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A volta para o centro

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Esclarecimentos

Esclarecimentos

Marília Carreiro Fernandes

Nunca fui adepto a religiões, mas tive vontade de voltar ao Centro, em busca de uma pista sobre a pedra da lenda. Tive vontade de voltar a me dedicar à lavra, motivo principal que me fez mudar para a fazenda. Só que a lavra até então tinha dado exatamente o que a mãe de santo havia me dito. Uma pedra no alto e outra maior que a primeira. Lembrei-me dela confirmando que havia uma terceira, ainda maior, na região. Chamei Justino e Francisco para me acompanharem na ida para o norte, mas dessa vez de carro. Gastaríamos um final de semana, indo ao sábado, dormindo por lá e voltando no domingo, após a cerimônia.

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Francisco não pode ir. O final de semana da viagem era o que ele tinha combinado com outro capanga de armarem a emboscada para o homem que tinha lhe acertado o tiro. Restou-me o Justino, que prontamente aceitou. Fazia tempos que ele não visitava o terreiro. Ajeitamos todas as coisas e saímos depois do almoço. Chegamos ao destino já era noite. Todos nos receberam ainda melhor do que da primeira vez. E, ao contrário da primeira, estávamos limpos e bem vestidos, comparação pela qual viramos alvo de brincadeiras.

Sentindo-me em casa, já tirei do bagageiro do carro uma grande peça do boi abatido um dia antes e entregueia ao dono da casa. Ele agradeceu e cortou um pedaço, acendeu o fogo e fizemos um petisco para beliscarmos. Depois de bebermos e comermos, decidimos descansar.

Eu queria reencontrar aquela mãe de santo – ou o espírito que estava nela – e perguntar onde estava a terceira pedra. Justino sabia disso e também procurava pela mesma resposta. Apesar de pistoleiro, era lavrista. Compartilhava dos mesmos anseios que Antônio, Francisco e eu. Na altura da vida, não éramos mais empregados e funcionários, já tínhamos virado uma família. Todo o dinheiro das pedras vendidas era dividido. Todos sabiam a senha do cofre. Todos defendiam a fazenda da mesma forma.

A segunda viagem para o norte me fez relembrar de muita coisa. Pensei no rumo da vida, nos meus pais falecidos, na grande família construída. Éramos, Justino, Francisco, Rosa, Carlos, Lúcio e eu, irmãos. Antônio cuidava dos três adotivos da mesma forma que cuidava dos seus três filhos biológicos. Não tínhamos nem fazíamos distinções.

Eu estava satisfeito com tudo, mas sabe como é a vida do lavrista: quer sempre achar uma pedra maior do que a anterior e, a única pista que tive foi a que a mãe de santo me deu, anos antes da segunda visita. Precisava tentar a sorte. Esperei pela cerimônia do domingo de manhã. Sentei, desta vez, à mesa, como Justino.

— Que bom que você voltou, Mizifio. E com um tapa nas costas, Justino mandou que eu conversasse com o espírito.

— V-voltei para pedir ajuda. — Mizifio é um moço muito abençoado. Deve saber que toda ajuda que pedir, terá.

E um pouco mais calmo, continuei: — Graças à sua ajuda consegui encontrar uma pedra que garantiu o sustento da minha família inteira por muito tempo. E tem dado tudo certo na fazenda. Só que,

Marília Carreiro Fernandes

mesmo com tudo o que já aconteceu, ainda tenho vontade de encontrar a terceira pedra, a que todo mundo ouve falar, mas ninguém sabe onde está.

— As coisas não são tão fáceis quanto parecem. Até vocês encontrarem essa pedra, muito ainda tem que acontecer... Muitos ciclos devem ser fechados.

Dessa vez, ninguém veio falar comigo depois da mesa e a decepção foi parecida com a primeira vez em que fui ao centro. Só recebemos a confirmação de que existe uma terceira pedra, ainda maior que as duas anteriores. E confirmação por confirmação, qualquer um pode confirmar, até eu confirmaria. Mas Justino, um homem de fé, acreditava em tudo o que acontecera lá.

Voltamos para casa conversando sobre o que ouvimos e presenciamos e também sobre as listas. Há tempos que esse assunto não era pautado. Estava tudo indo bem. Faltavam apenas alguns dos nomes, mas o que intrigava Justino era que ele não fazia ideia do paradeiro do homem que matou seu irmão. E ele não queria morrer sem cumprir a tarefa de se vingar pela morte do caçula da sua família. Mas disse que só se preocuparia de fato quando terminasse com os serviços já recebidos.

Chegamos à fazenda e decidi ir até a lavra sozinho, para refletir sobre tudo o que ouvi na celebração. Eu não acreditava tanto quanto Justino, mas talvez pela fé dele comecei a crer que realmente a grande pedra estava na região. Enquanto procurava pedras menores, lavrava, pensando onde seria a região dita pelo espírito. Poderia não ser na minha terra, claro. Região pode ser muito lugar. Mas ao mesmo tempo em que desacreditava na ideia, não entendia o motivo pelo qual o espírito falou comigo as duas vezes, insinuando que eu deveria continuar procurando. Talvez a pedra estivesse realmente aqui. Decidi deixar as coisas como estavam.

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