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Gerais
Marília Carreiro Fernandes
Francisco, Justino e Tobias resolveram viajar, no carro do terceiro, para as Minas Gerais.
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Tobias tinha prometido levar Justino para conhecer o tal homem que encomendou a morte de Aurélio. Combinaram a mesma estratégia que Justino utilizou para se aproximar do banqueiro, mas dessa vez com assuntos relacionados à lavra e à venda de pedras preciosas. Francisco seria o negociante e irmão mais novo de Justino. Chegaram à cidade, todos muito bem vestidos, aparentando até mais do que tinham. Foram à prefeitura, mas o prefeito não estava. Tobias mandou levar recado a ele, dizendo que estava lá com um amigo antigo que trabalhava com pedras preciosas, assunto que era interesse de ambos. O recado foi dado e receberam outro de volta. O prefeito mandou que Tobias levasse o amigo à casa dele, pois não voltaria à prefeitura naquele dia.
Se tivessem combinado, não sairia tão certo. Foram os três para casa do prefeito, numa fazenda mais afastada do centro, assim como a nossa. Chegaram. Tobias abraçou o dono da casa e apresentou-lhe Francisco e Justino, os homens das pedras preciosas.
Quando Justino começou a mostrar as pequenas pedras que tinha levado como modelo, um menino magrinho, franzino igual ao seu irmão, de cabelo liso e corte índio passou correndo pela sala. Vendo as visitas, parou curioso. Quis entrar no assunto, era muito esperto. Mas foi reprovado pelo avô.
Aquele primeiro contato com a criança deu a sensação de que Aurélio ainda vivia, mesmo que fosse noutro corpo, no corpo de seu filho. Continuaram a olhar as pedras e, como tinham todas na fazenda, Justino prometeu voltar à Minas Gerais logo, para trazer as encomendas.
Justino tinha agora um motivo maior do que todos os outros: seu sobrinho, idêntico ao irmão quando tinha a mesma idade dele. Até a voz era parecida. Ficou impressionado com tamanha semelhança. Queria voltar lá, antes de tudo, pela criança. Queria tentar uma aproximação.
Quando voltou à casa do assassino do seu irmão, Justino não deixou transparecer em momento algum qual era seu maior objetivo. Fez negócio, vendeu as pedras encomendadas – fez questão de levá-las exatamente como tinham sido pedidas – e conversou bastante sobre outros assuntos. Não pareceu ser pistoleiro.
Tinha ficado até a hora do almoço na prefeitura e recebeu um convite de ir até a fazenda para almoçar. Estava com fome, não podia negar. E finalmente conheceu Marta, a mãe de seu sobrinho. O menininho, após avistar Justino, correu para encontrá-lo, para estranheza da mãe do garoto.
E com a recepção calorosa do pequeno, Marta começou a analisar Justino e achou algumas semelhanças com relação ao comportamento de Aurélio, quando os dois ainda namoravam. A forma com que o moço começava uma conversa e sua voz lembrava muito o falecido. A partir dessas semelhanças, Marta pensou que pudesse reviver o que teve com Aurélio. E talvez Justino fosse o homem certo. Era trabalhador, simpático e bom de assunto. Deveria ser um bom pai também. Resolveu
Marília Carreiro Fernandes
investir no coitado. E ele já tinha gostado dela, mas estava focado no trabalho. Por educação, conversou com a moça todas as vezes que fora solicitado. Antes não tivesse feito. O moço era de um enrabichar fácil e com ela não foi diferente. Ainda bem que Justino não era homem da vida, porque senão ia viver apaixonado pelo mundo.
Justino não se envolveu assumidamente com a jovem. Ela tinha todas as qualidades e provavelmente seria uma boa esposa. Um dos motivos pelos quais ela queria sair de casa – e sair de casa era a mesma coisa que casar – era o mau trato do pai. Desde que engravidou, perdeu todo o prestígio, seu pai a tratava com indiferença. Mas isso não ia durar muito tempo.
Justino começou a fazer visitas semanais à fazenda e ganhou tanta confiança que nem precisava do chefe da família estar em casa para ele aparecer. Era uma alegria quando chegava à casa, sempre levava presentes para o garotinho. Nunca mencionou Aurélio e sabia que o irmão entenderia o que teria de fazer.
Aproveitou um momento que estava sozinho com Marta e resolveu beijá-la. Desde quando Aurélio morreu, ninguém mais tinha tomado essas liberdades com ela. Como Justino não era boa bisca, foi logo levando a moça para algum lugar da casa onde não pudessem encontrá-los.
Ficou assim durante um tempo. Os dois trocavam coincidências, conveniências e confidências. O relacionamento deles, se é que posso dizer assim, foi ficando forte, mas Justino hora alguma se esqueceu de Consuelo. Marta estava enamorada e adorava a forma como as coisas seguiam. Depois de alguns meses, a jovem resolveu contar a Justino sobre a vida do pai do filho dela. Vida essa que
o pistoleiro sabia de cor. E contou a história de que Aurélio tinha sido assassinado, mas não sabia por quem e nem o porquê. Justino ficou um pouco atordoado como sempre ficava quando ouvia ou pensava em seu irmão. Sabia que podia confiar em Marta e por isso decidiu contá-la a verdade.
Disse a ela que Aurélio era seu irmão e que, sem mais nem menos, tiraram a vida dele. E, por isso, ele vinha peregrinando desde a época em que o garoto morreu até aqueles dias atrás do mandante do crime. Contou ainda que sentia um vazio no peito que só seria preenchido com uma bala em outro peito. Ele tinha sede de vingança. E a vida foi muito boa com ele quando decidiu mostrar Tobias, o pistoleiro que tinha acertado seu irmão – que ela até aquele dia não sabia – e, através de Tobias, tivesse sabido da verdade. Contou a ela quem realmente era o assassino.
Quando mexemos em gavetas, as coisas guardadas há muito tempo sempre tem cheiro. E esses cheiros nos levam ao passado. A conversa foi uma abertura de gaveta para Marta, que agora sabia quem tinha matado o grande amor de sua vida.
A moça foi tomada por uma grande revolta e, talvez por influência indireta de Justino, quis se vingar do pai, homem que só fez mal a ela durante todo esse tempo. Por que não forçou o casamento dos dois, como sempre acontecia quando uma moça ficava grávida do seu namorado? Os dois já iriam se casar de qualquer forma. Não entendia o motivo que levou o pai a mandar matar Aurélio, um rapaz tão bom e correto. Deveria ter matado a ela, que foi quem provocou tudo.
Justino e Marta agora se juntaram, não para continuar a família já iniciada, mas para terminar o que o pai da moça tinha começado. Foi doloroso para ela saber que o
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pai seria assassinado, mas o que doía mais era a morte de sua vida. Era uma mulher sem planos, sem vontades. Justino foi a esperança dela que, após saber de toda a verdade, preferiu se fechar novamente. Os dois deixaram o coração de lado para virar comparsas.
Combinaram que quando tivesse tudo certo, os dois agiriam juntos. E Justino voltaria lá algumas vezes, agora menos, para visitá-los – o sobrinho e ela. Gostou muito do menino, era o reflexo do irmão. E, como sua crença permitia, acreditava até que o pequeno poderia ser o irmão novamente. Queria preservar essa imagem.
Marta não precisaria mais pensar em casar para sair de casa. Aquela fazenda não teria dono, já que suas irmãs eram casadas e sua mãe tinha falecido. Tudo continuaria da mesma maneira, mas sem o seu pai – o que para ela seria muito melhor. Poderia administrar a fazenda e seguir sua vida da maneira que bem entendesse.