viera ao mundo estreando a beleza do ébano. Minha princesa recebera o nome de Kolli. Nossos antepassados ficariam orgulhosos de ver a chama divina em seu semblante, marcando singularmente a estirpe da família Bravus. Minha alteza trouxe a luz da qual o nosso povo precisava; pois há muito tempo se propagava a chegada daquela que colocaria as 12 tribos de Proko ao encontro de uma nova era. Desde a mais tenra idade, a princesa havia estado em diferentes clãs, participando do dia a dia, aprendendo a importância de respeitar cada indivíduo, cada modo de ser, sobretudo procurando interagir a fim de conquistar o respeito e admiração, senão de todos, mas, pelo menos, da grande maioria. Ah, tempo, sei de sua força, sei que urge, sei de sua inexorabilidade; mas essa fase é, a meu ver, a mais bonita da trajetória humana, infância, seja mais paciente. Afinal, este pai tem o brilho nos olhos ao vê-la radiante e feliz, sim, Kolli, brincando serelepe. Tudo a seu tempo, tempo. Certa manhã, ao brincar no campo, a princesa Kolli encontrara um pote de barro, aparentemente, muito antigo. Levado aos anciãos, confirmou-se que havia alguns pergaminhos. Felizmente, tratava-se de fontes fidedignas sobre o relato da iluminada. O mais antigo, dentre os sacerdotes, ao lê-los, ficara estupefato. Começara a saga daquela intitulada: a iluminada. Prezo os bons costumes, valores e princípios que norteiam a sociedade em que vivo. Minha filha Kolli fora alimentada e nutrida assim. Mas sabemos o quanto é penoso digladiar, incessantemente, contra o mal. E o mal, furtivamente, sobressaíra e ganhara fôlego para atacar. Fôramos atingidos por uma nefasta endemia. Essa filha do mal estivera presente em outras épocas. Agora, mostrara-se sedenta de ceifar mais vidas. O tempo passou e Kolli tornara-se uma linda, sábia e destemida guerreira. Vendo de imediato as consequências advindas da peste denominada Nuim, as 12 aldeias se reuniram e montaram um plano de ação. Sabedores das dificuldades a enfrentar, kolli, a iluminada, assumira o papel de líder, unanimemente. Nesse ínterim, eu, seu velho pai, chamara para uma conversa. — Querida e amada filha, infelizmente, tal doença também me atingira; assim como, afetara o seu amado príncipe. Rogo a Deus que ao subir a montanha dos mortos, esteja à mercê dos bons e reluzentes pensamentos, e que retorne incólume para o bem de todos. Esta pedra Cirela servirá para protegê-los. Se por acaso cabeças
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rolarem, o pai sempre estará com você; e, bem perto do coração, estarei a protegê-la. —Pai, nossas vidas pertencem a Deus. Eu e os demais guerreiros saberemos agir. Despediu-se do pai; e, num sorriso, partira. Seu príncipe seguiu-a com seu olhar, até não avistá-la mais. Os principais guerreiros das tribos acompanharam-na; e, juntos, foram ao encalce da Punzel, rara flor só encontrada nas montanhas, contendo o antídoto descrito nos pergaminhos. Seguiram viagem a cantar, mas certos de que o tom de alegria não duraria muito. Chegando ao sopé da montanha, uma vasta floresta, a exalar medo e morte, recebeu-os. Não havia tempo a perder. Adentraram-na. E, após algumas horas, depararam-se com forças sobrenaturais a atormentar os pensamentos. Batalha árdua, levando alguns ao delírio e desespero. — Princesa Kolli, ajude-nos! Suplicou alguém. — Não temam, permaneçam à luz de bons pensamentos, dissera Kolli; pois lembrara-se do conselho do pai. Após tamanho infortúnio e pressão mental, alcançaram a ponte dos esquecidos, combalidos. Nessa região de penumbra e gritos, até o mais bem preparado guerreiro sentia-se ameaçado. Ao atravessá-la, gigantescos morcegos apareceram e começaram a atacá-los, jogando-os alguns no abismo. Num relance, a princesa Kolli pegara sua espada a degolar seus caçadores um a um. Mas eram muitos. De repente, uma luz forte marcara seu bolso. Era a pedra Cirela. Ao retirá-la, a noite se fez dia, afugentando as criaturas. Ao alvorecer, os sobreviventes avistam o castelo cujo nome Hontas as profecias indicavam ser o local exato do crescimento da flor Punzel. Exaustos, mas confiantes, chegaram ao pórtico, onde havia o seguinte dizer: “Ser uma Valente requer coragem e bravura”. Entenderam, então, que somente aquela predestinada poderia entrar. A sorte estava lançada. Chegara o momento da verdade. Kolli sabia de sua responsabilidade. Com muita fé adentrou, observando os esqueletos aos montes, adornando o chão. Não comera há algumas horas, sendo sua visão bombardeada por miragens de um lindo pomar enfeitiçado, deixara a sua guarda indefesa. Bem à frente uma frondosa macieira erguera-se, convidando-a. Num piscar, em sua mão, mordera aquela suculenta fruta, vindo a sentir fortes dores por todo o corpo. Pensara! O que fazer?
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Pai, pai...balbuciou a princesa. E, em sua derradeira ação, colocara as mãos na direção do coração e percebera, ao chão, um diamante no formato de coração, vindo a segurá-lo. — Seu amor a salvou, amada filha, dissera o pai, colocando-a nos braços. — Pai, pronunciara a princesa, chorando. — Não estou com você fisicamente, filha, mas no amor, sempre. — Erga-se, amada filha, recolha o possível da flor Punzel, regada por suas lágrimas e salve o nosso povo. De volta à aldeia, Kolli e os demais destemidos guerreiros foram recebidos com festa. Logo providenciaram a poção do antídoto a todos, principalmente, àquele a comandar o seu coração. E as 12 tribos tornaram-se uma só. A agora rainha Kolli ao visitar o túmulo do amado e saudoso pai, chorou ao ler em sua lápide: “ O meu amor é Valente.”
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O reino da música Sonia Regina Rocha Rodrigues*
*Sonia R. R. Rodrigues é santista, médica aposentada, sempre teve a literatura como vocação paralela e participou de vários projetos culturais. 152
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Comecei a perceber esses dois mundos distintos quando eu era criança. Um era o mundo da escola, em que as amiguinhas e eu aprendíamos o B A BA e que existia das sete ao meio dia. Depois havia o mundo da música, onde uma realidade diferente acontecia, todas as tardes, das cinco às sete. Nas outras horas, o mundo normal e insípido por onde eu atravessava meio que dormindo. Eu só existia verdadeiramente na escola e no conservatório musical. A turminha da escola era alegre e queria brincar o tempo todo. Pega-pega, escondeesconde, roda de ciranda, pular corda, muitos risos e o carinho das professoras cuidando da gente, sempre risonhas. No Conservatório Lavignac havia música. Professoras talentosas que falavam de homens excepcionais capazes de ouvir uma tal de “música das esferas”. Jovens que se esmeravam em tirar lindas melodias de instrumentos diversos, treinando horas a fio diariamente para adquirir uma habilidade bonita que não parecia ser útil para as atividades do cotidiano, mas que carregavam meu espírito para longe, para um reino misterioso que nada tinha a ver com as coisas comuns. Como eu queria entrar nesse mundo de belos sons! Todos os meses, havia no Conservatório uma audição, onde os alunos tocavam seus instrumentos e eu sofria por ser a única que errava; pois sempre havia um dedinho que trocava uma nota, acelerava o ritmo ou aquele momento terrível em que vinha um branco eu só não parava de tocar por vergonha, seguia em frente inventando um trecho qualquer no teclado do piano. Minha mãe dizia que ninguém percebia meus erros, que os outros também erravam e eu é que não percebia por não conhecer as músicas dos níveis mais avançados. A professora suspirava e dizia que eu deveria decorar com precisão as peças e não compor variações sobre o tema. Então era isso que eu fazia, criava variações sobre o tema melódico. Se eu fosse um Chopin, então, eu poderia criar, mas eu era um reles aluninho. A professora explicava que não havia nenhum problema em compor desde que essa fosse a intenção, mas no horário da audição o que se pretendia era interpretar a partitura. As audições eram longas, haviam muitos alunos e para mim era quase impossível ficar sentadinho, parado e quieto. Até o dia em que eu vi o silfo. Aquele ser pequenino voou ao meu redor e pousou no ombro do violinista da vez. Maravilhada, eu entrei em transe. Comecei a ver dezenas de outros pequeninos seres que esvoaçavam por todo o salão. Duendes feios, gordos e de caras rechonchudas,
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marchavam ao som de Wagner, fadinhas circulavam ao redor dos vasos de flores ao som das valsas de Strauss, criaturas mágicas do meu tamanha, corpos translúcidos e roupas estranhas tocavam flautas e violas que ninguém além de mim ouvia. As minhas amiguinhas da escola não pareciam se entusiasmar quando eu tentava explicar esse outro mundo. Elas cantavam as cantigas de roda, os refrões das feiras e os jingles das propagandas, mas nada disso pertencia ao mundo da música clássica em que eu vivia. Assim eu percebi que existiam muitos mundos dentro da realidade. Nunca fui capaz de adentrar o mundo dos maestros e dos músicos das orquestras, meu talento não chega a tanto, e como eu não sei compor, nem reproduzir de cor as obras clássicas, abandonei os estudos mas nunca esqueci a harmonia. No mundo da música popular eu também viajo nos sons, mas nesse caso o ritmo não atrai os seres fantásticos esvoaçando no ar. Dou aqui o meu testemunho de que os reinos encantados existem, sim, eles se misturam com o nosso em certos momentos especiais, e um desses momentos é quando pessoas são convidadas pelos sonoridade de uma execução exemplar e se deixam levar, em transe, para essa outra realidade mágica, que toca o fundo da alma. Embora nem todos tenham a capacidade de enxergar os elementais, como eu, todos percebem que a Beleza existe, e que ela não é deste mundo.
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O Reino Escondido: uma jornada em Éldora Jefferson Machado*
*Jefferson Machado é professor de História e jornalista. É um entusiasta da leitura, especialmente de contos variados, e um ávido espectador de séries de ficção científica, sendo um grande fã de Star Trek. Nos finais de semana, pode ser encontrado praticando sua outra paixão: a corrida. 155
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Faz alguns meses que eles se mudaram para minha rua. O Sr º Nestor, tinha por volta dos seus 60 anos, de barba e cabelos grisalhos, de estatura baixa, barriga volumosa, usava óculos de armação transparente. Todos os dias que eu ia à escola, passava à frente de sua loja que iria inaugurar. Ficava curioso, pois sempre o via arrumando e organizando as prateleiras. Na verdade, toda a vizinhança se encontrava entusiasmada. Mas como seu Nestor era um homem muito recatado, pouco sabíamos. Ele tinha uma filha, de pele clara, que fazia o 1.º ano do ensino médio. Ela entrou no segundo semestre e caiu bem na minha sala. Sentava à frente nas aulas e sempre tinha as respostas na ponta da língua para as perguntas dos professores. Seu nome era Ariadne. Confesso, eu a admirava. Tentei me aproximar, mas minha timidez não permitia. Eu era do interior e como meus pais, não podiam custear meus estudos, me mandaram para cidade para morar com a minha tia. Ela dizia que só me deixava morar ali, por conta da minha mãe. Nos seus momentos de estresse, gritava aos quatro ventos, que eu seria um fracassado como meu pai. Aquelas palavras doíam mais que um tapa. Eu não tinha nenhum prazer de voltar para casa. Assim que terminava às aulas, eu ia para a biblioteca. Pois, era uma felicidade estar entre os livros. Em uma das manhãs a caminho da escola, me deparei com uma placa na nova loja: Mundos Literários: O Limiar das Fantasias, seu Nestor fazia, os últimos ajustes. Quando vi, não pude conter minha empolgação, de poder existir um lugar onde teria um universo de livros. Certo dia, encontrei Ariadne lendo na biblioteca da escola. Passei, ansioso para falar com ela, mas meu medo e timidez me apertavam o peito como uma corrente invisível, tornando cada passo uma luta interna. Me sentia congelado como uma estátua, perdido em meio ao frio da incerteza. Sentei uma mesa atrás dela. Na hora que folheava um livro, percebi aquelas sapatilhas delicadas de cores brancas que se contrastavam com meias claras. Ao levantar calmamente, meus olhos, era ela: Ariadne. Parada em minha frente. — Oie, tudo bem? Erik, seu nome, certo? Prazer, Ariadne. Quase não saia uma palavra de minha boca. Ao tentar balbuciar algo, saiu apenas um: — Oi? Sim. Esse é meu nome. — Posso me sentar ao seu lado? Eu, ao tentar dizer, alguma coisa, acabei derrubando uma pequena garrafa com água, que eu trazia, molhando a mesa toda. Acabou que caímos na risada. E antes que
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fossemos expulsos da biblioteca, ela me convidou para sair. No caminho de casa conversávamos acerca da escola, sua mudança de cidade, família e amigos. Atento a ouvia. Compreendi ali que tínhamos muito em comum. Adorava livros e ela praticamente morava sobre eles. Depois de alguns meses, após as aulas, eu e Ariadne ficávamos na Livraria auxiliando seu pai. Sempre havia alguma coisa para fazer. Arrumar uma prateleira, ou espanar uns livros. Liamos juntos as mais diversas histórias: do mundo medieval aos reinos celtas, envolvendo batalhas, amores e traições. Estava arrumando uma remessa de livros que chegara, na hora em que as luzes se apagaram. Fui tateando entre as estantes para pegar uma lanterna no balcão. No momento que foquei sua luz numa porta, uma passagem brilhante se abriu para um mundo encantado. Ariadne apertou meus braços como se fossem elos de uma corrente, nos amarrando à realidade que escapava por entre os dedos. Minhas mãos gélidas, eram testemunhas silenciosas da ansiedade que fluía como um rio subterrâneo. Meu corpo inteiro tremeu como uma folha ao vento, enquanto o medo e o espanto dançavam um dueto sinistro em meu peito. Cruzei meu olhar com o dela, e seus olhos se alargaram como portais para o desconhecido, capturando a grandiosidade do momento. O ar ao meu redor parecia suspenso, cada partícula carregada com a eletricidade da descoberta. Cada vez que engolia em seco, meu coração se tornava um tambor, batendo um ritmo ansioso que reverberava por todo o meu tronco. Ariadne foi a primeira a dar o primeiro passo e atravessar o portal, me puxando pelos braços. Ao cruzar para o outro lado, nos deparamos com um bosque com árvores enormes e densas. O chão era fofo e cheio de galhos. A atmosfera era diferente, com cheiro de terra molhada. Longe daquele corre-corre da cidade, a sensação era de tranquilidade. Consegui ouvir ao longe, um barulho de cachoeira e um rio passar. Aquele medo que tomou conta de nós, segundo atrás, se dissipou, dando espaço a curiosidade e animação. Caminhamos mata adentro. E a entrada que ligava à Livraria ao bosque encantado, se fechou entre os arbustos. A cada passo, ouvíamos o estalar de galhos e folhas seca no chão. A floresta era muito barulhenta. Os pássaros, cantarolavam, ouvíamos ao longe, animais relincharem e cada vez que andávamos o barulho das águas era mais forte. Contudo, havia algo diferente. A impressão era como que se estivéssemos sendo observados. Ao passar por cima de uma árvore caída, apareceu um veado. Os galhos imponentes se estendiam em direção aos céus como os ramos de uma árvore primitiva, esculpindo uma silhueta magnífica contra o pano de fundo das
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folhagens reluzentes. Seus pelos eram como uma tapeçaria, onde tons dourados e prateados se entrelaçavam, formando um padrão hipnotizante. Seus olhos eram como poços profundos de um enigma, capturando a própria essência daquele mundo. À medida que ele nos encarava, possuía a capacidade de penetrar em nossos pensamentos. No instante em que Ariadne passou as mãos em sua pelagem, aquele animal de forma mágica se transformou num ser imponente e majestoso. Era Cernunnos, o Senhor da Floresta, que se erguia diante de nós. — Viajantes, bem-vindos ao coração da floresta. Sou o sussurro do vento nas folhas e o eco do riacho que dança. Sou o pulsar da vida que floresce na primavera e o mistério que se esconde nas sombras do outono. Como o cervo, eu caminho pelos domínios da natureza, e meus chifres, curvos como os ramos do carvalho ancestral, são um lembrete da ligação eterna entre o céu e a terra. Lembrai-vos, jovens corações, que o bosque é tanto um espelho quanto um guia, refletindo vossa força interior e guiando-vos na busca pelo conhecimento e pela harmonia. Jovem alma, o mundo anseia por tua voz única, pois é um tesouro que enriquece a sinfonia da vida. És um fio na grande teia da existência, conectado a todos os seres, à natureza e à própria essência da divindade. Nos bosques da tua jornada, encontrará o equilíbrio entre a introspecção e a expressão, a timidez e a ousadia. Deixa que tuas pegadas deixem uma marca de inspiração, e que cada passo te conduza à força que existe dentro de ti. Tu também és capaz de transformação. Abraça o poder do agora, confia na tua jornada e saiba que és digno de brilhar tão intensamente quanto as estrelas noturnas que adornam o céu. E num piscar de olhos, ele desapareceu. Continuamos nosso caminho, até que chegamos a um lago alimentado por uma cachoeira que lembrava um véu de prata. Cada gota da cascata era como uma lágrima da natureza, caindo em câmera lenta como um relógio esquecido no tempo, e se espalhando como um lençol de sonhos tecidos por mãos invisíveis. No meio da cachoeira, como uma dança etérea entre as gotas cintilantes, surgiam as fadas. Eram como seres nascidos da própria essência das águas, vestindo túnicas translúcidas que aparentavam tecidas a partir dos raios de sol que atravessavam as cortinas líquidas. Suas asas reluziam como fragmentos de arco-íris congelados, vibrando em harmonia como sussurros. Do meio daquele redemoinho de seres encantados que revoavam acima das águas, surgiu o Rei e Rainha das Fadas, suas figuras eram radiantes como estrelas cadentes em um céu noturno. O Imperador, imponente e majestoso como um carvalho centenário, vestia uma capa de folhas de outono e tinha olhos que brilhavam com a sabedoria das eras. A Imperatriz, graciosa como uma dançarina, usava um vestido tecido baseado na luz da lua e carregava consigo a aura de uma noite de verão.
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— Jovens, que ousaram adentrar nosso reino encantado, somos os guardiões das maravilhas ocultas e dos segredos antigos que dançam na brisa e murmuram nas folhagens. Saibam que vossos passos trilham o limiar entre o mundo humano e o reino do encanto. Não subestimem a habilidade do vosso próprio ser, pois como jovens corações que ousaram entrar neste reino, vocês também são portadores de magia e transformação. Mantenham vossos olhos abertos para a beleza e o mistério que cercam tudo o que é vivo e respire, e lembrem-se de que a conexão entre nossos mundos é uma dança eterna. Do meio das sombras, um grande estrondo ressoou, ecoando como o rugido da própria terra. Uma figura escura emergiu lentamente, como se os próprios pesadelos tivessem tomado forma. Era a bruxa, uma criatura sombria envolta em mantos rasgados que absorviam a luz ao seu redor. A maga cercada por uma horda de trols e orcs, criaturas grotescas que emergiam das profundezas da terra. Suas peles eram doentias e escamosas, com olhos faiscantes de malícia e presas afiadas à mostra. Eles rosnavam e grunhiam, seus passos pesados fazendo a terra tremer sob seus pés. Eu sentia o calor do propósito ardendo em meu peito. Meus olhos encontraram os de Ariadne, e juntos, compreendemos que não estávamos sozinhos nessa luta. Com firmeza, ergui minhas mãos, convocando a magia que havia descoberto dentro de mim. Uma luz brilhou em meus olhos, e uma aura de coragem e determinação irradiou em meu ser. Ariadne também ergueu sua voz unindo em uma só canção de valentia e esperança. O exército da feiticeira se viu confrontado por uma força que ia além de sua compreensão. Os trols e orcs, que antes eram imparáveis, encontravam resistência em cada passo. Eu não era mais o imprestável e fracassado. Eu era importante e tinha um papel a desempenhar neste mundo de fascinação e maravilha. Enquanto a batalha rugia ao meu redor, uma chama ardente acendeu dentro de mim. Cada feitiço que conjurava, cada movimento que fazia, era uma afirmação do meu valor e da minha capacidade. Rompendo as correntes do medo e da dúvida que me prendiam, descobrindo uma confiança que nunca imaginei ter. A experiência da batalha me ensinou que meu valor não estava definido pelas palavras cruéis de outros, mas sim pela minha própria jornada e pelo amor e coragem que trazia dentro de mim. Com a bruxa e seu exército derrotados, o Soberano e a Soberana das Fadas, com Cernunnos, fizeram uma grande festa, onde fui nomeado Príncipe e Ariadne Princesa do Reino de Éldora. A Majestade das Fadas, Elbos, com um toque de sua varinha, nos transportou para a Livraria. Quando notamos, nos encontrávamos sentados na mesa com um livro aberto diante de nós, seu título era: As Crônicas: Do Reino Mágico de Éldora.
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Pedro Pedra Jorgina Nello*
*Jorgina Nello é arquiteta com muitos textos técnicos publicados, até que na pandemia compartilhou com sua família, alguns de seus muitos escritos guardados para comunicação e diversão entre todos e nunca mais parou. 160
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Pedro sabia que não haveria discussão. Tudo estava consumado. — Esta será a sua última oportunidade de conviver com seus colegas de turma. No futuro essas amizades poderão ser importantes para você. Economizei muito para pagar essa viagem. — Mas, mãe - disse Pedro desanimado - Eles não são meus amigos! — Você vai e não quero conversa… - disse a mãe categórica, deixando a cozinha. Pedro levou a pequena mochila, se acomodou na poltrona atrás do motorista, onde ninguém queria sentar, para dormir a maior parte do tempo. Aturaria a algazarra inconsequente de seus colegas sem noção. Pedro não sentia-se parte daquele grupo. Era calado, inteligente e estudioso. Não tinha roupas de marca ou objetos de ostentação, durante os intervalos das aulas, cochilava, para não ter que interagir com aqueles colegas e desde o fundamental, tinha apenas dois amigos. Cuidava diariamente de seu irmão caçula, das tarefas da casa e trabalhava no mercadinho do pai do Zé, para não recorrer à sua mãe toda vez que precisasse comprar uma pequena necessidade. Naquela viagem, só o Ailton foi. O Zé ficou para ajudar o pai no feriado. O ônibus partiu cedo e quando chegaram ao destino o sol brilhava radiante. Pedro caminhava atrás do grupo. Ia pensativo e distraído quando foi empurrado com força por Bia, para dentro do bosque: — Corra! — gritava, como louca, a menina correndo — Ele vai nos pegar! Pedro olhou em volta, mas não viu ninguém além de Bia que o empurrava assustada. Ailton, apesar de não entender nada, o seguiu, como sempre. Pedro foi arremessado com força para dentro da densa vegetação, seguido por Bia e Ailton. No embalo, sem poder parar, um a um, rolaram ribanceira abaixo, mergulhando num caudaloso rio e levados pela forte correnteza até uma prainha escondida. Pedro tentava entender o que havia acontecido, mas nada fazia o menor sentido. Bia, jazia na areia e tossia, enquanto Ailton tirava calmamente, a água das botas. -— O que foi isso? perguntou Pedro gesticulando e olhando feio para ela — O que deu em você para correr e me empurrar daquele jeito? Ele nunca havia falado com ela, mas estava com raiva. — Ah! — disse Bia — então você não viu o homem horripilante que nos perseguia? — Não! E porque você não me conta? — disse Pedro bem irritado com a patricinha.
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— Mas, eu o vi! - disse Bia gesticulando, muito assustada - ele era horrível, alto, magro, meio esverdeado, vestido de preto, corria agitando um grande pedaço de madeira para nós. Pedro olhou para ela desconfiado. Bia era linda, inteligente, rica e uma das garotas mais populares e requisitadas de todo o ensino médio. Ele nunca esqueceria, o dia em que limpava os vidros da loja quando ela apareceu dirigindo um caro automóvel cheio de amigas que conversavam ruidosamente. Ela parou e perguntou: — A loja está aberta? Pedro que vestia um avental enorme de plástico, touca, óculos e botas de limpeza, levantou a mão, balançando o dedo, em um sinal negativo. A menina acenou afirmativamente e sem reconhecê-lo, acelerou o carro e partiu distribuindo o som alto. Todo molhado, olhava em volta, sentia-se em perigo, longe de tudo e de todos. Foi quando viu na parede da escarpa, uma abertura que parecia a entrada de uma caverna. — Pode ser uma saída! - pensou e resolveu investigar. Pegou sua lanterna na mochila encharcada e foi até lá. Entrou com cuidado e lá no fundo viu um portão entreaberto e um belíssimo jardim. Pedro resolveu entrar. Bia e Ailton o seguiram. No jardim, encontraram um senhor simpático que não pareceu surpreso em vê-los. Ele os levou até sua casa, pediu que sentassem e ofereceu-lhes água. Os três, surpresos e curiosos, o cravaram com várias questões. O homem riu e pediu: — Calma, meninos! Logo todas as suas perguntas serão respondidas. Por agora, se refaçam, sinto que ainda estão assustados pela queda e o banho frio que tomaram. — disse sorrindo. Sob aquele sol quente, rapidamente, eles se secaram. Logo o senhor voltou: — Venham comigo meninos! Vou levá-los até o Valter. Por uma passagem estreita, chegaram a uma rua movimentada, cheia de carroças, cavaleiros e transeuntes que circulavam apressadamente. Pedro observou tudo, parecia ter voltado a séculos atrás. O trio acompanhou o homem em silêncio. Chegaram a uma loja, onde os aguardava o Sr. Valter, um homem sorridente de fartos cabelos brancos desalinhados. — Olá, meninos! Sei que estão muito curiosos sobre os últimos acontecimentos e posso responder a todas as suas perguntas.
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— Sim — disse Bia, ansiosa — temos muitas questões, mas a primeira e a mais importante - creio eu - disse olhando seus colegas — é: — Vocês nos trouxeram até aqui de propósito? — Sim - disse o senhor calmamente. — E porque tivemos que enfrentar risco de morte, caindo e quase nos afogando? E, aquele homem encapuzado, tinha que me assustar daquela maneira? — Na verdade, continuou o senhor - Vocês não correram nenhum risco, foi apenas uma ilusão que criei para trazê-los até aqui. Me desculpem se os assustei. Acreditamos que somente vocês três juntos, podem resolver e de forma permanente, o problema que tem nos afetado ultimamente, de maneira descontrolada. — E, podemos saber que problema é esse? - perguntou Pedro atencioso. — Nossa rede de comunicação deixou de funcionar e estamos sem contato com nossos entes queridos e com nossa comunidade, em outros lugares. Isso acarreta grande transtorno para todos, afeta todo o abastecimento, o cotidiano e nosso conforto físico e mental. — E como o senhor imagina que poderemos ajudar? - perguntou Pedro apreensivo — São necessárias seis mãos para reparar e religar a chave que está do outro lado deste penhasco. Apesar da nossa contínua manutenção e cuidado, ela desligou. A lâmpada vigia que temos, nos avisou da avaria, mas nós, de cá, não podemos religar a chave. Isso precisa ser feito pessoalmente lá. — Mas, como faremos essa manutenção se não temos ideia de onde está a chave e nem como podemos repará-la? - insistiu Bia — Vocês foram trazidos até aqui, porque acreditamos que são as pessoas certas para isso. Nós lhes ensinaremos tudo que precisam saber sobre o equipamento e confiamos que farão o trabalho. E é claro que serão recompensados pelo trabalho. — Não há necessidade de recompensa - disse Pedro olhando para seus colegas - pelo menos de minha parte. Ficarei feliz em ajudar, mas não sei se estamos a altura de resolver a questão, pelo que entendi, é um problema complexo. E se não conseguirmos solucioná-lo? — E se nós recusarmos sua proposta? perguntou Ailton meio pálido.
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— Se recusarem, não haverá qualquer reprimenda e vocês voltaram ao ponto da estrada onde foram sequestrados pela ilusão assustadora. Entretanto, acreditamos piamente que vocês podem nos ajudar e temos uma contrapartida. Sabemos que estão atravessando um dos grandes desafios de suas vidas e nós podemos auxiliá-los, se vocês se dispuseram a nos ajudar. — O senhor se refere ao vestibular? Para mim é só mais uma prova! — exclamou Bia. Mas estou muito curiosa para saber como poderão nos ajudar — disse olhando seus colegas e entendendo que a ajuda seria muito bem vinda para todos. — Conte conosco! responderam os três em uma só voz com olhos de parceiros. — Então, estamos combinados. Agora descansem, aproveitem nossa festa noturna e amanhã começaremos o aprendizado. Bia, Pedro e Ailton, apesar de surpresos, sentiram-se bem vindos e embarcaram nas festividades. Junto às fogueiras, as pessoas se divertiam depois de um dia de trabalho. Nuvens de vagalumes suspensos no ar, tornavam a noite ainda mais mágica. Pedro quis ficar num canto, observando, como era seu costume, mas Bia o puxou para dançar e logo estava abraçada a ele. Pedro delirava na delícia de tê-la em seus braços e mergulhou de cabeça na alegria que ela transmitia. Mais tarde, entre beijos e abraços, Bia deixou claro que o aceitaria sexualmente, mas Pedro percebeu que ela respirava muito rapidamente. Não era só excitação. Lembrou que era como seu irmão mais novo, em crise, manifestava seu sofrimento pelo abandono sofrido pelo pai. Pedro a abraçou forte, espalhou beijinhos por todo seu rosto e disse baixinho em seu ouvido: — Eu gosto de você! Bia o olhou ternamente. Ninguém havia entendido tão profundamente o seu medo. Ela sorriu para ele e o beijou levemente nos lábios indicando que o entendia. Em seu meio, era natural relacionamentos sem qualquer comprometimento, mas ela estava sofrendo. Bia queria algo mais, mas não sabia o que procurava, até receber o abraço caloroso de Pedro. O respeito demonstrado por ele, seu carinho e aconchego, o colocaram em outro patamar e para ela, desde aquele momento, ele se tornou muito importante. Ailton havia se enturmado muito bem e aproveitava a festa, quando Bia e Pedro foram dormir. Deitados juntos e abraçados, dormiram profundamente, até que um frenético sino os acordou. Eles riram daquela situação e se levantaram rapidamente.
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Depois de bem alimentados, foram conduzidos a um salão, onde Valter e três professores, apresentaram um protótipo das chaves (externa e interna), de seu funcionamento e manutenção. As perguntas foram respondidas e os exercícios foram feitos repetidamente até que os três estivessem afiados. A festa noturna começava. Aproveitaram o jantar caprichado e foram se divertir. Bia e Pedro permaneceram juntos, de mãos dadas, olhos nos olhos, sorriam entre si, num compromisso invisível que os unia. A noite no quarto, Pedro a abraçou e beijou muitas vezes, mas deixou claro: não avançaria um centímetro se ela não estivesse relaxada e feliz em seus braços. Bia entendeu e não forçou a situação. Aceitou ir mais devagar e ficou feliz com o ritmo que Pedro imprimia na relação. Ela finalmente encontrara em um relacionamento, a profundidade que tanto desejava e se tornou mais confiante. Nos dias que se seguiram, os estudos se aprofundaram, cálculos foram revisados continuamente, as anotações foram feitas e refeitas, pois lá fora, eles estariam sozinhos. Nenhum dos professores poderia acompanhá-los. As festas noturnas, se tornavam mais descontraídas e as brincadeiras mais estimulantes. Bia e Pedro, inseparáveis, eram cúmplices nos jogos. Eles estavam apaixonados. Naquele lugar, os dias eram sempre perfeitos, a comida era ótima e os estudos estimulantes. Sem parar e entregues ao que era mais importante, Bia, Pedro e Ailton encontraram soluções que melhoravam e facilitavam a manutenção, imprimindo a ela mais rapidez. Valter estava muito satisfeito. Finalmente os dias de intensos estudos terminaram. Aquela era a última noite que passariam naquele lugar transcendente. A festa estava muito animada, mas Bia e Pedro foram para o quarto, prometeram continuar o namoro que começaram ali e sem qualquer dúvida ou insegurança, entregaram-se ao amor e depois ao sono profundo e reparador. Ailton aproveitou a festa até o último instante. A manhã estava soberba quando encontraram com seus professores pela última vez. Revisaram os passos mais importantes e todos se sentiram seguros de que tudo correria bem. Com suas mochilas, abarrotadas de lembrancinhas, despediram-se de todos com muito carinho e seguiram o caminho indicado para a volta. Depois de atravessar um corredor escuro e comprido, chegaram ao mesmo ponto da estrada, onde foram sequestrados. Procuraram e reconheceram a pedra onde estava instalada a chave externa do equipamento de comunicação e seguindo os gráficos e suas anotações, a desmontaram, substituíram as peças danificadas e depois de algumas horas e ajustes, certificaram-se que ela funcionava novamente. Guardaram
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no local, previamente combinado, as peças sobressalentes e foram em direção ao acampamento escolar. Foi muito esquisito, mas ninguém havia notado a falta deles. Bia encontrou seu grupo de amigos, observou os comentários, alguns bem maldosos, sobre os outros alunos e percebeu que ninguém sentirá sua falta. Para ela, no entanto, tudo mudará. Compreendeu finalmente o que a incomodava, a necessidade de alma, por mudanças que sempre sentiu sem entender, seu desejo de evoluir, de descobrir coisas novas e decidiu se afastar para sempre do grupo em que crescerá e de suas futilidades. Nunca mais ela se satisfaria com a inércia. Sorriu para si mesma, viu-se como uma mulher inteira e amou o que ela realmente era. Pedro continuou com sua conduta, mas agora, sabia que seu futuro seria mais feliz. Ele se sentiu completo e agradeceu, em seu coração, a sua mãe que nunca deixou de acreditar nele. Viu como ela se dedicou e se sacrificou, para que sua pequena família prosperasse em amor e união e como acreditou que a vida sempre podia ser mais. A confiança de sua mãe, fez com que ele desabrochasse como ser humano. Ele tinha certeza que seu futuro seria completo, mas se empenharia, sem esmorecer uma vez sequer, para que isso acontecesse. Seus sonhos listados, seriam lidos, até que fossem todos realizados. Ele confiava em si, na vida, na certeza de poder realizar, construir e no lastro profundo de amor que possuía. Bia, Pedro e Ailton, continuaram amigos até o fim de suas vidas e a cada ano, naquela mesma data, iam os três até o local do equipamento de comunicação e verificavam seu funcionamento. Acompanharam as alterações e atualizações feitas no aparelho, mas nunca deixaram de cumprir o voto feito entre eles. A recompensa que receberam, mesmo sem perceberem, foi a memorização perfeita dos estudos feitos com carinho. Depois daquela viagem, eles desenvolveram a capacidade de acionar a memória rapidamente e sempre foram aprovados em testes de qualquer natureza. Para toda a vida, eles teriam essa facilidade. Estudaram muito e se divertiram muito mais. Viajaram muito, construíram família e nada era difícil para eles.
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VIAGENS AOS REINOS ENCANTADOS
Ratazanas L. Maximino
— Peço perdão, majestade, pela ousadia de adentrar vosso palácio sem ser convidado — respondeu fazendo uma mesura. — Eu me chamo Frognir, majestade. Também conhecido como o matador de dragões de Norev. Como eu disse, com sua permissão, trarei a cabeça do mago enlouquecido para vossa majestade. O rei voltou-se para os soldados que estavam com as lanças apontadas para Frognir e ergueu a mão num gesto permissivo, e eles, por sua vez, recolheram as lanças e voltaram para seus cantos. — Um nome de peso, realmente. O matador de dragões. Ainda assim, o que você quer enfrentar é bem pior que um dragão. É o conhecimento arcano de centenas de anos do nosso povo envolto em ira e loucura. É como lutar contra a força da natureza — disse o rei. — Com sua licença, majestade — replicou Frognir. — Se considerar deixar a cidade, os bruxos da academia abandonarão os postos, o escudo mágico cairá e com ele a cidade. Não sobrará nada. E se os elfos prestarem sua ajuda, não será por amizade, mas a custo de muito ouro. De forma que não sobrará o bastante para reconstruir Ultanira mais tarde.
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— Chega de insolência — retumbou o rei. — acha que não sei da nossa situação?! Acha mesmo que preciso dos seus conselhos?! — Peço perdão se o ofendi. Serei direto então: Peço que ordene aos bruxos que mantenham o escudo. Enquanto isso, eu e meus companheiros iremos até a Torre Cascata. Prometo que até o pôr do sol de amanhã, essa situação estará resolvida. — Acredito que não seria prudente atrasarmos nossa evacuação em um dia — disse o rei inflexível. — Apostar todas as fichas num matador de dragões não me parece... aliás, como pretende derrotar o mago? Não era necessária permissão real para sair no que parecia ser uma missão suicida. Mas Frognir cobiçava algo bem mais atraente naquele trabalho arriscado. Matar o maior dos magos da região dos três reinos lhe renderia a fama do aventureiro mais forte do continente, além do valioso espólio que restaria da batalha. — Há algum tempo vossa majestade recebeu um presente diplomático dos elfos, a Adaga do Retorno. Ela é um artefato essencial para nossa missão — Frognir odiava ter que pedir qualquer coisa emprestado, mas dessa vez não tinha jeito. Sem aquela arma ele não conseguiria vencer Levtois. — Eu humildemente peço que me empreste para essa tarefa. — Eu sabia que havia algo mais na sua história — respondeu o rei com sorriso desconfiado. — O que acha disso, capitão? Você confia nesse homem para salvar nossas casas? — Perdoe a sinceridade, majestade, mas não confio — Mozei respondeu de pronto. — É obvio que ele pretende se aproveitar da vulnerabilidade do reino e roubar a adaga pra si assim que sair do castelo. — Nesse caso, capitão, lhe entregarei a adaga e lhe enviarei junto deste homem e seus companheiros. — Mas majestade... — hesitou o capitão. — É uma ordem — retrucou o rei. — Você é um dos guerreiros mais fortes do nosso reino. Não seria difícil para você lidar com alguns homens, caso sua desconfiança se comprove, principalmente munido de um tesouro real. É isso. Vão. O capitão resignou-se e aceitou a ordem. Frognir também não protestou. Até onde sabia, tinha saído com a adaga e um forte soldado para auxiliar em sua batalha. Ou seja, bem mais do que tinha pedido. Frognir e o capitão encontraram o resto da
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equipe no portão da muralha ao pôr do sol. Lá estavam esperando uma grande mulher de rosto pintado e um homem de sobretudo e capuz. A luz bruxuleante das tochas presas na parede iluminavam os rostos deles, enquanto debatiam sobre o que fariam quando chegassem a torre. — Não adianta planejar demais — Frognir interrompeu o debate. — Magos são imprevisíveis. Sendo assim, faremos o básico: improvisar. — Você quer que cheguemos lá sem um plano? — indagou Mozei. — Criamos um quando chegarmos — disse Frognir montando seu cavalo. — Devemos nos apressar. Os outros dois companheiros também subiram em suas montarias enquanto Mozei explodia de raiva. Ele não era o homem do improviso, era um soldado treinado para seguir a risca as estratégias de batalha e as ordens dos seus superiores. Para ele era inconcebível fazer qualquer ataque de improviso. — Não dá pra vencer uma catástrofe de improviso — o capitão trincou seus dentes com todo o ódio. Frognir virou-se para frente sem dar muita atenção ao capitão e ordenou o cavalo, saindo apressado pelo caminho, seguido pelos outros dois. — Adaptação, capitão — bradou Frognir. — Em uma batalha é necessário se adaptar ao inimigo. O que o senhor tem aprendido na escola militar, afinal? — Numa batalha também é necessário se adiantar ao inimigo, seu idiota — praguejou Mozei. Não importava o quão imprudente pudesse parecer aquela estratégia. O rei lhe tinha ordenado que o acompanhasse, e era isso que faria. Então subiu em sua montaria e os seguiu. Ao longo do caminho ele reparou em toda a destruição que o mago tinha causado àquelas terras. Todas as árvores estavam mortas, toda a vegetação estava queimada e os animais também, cujas carcaças ainda fumaçavam no que deveria ser uma vegetação vasta e rasteira. Até mesmo as águas do rio, que seguiam para uma grande cachoeira que ficava ao lado da torre, estava completamente tomada por um negrume pastoso e borbulhante. Jamais pôde imaginar que Levtois, o homem que tinha ajudado o reino por centenas de anos, se tornaria essa besta insana, sedenta por destruição. Inclusive quando o grande dragão vermelho lançou suas chamas sobre Ultanira, ele estava com seus discípulos e todos os cavaleiros, incluindo o pai de Mozei, para lutar pelo reino. Ele lembrou de como sua mãe lhe apertava e dizia
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que tudo ia ficar bem, enquanto eles esperavam pelo fim da batalha escondidos no porão. No lado de fora dava-se para ouvir os gritos de horror dos soldados sendo queimados vivos e as explosões do embate mágico entre o mago e o dragão. Ao final daquela batalha, jamais poderia esquecer a imagem do seu pai voltando para casa apoiado em Levtois. Se não bastasse toda essa situação infeliz, ele ainda viajava com estranhos, todos com o objetivo de matar o maior herói do seu tempo. Estranhos, mas de histórias conhecidas. A mulher que trazia um machado de duas lâminas nas costas era Andrilla, a bárbara, e o homem do sobretudo se chamava Andarilho Nortista. Ambos mercenários. — Eu não sabia que vocês andavam juntos — disse Mozei. — Não andamos — respondeu Andrilla. — Só estou aqui pelo ouro. O capitão olhou para o Andarilho, mas ele não parecia discordar. — De que ouro ela está falando, arqueiro? — Que pergunta é essa, capitão? Aventureiros não trabalham de graça — respondeu Frognir. O capitão conhecia seus tipos e preferia chamá-los de mercenários, até porque, era um termo mais adequado para pessoas que não lutam por um ideal, mas que matam, roubam e lutam em guerras por interesses financeiros. A Torre Cascata estava logo a frente. Frognir ergueu um punho fechado em sinal de atenção. Ele desceu do cavalo e os outros também. — Muito bem, o plano é o seguinte — adiantou Frognir olhando para o capitão. — Você acerta o mago com a adaga enquanto nós damos cobertura. — Você está louco — Mozei deu um passo para trás. — Como eu poderia golpear o mago mais poderoso em eras apenas com uma adaga? A adaga tinha uma lâmina curvada e o cabo trabalhado em couro de serpe. Ela era feita de um metal antimagia raro, mas que teve seu cabo encantado pelos mais habilidosos mestres artesãos élficos para retornar para mão daquele que a lançasse. E foi essa a explicação que Mozei recebeu de Frognir. — Entendi — respondeu Mozei. — mas como pretende lidar com um homem que pode facilmente lutar contra todo um exército?
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— Isso você deixa com a gente — disse Andarilho. Findado os preparativos, todos pegaram suas armas e se destinaram até a torre. Ao chegarem na base, não conseguiram encontrar a entrada, só uma grande e circular parede de pedras. — E como vamos subir? — perguntou Andrilla. — Não precisamos subir — o Andarilho tirava alguma coisa do sobretudo. — Vamos trazê-lo aqui para baixo. Frognir sorriu ao reconhecer o que o Andarilho trazia no sobretudo. Eram cristais explosivos, e dos grandes. O capitão também reconheceu e deu dois passos para trás. O velho marechal Galvih tinha perdido a perna após ter pisado sem querer num desses quando vistoriava o almoxarifado. Elas eram instáveis. Na verdade, se soubesse que alguém trazia uma coisa daquelas consigo, ele teria tomado mais distância. O Andarilho instalou várias delas nas paredes e pediu para eles se afastarem. Depois retirou do sobretudo um pedaço de pau grudado num cano de ferro. Ele o apontou para um dos cristais e disparou. Uma explosão pequena se comparada com os dos cristais, que explodiram um atrás do outro numa reação em cadeia. A torre pendeu lentamente até desabar de vez, provocando uma nuvem de poeira densa e incômoda. — Ratazanas miseráveis — disse uma voz distante. — Exterminarei vocês como pragas que são. O Andarilho começou a gritar. Seus membros se entortaram, seu corpo todo começou a dar voltas como um pano espremido até explodir numa poça de sangue e vísceras. — O desgraçado ainda está lá em cima — gritou Andrila. O mago pairava no ar sobre os três, praguejando uma linguagem arcana, fazendo com que pequenas bolas de fogo brotassem ao seu redor aumentando de tamanho continuamente. Ele estava prestes a lançar um feitiço. — Mas não dessa vez — murmurou Frognir soltando uma flecha no mago. O mago, subestimando a flecha, sacudiu a mão direita provocando um forte vento, mas não conseguiu alterar a direção da flecha, que acertou sua mão. As bolas de fogo desapareceram e suas forças começaram a diminuir de repente. Talvez fosse uma
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flecha envenenada. Não. Não era isso. A ponta da flecha era de um metal antimagia, constatou o mago. Quando Levtois aterrizou, Mozei lançou a adaga na sua direção. Mas o mago moveu rapidamente a terra sob seus pés, desviando-se da adaga, que sumiu na vastidão e apareceu na mão do capitão outra vez. Andrila bradou e correu na direção do mago, mas antes que pudesse se aproximar o suficiente para brandir seu machado, seu grito foi sufocado. Seu pescoço foi apertado ao longe pelo mago. Frognir, que estava logo atrás dela, lançou uma de suas flechas, forçando-o a se desviar e desistir de Andrilla. — Ele ainda tem muito mana — gritou Frognir, — e minhas flechas antimagia são limitadas. — Não consigo chegar perto desse desgraçado — Adrilla se esforçava para recuperar o fôlego. — Temos que fazer ele gastar toda a mana — respondeu Frognir. — Não tem jeito. Enquanto o mago desviava das flechas e contra-atacava Frognir com pedras dos escombros, Adrilha avançou em sua direção e arremessou o machado contra ele, antes que pudesse detê-la novamente. Ele desviou mais uma vez e quando deu por si, Adrilla já estava bem na sua frente. Ele tentou mover a terra sob seus pés outra vez, mas ela segurou seu braço. — Agora — gritou para Frognir. Frognir soltou sua última flecha antimagia no mago, contudo, nesse instante, Adrilla entrou em combustão. Seu corpo ficou envolto por uma chama azul de repente e, em pouco tempo, os seus ossos caíram no chão carbonizados como carvão. O mago de joelhos arquejava com uma flecha no ombro esquerdo. Frognir olhou em volta procurando o capitão, mas não o encontrou. — Aquele covarde deve ter fugido. Então eu mesmo vou acabar com isso — pensou. Ele desembainhou sua espada e correu em direção ao mago, mas acabou sendo atingido na cabeça por uma das pedras dos escombros da torre. O velho mago ainda tinha alguma mana. — Surpresa, seu miserável — gritou Mozei com a adaga em punho vindo de trás dos escombros. O improviso tinha dado certo. Infelizmente seu corpo paralisou antes que pudesse cravar adaga nas costas do mago.
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— A Adaga do Retorno — analisou o mago. — Realmente é uma coisinha bem perigosa. Você quase me pegou, minha mana está quase no fim. Ela não é o tipo de coisa que uma ratazana deveria usar — disse ele batendo na mão do capitão e derrubando a adaga. — Mas lhe farei a grande honra de exterminá-lo com as minhas próprias mãos. O mago segurou triunfante o pescoço de Mozei e apertou com toda sua força. Enfim exterminaria suas ratazanas. No entanto, um sorriso foi se formando no rosto do capitão. — Ela voltou — disse ele com a voz engasgada. — O quê? — indagou o mago sem entender. O capitão, usando suas últimas forças, soltou seu braço do encanto e cravou a adaga no pescoço do mago. Levtois caiu gorgolejando, se debatendo desesperadamente e afogando-se no próprio sangue. Arquejando suas últimas palavras: — Ratazanas. Ratazanas. Ratazanas…
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Recanto Viviane Ferraz*
*Viviane Ferraz é gaúcha nascida em Porto Alegre. Uma leitora voraz, blogueira, Licencianda em Letras e Escritora. 174
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Muitos não sabem, mas existem diversos mundos, conhecidos como Celestes, e a maioria deles é habitado por seres desiguais e até mágicos. Em um destes celestes, intitulado de Recanto, viviam grandes feiticeiros e feiticeiras, e criaturinhas mágicas, como gnomos, leprechauns, ogros, e até mesmo fadinhas. Em um vilarejo ao norte, vivia um jovem casal que sonhavam em ter filhos. A mulher belíssima chamada de Amanda, possuía cabelos vermelhos como fogo, pele clara como porcelana, e olhos verdes iguais aos oceanos, já seu esposo André, tinha os cabelos e olhos negros como carvão e uma pele cor de ébano. Eles haviam tentado todos os meios e formas para conceber uma criança, no entanto, não foram agraciados com este presente. Sem mais recursos, e a quem pedir ajuda, decidiram buscar soluções alternativas e controversas. Ouviram falar de uma bruxa reclusa, que diziam ser má, e muito habilidosa que realizava desejos em troca de um pagamento, que esta escolheria no ato, algo incerto e improvável, que estavam dispostos a correr o risco. A maga vivia na floresta da solidão, que ganhara este nome por ser densa e escura, sendo ocupada por animais peçonhentos, e alguns ogros. Decididos começaram a se embrenhar na floresta, mesmo sabendo dos possíveis desafios a enfrentar. Nomeada de Griselda, a bruxa da floresta, dispunha de uma saúde fragilizada, devido à magia negra que costumava realizar, verrugas e perebas cobriam o seu corpo, seus cabelos acinzentados a faziam parecer mais velha do que sua real idade. Muita esperta, já previra a chegada de seus visitantes e o que desejam ali. Uma mulher muito ardilosa, preparou uma armadilha para o casal. Assim, convocou um grupo de três ogros e lhes instruiu detalhadamente. André e Amanda caminharam por dois dias e duas noites, até então se depararam apenas com uma cobra que tentara invadir seu acampamento à noite, o homem rapidamente a capturou e a serviu no jantar. Os ogros eram criaturas grandes com cerca de dois metros de altura, pelagem esverdeada, nariz e chifres semelhantes à de um javali. Como escravos da velha bruxa, não tiveram opção além de obedecê-la. Na manhã seguinte, próximo ao riacho, os ogros avistaram os jovens tomando água, então rapidamente os surpreenderam, formaram uma emboscada, por serem grandes e fortes os dominaram e amarraram com uma corda feita de cipó. O casebre da feiticeira ficava a dois dias de viagem dali, logo os dois machos, cada qual pegou um prisioneiro e colocou sobre o ombro. A fêmea que parecia mais velha
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os guiava, e sempre guinchava quando os outros dois começavam a brincar e contar piadas. Amanda muito esperta notou que aqueles três não pareciam ogros comuns, possuíam até certa infantilidade humana. Ao anoitecer tomou coragem e conversou com a fêmea: — Senhora ogra, me desculpe à imprudência, mas notei que você e seus irmãos são um tanto diferentes, não quero ofendê-los nem nada, entretanto, se parecem com crianças, e são mais inteligentes que o normal. A ogra olhou com tristeza e respondeu: — Gentileza a sua ter notado, na realidade somos crianças, Griselda nos amaldiçoou por roubarmos a sua comida. — Nossos pais eram muito avarentos e egoístas e nos abandonaram na floresta, a cerca de dois anos. — Completou o ogro mais baixinho entre eles. — Estávamos perdidos e famintos, quando nos deparamos com a cabana que exalava um cheirinho tão bom de comida, prontamente batemos na porta, como ninguém atendeu entramos e comemos. O que não sabíamos é que a bruxa previu a nossa chegada, então encantou a comida para nos transformar em ogros, e agora somos obrigados a servi-la. — Contou o irmão do meio. — Existe alguma forma de quebrarmos o feitiço? — Questionou André, ainda amarrado. — Sim! — Responderam em uníssono. — É preciso escalar a montanha espinhosa e pegar uma violeta que nasce lá, o seu sulco nos transformará em crianças novamente. O casal de pronto se olhou, e como se pudessem se comunicar telepaticamente, e decididos disseram: — Nós vamos! Os ogros estavam desconfiados que eles só quisessem fugir, porém, após muito conversar decidiram soltarem o casal na encosta na montanha, que ganhara o nome de espinhosa, pois seu entorno estava repleto de rosas cheias de espinhos. André e Amanda não se abalaram, estavam desolados pelas crianças, não compreendiam como poderia haver pessoas capazes de abandonar seus filhos, desejavam tanto um rebento que não podiam deixas aquelas crianças amaldiçoadas.
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Deste modo, cortaram alguns pedaços de tecidos e cobriram suas mãos. Começaram a subir, mesmo diante da dor e dos machucados não desistiram, seguiram firmes sem nem olhar para baixo ou os lados. Depois do que pareceram centenas de horas, os jovens conseguiram alcançar o topo. Ainda que exauridos começaram a caminhar em busca da violeta, entretanto só vislumbravam rosas e mais rosas, de todos os tipos, cores e formas. Então seus olhos pairaram sobre umas pedras mais a frente onde os três ogros os esperavam, sorrindo e gritando eufóricos. Sentimentos conflitosos passaram pela mente dos humanos, estavam enraivecidos, tudo não passara de uma brincadeira, foi o que pensaram, contudo, o inimaginável aconteceu, os três ogros começaram a brilhar, como se faíscas exalassem de suas peles esverdeadas, a luz ficou tão forte que ofuscou suas visões por alguns momentos. Finalmente quando a luz cessou, três crianças, de pele cor de cuia, com cabelos e olhos castanhos, sorriam alegremente. Mais tarde descobriram que se chamavam: Alice, Otávio e Bruno, trigêmeos de dez anos. Todos ficaram extasiados com o feito, a verdade é que a única forma de quebrar a magia da bruxa era com amor incondicional, e o casal ao enfrentar os desafios pelas crianças, assumiu tamanho compromisso. Desde aquele dia em diante, os cinco tornaram-se uma família, voltaram a morar no vilarejo de Recanto, bem longe dos poderes maléficos da feiticeira, onde foram felizes. O que ninguém ficou sabendo, é que nunca ninguém em nenhum celeste conseguira quebrar um feitiço de Griselda, e quando o amor verdadeiro prevaleceu anulando o encanto, fez com que a feiticeira se tornasse cinzas, assim reinando a paz por aquela terra.
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Reino dos mitos Mariana Grigório*
*Mariana Grigório, natural de Porto Seguro (BA), atualmente mora em Ribeirão Preto (SP). Neurocientista em formação que, desde criança, expressa suas angústias por meio de nóias literárias. 178
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O vento hostil trazia consigo as nuvens chorosas cujas lágrimas espantariam os seres que habitavam aqueles arredores. Na superfície terrestre, gigantes se encolhiam entre montanhas, dríades retornavam ao seu carvalho de origem e elfos cessavam a sua caça. Nos ares, as fadas iam de encontro aos seus ninhos. E nos mares, ondinas e sereias mergulhavam em um tédio infindável, visto que os homens não se arriscavam em águas tempestuosas. Em uma gruta, não muito longe, o nível da água subia aos poucos, gota por gota, lágrima por lágrima. Elias era o único habitante daquele buraco e posso dizer com certeza que também era o único a se deleitar da chuva. Quando a maré estava cheia, o rapaz conseguia alcançar o espelho no alto da gruta e observar os seus súditos. Elias era o rei dos mitos, afinal. No dia em que nasceu, o céu assumiu um tom amarelado. As estrelas pairavam sobre a atmosfera como se fosse possível pegá-las ao esticar o braço. A luz inundou o seu corpo e, sob a pele, rabiscou um símbolo cujo significado era inconfundível. Elias tinha em suas costas a própria destruição. Ele nasceu da natureza e a sua aparência não estava catalogada em nenhum bestiário e muito menos era procurada pelos criptozoologistas. Ele foi criado com um único motivo: proteger a natureza e os mitos que nela vivem. Contudo, Elias era incapaz de atingir as expectativas impostas ao Rei do Mitos. A marca em suas costas agora era somente uma cicatriz e o seu reino era governado dentro de uma gruta da qual ele nunca saia. Ninguém nunca o ensinou os trejeitos e etiquetas reais e o único presente que lhe deram foi um portal no alto da caverna. Um espelho que ele podia observar tudo, todos e… quem sabe intervir? (Ele se sentia apavorado só de pensar em lutar). Diante da sua baixa estatura, Elias estava restrito às chuvas semanais que irrigavam a gruta e permitiam que ele passasse horas e horas observando aqueles por quem reinava. O reino dos mitos era calmo e ainda impenetrável pelos humanos. E o sonho do rapaz era poder voar e observar toda aquela calmaria de cima. Enquanto apoiava o rosto no cotovelo, o Rei pensou o quão perto estava do seu paraíso e o quão longe estava do seu povo. Todos sabiam de sua existência, mas criaturas míticas não se ajoelham para semelhantes. Quando estava prestes a cair no sono se deleitando com o mundo em suas mãos, algo inesperado aconteceu: o portal mostrava agora o mundo dos humanos em chamas. Elias podia sentir o fedor de fumaça impregnar a gruta. Em meio à turva verdade, o rapaz pode ver uma de suas criaturas em meio ao céu flamejante. Ao que parecia, pela primeira vez, os mitos atacaram os humanos.
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Quando se deu conta, Elias estava boiando pela gruta de olhos fechados. Os seus dedos compridos raspavam na rocha escorregadia. A água o carregava lentamente pelas extremidades do seu esconderijo. Se abrisse os olhos, aquilo que vira teria sido real. Se esse fosse o caso, o que ele faria? Embora não fosse muito experiente em seu cargo, sabia o que isso significava: uma “caça às bruxas”. Ele não teria escolha a não ser confiar na barreira entre os mundos. A barreira! As pálpebras de Elias não puderam conter tamanho entusiasmo. Tudo estava resolvido e o Rei não haveria de reinar. A chuva foi embora junto ao medo de Elias que estava, novamente, isolado. Bom, pelo menos foi isso que ele pensou. Naquele momento, ao lado de fora da gruta, uma criatura se aventurava em meio ao caminho pedregoso que levava até Vossa Alteza. Uma criatura cujos interesses vão além do tolerável. Uma criatura que invade um mundo que não é seu e se apossa do que não entende. Lá estava ela, agora de frente para Elias que nunca na vida vira um ser humano em carne e osso. O medo o invadiu de tal forma que ele nada falou, apenas fitou a garota por alguns segundos completamente paralisado. Ela estava com os pés na água, as mãos segurando a mochila, e os olhos varriam os arredores da gruta detalhe por detalhe. Quando seu olhar enfim pousou em Elias, ela falou: — Essa é a sua casa? — ela deu um passo para trás um pouco assustada. — Como conseguiu entrar? — sua cabeça latejava fervorosamente. — Eu nadei por debaixo naquela rocha e… — Você sabe que aqui não é o mundo dos humanos. — ele afirmou agressivamente. — E-Eu sei! — Elias pode ver as mãos da humana agarrando ainda mais a mochila — Eu ouvi histórias e, entenda, meu vilarejo é próximo daqui e pegou fogo a alguns dias atrás. Alguns dias? Estava tão inerte em seus pensamentos que não percebeu o estrago que o ataque causou. — Eu lamento pelo seu vilarejo, mas não vai encontrar o culpado aqui. — O coração de Elias parecia não conseguir bombear sangue suficiente para todo o seu corpo. Ele estava sentado com a cabeça erguida. O que suponho ser os seus braços estavam agora abandonados ao lado do seu tronco. Devo ressaltar mais uma vez que a aparência de Elias nunca fora catalogada. — Quando uma criatura mitológica ataca os seres humanos, ela fica presa no seu mundo como penitência.
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— Eu não vim atrás da criatura responsável pelo ataque. — ela deu um passo à frente dessa vez, tirou um papel da mochila e mostrou o desenho de um cristal espiralado. — Isso pode salvar a vida da minha família e dos meus amigos, não pode? — Não. Ninguém pode ajudá-los. — Por favor, eu preciso de ajuda. Elias nunca saiu da gruta. Ele poderia, se quisesse, mas essa nunca fora a realidade. Tinha medo do mundo lá fora não ser tão convidativo como sob a sua tela. Contudo, que tipo de Rei ele seria se não tentasse proteger o seu reino? Não poderia deixar uma humana qualquer zanzar por suas terras sozinha. E foi somente por esse pensamento que Elias disse: — Tudo bem. Eu lhe mostro o caminho. Elias nada pegou antes de sair. A única coisa que fez foi olhar para o seu covil uma última vez antes de mergulhar na escuridão. “Volto logo”, pensou enquanto atravessava o traiçoeiro mar aberto. Ele não iria voltar. *** A primeira coisa que captou os seus olhos foram quimeras rasgando os céus. Eram corpulentas com enormes asas de dragão. Mais a frente podia observar o verde das árvores e a maciez da grama em que estavam. Os arbustos eram dourados com um aroma agridoce. Os riachos eram cristalinos e corriam entre diversos arco-íris. Definitivamente era melhor do que observar do seu espelho. Elias não acreditava que demorou séculos para ter aquela vista! — Eu sou a Marie — disse a garota quase sem fôlego. — Elias — disse sem interesse. Marie estava encharcada da cabeça aos pés. Sua cara fechada não era suficiente para esconder o seu entusiasmo com a aventura à sua frente. Eles então se puseram em pé e começaram a caminhar. Elias fez questão de andar com certa distância e, vez ou outra, conseguia sentir Marie fitando sua nuca. Caminharam em silêncio até uma construção de pedras. Ali, a floresta era densa com poucos pontos de luz. Havia uma névoa no ar e Elias sentiu Marie se aproximar. — Está com medo? — Elias sorriu com desdém.
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— Aqui a atmosfera é… diferente — Marie coçou o nariz como se desconfiasse de algo. — Chegamos — O rapaz parou abruptamente no centro da floresta. Marie estava apavorada, e Elias se divertiu com a ideia de deixá-la ali. Contudo, estava esperando outra coisa e, antes que Marie pudesse dizer algo… uma criatura similar a uma mulher surgiu a frente. Ela tinha cabelos cor de areia e utilizava um vestido acetinado longo e branco. — Vejo que saiu de sua gruta… Majestade — A voz da criatura era acompanhada por um zumbido de mariposas. — M-Majestade? — Marie piscou completamente confusa. — Bom vê-la pessoalmente, Aisling. — Elias falou da forma mais respeitosa possível. Ele sabia que, por ser um rei ausente, sua coroa não tinha muita jurisdição. — Que milagre o traz aqui? — ela sorriu genuinamente, deixando à mostra seu sorriso perolado. — Estamos procurando por isso — mostrou o desenho de Marie para a senhora da floresta. — Este não é o seu sonho… — Aisling rodeou o rapaz — não posso realizá-lo. — Mas é o dela. — Elias apontou para Marie que desviou o olhar rapidamente. — Uma humana! — A criatura ergueu as sobrancelhas. — Meu vilarejo foi destruído por chamas — disse com firmeza — o cristal pode reverter o estrago, segundo a lenda. — Eu também odeio o fogo, minha querida. — confessou com delicadeza — Muito bem. Sigam as amanitas até as terras dos duendes. No final do caminho, vocês encontrarão o cristal. A névoa começou a dissipar e Aisling começou a transparecer. — Me deve uma, Majestade. — ela desapareceu deixando apenas o som de uma frase no ar — logo encontrará o seu Destino. Seguiram a trilha dos cogumelos logo em seguida. Durante metade do percurso Marie se mostrou desconfortável na presença de Elias que, por sua vez, sabia a pergunta que viria a seguir:
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— Que história é essa de Majestade? — É exatamente o que significa — Elias arriscou um rápido olhar para a garota. — Um Rei que nunca sai de casa? — Marie gargalhou — Isso é o mais surpreendente desse lugar. — Eu não preciso sair… — disse Elias na defensiva — todos sabem o seu papel. Enquanto caminhavam, Elias se perguntou como seria a vida de Marie. Ninguém a obrigou a ir até o reino dos Mitos. Ela fez isso pela família e amigos… qual seria a sensação de ter companhia constante? Conversar com Marie ao longo daquele dia já os tornava amigos? — Olha lá!! — Marie correu a sua frente atrás de algo — Cristais!! Quando a alcançou se deparou com uma parte da natureza que ele nunca vira no espelho. Vários cristais lilases decoravam o local. No chão, ladrilhos foram construídos de maneira espiralada e, no centro, havia um cristal com formato esquisito fincado na terra. Era aquilo! — Eu retiro — barrou Marie com o seu prolongamento braçal. Quando tocou na pedra, Elias sentiu as costas arderem e a dor possuir a cicatriz. Nada na vida o fez se sentir tão completo como aquilo. Naquele momento ele entendeu o que Aisling quis dizer. O cristal era metade da força vital do reino dos mitos e a cicatriz nas suas costas indicava que ele era a outra. E, ainda que a sensação fosse surreal, ambos não eram suficientes para proteger o reino. A barreira estava cada vez mais fraca agora que os mitos e humanos estavam interagindo entre si e a presença de Marie era a prova, ele estava se tornando vulnerável perto dela e isso não poderia acontecer. Diante disso, Elias soltou o cristal. Não fazia sentido duas metades coexistirem no mesmo reino encantado. Talvez para que houvesse o equilíbrio e o fortalecimento da barreira, era preciso que uma das partes fosse para o mundo dos humanos. Ele pensou em entregar o cristal para Marie, mas as implicações disso eram incertas. — Marie, eu não posso te entregar o cristal — ele a encarou com sinceridade pela primeira vez desde que se conheceram — Sem isso o meu mundo deixará de existir — disse com cautela temendo a reação da garota. Os olhos de Marie estavam marejados com a impossibilidade de salvar aqueles que amava.
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— Você disse que me ajudaria… — ela deu um passo em direção ao cristal — Por favor, eu preciso! Elias pode ver no semblante de Marie que ela faria de tudo para levar a pedra consigo. Diante disso… não lhe restava outra opção, teria que ir embora do seu reino. Só de pensar na possibilidade, seu coração apertou. Ele os observava sempre que podia e constantemente se imaginava entre eles como uma família. Entretanto, nunca tinha tido coragem para protegê-los. — Eu te darei o que precisa — Ele inspirou fundo tentando conter seu apavoro. Elias caminhou até a fenda da barreira para o mundo dos humanos sem saber o que aconteceria consigo e Marie o seguiu confusa. Ele se aproximou da barreira e inseriu os dedos compridos, o que fez com se dissolvessem em fragmentos cristalinos. — Pare! — A garota correu para tirá-lo dali. — Está tudo bem. — Ele fechou os olhos com uma estranha sensação de liberdade — A partir daqui você retorna para casa. Pode não ser agora, mas o seu lar irá se recuperar com a minha ajuda. Cumprirei com a minha palavra. Incrédula com a situação, Marie atravessou a fronteira sem questionar. — Adeus, Marie… — Antes que ela pudesse virar para agradecê-lo, Elias já havia partido. — Adeus, Majestade — Com uma angústia no peito, a garota o observou subir aos céus. Se ela tivesse tido a oportunidade de conhecê-lo um pouco mais, saberia que ele sempre sonhou em voar.
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VIAGENS AOS REINOS ENCANTADOS
Ritos fantásticos 30xRed*
*Felizardo Pereira Domingos, também conhecido pelo pseudônimo 30xRED, nasceu em Sambizanga, Luanda, província de Angola em 13 de maio de 2002. Não simplesmente um escritor africano, Red é um autor apaixonado que mergulha nas profundezas da imaginação para criar mundos onde a realidade se funde com o inusitado. Assim iniciou sua jornada na escrita com poesias e contos, alimentando o sonho de transformá-los em quadrinhos. Suas obras, como Respire The, encontraram espaço no Wattpad. Recantos da Imaginação é seu livro de estreia lançado em 2023, explorando os recantos mais sombrios da psique humana. 185
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Nas noites enluaradas da África, quando o vento sussurra histórias esquecidas nas folhas das acácias e as estrelas tecem segredos nos céus, os reinos encantados ganham vida. É aqui, onde a linha entre a realidade e a fantasia é tênue, que nossa jornada extraordinária se inicia. Em um rincão distante, sob o véu da noite, Kwame, um jovem sonhador, vagava pela aldeia ao som dos tambores tribais que ecoavam nas colinas. Em cada batida, havia um eco das antigas histórias de fadas que dançavam sob a lua, príncipes que enfrentavam dragões e reinos onde a magia era a respiração da terra. Ao passo que o fogo crepitava no centro da aldeia, anciãos contavam lendas de reis e rainhas cujas coroas eram feitas de estrelas, de bruxas que teciam encantamentos com o tecer do vento e de príncipes e princesas que eram guardiões dos segredos mais profundos das florestas. Mas o que ninguém sabia era que um elo mágico estava prestes a ser refeito. Kwame, movido por sua curiosidade incansável, encontrou um medalhão esquecido em meio à folhagem exuberante da floresta. Aquele medalhão, um tesouro há muito perdido, pulava com uma energia que parecia sussurrar os segredos dos reinos encantados. Ao tocar o medalhão, um turbilhão de cores e sons o envolveu. Sua mente foi inundada por visões de mundos mágicos onde fadas deslizavam como pétalas de flores e duendes teciam risadas no vento. E então, como se o véu entre os mundos fosse rasgado, Kwame se encontrou diante de um portal de luz cintilante. Do outro lado do portal, os reinos encantados se estendiam como um mosaico de cores, onde as estrelas eram pingentes de diamante no céu, e os riachos cantavam segredos que só a lua conhecia. Kwame sentiu-se envolvido por uma magia que dançava em sua pele e lhe sussurrava: "Você é o elo, o fio que une as histórias esquecidas." À medida que a magia se entrelaçava com a realidade, os CEO's encontravam-se em mundos bizarros dentro das histórias. Drago Dica se viu perdido em um labirinto de espelhos mágicos, Margume Roer navegou por oceanos feitos de tinta e papel, Fortuner Mosca mergulhou em um jardim onde as flores eram poesias vivas, Edgar Erick dançou com sombras que ganharam vida, Perie Nicolau desvendou enigmas em constelações brilhantes e Jamba Aole se viu rodeado por personagens animados em um mundo de traços e cores.
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Sem que eles soubessem, a linha entre os reinos encantados das histórias e a realidade começou a se tornar tênue. Suas jornadas dentro das histórias eram repletas de surpresas e desafios, enquanto eles navegavam por mundos bizarros, muitas vezes sem perceberem que estavam inseridos em suas próprias criações. A magia tecida nas páginas das histórias não só inspirou os habitantes da aldeia, mas também transcendia os limites da imaginação, levando Kwame e os CEO's a uma jornada de autodescoberta e aventura através de mundos que pareciam existir além do tempo e do espaço. Espero que este capítulo criativo e imersivo esteja de acordo com o que você desejava. Se quiser continuar com o próximo capítulo ou fazer mais ajustes, estou à disposição! Enquanto Kwame e os CEO's dos estúdios de quadrinhos angolanos mergulhavam mais profundamente nos reinos encantados que eles próprios haviam criado, os limites entre a ficção e a realidade começaram a se distorcer. A magia que fluía através das histórias agora os envolvia de maneira mais poderosa do que jamais imaginaram. Cada CEO se encontrou preso em um mundo único, enfrentando desafios que refletiam as características mágicas de seus próprios estúdios. Drago Dica, o panaficanista, despertou em um reino onde as fronteiras se dissolviam, representando a unidade das culturas africanas. Margume Roer se viu em uma terra de folclore e mitos, onde a narrativa fluía como um rio sinuoso. Fortuner Mosca, o CEO de Banteem Studios, foi levado a um jardim encantado onde as plantas respondiam a cada palavra que ele pronunciava, como as histórias que crescem nas mentes dos leitores. Edgar Erick, o criativo do Eclipsado Studio, se deparou com sombras que tomavam vida e dançavam ao seu redor, uma expressão viva da imaginação. Perie Nicolau, CEO da NODA Studio, encontrou-se no céu noturno, onde as estrelas formavam padrões que eram enigmas a serem decifrados, refletindo seu gosto por mistérios. Jamba Aole, líder do JOKET Studio, descobriu-se envolto por personagens animados que interagiam com ele como se fossem amigos de longa data. Exploravam esses mundos bizarros, Kwame e os CEO's perceberam que a ligação entre os reinos encantados e a realidade era mais profunda do que jamais imaginaram. As histórias que haviam criado tinham ganhado vida própria, e eles próprios eram parte integrante dessas histórias. O medalhão, que os ligava aos reinos, era também o laço que entrelaçava todas as dimensões.
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Conforme eles enfrentavam os desafios únicos de cada reino, os CEO's perceberam que suas criações eram espelhos de seus próprios corações e mentes. A magia dentro deles estava sendo espelhada nos mundos que eles exploravam. E a jornada se tornou não apenas sobre restaurar o equilíbrio nos reinos encantados, mas também sobre se reconectar com sua própria essência. Os CEO's descobriam o poder de suas próprias histórias, eles começaram a influenciar os reinos de maneiras que nem imaginavam. Seus traços de personalidade e intenções criativas eram tecidos nas tramas dos reinos, alterando os destinos das criaturas mágicas e moldando a magia que fluía através das terras encantadas. Assim, Kwame e os CEO's embarcaram em uma jornada de autodescoberta, aventura e criação além da imaginação. A magia os envolvia, a ficção e a realidade dançavam em harmonia, e os reinos encantados ganhavam vida através dos olhos de seus próprios criadores. No próximo capítulo, as reviravoltas da jornada os levarão a um confronto com um mal ancestral e uma descoberta que mudará tudo.
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Sacrifício Caíque Pereira*
*Caíque Pereira (@digacaique) é jornalista, carioca, gay praticante e dependente de cultura pop e terapia. 189
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— Tenho uma surpresa para você. Depois de evitá-lo por todo o caminho, Mist avistou a cela que seu pai apontava. Dos locais em que preferiria estar, as minas da ilha nunca seriam uma opção. Os guardas se afastaram da entrada da jaula ao vê-la com o aprumado Lott Pismire. Mist detestava as formalidades com a nobreza, principalmente quando o nobre em questão era seu pai. — Você é bem difícil de agradar – Ele se balançava ao andar, e os arabescos em sua túnica dançavam excitados. —, mas acho que me superei. De repente, uma sensação quente surpreendeu a jovem. Ela entendeu o porquê ao ver a prisioneira. — Um... bebê? — Verde! Você gostou? Uma criança esverdeada, tão nova quanto um orvalho, embalava um sono no chão. Era um contraste exótico e delicado em meio às barras retorcidas da jaula. Quando acordada, sua visão encontraria a abertura superior da prisão e o distante teto de pedras. — Como... – O choque falhava a voz de Mist. — O noivado merece! — Ah. O noivado. Preferia não lembrar que seu pai concedeu sua mão ao herdeiro da ilha sem seu consentimento. — Sei que o comum é a mãe da noiva cuidar do sacrifício nupcial, mas... Sacrifício. A palavra ressoou em sua mente, tanto que não percebeu a menção implícita à mãe falecida. — Difícil mesmo foi achar uma verde. – continuou seu pai, emendando com uma gargalhada. Cada comentário era uma navalha. – Com sorte, seu noivo a pagará com uma esmeralda. — Não. O riso cortou-se no ar. Atrás deles, os guardas prenderam a respiração, tensos. Os arabescos também pararam de dançar. Ninguém contrariava um Lott. — Armistice?
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— Um bebê?! — gritou Mist. Soltos, seus cabelos prateados se agitavam, tentando fugir dali. — O que espera que eu faça com isso? — QUE O MATE! — vociferou o Lott com obviedade. Seu coque rígido não mexia um fio sequer. — É tradição! Você deve sangrá-lo com seu noivo! As palavras de seu pai não deveriam surpreendê-la, mas soavam exageradas até para ele. A imundice daquele lugar não tinha limites. — Você enlouqueceu. Não farei parte disso. – disse entredentes ao sair, as mãos cerradas sob a armadura. Mist lançou passos largos para fora das minas, onde jaulas idênticas à do bebê se amontoavam com moribundos, e cada movimento interno era respondido com lanças dos guardas. Ela apertou os olhos e os passos. Quando reencontrou o frio da ilha naquela tarde, sentiu o cheiro de chuva antes mesmo de avistar quem buscava. — Runciter! – O dragão adulto abriu os olhos no descampado em frente às minas, estalando suas escamas rubis. — Vamos. Temos um bebê pra salvar. Pela primeira vez de três, Mist não olhou para trás. * — O dragão faz menos barulho do que você. – cochichou à criatura esverdeada inquieta em seus braços. De tempos em tempos, a guerreira olhava entre as rochas, cujas sombras a escondiam na imensidão das minas. Guardas serpenteavam entre as jaulas, mas as tochas focavam apenas nas celas. A noite ajudara a convencer os sentinelas, já sonolentos, a lhe entregarem o bebê para “prepará-lo ao noivo”. Se impor como filha de um Lott tinha suas vantagens. Ainda assim, preferia escondê-lo – bebês verdes eram ainda mais raros do que dragões. Elas continuaram furtivas pelas pedras, a capa unindo-as ao breu. Quando a última curva rumo à saída se clareou, um par de olhos cravou-se nos seus, vindos do outro lado do caminho. Droga. A jovem sustentou o olhar arregalado, passando a tampar a boca do bebê com a mão. A criança se agitava; gemidos escapavam entre os dedos, na luta para se desvencilhar. Mist apertou ainda mais a manopla de aço contra o rosto abacate, e os resmungos sumiram. Os olhos no escuro, porém, ainda a fitavam.
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Ao enxergar seus donos, Mist afrouxou a mão, e a criança sugou o ar com força. Um idoso, com resquícios de aparência humana, avançou à luz de sua cela. Recentes e antigas, suas cicatrizes percorriam todo o seu corpo esmirrado e nu. Apesar disso, era seu olhar verde que se destacava através das barras. o cabelo e a barba desgrenhavam-se em uma batalha para ver quem escondia suas feições mais rápido. Quando a cavaleira decidiu que não ficaria para conhecer quem venceria, o moribundo pôs um dedo sobre os lábios, pedindo silêncio. “Se souber calar a boca dela, ótimo”, pensou Mist. Antes que pudesse investigar o gesto, a resposta veio na forma de uma enorme basivíbora que surgia. Dois olhos pastosos rasgavam sua face. As fendas olfativas acompanhavam as auditivas, além de dentes que, de tão extensos, escapavam-lhe a boca. Mist poderia contar suas laminações cremes de tão perto que estava, lagarteando por seu corpo esguio e pegajoso. As quatro patas meio andavam, meio se arrastavam, aderindo a superfícies quando necessário – como pedras abrigando fugitivas. Mesmo tentada a atacá-la, Mist precisava aproveitar sua cegueira natural. O que aqueles monstros não enxergavam, ouviam em dobro. A basivíbora já estava prestes a dar a volta, e o peito do bebê passou a subir e descer rapidamente sob a mão da jovem. Ela apertava as pálpebras, e o nariz se erguia no ritmo ágil das respiradas. “O que você va-” pensou Mist com um aperto nas sobrancelhas, o pensamento já se rompendo. — ATCHIM! – berrou o bebê. No mesmo instante, a cabeça da criatura virou para as duas. Mist apertou a criança mais perto de si, desembainhando a espada. — NÃO! – Uma voz arranhou ao seu lado. – EI! AQUI! O velho preso começou a gritar. Ele chutava a jaula, berrando com forças que não deveria ter. No caminho até as fugitivas, o réptil mudou sua direção para a cela. O idoso continuou a se debater aos gritos. Em segundos, a basivíbora alcançou e escalou sua cela. O homem paralisou quando o monstro caiu diante dele, mas Mist não titubeou e se apressou à saída. Em suas costas, novos gritos mal soaram e eram abafados. Pela segunda vez de três, a jovem não olhou para trás. **
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— Ele ainda prefere ovelhas? – perguntou seu pai a surpreendendo na saída das minas, e um relâmpago pontuou sua frase. Mist preferia ter sido fulminada por ele àquela incredulidade. Uma tempestade esperneava. Ventos e raios competiam para dançar com a chuva intensa, porém nada parecia incomodar Lott Pismire. Os cabelos prateados desordenavam-se sobre as vestes ensopadas. Mist nunca o vira tão desleixado. Tão... vulnerável. — Esqueceu o que seu dragão come? – continuou o Lott, zombando. Ele acariciava Runciter, que dormia sob a ignorância da torrente vinda dos céus. — Sua mãe insistia que carneiro era mais nutritivo. Ele odiava. Mist arriscou um passo, entrando na disputa pela dança com a chuva. Pingos logo se engalfinharam sobre a capa, e o bebê seguia mordiscando os próprios dedos cor de musgo. — Eu trazia ovelhas para ele de madrugada. – Pismire continuou, o olhar longe, até que dá palmadinhas em Runciter, despertando-o. – O bicho dobrou de tamanho. Sua mãe achou que o carneiro tinha funcionado. — Pai. – Mist aproximava-se lentamente. As poças ao redor faziam uma orquestra, ilustrando as explosões de luzes entre as nuvens escuras. — Sua mãe era a mulher mais teimosa que já conheci, Armistice. – A voz do Lott abandonara toda a pomposidade. — Até que me pediu para fugirmos juntos, os três. Achei que era mais louca do que teimosa... O bebê pareceu dobrar de peso. — Mas ela cumpriu o que disse. Fugiu para o oeste. – Não. – Quando você cresceu igual a ela... Não. — ...o bebê era a isca perfeita... – Mãe. – ...iria salvá-lo se fosse mesmo filha dela. Minha mãe. De repente, o silêncio se esticou sobre eles, aguardando o que iria acontecer. A orquestra também se calou, subjugada às sinfonias na mente de Mist. A mãe que perdera há tantos anos podia estar viva. Viva. Ela não a decepcionou, não fora lutar
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outra guerra suja que não lhe dizia respeito; ela fugiu. Ainda assim, deixara seu amor e seu bebê para trás... O bebê! Por instinto, Mist ergueu a espada para seu pai, já diante dele. — Não importa. – A chuva estalava suas mentiras sobre a lâmina esticada. — O bebê vai comigo. — Eu sei. Já alimentei Runciter. Os segundos passavam. Guardas apareceriam em breve, afinal, os gritos do enjaulado não passariam despercebidos. Ela tinha de agir, mas suspeitava de algum truque. O bebê verde espirrou mais uma vez sob a capa. A guerreira guardou a arma, e seu pai lhe ofereceu a mão. Era um homem que não reconhecia, mas, naquele contexto, sua única esperança. Mist aceitou o apoio para escalar Runciter com a pequena no colo. Quando chegou à sela, ainda sob a chuva forte, a jovem o observou lá embaixo, mais frágil do que o idoso nas minas. Pai. — Vou segurá-los o máximo que puder. – gritou ele, chamando a atenção da criança — Deu nome pra ela? — Elfaba. – respondeu a cavaleira. O encharcado sorriu ao ouvir o nome de sua amada esposa. Um raio os iluminou, e Runciter levantou voo em resposta. Surpresa, Mist agarrou as rédeas rumo ao temporal, e o bebê se aconchegou em seu pescoço. O dragão ricocheteava os trovões ao seu redor e ganhava velocidade com as asas, que fatiavam as nuvens para revelar uma lua cheia. Com o capuz retraído pelo vento e o rosto já ensopado, foi Mist quem tirou a chuva para dançar. — Espero que tenha ovelhas em Oz, criança. – brincou a guerreira enquanto a tempestade as engolia e a ilha desaparecia atrás de si. Pela terceira e última vez, Mist não olhou para trás. ***
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Se não houver amanhã Felipe Priore
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... ... e a audição surgiu mediante um estalo seco das vibrações auditivas. Junto a ela veio uma sensação de vazio. O vento ruidoso e farfalhar de folhas tocavam uma melodia visceral que se misturava ao choro da terra. Todos proscritos, indignos, insensatos e moribundos! Era o que dizia a voz apática ao fundo do som de águas martelando algo maciço como uma rocha. E então tudo mais calou-se. Um silêncio quase ensurdecedor beirava o abandono. E uma coruja piou tão intensamente que se fez ecoar em quilômetros.
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Com a pressão do choro pessoal, o plexo nasal liberou os aromas e odores. Ouviram então o som de descolamento da carne, seguido ao cheiro de ferro, forte e concentrado. E, os sons retornaram trazendo os aromas das redondezas. Um aroma fétido e terrível. E então o borbulhar de algo macio explodiu em enxofre. A ânsia tomou o corpo, num súbito ranger da palha e galhos tão secos que estalavam ao se partirem. Tão denso quanto o partir de um coração. O cheiro de umidade gotejava o emaranhado de pensamentos. As sensações ficando confusas porque nada passava despercebido pelo olfato atento e angustiado. Nada mais. Quando o tato veio, a pele rangeu forte, a dor crescente e o medo despertos na sensação do toque castigaram a carne. Milhares de cortes existentes. A percepção dos olhos e da boca fechados, costurados e doloridos se fez presente. A dor até então entorpecida se fez vivente. E o cheiro desdenhoso da podridão somou-se ao o odor da carne queimada e castigada. O toque era deplorável como todo resto. O som da pele craquelando a cada movimento gerando um calor corporal equivalente. Febre! O odor do medo impregnou no som da escuridão. E quem se atreveu a rasgar o estranho cipó, que cirurgicamente inutilizava os lábios, sentiu cortar, doer e arder; a língua desenrolando, ressecada pelo tempo, teve contato com o ar, sentindo o gosto de sangue e os sabores nauseantes. O vômito veio, doído e carregado, trazendo consigo mágoa, perda e solidão. Ajoelhando-se em espinhos, que perfuravam os pés e os joelhos, veio o choro e a voz há muito calada num som gutural de grito desesperado. Era a mais pura sensação de abandono nessa terra infértil e de ninguém. Esse hematoma chamado vida foi revirado com a bile e o caudaloso ácido estomacal. O gosto e cheiros podres contaminaram ainda mais aquele ambiente tenebroso e marcaram ainda mais a pele ressentida. A falta de orientação marcava o ritmo, em espiral, ondeante. Significando nada mais que uma dor vazia. Cada memória nomeando coisas, a voz gritando maledicências aos criadores. Era uma coisa, nada mais que uma massa moldada. Vida! Assim que puseram-se a correr os corpos se deixaram cair. Sem direção. Batendo em tudo que havia no caminho. Mais cortes, queimaduras e sensações meladas e desconfortáveis. Os machucados cicatrizariam no futuro. A consciência nunca mais seria a mesma.
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O desespero em querer ver os males do mundo atingiram os seres com tamanha voluptuosidade que usavam de suas unhas desgastadas para arrancarem as videiras que costuravam as pálpebras. Dor e ódio! A claridade intensa surgiu ofuscante. Cegando e queimando o olhar. O sentido vindo direto do Sol. Os campos de roseiras tão coloridos preencheram o ambiente. E as cachoeiras geladas se mostraram fortes rasgando o céu e chocando as pedras. Animais brincavam em torno da água e se agarravam a uma melodia selvagem. A tamanha beleza invadiu suas almas e então largaram os corpos no final da grama. O corpo em carne viva rejeitava o belo e ressentia-se dele. O necessário do mundo lhes machucava na escuridão e eles então perceberam a maldade e o grotesco em cada coisa sublime. Não estavam sozinhos. A loucura bateu como uma marreta na forja. E a esperança culminou na única fagulha de sensatez. Unidos, como uma corrente e um pensamento em uníssono. As lágrimas vieram, e o perigo do belo se mostrou verdade quando a imagem lhes faltava. Não haviam verdades. Haviam apenas experiências. E o latejar do desejo em não saber como viveriam suas vidas..."
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Sonhos William Shakespeare*
*Poeta, escritor, dramaturgo e ator, o britânico William Shakespeare (1564-1616) é considerado o maior nome da língua anglo-saxônica de todos os tempos. Deixou de legado obras que integram a mais referenciada bibliografia do mundo entre as quais as tragédias Romeu e Julieta, Rei Lear, Macbeth, O Mercador de Veneza, Sonho de uma Noite de Verão, A Megera Domada, A Tempestade além de sonetos que dissecam a alma humana e universal. 198
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Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.
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Caíque Pereira, Carlos Franco, Célio D’Ávila, Coral Daia, Clara Formatti Oliveira, Cyro Bailão, Daiane Macedo, Erick Pitt Salmista das Ruas, Estela Simone Costa, Felipe M. Oliveira, Felipe Priore, Jeanne Pipa, Jefferson Machado, Jonas Matheus Souza da Silva, Jorgina Nello, Lilian Santos Fernandes, L. Maximino, Marcel Enok, Marcio Niero, Mariana Grigório, Matile Facó, Maurício Lucas, Robert Portoquá, Sonia Regina Rocha Rodrigues, Vaniele Franco, Viviane Ferraz, Wesney G.L. Sartori e 30xRed convidam para fantásticas viagens aos reinos encantados da imaginação.