titanic: um mar de histórias EDITORA OLYMPIA
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Capa e contracapa: reprodução de propaganda da White Star Line em 1912
O53 F825
Olympia, Editora Franco, Carlos (organizador)
Pág. 92 ISBN 978-65-86241-03-7
1. 1. Ficção brasileira - Contos I. Titanic: um mar de histórias CDD B869.301 CDU 821.134.3 (81)
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Às vítimas e aos sobreviventes do naufrágio do RMS Titanic em 15 de abril de 1912 cujas histórias seguem inspirando arte em diferentes plataformas de comunicação. 3
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Bruna Sinisgalli, Célio D’Ávila, Cristiano Moro, Emanuele Freitas, Gilberto Severo, Heliana Ometto Nardin, Isabel Cristina Bossano, Leonardo Carrijo Ferreira, Marcelo Begosso, Marcelo Pinto, Maria Elisa Guerra, Mário Virva, Mônica Medina, Olivaldo Júnior, Pedro Casemiro, Roberto Andrade, Yume Ikeda.
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Apresentação/Página 8 A culinária e a moda a bordo do Titanic Yume Ikeda/Página 10 A liberdade de decidir Célio D’Ávila/Página 16 A primeira e a última classe Lim/Página 20
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A última música – RMS Titanic Priscila Mattos/Página 26 A viagem da minha vida Flávia Werneck/Página 30 Amor infinito Daiane Macedo/Página 34 Canção noturna Roberto Schima/Página 37 Diário Espacial: A Saga do USS Odissey Titanic Jefferson Machado/Página 42 Inocência de criança Victor Algarve/Página 46 Mike Load, o marinheiro desconhecido Erick Pitt Salmista das Ruas/Página 51 O banho em águas profundas Beatriz Salgado/Página 56 O diário de Dorothy Boyle Maria Luiza da Silva Freire/Página 60 O frio de gelar a alma Williane M.P/Página 65 O navio dos sonhos naufragou José Carvalheiro R. Neto/Página 70 O Titanic vai ao cinema Roberto Pereira/Página 73 6
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Publicidade nos mínimos detalhes Carlos Franco/Página 78 RMS Titanic: histórias, memórias e mistérios Laura Souza/Página 83 Sobrevivemos ao Titanic Olivaldo Júnior/Página 88
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A Editora Olympia, fundada em 2006, está convencida de que as antologias de contos e poesias são essenciais para que novos e até premiados escritores expressem ao público o prazer que os move na arte da escrita. São estas obras coletivas que também abrem as portas para diferentes visões em torno do mesmo tema. Emoções que ganham vida por meio de intenso exercício, pois, como anotou Clarice Lispector, “escrever é 8
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o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poderse-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler (...).” Portanto, leia, navegue por estes mares caudalosos de palavras incorporadas às entrelinhas com as quais estes autores nos fisgam a atenção com dados reais e personagens de ficção em torno do RMS Titanic. O navio que naufragou nas águas geladas do Atlântico Norte em 15 de abril de 1912 e que, desde então, desperta curiosidade dando origem à inúmeras obras cinematográficas, peças teatrais, reportagens e farta literatura. “Titanic: um mar de histórias” é apenas uma ponta do iceberg do talento desses escritores que, nas páginas a seguir, assumem o leme deste livro. Boa leitura!
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*Yume Ikeda é escritora e jornalista especializada em moda. Editora da revista Luxury Week e colaboradora da Editora Olympia. 10
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Falar do Titanic é viajar no tempo, nos requintes da moda e da gastronomia do início do século 20. Então, feche os olhos, para embarcar nesta viagem inaugural e tragicamente única. Na manhã do dia 10 de abril de 1912, as mulheres da primeira classe atravessaram a ponte levadiça que ligava o navio ao cais do porto de Southampton, na Inglaterra, na esperança de chegarem na América, a ex-colônia britânica, sãs e salvas. Trajavam vestidos longos, muitos com corpetes acinturados e blusas de baixo vaporosas e transparentes, de tule ou de renda de fios de seda, para não ofuscarem o brilho das joias ou dos laços como gravatas que emprestavam leveza às vestes encorpadas por anáguas. Os colares de pérolas, com duas ou três voltas terminando antes da cintura com um nó, carregavam algumas vezes um camafeu, uma espécie de relicário criado por ourives para guardar pequenos retratos ou pinturas de filhos, maridos, pais ou mesmo santos protetores. Esta pequena obra de arte da joalheria tornou-se importante elemento de identificação dos seus portadores, uma espécie de carteira de identidade e de filiação. Já a opção de elegantes mulheres pelas pérolas ao embarcar pela manhã naquela primavera de 1912 no Hemisfério Norte tinha a ver com o uso preferencialmente diurno destas joias, enquanto as de ouro e prata, adornadas por pedras preciosas como diamantes, rubis, esmeraldas e águas marinhas, ganhavam mais brilho e destaque nos jantares e bailes noturnos. Os homens por sua vez se diferenciavam no trajar por meio do dinheiro que possuíam e que ditava o tipo de tecido, chapéus e cortes de alfaiataria além, é claro, das abotoaduras, sendo que as peroladas eram as mais usadas, mas tinham também as de ouro com o brasão familiar esculpido, assim como os prendedores responsáveis por manterem retas as gravatas. Os mais corpulentos optavam, em sua maioria, por suspensórios, enquanto os magros encontravam nos 11
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cintos um acessório indispensável à elegância, verdadeiras obras de arte em couro, a maioria saída de mãos habilidosas de artesãos. Entre os homens, os relógios de bolso eram imprescindíveis e também exerciam o mesmo papel dos camafeus ou relicários, guardando dentro imagens da família ou marcas identitárias. O relógio de pulso inventado pela dupla Alberto Santos Dumont e Louis Cartier ainda era novidade pouca difundida quando da partida do Titanic em 1912. Em sua primeira parada para embarque de mais passageiros, no porto de Cherbourg, no norte da França e distante apenas 80 milhas náuticas (equivalente a 148 quilômetros) de Southampton, foi a vez de o Titanic recepcionar as francesas com os trajes característicos da Belle Époque, a bela época que afloraria com tudo nos anos 1920. Os mesmos estilos de vestidos, a mesma elegância de tons marfins e beges e, claro, chapéus adornados que emprestavam um ar sofisticado às vestimentas femininas. Também eram comuns calçados criados com a mesma estampa ou cor dos tecidos dos vestidos. Sim: um sapato para cada vestido. Estes calçados eram finamente forrados e confortáveis, verdadeiras obras de arte de artesãos renomados para pés femininos enquanto os masculinos eram confeccionados com cromo alemão ou peles de crocodilo ou antílope. As bagagens merecem nota que não é de rodapé, pois foi trabalhando como maleiro no famoso hotel Savoy de Londres que o italiano Guccio Gucci percebeu que criar malas e bagagens para milionários poderia ser um bom negócio. De volta à Itália criou uma pequena empresa e tornou-se famoso em toda a Europa por fornecer as bagagens para o transporte transatlântico. E se as malas e maleiros passaram a estampar a marca Gucci, os casacos de meia estação saíam direto das mãos do ateliê britânico de Thomas Burberry, o inventor do impermeável gabardine e do uso de uma estampa xadrez que se tornou símbolo da marca, hoje uma das mais reluzentes grifes do planeta.
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Muitas foram as malas que embarcaram nas duas primeiras paradas do Titanic, o maior e mais luxuoso navio de cruzeiro do seu tempo. Motivo de orgulho para os irlandeses que o construíram e também para os ingleses, pois o navio foi registrado no porto de Liverpool, a cidade de onde The Beatles saíram para conquistar o mundo cinco décadas depois. Nos jornais de época, o Titanic foi saudado como inafundável, uma verdadeira obra de arte da engenharia naval. Já a terceira e última parada antes do Titanic ganhar mar aberto teve lugar no porto de Queenstown, hoje Cobh, na Irlanda, onde ocorreu o carregamento de suprimentos e onde parte da tripulação, sobretudo taifeiros, embarcou. A lista anotada nos arquivos da companhia de navegação dá a dimensão do espetáculo gastronômico prometido aos passageiros pelo chef de cozinha Charles Proctor: 75 mil libras de carne vermelha (uma libra equivale a 453 gramas), 25 mil libras de carnes de aves, 11 mil libras de peixes frescos, 40 mil ovos, 40 toneladas de batatas, 7 mil pés de alface, 36 mil maçãs, toneladas de frutas vermelhas, 15 mil garrafas de cervejas, 250 barris de farinha de trigo, vinhos e bebidas destiladas, e mais toneladas e toneladas de alimentos secos e bebidas diversas incluindo uísque e licores. Outra curiosidade reside nos acessórios de serviço das refeições, pois segundo os dados oficiais da companhia, o navio carregava seis mil toalhas de linho, oito mil conjuntos de garfos, facas e colheres, 12 mil pratos de jantar da mais fina louça e três mil xícaras de chá além de 45 mil guardanapos também de linho. As refeições da segunda e terceira classes não perdiam em sofisticação para a primeira. A principal diferença estava no serviço à la carte ao qual milionários tinham acesso e que contava com receitas britânicas e francesas copiladas por Charles Proctor, o chef conhecido e respeitado por preparar banquetes da realeza e dos então milionários do Reino Unido comandado por George V.
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Era nesse ambiente de luxo e grandiosidade, adornado por bela escadaria de madeira e uma claraboia suntuosa, com ambientes finamente decorados com lustres e castiçais que as vestes e as etiquetas à mesa ganharam vida nos salões, ainda que curta, pois de apenas quatro dias e quatro noites antes do naufrágio. Nos quesitos moda e gastronomia, o cineasta americano James Cameron, o incensado diretor do premiado “Titanic”, lançado em 1997 e primeiro filme a angariar impressionante 1 bilhão de dólares americanos, acertou em cheio ao retratar trajes e pratos. Uma cópia do menu do último almoço da primeira classe acabou disputado em leilão online em 2015 comandado pela Lion Hear Authographs, em Nova York. Ele é revelador da opulência do que foi servido aos passageiros: frango à Maryland, ovos Argenteuil, salada de aves, costeletas de carneiro grelhadas regadas com cerveja alemã gelada além de oito queijos diferentes para a sobremesa e mais uma infinidade de opções com as quais garçons treinados desfilavam em baixelas de prata. Este cardápio que emprestou veracidade ao filme de James Cameron sobreviveu ao naufrágio no paletó de um dos milionários que se salvou embarcando nos primeiros botes, uma vez que o acesso ao convés era facilitado à primeira classe. A mesma sorte não tiveram os passageiros da segunda e terceira classes, nas quais viajavam a tripulação e aqueles que sonhavam com uma vida de prosperidade no novo mundo, a excolônia britânica que se desenhava como terra da promissão, a sonhada América. No fundo do oceano, precisamente a cerca de 3.800 metros abaixo do nível do mar e a 650km da costa do Canadá, hoje repousam os restos do navio e de seus passageiros, uma espécie de cemitério marinho de um passado glorioso e glamoroso. E ainda que James Cameron tenha levado às telas as imagens reais do Titanic no fundo do mar, o que surpreende em sua obra, além do fictício romance de uma milionária 14
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Rose, personificada pela atriz britânica Kate Winslet, e de um pobretão Jack Dawson, vivido nas telas por Leonardo Di Caprio, é a opulência do navio e a elegância dos trajes. O corpete com botões e a cintura bem marcada assim como o chapéu usados por Kate Winslet no embarque são o retrato fiel da época. Aliás, este estilo de chapéus tornou famosas as primeiras criações da francesa Gabrielle Coco Chanel. Sim; ela começou como chapeleira naquele tempo de glamour dos salões em terra ou no mar, no caso específico do Titanic, nas profundezas do mar. E se os trajes sobreviveram ao naufrágio e continuaram marcando o início do século 20, o menu do último almoço da primeira classe – o que era oferecido a todos com a possibilidade do à la carte – acabou inspirando chefs de cozinha e de tempos em tempos é reproduzido em salões e restaurantes finos pelo mundo . A dança da moda com a culinária mantém ainda hoje vive o espírito do Titanic embalado por música de uma orquestra que, garantiram sobreviventes desta tragédia, não teria parado de tocar, pois a vida segue, acima e abaixo do mar. Música, maestro!
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*Célio D'Ávila, professor de artes, ator, autista. Desde
muito jovem ligado à literatura e com gosto por criação e reinvenção de contos (especialmente contos de fada). Hoje, com 30 anos, vivencio o desafio de me entender no mundo e entender o mundo dos adolescentes das escolas. 16
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Todas as manhãs, eu gostava de ir até o porto. Sempre me encantava com a brisa do mar que, em meio à movimentação da cidade, parecia um abraço e um convite: —“Venha para a linha do horizonte! Venha, pois não há borda que possa conter um sonhador!” Eu tinha certeza de que estava certo. Todos os dias, enquanto observava a movimentação, via pessoas se despedindo, assistia a reencontros e, por vezes, avistava outros transeuntes que, assim como eu, não sabiam o que queriam da vida e se ocupavam com a vida alheia. O fim de março trouxe uma grande expectativa. Não se falava em outra coisa senão no novo e imenso navio que seria disponibilizado pela companhia britânica de navegação White Star Line. A expectativa no porto era imensa, e muitos comentavam coisas como: “Será o mais luxuoso já visto.” Outros diziam: “Aposto que é apenas mais um modo de tirar dinheiro daqueles que se iludem com grandiosidade!” ou ainda destacavam sobre os inúmeros e maravilhosos pratos que haveriam: “Não ficou sabendo? Haverá uma riqueza de carnes vermelhas para aqueles que tem condições de pagar mais alto, mas também aves e frutos do mar para quem não estiver tão bem. E as bebidas, amigo, eu vou naquela viagem e vou beber como se fosse a última!”. O fato era que todos sabiam que o navio partiria em 10 de abril, e eu, que nunca havia tido coragem de me aventurar, decidi que finalmente chegara a hora. Fiquei por dias fantasiando como poderia ser, a paisagem que eu iria ver, o quanto o por e nascer do sol deveriam ser magníficos em alto mar! Ah, minha mente não parava de me ver brindando com pessoas desconhecidas que se tornariam meus melhores amigos e quem sabe... finalmente naquela viagem magica eu fosse encontrar um amor!
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Inspirado pela energia que sempre sentira naquele porto e por todas as histórias que já ouvira, comprei uma passagem na classe mais simples possível, a terceira classe, em 2 de abril, uma terça-feira, podia não ser a passagem para viver a aventura mais luxuosa, mas certamente saberia que jamais iria me esquecer daquela experiência! Eu queria fazer parte da história! Não tinha planos de ficar em Nova York; iria apenas por ir e voltar rapidamente, atravessar o horizonte e ver se as histórias sobre as terras do outro continente eram realmente verdadeiras. Afinal, minha mente que sempre gostou de se dar aos delírios se perguntava se realmente não havia uma beira da terra no oceano e as vezes parecia que eu só conseguira acreditar que os navios realmente rompem o horizonte, se eu estivesse dentro de um! Entre os dias 3 e 9, fiz algumas compras. Por alguma razão eu quis levar apenas roupas novas, se eu fosse encontrar um amor nesta jornada, ela teria que me ver impecável! Por outro lado, pensei que se fosse me deparar com um monstro marinho, queria estar bem vestido, para meu último suspiro. Por fim, preparei documentos e outros itens que poderiam ser úteis para a viagem. Alguns familiares estranharam minha decisão: “Você sempre teve medo do mar, o que aconteceu agora?” Eu simplesmente respondia: “Minha liberdade finalmente chegou!” No grande dia 10 de abril, cheguei cedo ao porto. Meu coração acelerava, minhas mãos suavam e tremiam enquanto várias pessoas passavam ao meu lado. Ricos, pobres, casais, jovens em busca de amor.
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Quanto mais o porto se enchia de gente, menos à vontade eu me sentia e mais ansioso ficava. Finalmente, subi pela rampa em direção ao navio! No entanto, algo dentro de mim pareceu disparar, uma certeza de que ainda não era a hora, como se uma intuição falasse: “Sua liberdade chegou, mas você não precisa provar para todos, indo nessa viagem!” Acredito que ninguém entendeu a velocidade com que um homem correu, batendo sua bagagem em outros, parando apenas quando já estava fora do porto, e suspirando e transpirando de forma incessante. Acabei me juntando aos que acenavam para o navio, refletindo sobre como perdi a chance da liberdade, como desperdicei uma oportunidade que parecia única. No dia 15 de abril, soubemos logo cedo pelo Daily Mail que algo havia acontecido, mas uma manchete esperançosa falava que não haviam vítimas. Os dias passaram e o ar otimista foi dando lugar a um tom de desespero à aqueles cuja os familiares haviam embarcado. E, com o tempo, as rádios noticiaram e ampliaram as notícias, claro que, com a caça às bruxas, pois todos queriam saber quem seria responsabilizado pela tragédia com o navio. Quanto a mim, felizmente senti que naquele momento que o ato de desistir talvez tenha sido o maior ato de liberdade e de cuidado que já tive em minha vida. Mas não desisti de cruzar o horizonte, mas sinto que posso esperar mais, esperar para quem sabe ir pelos céus, quando os aviões estiverem preparados para transportar mais pessoas.
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*Larissa Ramos dos Santos, a Lim, garota de São Paulo e do
séc. XXI. Descobriu o gosto pela escrita por volta dos dez anos, então começou a escrever histórias que sua mente conta. “Uma menina com sonhos desde pequena, na aula de história pegou uma caneta, no meio da guerra contada, imaginou...” 20
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—Pegue. Pegue aquela moeda! Os dedos gelados tocam na moeda que volta a rodar. Por estarem tão suados, a moeda ganha mais impulso para girar naquele minúsculo aposento. A buzina do navio soa. Os dedos suados de Taciatã Carrasco tocam novamente na moeda rodadora. O navio balança brutamente e a moeda roda em direção ao buraco do minúsculo aposento, caindo lá dentro. Taciatã limpa as mãos na roupa, que voltam a suar, se arrastando de joelho até aquele buraco enfia uma mão fechando alguns dedos para alcançar a moeda fugitiva, quando finalmente chega ao final do buraco sente outras... A porta é aberta brutamente por uma mãe furiosa de roupas esfarrapadas como as de Taciatã. Como o quarto é pequeno não demora muito para Jonna Carrasco chegar até Taciatã e puxá-la pelos cabelos. O puxão é tão forte que uma dor se inicia do pescoço até o meio de sua coluna. A dor é passageira, mas o incômodo não. — Te pedi para se trocar e me encontrar na cozinha, o que faz ajoelhada neste chão criatura demoníaca! É uma inútil mesmo. Puxa o cabelo mais forte e diz: — Quando digo para ser rápida é para ser... Taciatã levanta a mão mostrando uma moeda. Sua mãe permanece com o rosto torcido. Taciatã levanta a outra mão que foi colocada no buraco, há farpas nela e cortes pelo esforço posto para entrar. Tem vermelhidão e uma linha de sangue escorrendo dela. O rosto da mulher se ilumina largando o cabelo de algodão da menina, pegando as moedas. 21
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— Ora, que beleza. Pega sua bolsa nada bela, jogando as moedas dentro. — Garota, se troque e me encontre na cozinha rápido e não se atreva a pegar minhas moedas! Eu juro Taciatã, se me fizer esperar eu lhe esbofeteio até não sentir mais seu maldito rosto. A garota olha a porta ser fechada, não sabendo se gemia ou chorava pela dor na mão ou de seu couro cabeludo. Ela segurou as lágrimas, não pela mão ou o couro cabeludo, mas pela vida dela mesmo.
A moeda gira na mesa, todos os envolvidos no jogo observam ela girar, girar e girar até ela cair de “cara”. Alguns reclamam, outros aclamam. A herdeira de Henriqueta Lagomar apenas solta um singelo sorriso, sentada na cadeira macia no salão de jantar do navio, na primeira classe. Seus cabelos de algodão estão presos em um coque com fitas roxas. As pessoas que perderam no jogo continuam reclamando. O cão preto de Elívia late ao seu lado pela discussão, ela o acalma com um longo assobio que vai da nota maior à menor. — Foi o navio, o maldito movimento dele! — Eu o vi assoprando... Sim, você! — Um garoto grita. Os dois grupos começam a brigar um com o outro. 22
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— O que acha Elívia? Álvaro Leal puxa a cadeira do lado e pergunta: — Houve trapaça? — Meus bons olhos e curtos ouvidos de nada viram ou ouviram. Ou seja, de nada sei. — De nada sabe? Puxa um canto dos lábios. — O que fez então durante o jogo? — Apenas adormeci. Olhou para um dos empregados do navio que passava observando a mesa cheia de moedas quando uma cai no chão. Elívia, então, diz: —– Pode pegar, tenho muitas aqui.
Imagine um espelho: um espelho no corredor, um espelho que reflete seu espanto, com roupas da mais alta costura e outra com vários reparos. Um rosto com seu rosto. No caminho para um lugar que não era a cozinha, Taciatã achou um espelho. Um rosto com seu rosto, no caminho para fora do salão de jantar, Elívia encontrou um espelho. Uma rica, uma pobre. Nesse pequeno encontro elas resolvem trocar de lugar, o cão de Elívia não aceita a ideia indo ficar com a mãe da mesma. — Eu tinha que estar na cozinha agora, solta aflita Taciatã. — Agora mesmo eu estarei lá, sorrindo responde Elívia. 23
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Mesmo com a cozinha cheia, quando Elívia entra, uma Jonna brava lhe acerta um tapa. — O que eu disse garota estúpida, não me faça ficar esperando. Ninguém na cozinha tenta ajudar a garota. Elívia massageia o rosto tentando compreender o que aconteceu. Sem tempo de reagir todos na cozinha se balançam e voam com a força da batida do navio. Taciatã alisa o vestido e toca a fita na cabeça. Nunca se sentiu tão bem como agora. As pessoas passavam por ela e sorriam, não rosnavam de boca fechada ou evitava olhá-la. Como conhecia o navio bem, andou para o salão de jantar, queria pegar as belas guloseimas, queria tanto, que pensou que seu nervosismo a fez tropeçar, porém, não foi só ela, todos ao seu redor tropeçaram e caíram ao chão. Não demorou para ouvir gritos e pessoas começarem a correr. Sem perceber estava ao ar livre, com pessoas se empurrando em busca de botes ou seus familiares, uma mão a puxou. Henriqueta Lagomar a olhou preocupada. — Meu bem, você está bem? — Venha tem um lugar no bote para nós, estava tão preocupada, venha. Henriqueta puxa a menina rapidamente para o bote, onde havia outras pessoas e um cão. Sentaram e o bote foi baixado, se afastando do navio.
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Taciatã viu o navio e se levantou brutamente fazendo as pessoas do bote protestarem. O cão negro a cheira e começa a rosnar. As pessoas começaram a se estressar com o cão e com o frio. —Se acalme Diamã! Elívia faça aquele assobio para que ele se acalme, vamos. Taciatã encara a mulher, depois o cão que rosna, ela se afasta de ambos se abraçando. Henriqueta imaginou que sua filha só estava assim pelo frio ou talvez esteja processando o que aconteceu com o navio. E o navio então se partiu em dois. E o cão latiu de dor. E a mãe abraçou a filha. E a “filha” massageou o couro cabeludo. E o bote se afastou.
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*Priscila de Mattos Silva, 31 anos, nasceu no Rio de Janeiro, na data de 22 de fevereiro de 1992. A paixão pela escrita despertou desde a infância, onde através de poesias recitadas pode expor seus sentimentos. A sua inspiração é a VIDA e as pessoas que a cercam. Foi assim que decidiu lançar seu primeiro livro de poesias denominado: Para todos os meus Seguidores. 26
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É sabido relatar que o Titanic foi um navio gigantesco construído a partir do ano de 1909, ficando pronto em 1912, com capacidade para cerca de 3000 pessoas. Em sua viagem inaugural, que infelizmente foi a mesma da final, transportava por volta de 2223 pessoas. Nesse acidente fatídico, 1517 vidas foram perdidas, gente que possuía sonhos, amores e que tiveram seus planos interrompidos por essa obra do destino. Dentre essas perdas, encontravam-se aqueles que estavam ali por uma única razão: encantar a todos através dos seus dons musicais. A banda de música era responsável por alegrar aqueles lindos salões do Titanic. Composta por dois grupos de músicos, um quinteto e um trio, que se dividiam na hora do chá, após o jantar e no restaurante da embarcação. Eles viajavam naquele lindo navio na parte econômica, mas mesmo assim mantinham o entusiasmo e a alegria que era estar naquele mandatário e impactante transatlântico. Mas será que você consegue perceber que, naquele momento de desespero e inquietação, e mesmo o pânico sendo instaurado por causa do que aconteceu, os músicos não pararam de tocar? E foi assim pelas mais de duas horas em que o RMS TITANIC naufragava. Pois é, a música naquele momento foi crucial para não tornar ainda pior a sensação de desespero em que se encontravam todos os passageiros que estavam literalmente de cara com a morte. Ainda é constatado até hoje qual teria sido a última música a ser tocada naquela embarcação, Nearer My God to Thee ou Autumn. O fato, porém, é que uma dessas foi a que se eternizou no oceano e findou-se com o naufrágio no fundo do mar. Notas tocadas e escutadas, alinhadas e doces, valsas e músicas dançantes no salão que foram ouvidas e percebidas embalando romances, discussões sobre negócios, bailadas por tripulantes na parte
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inferior do navio e curtidas por aqueles que pagavam caríssimo pelo caviar consumido no restaurante principal do navio. Nunca saberemos ao certo qual foi essa última nota a ser tocada por aqueles instrumentistas e ouvidas pelas pessoas que perderam sua vida ali, tragicamente naquele que era pra ser um sucesso de navegação. Mas uma coisa é certa: a música é algo que transcende tudo que acontece e mesmo depois da catástrofe acontecida é notório reconhecer o momento de paz que os músicos tentaram encaixar no meio da aflição, ressaltando que isso serve como um aprendizado para nós mesmos, que assistimos as cenas do filme no cinema e que através desse texto podemos talvez nos questionar : qual música você gostaria de ouvir para ser a sua última? A música registra momentos nas nossas vidas e registra tanto coisas boas como ruins. Ela é responsável por imaginarmos situações e vivermos através da consciência aquelas letras ilusionistas sobre amor, romance, tristeza, términos. Sabemos que, apesar de presentemente estarmos dançando na vida, por que a vida é uma verdadeira dança, onde temos dificuldade em aprender a dançar quando somos pequenos e mais velhos começamos a melhorar e quando realmente aprendemos é hora de se despedir do tablado, um dia a última dança será tocada e o último acorde será entoado por aquele violão, e daí que eu pergunto: Será que você estará preparado para dançar essa dança e ouvir essa última música? O adeus é algo que dissemos para aquelas vítimas do RMS TITANIC e é sempre respeitoso relembrar que aquelas pessoas quando entraram naquele naufrágio estavam indo escutar a última música delas sem saber que seria a última.
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Aproveite o hoje, recorde o passado e deixa o futuro flutuar com os seus sonhos, para que mais tarde você possa ouvir a sua última música da forma que você escolheu.
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*Flávia Werneck tem 32 anos. Formada em LetrasLiteraturas. Possui um projeto literário na internet, o Fala Werneck, onde fala de livros há 7 anos. Trabalha com revisão acadêmica, literária e de mídias sociais. 30
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Depois de viver a vida inteira em Oxfordshire, finalmente, aos 16 anos, iria conhecer novos lugares. Faria a minha primeira viagem de navio. Sozinha. Minha mãe, a viúva Werneck, já tinha acertado todos os detalhes por carta com a família Miller, de Nova York, onde eu passaria três anos sendo a preceptora dos gêmeos de 8 anos. No dia 10 de abril de 1912, embarquei no Titanic com a madame Johnson, prima de segundo grau de Fiona Miller. O navio era gigantesco e o barulho das turbinas me causava arrepios, não sabia o motivo, mas aquele colosso de aço me deixava apreensiva. Talvez fosse apenas a minha ansiedade transparecendo e a já antecipada saudade de casa. A jornada começou agitada, todos pareciam muito animados e empolgados para viajar no grande navio que prometia ser “inafundável”. O primeiro dia foi repleto de atividades. Eu acompanhava a madame Johnson em seus preparativos e com as infinitas conversas sobre as mudanças que eu veria em Nova York. Segundo ela, a vida na cidade estava agitada e a maioria das pessoas já tinha se acostumado a um cotidiano repleto de casos de violência e agressividade constante. Contou também sobre a casa da família Miller e da sua influência na cidade. Ela sabia que eu adorava ler, então na primeira noite de viagem, vendo que eu estava angustiada com o balançar do navio, me emprestou um livro que tinha encomendado em Londres, mas ainda não começara a ler. Logo na primeira página, a obra fantástica já me cativou e eu me distraí completamente do mundo ao meu redor. O dia 14 começou como os anteriores, repleto de conversas animadas e diversificadas durante as refeições, mas a temperatura foi abaixando drasticamente conforme anoitecia. Por isso, madame Johnson decidiu jantar na própria cabine naquela noite e eu a acompanhei. Ela logo se recolheu e eu me retirei para o meu aposento, queria continuar a 31
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leitura por mais algum tempo. Só que às 23h40, toda a cabine estremeceu violentamente. Larguei o livro assustada, abri a porta conjugada para os aposentos da minha acompanhante de viagem e logo a vi saindo do quarto de camisola e com o cabelo bagunçado. Como eu ainda estava vestida, falei que ia buscar informações sobre o que estava acontecendo. Saí do quarto e não vi ninguém ao redor, depois de várias passadas, finalmente cheguei ao corredor central onde se encontrava um dos tripulantes, falando ao rádio, mas desligou quando me viu. Perguntei o que estava acontecendo e ele não respondeu de imediato, apenas me segurou pelo braço e pediu que o acompanhasse. Tentei argumentar e descobrir o que ocorria, mas quando notei, já estávamos no convés principal e outros tripulantes já estavam ao nosso redor, gritando agitados e buscando conter uma pequena multidão que começava a se aglomerar daquele lado do navio. Um alto-falante soou ao meu lado e me assustei com a voz de um homem solicitando que as pessoas mantivessem a calma e avisando que seria necessário entrar em alguns botes para resolver uma pequena situação que estava acontecendo. A multidão começou a se avolumar e ficar mais agitada, gritando e tentando forçar caminho. Acuada e sem saber como reagir, não conseguia pensar em nada, parecia uma boneca sendo colocada sentada ali no canto do segundo bote. Acho que estava em choque, embasbacada pela grande confusão e sequer lembrei da madame Johnson me esperando na cabine com uma resposta. Enquanto o bote em que eu estava era abaixado na água, comecei a rezar para que alguém fosse até a cabine da madame e a tirasse de lá. Minutos depois, enquanto o tripulante que comandava aquele pequeno barco repleto de passageiros começava a remar, vi pessoas se jogando da lateral do navio, elas batiam na água com um baque estranho, meio seco. A temperatura estava congelante e o ar estava até um pouco difícil de respirar.
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Conforme o tempo foi passando e começamos a ver corpos congelados boiando na água, comecei a chorar e fechei os olhos. Mas aqueles olhares vazios e aterrorizantes me perseguiam mesmo assim, a minha mente estava em branco. Não conseguia sequer imaginar a magnitude do que estava acontecendo, a dor de ver aquele sofrimento era inimaginável. À medida que o silêncio sepulcral foi dominando aquele oceano sombrio, fiquei com medo de não sobrevivermos àquela noite. Já não sabia mais se haveria vida depois daquilo tudo e como conseguiríamos nos salvar. Perdi a noção do tempo, mas eventualmente apareceu um navio, que nos resgatou. Cheguei ainda em choque na casa da família Miller, que foi acolhedora e receptiva com a dor da viagem traumatizante. Nunca mais vi a madame Johnson. E mesmo depois de dois meses vivendo com os Millers, e até gostando da companhia e das peripécias dos gêmeos, eu ainda sentia que havia algo de errado com a minha vida. Aquela viagem tinha destruído uma parte de mim, a Sophia Werneck que embarcara, nunca chegou à cidade de Nova York. Todas as noites eu tinha pesadelos com aqueles olhos vazios, com as pessoas que ficaram para trás e nunca tiveram uma oportunidade de ver um novo dia. O universo tinha me dado uma nova perspectiva, de forma dura me mostrara como a vida é fugaz. Não poderia existir mais espaço para medo ou inadequação, eu precisava acreditar em mim, buscar o que alimentava a minha alma, algo que já estava lá e até a madame Johnson, que me conheceu por poucos dias, conseguiu notar. Depois de apenas três meses como preceptora do William e da Meg, arrumei as minhas malas, me despedi com carinho das crianças e com gratidão dos adultos, e me mudei para uma pensão exclusiva de mulheres, na qual eu começaria a trabalhar durante a manhã para pagar a estadia e a comida. No período da tarde, faria o que realmente deveria e estava destinada: finalmente tinha chegado a minha hora de escrever. 33
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*Daiane Macedo, 29 anos, nasceu em Caririaçu, no Ceará,
descobriu na escrita, uma maneira de expressar-se e superar os momentos mais sombrios da vida. Tendo dois livros publicados, além disso, sua paixão pela escrita a levou a contribuir com antologias, enriquecendo o mundo com sua arte literária.
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Era uma noite fria e estrelada em 10 de abril de 1912, quando Judy e Deni, recém-casados, embarcaram no majestoso navio Titanic em sua viagem inaugural. Judy, com seus olhos brilhantes e sorriso encantador, era uma mulher elegante que vestia seu melhor traje para a ocasião. Deni, um cavalheiro de fala mansa e coração caloroso, estava emocionado por acompanhar sua amada em uma aventura tão grandiosa. Os dois estavam fascinados com o tamanho e luxo daquele navio, e ansiosos para saber como seriam os próximos dias. O Titanic, uma verdadeira maravilha da engenharia naval, era uma imponente obraprima dos mares. Em meio à multidão de passageiros, eles encontraram seus aposentos, uma cabine confortável e acolhedora. Durante os primeiros dias da viagem, Judy e Deni aproveitaram todas as maravilhas que o Titanic oferecia. Eles dançavam no salão de baile, desfrutavam de requintadas refeições na sala de jantar e passeavam pelas imensas coberturas do navio. A cada momento compartilhado, a conexão entre eles se fortalecia ainda mais. O dia 14 de abril havia chegado ao fim, mais uma vez o casal Goulart estava no salão de festas. Os dois não entendiam nada de dança, porém, ambos desejam se divertir. A noite estava estrelada. Enquanto a embarcação cortava as águas gélidas do Atlântico Norte, o capitão e a tripulação estavam atentos aos riscos da navegação, mas, a escuridão impediu que visualizassem o perigo e as advertências vieram tarde demais: um iceberg se erguia ameaçadoramente no horizonte.
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O Titanic acabou por colidir com aquela montanha de gelo. O estrondo do impacto ecoou pelo navio e Judy e Deni, que estavam em sua cabine, foram bruscamente lançados ao chão com a força da colisão. O coração deles disparou enquanto percebiam que algo horrível havia acontecido. Deni fez o que pôde para proteger a sua amada Judy. Ao lado do casal, outras pessoas morreram com o impacto brusco. Rapidamente, a notícia do acidente se espalhou pelo navio, e a atmosfera de empolgação foi substituída por pânico. O acidente foi mais sério do que parecia. Judy e Deni se juntaram aos outros passageiros, seguindo as ordens dos tripulantes para colocarem os coletes salva-vidas e se dirigirem aos botes salva-vidas. O caos tomou conta do convés à medida que as pessoas buscavam desesperadamente uma chance de sobrevivência. Os Goulart estavam entre os primeiros para serem resgatados, com um misto de medo e coragem, Junto a outras pessoas Judy e Deni entraram em um bote salva-vidas. Eles olharam um para o outro, se abraçando. Lágrimas de alívio rolaram pelo rosto deles fazendo a promessa de que nada os separariam nem mesmo a morte. O bote salva-vidas desceu lentamente em meio à escuridão, os levando para um local seguro. Quando desembarcaram finalmente em terra, os dois estavam gratos por terem sobrevivido. Logo ao chegar no porto foram destinados a um abrigo e ali recomeçaram sua história de amor e união. Alguns anos se passaram e, em sua confortável casa em Portugal, os Goulart contam aos seus filhos Melânia e Seth essa experiência que serviu para fortificar a relação e mostrar que o amor infinito existe. As crianças ficaram apavoradas imaginando o quão terrível foi aquela noite de 14 de abril de 1912, todavia, ficaram felizes por seus pais terem conseguido superar as adversidades. 36
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*Paulistano e neto de japoneses, nascido a 01.02.1961. Agraciado com o Prêmio Jeronymo Monteiro pela história "Como a neve de maio" (Isaac Asimov Magazine, Ed. Record). Participou de mais de duzentas e sessenta antologias. Escreveu: "Limbographia", "Sob as Folhas do Ocaso", "Cinza no Céu " etc.
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O orgulho britânico afunda vagarosamente. Com ele vão-se as esperanças de uma geração, a suprema segurança da tecnologia perfeita, a civilização ideal. No convés de popa, pessoas apavoradas sentem-se elevar. A sensação é a de se estar em um imenso elevador a céu aberto. O vento gelado soprando de todas as direções, o chão transformando-se em parede, infinitos sons convertendo-se em um coro inesquecível. E pensar que, momentos antes, tudo era festa e alegria. Nos salões ricamente decorados, homens de negócio discutiam as cotações da bolsa de Nova York ou jogavam cartas, enquanto suas esposas competiam sutilmente pelo vestuário mais requintado. Lady Gordon, indignada, interrogava o marido: — Querido, como os Ismay completaram sua oitava volta ao mundo enquanto nós mal fizemos três? Sir Cosmo, em traje de gala, sequer prestou atenção. — Cosmo, estou falando com você! — Hein?! Ah... Desculpe-me, querida, eu estava com o pensamento distante. O que disse? — Eu perguntei: por que é que não viajamos tanto quanto os Ismay? — Ora, você sabe que não tenho tempo. Os negócios... — Sei, sei... — disse Lady Gordon, irônica. — Qual o nome dos “negócios”? Kate? Eleanor? Susan? — Querida!
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Na parte inferior do navio, os passageiros de terceira classe divertiamse como podiam. A maioria, porém, preferia pensar na nova vida que os aguardavam. Outros dormiam. Agora, a proa do navio começa a afundar com grande estrondo misturado aos gritos dos inocentes. O oceano, liso como um espelho, agita-se ao redor. Estrelas distantes, ignorantes do trágico drama, persistem a brilhar no céu límpido, conforme sempre haviam feito. Para as pessoas à salvo nos botes salva-vidas, a cena é terrível. Veem o ventre metálico rasgado, por onde toneladas de água entram sem parar. Pessoas desesperadas atiram-se ao mar na esperança de sobreviverem, apenas para serem tragadas às profundezas pela sucção do horrendo monstro. De algum lugar do navio, a orquestra persiste, tocando uma melodia. A música invade a noite, ora abafada pelos gritos e o chocar de objetos mil, ora encoberta pelo rugir do oceano. Uma estranha sinfonia dedicada ao belo e ao grotesco. Os compartimentos de terceira classe estão quase todos submersos. Pessoas humildes, despertas de seus sonhos, veem-se presas pelos escombros da primeira e segunda classe dos andares acima. Aquelas que, de algum modo, encontram a saída para o convés através do labirinto de corredores, veem seu acesso aos escaleres barrado pelas multidões mais abastadas. Para outros, todavia, só resta perecer, rezando vigorosamente por um céu seco. Na cozinha, panelas despencam, mantimentos misturam-se aos pratos preparados, louças decoradas em arabescos transformam-se em mosaicos abstratos. Lamparinas de querosene caídas pelo assoalho propagam incêndios que são uma afronta a situação. O salão Luís XV, decorado com pinturas raras, lustres de cristal, finas pratarias e móveis holandeses, é agora um monte de entulhos. Na
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escuridão da noite, as luzes do navio ainda são visíveis, e o vulto da montanha de gelo cobre as estrelas. O tempo passa... A proa não se faz mais visível. O poderoso transatlântico inclina-se na vertical, atirando os náufragos de encontro às paredes, escadarias e amuradas. Por fim, nem um borbulhar crescente, o gigante desaparece. O silêncio cai pesaroso. Logo, porém, dá lugar aos gritos dos que, milagrosamente, sobreviveram e nadam nas águas geladas. Curiosamente, os que se encontram nos botes salva-vidas permanecem em silêncio. Um estado de transe como se os gritos fossem um zunido perdido na imensidão do Atlântico. Um dos primeiros escaleres a ser descido foi o dos Gordon. Afasta sem rumo com todos olhando o navio ser engolido. Nele há doze pessoas, apenas doze, quando na verdade caberiam quarenta. Gente fina a bem da verdade. A maioria carrega seus pertences; os homens, seus títulos de crédito, contratos de grandes negócios; as mulheres, seus casacos de pele, joias e exóticos perfumes. Até uma garrafa de fino vinho francês foi salva, aquecendo os corpos encolhidos. O marinheiro a bordo faz menção de voltar para recolher os sobreviventes: — Vamos pegar aqueles que estão vivos, antes que morram congelados! — Não — diz imediatamente Sir Cosmo. — Há outros botes mais próximos que poderão recolhê-los. Ademais, precisamos zelar pelos nossos bens. Ouvi dizer que há ladrões entre a terceira classe. Outros concordam, acrescentando que poderiam se molhar; e o barco, até virar.
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— Meu jovem — diz Sir Cosmo ao marinheiro. — Tome lá cinco libras como indenização pelo dia de serviço. Não se preocupe que o recomendarei aos seus superiores em terra. Assim, o bote afasta-se do centro do desastre. Os clamores tornam-se cada vez mais esparsos até cessarem por completo. Ouvem-se choros a distância que logo se calam. Há um profundo silêncio na escuridão. Apenas o som das ondas nos cascos é ouvido. Em um dos amontoados de pertences, Lady Gordon, usando sua estola de marta, está satisfeita. Afinal, não perdeu grande coisa e, principalmente seu gatinho branco, Fênix, está a salvo. “Tantos peixes no mar e não tenho nenhum para você”, pensa tristonha. Lembra-se de que certos povos do oriente incluem felinos no menu e, com um arrepio na espinha, pergunta-se como podem fazer uma maldade dessa. O gatinho ronrona, agradecendo a carícia feita. Lady Gordon, abre a mala e retira uma bela caixinha de música. Uma taça de vinho lhe é servida. Agora, as águas do Atlântico Norte estão em paz, quase sem ondas. O céu sem nuvens deixa ver nitidamente as constelações como luzes bordadas no pano de fundo do espaço. Um vento frio percorre as pessoas que, instintivamente, aconchegam-se mais umas às outras. Os minutos vão passando lentamente. Silêncio... E no silêncio, no profundo silêncio, ouve-se melancolicamente a caixinha de música tocar. É uma canção de ninar. Uma música suave espalhando-se com a brisa na escuridão...
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*Professor de História e jornalista, apaixonado por educação, leitura e ficção científica. Ávido fã de Star Trek e entusiasta da corrida espacial, determinado e focado em seus objetivos.
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Estávamos chegando a Icaria 2. Um planeta com uma paisagem de ilhas flutuantes que se movem em padrões complexos, habitada por uma sociedade que domina a arte da levitação. A tripulação era composta de 1.200 tripulantes a bordo da nave de exploração USS Odissey Titanic. Após 4 dias de viagem do Posto avançado “D” até o Planeta, me retirei a minha cabine e me deparei com um pequeno diário do meu bisavô que se destacava num emaranhado de livros num baú empoeirado. Entre folhas amareladas e corroídas pelo tempo haviam escritos dele, idealizador da primeira nave de exploração da Federação que eu tinha o privilégio de comandar: USS Odissey Titanic. Em sua primeira folha estava escrito um título, Titanic: Uma Jornada das Profundezas ao Infinito. Eu tinha meus 13 anos quando assisti à primeira vez o filme Titanic no churrasco na frente da casa da mamãe. Quando percebi, todos estavam chorando. Depois disso, ocasionalmente eu via documentários tomando conta da TV sobre o tal navio. Uma hora era sobre alguma entrevista com um sobrevivente, outra sobre algum achado nas profundezas do oceano. Mas afinal o que havia naquela embarcação que tanto merecia atenção das pessoas? O que existia naquele gigante que dorme nas entranhas do abismo que leva até hoje exploradores a busca de seus destroços? Pois, o mar é uma verdadeira sepultura desde que o homem ousou desbravá-lo. Hoje vivemos a era da exploração espacial. Uma nova corrida à lua, Marte e outros planetas. Porém, ainda há em toda essa aventura um pedaço do Titanic. O Colosso dos Mares, assim pode ser interpretado como uma parábola moderna que reflete as interações complexas entre o homem, o conhecimento e a natureza implacável. Ele representou a realização máxima da engenharia da época, simbolizou o poder da mente humana de criar maravilhas tecnológicas. No entanto, ao mesmo
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tempo, essa arrogância e confiança excessiva na ciência também expôs a vulnerabilidade do homem diante da natureza. A colisão com um iceberg e o subsequente naufrágio serviram como uma lembrança brutal de que, apesar de todo o progresso tecnológico, o homem segue sujeito às forças naturais que estão além de seu controle. A relação entre o homem e a máquina foi evidenciada nas escolhas feitas durante o projeto e a sua construção, bem como nas decisões tomadas durante a fatídica viagem. O Titã dos Mares surgiu durante o reinado de George V, no apogeu da Belle Époque, um momento de efervescência, cultura e cientifica. Nesse momento, a ciência se sobrepunha à natureza. O planeta ficou, cada vez, menor diante da velocidade das máquinas. O gigante dos mares foi um símbolo dessa Era, destacando o papel da tecnologia e da ambição humana na definição desse período. Representando o auge da engenharia e da inovação de sua época. Sua construção foi um testemunho do desejo humano de superar os limites, de desafiar as fronteiras conhecidas e de buscar o progresso a qualquer custo. A virada do século XIX para o século XX foi um período de avanços significativos em termos de transportes e comunicações. Os trens, automóveis e, claro, navios a vapor, como o Titanic, impulsionaram a aceleração das viagens e da troca de informações. A sociedade estava passando por uma transformação profunda, impulsionada pela busca por eficiência, velocidade e modernidade. O Titã, me permita, chamar dessa maneira o Titanic, como a “personificação da era georgiana no mar”, encapsulou a mentalidade de otimismo, ambição e busca por novos horizontes. E, assim, como em tempos antigos, antes mesmo dos deuses do Olimpo terem 44
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dominado a terra, esses proto-deuses reinaram. Quero poder imaginar que o Gigante Marítimo, nosso Titã, teve seu reinado nas águas geladas do Mar do Norte. O “Titanic real”, que afundou em 1912, representa a tragédia e a perda que ocorreu naquele momento específico da história. É um símbolo da vulnerabilidade humana, das consequências devastadoras da arrogância e da força avassaladora da natureza. Esse aspecto do Titanic evoca empatia, tristeza e respeito pelas vidas perdidas, além de servir como um lembrete das fragilidades da existência humana. Por outro lado, o “Titanic da imaginação” é uma representação mais ampla e simbólica do espírito humano, da exploração e da curiosidade. É um símbolo da busca por novos horizontes, do desejo de superar desafios e de enfrentar o desconhecido. Ele está e estará em cada exploração espacial. Em cada planeta e galáxia que chegarmos. Esse continua a navegar por meio de histórias, filmes, obras de arte e discussões que exploram suas diversas facetas. Ele se tornou um ícone cultural que reflete aspirações, medos, valores e ideais que transcendem o tempo. A ideia de que o “Titanic da imaginação” está em curso até hoje destaca a capacidade contínua das pessoas de se conectarem com a história de maneiras significativas. E é através da imaginação, da interpretação criativa, que o Titanic permanece a ressoar com as gerações atuais, permitindo que as pessoas encontrem novos significados e entendimentos. Ele é um símbolo complexo que oferece uma janela para a condição humana, as esperanças e os sonhos, os desafios e as lições que atravessam o tempo. Essa interação entre o “real” e o “imaginado” contribui para a sua duradoura relevância e constante fascinação que ele exerce sobre as pessoas ao longo das décadas.
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*Victor A. Biancini Dias Algarve, 27 anos, nascido em
Caraguatatuba, litoral de São Paulo. Formado em Pedagogia, pela Universidade de São Paulo; Pós graduado em Psicopedagogia, Alfabetização e Letramento. Educação Especial e Inclusiva pela faculdade São Luís. 46
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- Frank Goldsmith, acorde! Não vou repetir! Esse é o jeito de mamãe me acordar. Não sei como consegui dormir de tamanha empolgação. Sou o menino mais sortudo do mundo! Eu, mamãe e papai viajaremos num navio gigante. Vamos morar na América, onde papai quer abrir uma loja de ferramentas. Lá encontraremos vovô, vovó e titios, que já moram lá. - Papai! O que são aqueles canudos enormes em cima do navio? - São chaminés. Usadas para expelir toda fumaça vindo das caldeiras. - Mas, o que são... - Agora não, Frank! Precisamos embarcar e.. Eu sei que deveríamos embarcar, mas não poderia deixar de olhar mais uma vez esse enorme navio, como é lindo e gigantesco. Consigo até ver o seu nome. Chama-se Titanic. - Venha, Frank! Hora de embarcar! Embora parecesse desagradável, preferi ignorar a “gentileza” de Alfred que veio para me conduzir pela mão. Sou um garoto bem crescido para isso. Não preciso ser conduzido por ninguém. Alfred Rush estará viajando conosco. Vai morar com seu irmão mais velho. Papai e mamãe cuidarão dele durante à viagem. O Sr. Theobald, amigo de papai, também viajará conosco. Enquanto embarcávamos, logo na entrada, não compreendi a razão de um homem uniformizado ter passado um pente em nossos cabelos e pedido para abrimos a boca, pois não estávamos doentes e nem 47
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despenteados. Outro homem, também uniformizado na porta, solicitou e olhou nossos bilhetes. Por alguma razão, mas para o meu alivio, Alfred ficaria na parte da frente do navio, junto com o Sr. Theobald, já eu, mamãe e papai, na parte de trás do navio. Quando entramos em nossa cabine, fiquei muito encantado. Vi um beliche e pedi a cama de cima. Enquanto papai e mamãe desfaziam as malas, vi no corredor, alguns meninos e quando me vi, estávamos descendo as escadas do navio, embora não fosse tão fácil correr, por causa das pessoas que procuravam suas cabines. Descemos algumas escadas e passamos por muitos corredores. Como era grande aquele navio. Foi quando escutamos barulhos, que aumentava conforme nos aproximávamos. Escutava esse barulho, quando papai usava uma pá para pegar entulhos. Mas o que alguém faria com alguma pá dentro desse navio? Foi quando nos deparamos com uma sala gigantesca, onde havia algo parecido com grandes fornos, onde vimos alguns homens jogando com pás, algo parecido com carvão dentro deles. Pareciam felizes, pois cantavam enquanto trabalhavam. Quando voltávamos, Alfred veio ao meu encontro, dizendo que mamãe estava me procurando para o almoço. Embora parecesse zangada comigo, aceitou a desculpa que Alfred inventou de que eu havia me perdido. O local do almoço era grande, com longas mesas e nos foi servido sopa com repolho, bife e pão. A comida estava maravilhosa. Mal começara a nossa viagem e explorei vários locais do navio, fiz alguns amigos e estamos saboreando uma refeição maravilhosa. 48
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O que poderia dar errado? - Frank! Acorde! Levante agora! Foi difícil acordar, estava tão quentinho naqueles cobertores. Mamãe estava se vestindo e papai estava arrumando uma pequena mala. Será que já havíamos chegado na América? Sem dúvidas, esse navio é muito rápido. Alfred e o Sr. Theobald apareceram vestidos com coletes salva vidas. Mas, por que o colocaram? Não os usamos quando embarcamos. Subimos algumas escadas e chegamos no lado de fora do navio onde encontramos bastante pessoas, todas com coletes. Mas até onde pude ver, não havia porto, cidades, prédios. Ainda estávamos navegando. Então, por que tudo isso? Escutei um homem gritando “mulheres e crianças primeiro “. Não sei para o que seria isso. Fiquei mais confuso, quando o Sr. Theobald deu seu anel para mamãe e pediu que entregasse a Sra. Theobald, na Inglaterra. Será que o navio estava voltando? Papai beijou a mamãe e me deu um abraço e disse que me veria mais tarde. Fui colocado junto de mamãe e outras pessoas num pequeno barco. Um homem pegou Alfred para colocá-lo em nosso barco, mas ele recusou dizendo que ficaria com os homens. Descemos, até que tocamos o mar. Estávamos nos distanciando do navio e pude ver que ele estava inclinando. Parecia estar afundando. Escutei gritos de socorro vindo do navio. Mamãe me tomou nos braços para não ver, mas ainda escutava os gritos. Era muito assustador e triste. Foi quando escutei alguém no barco dizer que ele iria flutuar. Me virei e vi que o navio não flutuava, mas desaparecia no meio do mar. Mas, os gritos continuavam. Será que papai, o Sr. Theobald e Alfred conseguiram pegar outro barco?
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Após algum tempo, tudo ficou quieto; completamente silencioso. Algum navio deve tê-los resgatado. Então, adormeci nos braços de mamãe. - Frank! Acorde! Olhe, um navio! Acordei e vi que o céu estava ficando claro e observei que nosso barco remava em direção a um navio à certa distância. Não era grande como o meu. - Será que foi ele que apareceu à noite? - Como assim? - Ora, mamãe! A senhora não percebeu que às pessoas na água, pararam de gritar?
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*Eu sou Eric Luciano, conhecido como Salmista das Ruas, formado em Letras, autor da obra Conexão Suburbana Catalogando o hip hop na Central do Brasil, já participei de 5 antologias e costumo abordar de forma crítica os cotidianos das periferias, por ser amante da literatura marginal. Sou músico, professor, escritor de projetos, poeta, preto e deficiente físico. 51
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Eu poderia fazer qualquer coisa naquele ano de 1912, pois queria conhecer a América e o glamour do cinema, das mulheres bem vestidas e usando joias no paraíso chamado Estados Unidos da América, território dos sonhos que era construído pelos britânicos do outro lado do oceano. Mas o fato é que passei aquela noite entristecido porque quando fizeram a chamada no porto não chamaram meu nome e chamaram Robert Makload. Eu, John Jefferson Makload não fui chamado, nem estava na lista. Então, voltei, me deitei na cama na pensão dos marinheiros e sonhei que atracava em diversos portos até chegar a Nova York, andando por ruas movimentadas, conhecendo o cinema, os lugares e os monumentos públicos. No comércio agitado de uma das maiores cidades do mundo, eu comprava lembranças para todos os conhecidos e, com sacolas à vista, era bem visto e bem recebido inclusive em um cabaré, onde as mulheres ficaram fascinadas com o uniforme de um marinheiro britânico. No salão daquele cabaré, me abraçavam, brincavam colocando a minha boina e eu tentando impedir para manter a ética da minha profissão e do navio ao qual estava servindo. O vestido de seda de uma delas escorregava sobre coxas bem torneadas que ficavam à mostra me deixando fascinado por sua pele e a beleza daqueles lábios carnudos realçados por batom. Ela parecia ter saído das telas de cinema e era exatamente como eu imaginava em sonhos. Seu perfume de mulher me deixava inebriado e ela me apertava contra os seus seios enquanto eu, trêmulo, mas atrevido, passei minhas mãos em suas pernas e percebi que a seda do vestido era como um nada sobre o seu corpo, que era sensível e sentia o febre do calor que nos 52
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envolvia. Ela, então, passou a mão pelo meu pescoço com a promessa de um beijo, mas uma batida forte na porta e a voz de Robert interromperam esta viagem à América. _Vamos! Se arrume, era para o cabo Maike Load ir, e Maike Load era você. Trocaram os nomes e, como não dá tempo de destrocar e arrumar tudo, decidiram levar nos dois pela confusão que causaram. Na porta, Robert e os outros marinheiros me aguardava ansiosos. Todos queriam embarcar no navio. Como em um sonho, agora acordado, eu estava diante daquele monstro enorme atracado no porto, um Titã, o maior navio de nossa época. Subi as escadas sem mesmo acreditar. Mas, indiferente do vislumbre e do sonho que se desenhava diante dos olhos, era nosso papel, com rodo, panos mantermos limpos os corredores tanto da primeira como da segunda classe e que se houvesse movimentos não podíamos deixar suja a popa, principalmente os corredores a serem usados na primeira viagem. Era nossa missão manter tudo limpo tanto para a aparência do navio como para que toda tripulação se sentisse segura naquele gigante dos mares. O lendário marinheiro e capitão Smith deixou sua linha de trabalho na torre de comando para nos cumprimentar e reforçar a importância do trabalho perfeito naquela embarcação. Nos apresentou Sílvia, que atuaria como camareira na primeira classe, mas ficaria alojada na segunda classe em um dos corredores onde estaríamos abrigados. A diferença é que caberia a Sílvia nos observar, pois depois de uma certa hora teríamos os nossos alojamentos trancados para impedir a circulação pelo navio fora do horário de serviço. Então, Sílvia percorreria todos os corredores para nos vigiar. Com ela, o relacionamento desde o início foi tranquilo, pois somente dizia: - Limpem com atenção meninos para eu não ter que acionar o comandante, e se assim fizerem, não há necessidade, dizia nos 53
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olhando com firmeza com olhos pretos como jabuticabas. Ela era uma morena que se fazia notar, ainda que o uniforme de camareira complementado por uma touca não revelasse muita beleza. Mas nem posso falar muito sobre ninguém pois eu era motivo de risos dos demais marinheiros e, como consequência, também das pessoas que transitavam no convés e que sequer nos notavam. Eu recebia insultos sem me preocupar muito. Tudo por conta do meu nome e do apelido que recebi na quarentena quando o comandante me chamava assim: Maike Load, enquanto meu nome era John Makload, John Jefferson Makload. Após tomar banho e retirar a roupa de marinheiro escalado para a limpeza, me dirigi ao parapeito da segunda classe e chorei na sua borda, agarrado às ferragens e olhando para a imensidão escura e sem fim do oceano. Minhas lágrimas se juntaram àquelas águas, pois me sentia só e exausto de todos os dias carregar baldes e mais baldes, passando o rodo por corredores e com pano nas mãos limpando todas as áreas do convés e da popa do navio. As pessoas que passavam sequer nos cumprimentavam, como se não houvesse diferença entre serviçais e estruturas metálicas. Chorei pensando que nunca seria lembrado por ninguém caso algo acontecesse naquele navio, pois meu nome sequer estava na lista dos tripulantes porque resolveram me levar de última hora. Me sentia, assim, um nada. Até vejo Edward Smith me escalando: - Chame o idiota do Maike Load, que não passa de um aspirante e para esse tipo de trabalho só alguém como ele! Nada de responsabilidade, quem sabe só alguém simples como eu para se sujeitar. Naquele momento, com o olhar perdido em divagações, senti mãos escorregando nas minhas costas. E a pergunta: - Porque choras? Respondi, por saudade... Ela exclamou e disse: - Oh! Também me senti assim. Era Sílvia e limpando as lágrimas eu a vi como nunca tinha visto, era como um sonho que havia sonhado. Ela com um vestidinho 54
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bem leve e de cabelos soltos, então percebi que a espanhola estava somente com roupa para dormir. Eu estava de shorts e camisa cavada. Ela olhou e disse: Que corpo definido você tem! E eu disse: Posso dizer que você também, e surpreso, porque está muito linda sem os uniformes. E ela diz: Me abraça,... Quando acordei o navio já havia se partido e estava afundando. As coisas já se misturavam na embarcação que estava repleta de água em seu interior. Me lembro de alcançar Sílvia, sem sair do quarto. Os pertences dela se esparramaram todos no quarto quando o navio se chocou com o iceberg. Nos batíamos um no outro naquele sacolejar para esquecer de quanto a vida havia de ter sido infeliz até ali e nos agarramos na oportunidade, mesmo que por um momento sem pensar no qual nos unimos em amor enquanto a catástrofe acontecia. Agarrei-me ao seu corpo. Eu, John Jefferson Makloud e tudo foi como um sonho. Afundamos no fundo do amor e juntos com o Titanic para o fundo do mar. Entre mais de duas mil pessoas sem sermos percebidos, tivemos a percepção um do outro e historicamente nunca seremos lembrados, mas esquecidos naquele quarto de amor com os nossos restos mortais se acabando no tempo, nas profundezas do oceano onde o amor morreu, esquecido, abraçados e trancados em um quarto como um sonho.
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*Baiana de Itabuna, professora de Artes aposentada e escritora de poesias e contos nas horas vagas e que são muitas. 56
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Os passageiros da primeira classe do RMS Titanic levaram a bordo do navio da White Star Line diversas obras de arte, da joalheira à então nascente indústria automobilística como um Renault Type CB Coupe de Ville 1912, passando por uma das mais luxuosas encadernações de livros de todos os tempos: um volume do Rubaáyyát de Omar Khayyam com capa de couro marroquino incrustada com ouro e marfim e adornada com mais de mil pedras preciosas e semipreciosas. Poeta persa conhecido em português como Omar Caiam (1048 - 1131), o escritor narra nesta obra poética composta por quartetos (rubaiyat em árabe, que é resultante de um conjunto de versos em ruba’i que é uma estrofe de duas linhas com duas partes formando um quarteto) os fatos relacionados à existência humana, dos nascimentos e curiosidades que nos cercam à brevidade da vida e o envelhecimento como os vinhos que, quando estão maduros, se dissipam no ar em forma de suave aroma. Mas se a poética persa e o carro francês pertencente ao sobrevivente William E. Carter, passageiro da primeira classe, entraram para o rol das curiosidades, é uma pintura a óleo o item mais valioso que naufragou nas águas geladas do Atlântico Norte no dia 15 de abril de 1912, privando a humanidade de voltar a apreciá-la. La Circassienne au bain (A circassiana no banho), obra do francês Merry-Joseph Blondel, garantiu ao seu proprietário, o sueco sobrevivente da tragédia Mauritz Håkan Björnström-Steffansson, o ressarcimento em forma de indenização de mais de três milhões de dólares aos valores de 2023. Pintor renascentista, com destaque em exposições no famoso salão do Louvre, um dos mais importantes museus do mundo, em Paris, na França, Blondel ficara encantado com a mística beleza alentada em sua época por relatos de viajantes das circassianas, mulheres originárias da Circássia, região do Cáucaso, hoje Federação Russa. Todos os viajantes que conheceram esta região gelada falavam no retorno aos seus lares e nos famosos diários de viagem da alvura da pele das 57
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circassianas e dos olhos claros e cabelos dourados como o trigo que nasce nas campanas. Criava-se, assim, uma mística em torno destas desejadas mulheres, despertando curiosidade e poesia. Blondel se deixou envolver por esta histórias e é uma bela mulher tomando banho o que retratou. A obra, devido ao naufrágio do Titanic, entrou para a história da arte e despertou curiosidade também para Blondel que não chegou, em seu tempo, a figurar entre os mais prestigiados artistas do renascimento. Este quadro, de fato, foi embarcado e tornou-se símbolo das obras de artes perdidas no naufrágio. Em seu filme, Titanic, lançado em 1997, o diretor americano James Cameron comete diversos erros quanto às obras de arte presentes no navio. O maior deles lhe rendeu multa que pagou para a Sociedade dos Direitos dos Autores, sediada nos Estados Unidos e que protege obras de mais de 50 mil artistas e tem acordo nesta defesa com inúmeros museus a exemplo do MoMa de Nova York. É este museu o detentor do Picasso que o diretor quis levar para o seu fictício navio ainda que existam réplicas espalhadas pelo mundo, inclusive imagens reproduzidas em papel e muitas delas vendidas pelos próprios museus. Tal ousadia, irritou a sociedade que defende os direitos dos artistas mesmo quando suas obras estão em domínio público. A bela circassiana de Blondel, de fato, tomou um banho para todo o sempre, só que nas águas profundas e geladas do Atlântico Norte ao contrário de obras de Picasso, Renoir e Monet que James Cameron também cinematograficamente afundou. O quadro de Blondel, por ser extremamente perecível, nunca foi recuperado dos escombros do Titanic, mas ganhou cópias pela curiosidade que despertou. Já joias, pratarias, relógios e outros objetos foram retiradas dos destroços e hoje integram exposições sobre o Titanic em mostras 58
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itinerantes e museus ao redor do mundo incluindo um pedaço do casco. Mas é a bela circassiana o que desperta curiosidade, pois em torno da tragédia se desenrolou a responsabilidade da companhia de navegação e a luta de Mauritz Håkan Björnström-Steffansson pela indenização amplamente descrita nos maiores jornais do mundo. Foi isso também que contribuiu para que quadros de Blondel espantosamente subissem de preço e fossem disputados por renomadas galerias de arte e importantes museus ao redor do mundo. Com o naufrágio do Titanic, os pedidos de reprodução do quadro para outros pintores cresceram enormemente, uma vez que Blondel havia falecido em 12 de junho de 1853 e, portanto, não poderia criar nova versão de sua mais famosa obra. Para os supersticiosos, a bela circassiana tornou-se uma espécie de sereia que vive magicamente a 3,8 mil metros de profundidade em seu banho eterno nas águas do Atlântico Norte, guardiã daqueles que encontraram nas profundezas, como ela, o eterno descanso.
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*Maria Luiza da Silva Freire, 18 anos, nasceu em CearáMirim, no Rio Grande do Norte. É estudante do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, campus Ceará-Mirim (IFRN-CM). Já participou de mais de 15 antologias, entre contos e poesias, além de projetos individuais engavetados. Tem uma enorme paixão pela literatura, em especial pelo romantismo. 60
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Acordei com um baque estridente, como se uma cratera estivesse abrindo-se sob os meus pés. Ainda trajava as vestes de jantar: o vestido de seda azul, as luvas pretas, as meias de nylon e minha tiara de diamantes. Estava, porém, sem os sapatos e as demais joias. Adormecera no canapé esperando o retorno de James. Não reparei nessas nuances, a princípio, pois o primeiro pensamento que me veio ao ser desperta de modo tão repentino foi no meu filho. — Judith! — eu gritei. — A minha criada apareceu, acendendo as luzes numa afobação que eu nunca havia visto em seus trejeitos, com uns olhos esbugalhados e as maçãs do rosto coradas, enquanto o restante era alvo como as cortinas da habitação. — O que houve, Judith? Onde está o Jamie? — Ela demorou meio minuto para me responder, mas, quando o fez, falou praticamente sem pausas, atropelando as palavras: — Está no quarto, senhora. Quer que eu o traga? Oh, meu Deus, eu sinceramente não sei o que está acontecendo. O barulho, os solavancos... até gritos eu ouvi, juro-lhe por Deus, senhora. — Está bem, está bem, Judith — emendei depressa. — Ele dorme, o meu filho? — perguntei. — Não, senhora. Acordou com o barulho. Eu o estava acalmando quando vim acudi-la... — Eu sabia que a pobre Judith não tinha a mínima condição de acalmar ninguém, por isso, pedi que trouxesse Jamie para junto de mim. Perguntei pelo James antes que ela saísse: estava preocupada com meu marido e com medo de que, o que quer que fosse aquilo, tivesse relação conosco. Ele ainda não tinha retornado do clube. James diria que é tolice minha, uma criancice, uma superstição, mas senti um arrepio em minha espinha. E o sentimento intensificou-se quando Judith entrou com meu filho nos braços. Os olhinhos azuis 61
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estavam espertos e marejados. Jamie, que era uma criança habitualmente quieta, assuntava-me em sua inquietude. Tranquei-me com ele e Judith em minha alcova para evitar os gritos estridentes das mulheres do lado de fora. Stewart, nosso mordomo, havia saído para descobrir qualquer coisa e também para buscar James. Segundo ele, havia uma histeria generalizada. Consegui fazer Jamie dormir, mas estava nervosa demais para pensar em algo além do caos que se instalara nas repartições do Titanic. Temia pelo meu filho, por James e por mim mesma. Meus instintos falavam como fantasmas, e eu, sozinha na sala da cabine, não podia ignorar essas vozes. Quando James retornou, seu semblante, geralmente indiferente, estava carregado de algo funesto. Ele entrou, viu-me parada o observando; tentou sorrir, entretanto seus lábios mantiveram-se rijos. Caminhou em minha direção e, buscando conter o seu tom habitual, indagou: — Ainda de pé, minha querida? — Estava esperando-o. O que houve? Eu ouvi os barulhos, a confusão. O que está acontecendo? — Aquela foi a primeira vez na vida que vi James baixar seu olhar sempre tão imponente. Pensei que fosse mentir, inventar alguma história, mas não. Ele simplesmente deixouse cair numa poltrona e seus traços tornaram-se perturbadores. Temi ante sua atitude, ainda assim, ajoelhei-me e apoiei a cabeça em seus joelhos. — O que houve, James? Diga-me, meu amor... — Ele respirou fundo, como que para criar coragem, no entanto, a voz soou fraca e trêmula, como a de um menino assustado. — Um iceberg — ele disse. — O quê? 62
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— O Titanic, minha querida, acaba de colidir com um iceberg. — A partir desse ponto, eu não soube mais o que falar. Tive a impressão de que tudo que eu dissesse seria inútil. Só podia ser uma ironia do destino... Titanic era um navio perfeito, inaugural... James insistira na viagem, patrocinara a criação do RMS Titanic, fizera planos. Ele não precisava afirmar para mim que o navio afundaria. Eu sabia. Simplesmente sabia. Podia ler em seus olhos a angústia, a decepção e, sobretudo, o medo da morte. A morte... era a primeira vez que ela me parecia real aquela noite, mas não por mim, pelo Jamie que dormia como um anjo no quarto ao lado. — Evacuarão o navio — disse-me ele desesperado. — Os botes são limitados... isso será uma chacina, um genocídio. James levantou-se repentinamente, assustando-me, pegou nosso filho e entregou-me-o numa tentativa inútil de parecer calmo. Depois cobriu-me com seu paletó e nos entregou coletes salva-vidas. Eu via a vida passar diante dos meus olhos como num filme de três atos. Jamie, com a cabeça inclinada nos meus ombros, ressonava baixinho. James então voltou, e, por algum motivo misterioso, eu sabia que aquela era última vez que ouviria a voz de James, a última vez que ele falaria comigo. — Dorothy, ouça, o que quer que aconteça depois daqui, saiba que eu te amo, com o maior dos amores do mundo. — Ele beijou-me depressa, um derradeiro beijo de despedida. Abraçou-me, e pude sentir colocar algo nos bolsos do paletó. Somente depois soube que eram dólares, euros e joias. Beijou a cabeça de Jamie com lágrimas nos olhos e disse-lhe que o amava, que era o seu maior tesouro.
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Não saberia dizer com precisão como saímos da cabine e chegamos no convés do navio. Lembro-me somente das cotoveladas, das vozes masculinas alteradas, dos gritos femininos e dos choros infantis. Às vezes, nos piores sonhos, consigo sentir a mesma sensação do frio cortante daquela noite e ouvir o ranger do casco do navio. Recordo de ver meu filho ser arrancado dos meus braços, de vê-lo no colo de Judith no bote, de sentir minha mão contra a de James e de ouvi-lo dizer: — Te amo, minha cara Dothy. Viva por mim. Seria inútil dizer que aquela fora a última vez que o vi, as suas últimas palavras para mim. Mas quero dizê-lo. Foi a última vez que eu o vi, assim como foi a última vez que o RMS Titanic sentiu o luar da noite sobre seu soalho.
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*Williane M. P, 24 anos, nasceu em Fortaleza, Ceará, no dia 24 de janeiro de 1999. Desde a infância é apaixonada por livros de terror, suspense e investigação criminal, almejava ser uma escritora. Decidiu escrever pequenos contos e publicar em uma rede social para escritores. Com o tempo, o desejo de infância só aumentava, até que, assistindo ao filme “O Silêncio dos inocentes”, uma inspiração para criar seu primeiro romance surgiu.
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Em um momento estava sentindo o alívio de finalmente ter conseguido uma fuga bem-sucedida, no outro estava me arrependendo amargamente de ter fugido da polícia. Para que entendam, irei me apresentar. Me chamo Edith e, sim, sou uma fugitiva. Após a experiência de quase morte, percebi que morrer sem ter algo no qual as pessoas pudessem se lembrar de mim seria horrível. Por esse motivo decidi escrever esse relato sobre o dia em que estive com a morte diante dos meus olhos. Após a fuga da polícia em Southampton, na Inglaterra, durante a minha transferência, vi a oportunidade de uma nova vida quando o destino me mostrou um luxuoso e imponente navio, que mais tarde descobri ser RMS Titanic. Ali pensei ter tirado a sorte grande, aquela maravilhosas da engenharia naval bem diante dos meus olhos. Não poderia, de forma alguma, deixar escapar oportunidade. Então, embarquei clandestina dentro de um baú que talvez pertencesse a um passageiro qualquer. Quando o navio zarpou, esperei por três longas e dolorosas horas dentro do baú apertado até que o navio estivesse longe o suficiente do porto para poder finalmente sair. Porém, precisava de um disfarce, poderia ser reconhecida facilmente, modéstia à parte fiquei bastante famosa, já que meu rosto esteve estampado nas primeiras páginas dos jornais por causa dos meus crimes. Caminhei pelos compartimentos de cargas e depósitos de suprimentos durante algum tempo procurando roupas de empregados do navio, mas não obtive êxito, até que avistei um dos garçons que trabalhava no restaurante do navio entrando na adega. Naquele momento tive uma ideia. Olhei em volta e percebi que haviam algumas garrafas de champagne em uma estante. Sem muito pensar peguei uma e golpeei o garçom na cabeça. Ele caiu no chão quase que instantaneamente. Após ele estar desacordado o arrastei para os fundos da adega, o amarrei, tapei sua boca e vesti suas roupas que, coincidentemente, eram do meu tamanho. Mas obviamente que meu 66
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disfarce foi arruinado após dois dias, quando outro garçom precisou ir até adega novamente e encontrou o seu colega amarrado e amordaçado. A princípio achei ter feito o serviço limpo, mas não contava com o fator de que, antes do garçom ficar inconsciente, ele havia conseguido ver o meu rosto pelo reflexo de uma das garrafas. Com isso, me tornei a clandestina mais procurada do navio e eventualmente meus antecedentes foram descobertos e fiquei encurralada. Sem chance de escapatória, fui encontrada dentro dos dormitórios dos funcionários, algemada e levada à sala do capitão do navio, Edward Smith. Um homem notável com caráter agradável e imponente, ou seja, alguém digno de respeito. Mas logo que cheguei diante dele, recebi a sentença que seria ficar presa a um dos quartos da terceira classe até que o navio chegasse ao seu destino final nos Estados Unidos. No dia seguinte, recebi minhas refeições e nada mais. Foram colocados dois marinheiros na frente da porta para que não houvesse fuga e não havia o que fazer além de olhar para as paredes do pequeno quarto. No quarto dia de viagem, tudo se repetiu, porém na noite daquele mesmo dia, fui acordada após ser jogada para fora da cama por um forte solavanco. Perguntei aos marinheiros o que havia acontecido e tudo o que escutei foi para voltar a dormir. Mas as sirenes tocavam freneticamente como se algo grave estivesse acontecendo. Novamente perguntei, mas não tive nenhum retorno. Gritei para que abrissem a porta, mas os marinheiros haviam deixado seus postos e fui deixada trancada no quarto. Em questões de segundos, o quarto ficou levemente inclinado e a água escura e fria começou a inundar tudo. Abrir uma porta não era um problema para uma ladra de joalheria, com o grampo que estava no cabelo consegui facilmente sair. No corredor, os passageiros da 67
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terceira classe corriam desesperados tentando salvar suas vidas, e após passar pelos marinheiros que bloqueavam a passagem para o andar da segunda classe, mas um desespero. Ouvi de um tripulante que não tinham botes salva vidas para todos. Corri a toda velocidade para o deck onde estavam os botes e confirmei tudo. O desespero e medo se misturavam em um turbilhão de emoções até que ouvi doce melodia que acalmou minha alma, eram os músicos que tocavam. Assim, fui capaz de pensar com clareza no que fazer. Foi então que percebi uma criança sozinha encolhida e chorando. Não pensei duas vezes, a tomei em meus braços e corri para o bote de número 10 que estava saindo, e como era de se esperar, consegui entrar. Enquanto o bote se afastava pude ouvir os gritos dos passageiros que ficaram para trás. Alguns se jogavam no mar e eram congelados até a morte. Quando o último bote deixou o navio era madrugada do dia 15, a inclinação do deck ficou cada vez mais íngreme e então o enorme gigante de ferro se partiu como uma folha de papel. Ainda se podia ouvir os gritos e lamentações. No bote em que estava, as pessoas choravam e tremiam de frio e medo... Cerca de 20 minutos depois, o navio desapareceu por completo. Embora tivesse presenciado tudo aquilo, foi difícil crer que tudo isso aconteceu bem diante dos meus olhos. Depois de quatro horas no mar, finalmente fomos resgatados pela tripulação do navio Carpathia. A criança que estava comigo encontrou sua mãe, e assim pude respirar aliviada e concluir minha fuga até o território dos Estados Unidos para ter uma vida nova. E tenho vivido bem. Já não preciso roubar nada, pois enquanto estive a bordo do RMS Titanic acumulei uma certa fortuna com algumas joias que estavam no compartimento de cargas. Agora só necessito de um lugar calmo para, de fato, me recuperar deste imenso trauma. 68
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Confesso ainda ter pesadelos mesmo tendo se passado três anos desde o acidente. Espero ter um pouco de paz..,
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*José Rodrigues Carvalheiro Neto é advogado, poeta, natural de Casa Branca/Estado de São Paulo. Servidor municipal lotado no CREAS, gosta muito de escrever e viajar.
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Durante muitas décadas pairaram dúvidas sobre o que teria acontecido nos momentos finais do maior naufrágio da história de um transatlântico de luxo batizado de “Titanic” que colidiu com um iceberg no Atlântico Norte, vitimando 1.517 pessoas em 15 de abril de 1912. Vamos relatar a história de um dos sobreviventes: Masabumi Hosono, funcionário do Ministério de Transportes do Japão, um dos orientais a bordo que embarcou na Inglaterra para chegar a Nova York, sonhando, depois, voltar ao Japão e encontrar sua família. A sobrevivência que deveria ser motivo de festa em seu país natal lhe rendeu outros contornos, sendo chamado de covarde pelo fato de que sua vaga no bote salva-vidas deveria estar reservada às mulheres ou às crianças que não tiveram a mesma sorte. Segundo relatos, Masabumi Honoso dormia em um compartilhamento da 2ª classe na parte inferior quando o iceberg se chocou com o casco do navio. Como muitas pessoas se recusavam a entrar nos botes face à falsa publicidade em terra que o Titanic jamais afundaria, Masanumi disse em carta que foi convidado a entrar no bote pelos próprios oficiais. Ele aproveitou a última chance aos gritos assustadores daquelas pessoas que se afogaram na água geladas do atlântico. Masanumi conta que tinha no bolso um maço de papel timbrado do Titanic e começou a escrever uma carta para sua esposa durante a estadia no Carpathia, navio que resgatou as vítimas do naufrágio que conseguiram embarcar em botes. Ele usou o papel que tinha para escrever um relato em japonês de suas experiências e este foi um dos únicos documentos conhecidos em papel timbrado do Titanic. No entanto, quando voltou ao Japão, ele acabou não sendo compreendido pelos seus pares, sendo demitido do Ministério dos Transportes. A imprensa japonesa, por sua vez, titulou-o como 71
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covarde, o que persistiu até sua morte em 1939, estendendo esta marca de vergonha para sua família. A vida toda do sobrevivente japonês virou um problema desumano em que foi julgado como “murabachibu” que é a prática de punição por atentado à lealdade e foi excluído socialmente no Japão, aquilo que no Brasil denomina-se de assédio moral, forma de psicoterrorismo no trabalho. A restauração de sua dignidade após sua morte veio tardiamente, num primeiro momento no lançamento do filme “Titanic” em 1997, quando então foi divulgada a carta pela família do japonês e depois, em 2015, quando a rede TV NHK em entrevista com Bob Bracken, diretor da Fundação Titanic, narrou um depoimento de outro sobrevivente chamado Frekorian, onde atesta que Masanumi foi, na verdade, convidado a embarcar no bote e ainda ajudou a colocar mulheres e crianças na pequena embarcação, reparando a história de um dos sobreviventes injustiçados da tragédia. Conclui-se o relato com uma bela reflexão do Samurai Japonês Musashi (1584-1645) : “ Na travessia da vida, uma pessoa certamente terá de superar correntes críticas em muitos lugares. (...) Disposição para transpor obstáculos é necessária na travessia da vida – o que exige espírito separado para superar quaisquer acontecimentos críticos. Na arte militar, durante um combate, é essencial vencer os momentos críticos, conhecendo a capacidade do adversário e utilizando corretamente a própria competência. Dessa forma, apoiado em seus conhecimentos e em seus princípios – tal como um bom navegante supera sua rota marítima- alcançará a tranquilidade de espírito, atravessando as correntes críticas.” (Livro dos cinco anéis).
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*Roberto Pereira é mineiro, jornalista e apaixonado por cinema. Escreve colaborações sobre o tema para blogs e sites. 73
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O primeiro filme sobre o RMS Titanic intitulado “Saved from the Titanic” (Salvo do Titanic numa tradução literal) estreou apenas um mês após o desastre. A estrela desta produção é ninguém menos que a atriz americana Dorothy Gibson, uma sobrevivente do naufrágio mais famoso do mundo que ocorreu na madrugada do dia 15 de abril de 1912 após colidir nas horas finais da noite de 14 de abril com um iceberg. Nesta produção em preto e branco da Eclair Film Company, Dorothy, que também assina o roteiro, relata aos familiares e a um suposto amor que aguardava nos Estados Unidos, em terra, o naufrágio. O filme mudo, com letreiros costurando as suas sequências, conquistou críticas favoráveis nos jornais e grande público, mas também pesados e severos ataques por se valer de uma tragédia que ceifou centenas de vidas como tema. Primeiro filme sobre o Titanic, historiadores lamentam que num incêndio que ocorreu em março de 1914 nos estúdios da Eclair todas as cópias tenham sido perdidas, restando apenas como registro os cartazes e fotos de divulgação que foram publicados em jornais de todo o mundo nas quais Dorothy usava os mesmo trajes da noite da tragédia. Dorothy Gibson continuou até 1946, quando faleceu, sendo uma das sobreviventes mais procuradas do Titanic para relatar a história que ainda hoje comove o mundo. Num desses relatos ela conta que um jogo de bridge (possivelmente bridge whist , predecessor do jogo de cartas de hoje) a salvou, pois estava com outros passageiros da primeira classe num salão próximo aos corredores onde ficavam os botes salvavidas e foram os primeiros a deixarem o navio antes do seu trágico fim. Ainda no mesmo ano da tragédia, nos tempos do cinema mudo, os franceses levaram para as telas o curta “La hantise” (O assombro numa tradução literal). Dirigido por Louis Feuillade e estrelado por Renée Carl e René Navarre, o curta que pode ser conferido em redes sociais como o YouTube, narra a história de uma mulher que vai a uma 74
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cartomante e ouve dela que um ente querido morrerá. Então, ela faz de tudo para convencer o marido a não embarcar no RMS Titanic em sua viagem inaugural para a qual ele havia comprado passagem. É o poder, mais uma vez, das cartas. Os dois filmes mudos de curta-metragem ganhariam, ainda em 1912, um concorrente de peso e que fez sucesso. O alemão “In Nacht und Eis” (Na Noite e no Gelo numa tradução literal), produzido pelos Estúdios Continental Films de Berlim e dirigido por Mime Misu com duração de 35 minutos, três vezes mais que a maioria dos filmes mudos da época. Mais: contava com efeitos especiais impressionantes, ainda que primitivos se comparados aos de hoje. O filme, uma verdadeira obra de arte da cinematografia mundial, parecia perdido até que acabou sendo encontrado entre os objetos de um colecionador em 1998. Várias das suas cenas deram origem ao documentário “Beyond Titanic”, dirigido pela produtora Edith Becker que procurava, em 1998, reunir imagens e documentários abordando o naufrágio deste colosso dos mares. Já em 1929, quando o cinema ganhou áudio, foi a vez de Atlantic, filme do americano Ewald André Dupont filmado no navio RMS Majestic da White Star Line que, embora tenha permitido as filmagens, vetou o uso do nome Titanic, uma vez que a tragédia ainda era recente e a empresa, embora inocentada em inquéritos e investigações nos Estados Unidos e na Inglaterra, ainda temia riscos à sua imagem. Em 1933, o filme “Cavalgada”, de Frank Lloyd, fez menção à tragédia e, dez anos depois, o comandante da propaganda nazista, Joseph Goebbels criou com os cineastas Werner Klingler e Herbert Selpin uma falsa versão de Titanic evidenciando a força, a coragem e a bravura de supostos oficiais alemães que se sagraram heróis desta tragédia. Como se pode perceber o uso de “Fake News”(notícias falsas) por fascistas e nazistas tem sido recorrente ao longo da história, neste caso o foi nas telas dos cinemas nos anos 1940.
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Em 1958, chegaria às telas aquele que foi considerado até então o melhor e mais fiel filme sobre o Titanic, "A Night to Remember" (Uma noite para relembrar que estranhamente ganhou no Brasil a tradução de Somente Deus por Testemunha). Produção britânica, o filme dirigido por Roy Ward Baker, baseado no livro homônimo de Walter Lord, narra a trágica história do naufrágio com precisão de detalhes históricos e uma abordagem que os sobreviventes e familiares das vítimas consideraram respeitosa. O ator Kenneth More como o Capitão Edward J. Smith e Laurence Naismith como o proprietário da White Star Line, J. Bruce Ismay, tiveram as suas interpretações elogiadas pela crítica, assim como a similaridade com os personagens reais da tragédia. A direção de fotografia de Geoffrey Unsworth por sua vez capturou com precisão o luxo e a opulência do navio que partiu para uma única e derradeira viagem. O diretor também se valeu de cenas do filme alemão de 1943 na reconstituição da tragédia. Detalhe: como haviam dúvidas, o navio apenas afunda, a certeza de tinha partido ao meio só viria anos depois, em 1985, quando seus destroços foram encontrados. Na sequência vários filmes, documentários e séries de televisão foram surgindo em torno do Titanic, mas foi a impressionante descoberta de seus destroços em 1985 que abriu as comportas para a obra do americano James Cameron. Se valendo de uma história de ficção, a paixão de Rose, interpretada por Kate Winslet, e Jack, interpretado por Leonardo DiCaprio, Titanic tornou-se sucesso de bilheteria, arrecadando impressionantes US$ 1 bilhão e conquistando o Oscar, o prêmio máximo do cinema americano, de melhor filme e melhor direção em 1998. Sua trilha sonora e a canção original "My Heart Will Go On", de James Horner (música) e Will Jennings (letra), tsmbém conquistaram o Oscar. A canadense Celine Dion que, de início, detestou a música, foi içada ao estrelato mundial com a canção tema, uma das mais repetidas nos atuais serviços de streaming. 76
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Titanic tornou-se, assim, um fenômeno e o primeiro filme a mostrar os destroços do navio a 3,8 mil metros de profundidade por meio de filmagens de Cameron a bordo de submarino do Akademik Mstslav Keldysh, navio de pesquisas russo. As impressionantes imagens reais reavivaram a curiosidade sobre o famoso navio e seus destroços estimulando uma corrida como a da lua para ver os restos daquele que, no seu tempo, foi o mais luxuoso navio já construído. A última incursão ao campo de destroços, com submarino inadequado que implodiu, alimentou ainda mais a mística em torno deste navio e contribuiu para trazer novamente o filme de Cameron às telas, sendo um dos mais reproduzidos hoje em serviços de streaming e emissoras de televisão aberta. O Titanic desde o seu naufrágio foi ao cinema e dele nunca mais saiu. É um verdadeiro sucesso de público e bilheteria. Uma tragédia que comoveu e comove ainda hoje o mundo. Um campeão de bilheteria.
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*Carlos Franco é jornalista e escritor, atuou por mais de três décadas nos principais jornais do país como Jornal do Brasil, Última Hora, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Correio Braziliense entre outras colaborações em jornais e revistas. É autor, entre outros, de “O inferno de Zaragoza” (Editora Francis) e “A bolsa dos brasileiros” (Bovespa). 78
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O início do século 20 foi marcado pelas grandes viagens transatlânticas e, na Inglaterra, por uma acirrada disputa entre as companhias de navegação Cunard Line e Star White Line pela Flâmula Azul, uma verdadeira arma de publicidade concedida aos navios mais rápidos no transporte de passageiros. Com isso conquistavam mídia gratuita, que levavam para os anúncios, os reclames da época, tornando público, publicizando a façanha. Então, a publicidade tornou-se, assim, elemento de atração de passageiros que sonhavam com a anunciada prosperidade em colônias inglesas como a Austrália e a África do Sul, e sobretudo a ex-colônia que havia conquistado sua independência em 4 de julho de 1776, os Estados Unidos da América. Nesta disputa, a White Star Line, sob o comando de Joseph Bruce Ismay que havia sucedido o pai Thomas Ismay desde a sua morte em 1899, atraiu em 1902 o bilionário americano John Pierpont Morgan para o negócio. Morgan, um bem sucedido banqueiro, fundador da General Eletric (GE) e cujo patrimônio daria origem após a sua morte ao império JPMorgan Chase, apostava assim suas fichas num negócio que movimentava mais que passageiros, muito dinheiro. Tais negócios também fortaleciam a publicidade em torno da companhia que decidiu, então, renovar sua frota. Deixando de lado a disputada Flâmula Azul e associada ao estaleiro irlandês Harland and Wolff, de Belfast, a White Star Line decidiu apostar em navios maiores, com divisão em três classes de forma a oferecer luxo aos passageiros endinheirados da primeira classe na rota Inglaterra-Estados Unidos. Com esse objetivo, encomendou três navios gigantescos da nova classe Olympic, que já fazia sucesso nas travessias oceânicas. O fato foi amplamente noticiado e a empresa conquistou ainda mais passageiros e admiração. Em 1907, lado a lado, o estaleiro construiu dois gigantescos piers para a construção dos novos navios, a começar pelo RMS Olympic, de Navio do Correio Real Britânico, pois estas 79
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embarcações eram responsáveis pelo transporte de correspondência e produtos transoceânicos, e o RMS Titanic. O Gigantic, depois batizado de Britanic, seria construído após a entrega do primeiro navio. Só que o Olympic, depois de lançado, teve que voltar ao píer para reparo no casco ao se chocar com outra embarcação, o que atrasou a entrega do Titanic. Para contornar o risco à imagem, a White Star Line decidiu então anunciar as dependências luxuosas do navio Titanic em construção. Nos estaleiros irlandeses, cerca de 15 mil trabalhadores cuidavam dos mínimos detalhes. A escadaria do navio, na primeira classe, o luxo das cabines e das áreas de recreação como piscina e academia e um fato que o levaria a ser chamado de “inafundável”: a existência de 12 compartimentos estanques no casco, que mesmo se fossem inundados quatro permitiria que o navio continuasse flutuando nas águas. Tal alarde acabou por levar os donos da embarcação a reduzir o número de botes salva-vidas, deixando mais espaço nos decks para que os passageiros pudessem contemplar a navegação atlântica. Tal decisão, depois da trágica viagem de estreia, foi apontada como a principal causa para o número extraordinário de vítimas do naufrágio, o que levou a adoção de regras mais rigorosas e a exigência de dotação de botes salvas vidas capazes de abrigar todos os passageiros das embarcações transoceânicas. Mas antes do embarque de passageiros em 10 de abril de 1912, o que se viu foi uma torrente de publicidade patrocinada pela White Star Line em torno do Titanic, desde o fato de ser uma maravilha da engenharia naval, um navio inafundável, à contratação de reconhecido chef de cozinha, Charles Proctor, e da convocação de uma lenda dos mares britânicos, o capitão Edward Smith para a viagem inaugural e que anunciara que esta seria sua última viagem no comando de um navio.
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Cartazes e mais cartazes com este gigante dos mares foram produzidos e impressos, despertando a curiosidade e o desejo de muitos de embarcar. Milionários disputaram as cabines de luxo em busca de uma viagem segura e confortável. Fornecedores da companhia de navegação decidiram pegar carona no empreendimento, sendo mais notório o caso da fabricante de sabonetes Vinolia Otto Toalet Soap que fez alarde de seus produtos que seriam usados pelos passageiros da primeira classe. Tal publicidade valeu à empresa uma crítica ácida nos primeiros minutos do prestigiado filme "A Night to Remember" que os brasileiros conhecem pela estranha tradução de “Somente Deus por Testemunha”. O desejo da empresa com este tipo de publicidade era mostrar a sua relevância principalmente para o público de alta renda que permaneceria em terra, mas poderia se banhar com os aromas e o refinamento de suas embalagens. A Vinolia Otto Toalet Soap não foi a única a buscar espaço na mídia da época, pois distribuidores de bebidas, fabricantes de talheres e louças seguiram a trilha aberta pela extensiva publicidade da White Star Line na tentativa de se sobrepor aos velozes navios da concorrente Cunard com o luxo a ser oferecido aos passageiros mais endinheirados. Também foram produzidos cartões-postais, como o que ilustra a capa deste livro, ressaltando o conforto da terceira classe do Titanic. Por ironia do destino, duas décadas depois da tragédia do Titanic, a White Star Line acabaria incorporada pela Cunard que, desde 1840 segue imponente nas rotas transoceânicas com navios de passageiros. Para o ano de 2024, a Cunard já anunciou rotas e cabines disputadas por milionários e todos aqueles que sonham com viagens oceânicas. Perto dos atuais navios, o Titanic parece hoje miniatura, mas segue carregando a fama de ter dado início aos cruzeiros elegantes, mesmo que marcado pela tragédia.
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A publicidade ao longo do tempo tem inegavelmente o papel de despertar desejos adormecidos e sonhos de grandeza, entregar ao consumidor aquilo que deseja ou acredita e sonha desejar. É isso o que move os homens de marketing e o Titanic propagou, nos mínimos detalhes, uma imagem de grandeza e sonhos de riqueza como poucos enquanto os icebergs perigosamente se desfazem nos mares, destroçando sonhos.
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*Laura Souza, 15 anos, estudante do primeiro ano do Ensino Médio, nasceu no interior de São Paulo na cidade de Botucatu. É apaixonada por música e literatura desde pequena, sempre explorando novos jeitos de usar a imaginação. 83
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Há coisas que nunca morrem. Há memórias que nos acompanham para o resto de nossas vidas. Podem ser memórias felizes como uma viagem, não? Imagine você agora embarcando no maior, mais esteticamente bonito, o mais seguro e o mais cobiçado dos navios de hoje, que pela primeira vez na história, tomará partida e cruzará o oceano. Você, e todas as pessoas que estão com você, são os sortudos a serem os primeiros passageiros desse marco histórico, que promete sair de um continente e chegar ao amanhecer em outro, com segurança, pois ele jamais afundaria. Este era o sonho e a realidade de muitas pessoas no dia 10 de abril de 1912, o dia em que o Grande Titanic dera a sua primeira e última saída para os mares. O navio RMS (Royal Mail Ship que em português significa Serviço do Correio Real) Titanic, construído no século XX na Irlanda do Norte pela empresa White Star Line tinha 269 metros de comprimento, 53 metros de altura e pesava cerca de 45 mil toneladas, e comportava 2.223 pessoas a bordo, sua inauguração o acontecimento do ano. A viagem seria a saída de Londres, Inglaterra com destino a cidade de Nova York, nos Estados Unidos da América. Tudo transcorria dentro da mais absoluta tranquilidade como o previsto na partida do navio, porém, no dia 14 de abril de 1912 (quinto dia de viagem) às 23h40 da noite, o gigante que percorria as águas congelantes do Atlântico Norte chocou-se contra um Iceberg. “Eu estava no topo das escadas no convés inferior ", diz Sarah Moanning ao entrevistador. Na época, ela tinha apenas 16 anos, prestes a fazer 17. Era estrangeira e estava indo visitar a irmã na América. Ela ainda afirma que ela não sabia o que estava acontecendo e o quão séria era a situação: “Eu pensei que fazia parte da viagem, para ser sincera.” “Onde você estava quando os alarmes soaram?”, perguntou o entrevistador e ela respondeu: “Eu estava dormindo na hora e pensei que o navio havia atracado […] Então eu subi ao convés e então pediram para descermos pois havia um pedaço de gelo no convés”.
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Sarah ainda conta que conseguiu escapar com a ajuda de um homem ao qual ela se refere como “um anjo da guarda” que pediu para que as mulheres fossem retiradas do navio primeiro. Ela ainda afirma que seu bote foi resgatado apenas as 9:00 horas da manhã. O Titanic afundou em exatamente duas horas e quarenta minutos após o choque contra o gelo. “Eu não queria morrer… Quero dizer… Eu não via muitas chances de sobrevivência, eu estava gradualmente congelando!”, afirmou Frank Prentice numa entrevista em 1979. “E pela graça de Deus me deparei com um bote salva-vidas e eles me puxaram, e havia um bombeiro morto ao fundo […] o resto eram só mulheres. Sentei ao lado da senhora Clark, uma mulher que eu havia colocado no bote. Ela me perguntou “Você viu meu marido?” E eu disse “Não, não vi, espero que ele esteja bem”. Existem ainda documentos, como uma carta de uma jovem (Emily Richards que na época tinha 24 anos), na qual ela afirma que a culpa fora do capitão. A carta estava endereçada para a sogra da mulher. Nela, a jovem conta que ela estava no salão do bar bebendo no momento da colisão: “Richards era passageira da segunda classe e viajava para encontrar o marido que havia imigrado para Ohio, nos Estados Unidos. Ela partiu de Southampton, na Inglaterra, para Nova York com os dois filhos, uma irmã o irmão mais novo (que foi uma vítima da tragédia) e sua mãe”, explicava artigo publicado por jornais que tornaram pública a carta de Emily Richards. “O Capitão estava no salão bebendo e deu ordem a outra pessoa para olhar o navio. Foi culpa do capitão”, escreveu ela. Muitos anos após a tragédia do navio considerado “O navio que nunca afunda” todos faziam a mesma pergunta: Se o Titanic agora estava enterrado e submerso nas águas do oceano, onde ele estaria? Onde ele se esconde? Assim, no dia primeiro de setembro de 1985, Robert Ballard que, na época, era um agente da marinha americana atuava numa missão secreta, no período da Guerra Fria. Sua tarefa era localizar submarinos nucleares afundados no Atlântico Norte (a mesma região onde o 85
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Titanic afundara) e, de repente, deparou-se com os destroços do navio mais famoso do mundo, acabando com a maior “caça” de todos os tempos. O navio foi encontrado 73 anos após afundar, a 740 km da costa de Newfoundland, no Canadá. "Todos nós começamos a pular, a gritar e a berrar, agindo de forma pouco profissional. Até que alguém no centro de comando disse que o navio havia afundado em 20 minutos. E aquele comentário inocente nos fez virar a chave. Quando percebemos o quão impróprio era estar dançando e gritando, mudamos nosso estado de espírito. Estávamos no local (do naufrágio) e finalmente havíamos encontrado aquelas almas perdidas", disse Ballard em entrevista para a mídia na época da descoberta. Eva Hart, era apenas uma garota quando sobreviveu ao Titanic. Numa reportagem ela compartilha sua opinião sobre o grande feito de Ballard: “[…] Foi algo que sempre tive esperança que nunca fariam porque, para mim, é o túmulo do meu pai e preferiria que ninguém o tocasse. Mas são notícias maravilhosas, hoje é um dia maravilhoso é um feito científico magnífico…”. Algum tempo depois, o entrevistador lhe pergunta se ela ainda gostaria de saber quem foi o culpado pela tragédia. Hart respondeu que, para ela, aquilo não importava mais, pois todos já sabiam que a culpa era de quem não havia colocado botes o suficiente para todas as pessoas, e mesmo assim foi permitida a viagem, e que após a tragédia as pessoas se conscientizaram de que para um navio ser seguro, devem ter botes o suficiente para todas as pessoas “Basta uma tragédia acontecer para que todos sigam as regulamentações.” “[...] Se houvesse alguma preocupação com as pessoas naquela época, as vidas de 1 513 pessoas teriam sido poupadas.” O Titanic, mesmo com todas as pesquisas históricas, dados e fontes, ainda é um mistério. É misterioso por si próprio, intrigante. Todo mundo quer discutir sobre o Titanic, porque é algo que realmente 86
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assustou a sociedade da época e nos assusta até hoje com informações de que praticamente toda a construção e segurança do navio eram irregulares. Os passageiros sofreram as consequências, perdendo a própria vida ou tendo-a sugada por meio de traumas e memórias que nunca morrem, memórias de uma viagem que realmente todos gostariam de esquecer.
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*Olivaldo Júnior nasceu em Aguaí, São Paulo, mas mora em Mogi Guaçu desde criança. Seus pais, sempre que podiam, o incentivavam lhe comprando os discos e os livros que pedia. Apaixonado por arte, é formado em Radialismo: Setor Locução pelo Senac São Paulo e plenamente licenciado em Letras, com Habilitação em Português/Inglês, pelas Faculdades Integradas Maria Imaculada (FIMI). Seus textos têm obtido diversas classificações, nos mais variados gêneros, em inúmeros concursos literários.
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Londres, Inglaterra, 14 de maio de 1912 Querida Lucy Esta sua prima lhe pede desculpas por não ter lhe escrito antes. Hoje está fazendo exatamente um mês que tudo aconteceu. Graças a Deus, papai está bem melhor, mas não posso dizer o mesmo de mamãe. Tudo tão rápido naquele dia, minha prima, mas as lembranças parecem ser bem maiores do que aquele maldito iceberg que quase nos levou embora! Ah, perdão por usar termos feios, mas não consigo tirar da cabeça aquilo tudo que aconteceu! Foram momentos de horror intenso, as pessoas sem saber direito o que fazer, as classes todas se misturando ao léu, e os botes, como sabe, insuficientes não nos deixavam respirar. Que susto! A saída do Porto de Southampton foi tranquila. Antes do embarque no RMS Titanic, deu tempo de papai, mamãe e eu darmos uma volta pela cidade, olharmos a antiga muralha, que, depois, soube ser a segunda muralha medieval mais longa da Inglaterra, sabia? Pois é, aquela muralha, minha irmã, talvez já significasse para nós o prenúncio daquela muralha de gelo que ceifou a vida de tantas almas naquela noite. Ah, não gosto nem de me lembrar disso, mas, minha irmãzinha, estava lhe devendo estas linhas, então, as remeto para você! Aliás, como está, Lucy? Tia Mary, tio Joseph? Espero que estejam todos muito bem. Pouco antes daquele horrível iceberg atravessar nossa frente, na fatídica madrugada de 14 para 15 de abril, no Atlântico Norte, minha Lucy, papai dormia tranquilamente na cabine enquanto mamãe e eu ainda conversávamos no deck. Havíamos ouvido sobre uma tal de Rose, também da primeira classe, que andava envolvida com um simplório Jack, da terceira, e, nos quatro dias que antecederam o naufrágio, mamãe e eu, mesmo à distância, chegamos a vê-los de relance. Pareciam mesmo apaixonados. Ela até foi dançar com ele nos
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porões do navio, onde havia música e dança, segundo nos relataram alguns, sabe? Lucy, preciso lhe dizer, eu também conheci alguém! Um rapazinho, isto é, um jovem, melhor dizendo, filho de um importante banqueiro de Nova Iorque, que se demovera até ao Porto de Southampton, apenas para ter o gosto de fazer parte da viagem inaugural de tão importante navio! Ele era como eu, com a pele bem clara, cabelos bem pretos, mas com dois olhos tão grandes, tão amendoados, que me seduziram mesmo! Fiquei encantada! Não pela riqueza dele, nem nada, que, rico, amada prima, ele era, sim, mas fiquei encantada pela forma com que me tratou desde a primeira vez em que nos entreolhamos. Sabe o quanto penei com Geoffrey, aquele cínico, que dizia gostar de mim, mas nem me olhava. Pois bem, ele, na hora da tragédia, evaporou-se, minha prima, soube que embarcou num dos primeiros botes. Não tive boa sorte! O vento lá no deck, minha prima, estava relativamente forte, como que a sussurrar o que nos haveria de acontecer. Lembro-me de, pouco antes da colisão, mamãe me deixar à porta de minha cabine, onde, com minha amiga Sarah, eu jurava que repousaria, provavelmente sonhando com o tal filho do banqueiro, cujo nome era Paul alguma coisa, não sei ao certo. Melhor assim, a decepção fica menor. Bem, com o choque, minha irmã, o navio pareceu gritar como um leão ferido, rugindo o mais alto que pode a algum senhor maior que ele, senhor que, infelizmente, não o ouviu. Ah, minha Lucy, que horror! Mamãe e papai, atordoados, correram em direção a mim. Sarah, por sua vez, deixou minhas mãos em busca de seus pais, que, graças a Deus, a encontraram. E, embora o navio tenha afundado em poucas horas, para nós, Lucy, foram mais. Como deve ter lido nos jornais, não havia mesmo botes suficientes para todos e, com a proximidade do momento final, o desespero tomou conta de todos, houve desde gente pulando do deck a gente tentando 90
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roubar o lugar de quem, por direito, deveria ser o primeiro a partir. Ah, como tive pena do pessoal da terceira classe, minha prima! Mas uma menina, em especial, me chamou a atenção. Ela chorava copiosamente, mas, pelo que vi, já estava em estado de choque, queria a mãe, que, provavelmente, já tinha se afogado com aquele mar em fúria adentrando o barco. Tentei me aproximar dela, mas não consegui, que triste! Quando vi, me puxaram, ela ficou. Sabe-se lá quantos sonhos ainda cultivaria naquele coração primaveril? Não sei, nunca saberemos, minha Lucy, eu senti muito tê-la deixado ali, mas, naquele instante, era ela, ou eu. Como sabe, ando lendo Dickinson. Adoro a poesia dela, como se expressava, uma dádiva. O livro com poemas dela também naufragou com o navio. Era meu. Geoffrey tinha me dado. Geoffrey… Acho que darei uma chance para aquele excêntrico, cabelo ruivo, um danado, ele! O que sei, minha prima, é que, quando vimos, já estávamos num bote, assistindo ao fim de um navio que tinha tudo para ser um dos maiores sucessos da navegação de todos os tempos, mas, por ironia do destino, algo muito maior que ele o vitimou, e, com isso, mais de mil e quinhentas vidas. O caso é que escapamos, sobrevivemos ao Titanic. Se eu fosse tão boa quanto Dickinson, escreveria uma carta ao mundo, que nunca me escreveu… Um dia, eu chegarei lá. Por ora, Lucy, nada tenho mais a lhe dizer. Mamãe, muito abalada, tem feito tratamento para os nervos à base de ervas, tomando chás realmente eficazes contra o mal-estar. Papai segue bem. Eu, por minha vez, ando saudosa de sua companhia. E a primavera já está no fim.
Com amor, de sua igualmente amada e querida prima
Anne 91
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