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O tombo do matador
Marília Carreiro Fernandes
O revólver calibre 38 ainda era o favorito de Francisco. Seus primeiros tiros foram dados com ele, mas ele também era adepto à espingarda papo-amarelo, as duas melhores armas na época. O menino – que já não tinha nada de menino – estava consumido pelo desejo de matar. Já tinha se tornado um pistoleiro profissional, respeitado e temido e, por isso, circulava impunemente pela região. Ninguém ousava desafiá-lo. Distanciavam-se dele. Aliouse ao governador da região e tomou conta dos dois distritos de nossa cidade e de Monte Verde, completamente. Chegava aos lugares, sempre no intuito de matar alguém. Em Monte Verde, um valentão resolveu puxar assunto. Francisco não sentia mais nada de bom e só via maldade nas pessoas. Todos queriam sua cabeça, mas ninguém tinha coragem de desafiá-lo. Esse valentão tentou e se deu mal.
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Francisco também se deu mal. Um coronel, recémchegado na região, cercou e prendeu-o. Mas a felicidade da população local em ver Francisco preso durou pouco tempo. Havia, na cadeia, um aliado de Justino que, por favor à ele – e também por medo do garoto, libertou Francisco. Ele saiu da prisão ainda com mais sede de sangue e foi a uma padaria, em Monte Verde mesmo. Chegando lá, despertou a atenção de todos. Gritou aos quatro cantos que se, alguém soubesse onde estava o coronel, era para chamá-lo ao café, que o desejo dele era trocar umas palavrinhas com quem mandou detê-lo.
Seu ego, alimentado pelo medo das pessoas, deixavano ainda mais com fama de sanguinário. Tomou a ponte sobre o Rio Claro e voltou para cá. Viajava à noite, evitando armadilhas.
Mesmo parecendo outra pessoa, Francisco ainda tinha muito respeito pelos pais e irmãos. Visitava a mãe regularmente e conversava com ela sobre os lugares por onde tinha passado, sem detalhamentos. Mas logo que chegava, saía novamente. Não queria atrair pistoleiros para a Fazenda, já que eu não tinha mais ninguém que vigiasse o território o tempo todo.
O governo queria ocupar somente as fronteiras, para evitar que Minas Gerais dominasse as nossas terras. Mas a divisa do estado ainda não era muito ocupada. E onde havia gente, havia medo de Francisco. Por ser aliado de um dos homens desse mesmo governo, Francisco ganhou grande território e construiu sua casa na área mais estratégica para todos: próximo à divisa do estado. Contratou jagunços para cuidar da roça e ajudá-lo nos assassinatos. Passou a não distinguir o certo do errado, matava por dever ou prazer. Se ficasse uma semana sem ver um corpo estirado no chão e coberto de sangue, mudava completamente o humor – que já não era bom. Gostava de ver o corpo ereto bater com toda a sua força no chão. Gostava do barulho, gostava da dor estampada em rostos que não fossem dos seus.
Apesar desse comportamento, Francisco nunca ultrapassou o seu território e sempre protegeu os seus pistoleiros. Muitos dos assassinatos que cometeu foram em defesa do seu povo. Não tinha medo de ninguém e não se desviava do perigo. Acreditava que tudo o que fazia
Marília Carreiro Fernandes
e sua morte não seriam em vão e acreditava também que sentia a chegada do inimigo. Sua política territorial foi marcante nos tempos finais de sua vida. Não admitindo ameaças às terras – tanto lá quanto cá, atirava em quem fosse preciso.
Era meio aliado da polícia, meio aliado dos políticos. Os mais perigosos chefes, por exemplo, quando eram presos ou se encontravam em situações delicadas, eram executados por Francisco. E certa cobertura era dada a ele, por isso. Armava emboscadas, capturava suas vítimas e triunfava sobre elas. Somente em seu território. Conhecia todos os pistoleiros da região e respeitava fronteiras. Algumas mulheres da cidade gostavam da postura de Francisco. Não se destacava pela beleza, mas era justiceiro. Ele, por seu lado, não se encantava por nenhuma mulher específica e não tentava nada com as que gostavam dele. Dedicava-se somente à sua justiça.
Chegou um tempo em que só ouvíamos falar do garoto, não o víamos mais. Sabíamos que, se houvesse qualquer sinal de que ele estaria na cidade, todos iam para suas casas, como um recolher obrigatório. Voltou algumas vezes ao Brasília nessa época. Com Raimundo, sua relação era normal, já que o homem o conhecia desde muito tempo. Optava pela dama com quem passaria a noite e, depois disso, tudo voltava ao normal. As mulheres não tinham medo dele, porque recebiam um bom tratamento por parte do rapaz.
Infelizmente, Francisco morreu da mesma forma que viveu. Uma noite estava no Brasília e, quando saiu de lá, o último homem da lista de Justino, que perdeu seu filho num abraço de Francisco, pegou-o despreparado e atirou em suas costas. Jogado, no chão da rua, o homem disse que o tiro era para vingar a morte de seu filho e que agora ele poderia morrer em paz. As últimas forças