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O RETRATO DE DORIAN GRAY, sobre a obra

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CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 20

Caros estudantes,

A literatura é a expressão máxima das palavras e nos proporciona as mais variadas situações: da mais verossímil à mais inverossímil. Ficaríamos aqui horas apresentando as mais fantásticas criações já escritas e conversando sobre elas, e vocês, certamente, têm as suas preferidas. É natural que seja assim, pois dessa maneira formamos nossa capacidade leitora. Confesso-lhes um segredo: por vezes, prefiro quando um(a) aluno(a) revela-me não ter gostado de um livro. E sabe por quê? Porque houve um processo de comparação em que o(a) aluno(a) buscou em suas referências elementos justificando o seu desagrado.

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Esse universo que nos absorve e ora surpreende, ora inquieta, só existe graças às visões ímpares dos escritores. Embora seja impossível formular conceitos precisos a respeito de tais visões, contamos com as valiosas contribuições daqueles que dedicaram uma vida produzindo ou analisando tal arte.

O que encanta dentro deste universo é que tudo é permitido em suas páginas. Nesse ambiente sem amarras sur-

gem os clássicos, obras que ultrapassam seu tempo e marcam um período na história. E o que mais chama a atenção, às vezes, é que a beleza não está na trama, mas na forma da narrativa – separando assim os escritores dos meros mortais (uma elegia); se pudéssemos resumir tudo isso num simples ditado: Uma ideia modesta na mão de um grande escritor torna-se uma grande ideia; já uma grande ideia na mão de um escritor medíocre torna-se uma péssima ideia.

Um artista busca, na sua manifestação artística, o ponto máximo da beleza e perfeição. O pintor, seu maior quadro; o músico, a sua melhor composição; o escritor, a sua maior obra literária. Todos estão unidos indiretamente por uma paixão pela beleza. E quando essa paixão extrapola-se e as ideias de sentido e significado resumem-se em “o belo pelo belo”, a beleza basta! Nada além dela. Surgem clássicos como O retrato de Dorian Gray e figuras como Oscar Wilde.

Como é possível uma obra atravessar um século apenas preocupada com o belo, o superficial, os disfarces? Não seria um equívoco que a tornaria fadada apenas ao contexto do seu tempo? Pode ser que sim, mas, tratando-se de

O retrato de Dorian Gray (1890), a beleza ao escrever sobre a própria beleza – numa espécie de versão narcisista moderna sobre um personagem que se apaixona pela pintura de seu próprio retrato, satiriza o amor romântico e até mata pelo belo – escancara todo o poder de persuasão e domínio que as palavras podem criar através da literatura: a arte da palavra.

Qual caminho deve traçar quem vê em seu próprio retrato uma beleza ímpar, que sobrepõe às demais, dando-lhe a condição de encantamento?

O que leva ao amor ou simplesmente a ignorá-lo e deixar se levar pelos prazeres da vida? Quais seriam as escolhas? Dorian Gray fez as escolhas dele. Será que são as mesmas que você faria?

O romance – gênero literário desta obra – por sua extensão maior se comparado com contos ou novelas, permite que sejam exploradas narrativas amplas, com possibilidade de tramas complexas e desenvolvimento profundo dos personagens. O narrador não se concentra apenas na narrativa principal, aquela que é vivida pelo protagonista, mas também são criadas nar-

rativas secundárias, que possibilitam um conhecimento mais íntimo e amplo dos demais personagens, que, em alguns momentos, dividem o protagonismo com o personagem principal. Assim, quando comparado com o conto e a novela, o romance revela sua principal característica: destacar do modo que o narrador acha necessário os personagens e suas aparições.

Os narradores também têm um papel fundamental: nesta obra, por exemplo, a terceira pessoa onisciente permite ao leitor saber tudo que os personagens pensam e sentem, além de transitar pelo leque de lugares que a narrativa aborda. Por isso, entender conceitos básicos sobre o gênero literário romance é fundamental para assimilar o teor de uma obra literária em toda sua extensão.

Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde é um dos artistas que mais contrariaram a visão dos críticos que defendem a não comparação entre a obra e a vida de um autor. Wilde foi diferente; fez questão de deixar transparecer e incentivar essa mistura: vida e obra. Suas mais variadas facetas, sua forma de ver o mundo e os traços de alguém a frente de seu tempo sempre foram muito presentes em sua arte.

O escritor, poeta e dramaturgo nasceu em Dublin, em 16 de outubro de 1854, quando a atual República da Irlanda ainda pertencia ao Reino Unido; foi o segundo filho de uma família de três irmãos. Viveu boa parte da sua vida em Londres e passou seus últimos anos de vida em Paris, na França, onde está enterrado.

Pertenceu a uma família abastada e teve uma educação privilegiada, que lhe proporcionou estudar em grandes instituições, como a Universidade de Oxford, na Inglaterra. Colecionou muitas polêmicas e situações interessantes; assim, antes mesmo de publicar O retrato de Dorian Gray, já era considerado uma personalidade influente no meio das artes, o que lhe rendeu várias palestras nos Estados Unidos no final do século XIX. Mas, no auge de sua fama, levando uma vida “atípica” aos olhos da sociedade vitoriana inglesa da época, envolveu-se em um caso de amor com o jovem Alfred Douglas, também conhecido como Bosie, de caráter problemático, filho do Marquês de Queensberry, John Douglas.

O relacionamento nunca foi aceito pelo pai do jovem, que acusou Wilde de sodomia, o que causou um grande

escândalo sexual na época. Ambos foram a julgamento, e Wilde desafiou o marquês a provar sua acusação, confiante em sua vitória. Entretanto, com a ajuda de detetives, a acusação foi comprovada, e o escritor foi condenado a dois anos de trabalhos forçados.

Após cumprir a pena, sua vida entra numa verdadeira derrocada. Muda-se para Paris, onde tem um final de vida simples, e destina-se a publicar obras de questões filosóficas – além de evidenciar questões sobre a homossexualidade, que define como a forma mais perfeita de afeição e amor. Morre de meningite no dia 30 de novembro de 1900.

Sua obra pertenceu ao movimento que defendia a arte pela arte, ou simplesmente que a arte é superior à natureza (vida) e que a natureza copia a arte – a sua própria cara. Wilde acreditava que só a beleza seria capaz de derrotar os horrores da sociedade; mote que o fez trazer a sua própria marca ao esteticismo.

Uma entre tantas questões transversais é: Como um autor pode representar e trazer tal concepção para dentro de uma obra literária? E ainda fazer dela um clássico?

Assim como Dorian Gray, o narrador onisciente em terceira pessoa – aquele que tudo sabe sobre a trama e o que sentem e pensam os personagens –, por meio de seus personagens, brinca e manipula o leitor: eu e você, fazendo-nos assumir, durante a leitura, o papel de Dorian Gray. Faço-lhes uma simples pergunta: Quantas vezes somos impactados com o efeito das definições de Lorde Harry sobre a vida e suas nuances e refletimos, ou até mesmo anotamos, esses aforismos – gênero literário que, em

poucas palavras, aborda, por meio de experiências reais ou filosóficas, questões morais ou da natureza

prática a fim de defini-las – persuasivos que transcorrem e compõem as páginas da obra, em sua visão aristocrata e hedonista de um dândi.

Daí a importância da leitura de O retrato de Dorian Gray para nossa formação leitora e, principalmente, para nossa vida. Afinal, não é comum folhear as páginas de um livro e se deparar com opiniões tão contundentes e originais a respeito da vida. Como os trechos abaixo:

Escolho meus amigos por sua boa aparência, meus conhecidos por seu bom caráter e meus inimigos pelo bom intelecto.

Meu querido amigo, não estou falando sério. Mas não consigo deixar de detestar meus familiares. Suponho que isso se deva ao fato de que nenhum de nós suporta outras pessoas com os mesmos defeitos que os nossos.

Outro ponto importante na conversa entre Dorian Gray e Harry é a crítica que o jovem faz às teorias do lorde. Harry responde não se tratar de teorias, mas sim da natureza, que nada mais é do que a própria vida. E que vida é essa? Como se ele, em sua maior transparência, demonstrasse desobediência à cordialidade e firmasse um pacto com a realidade na sua mais pura manifestação, como na frase do filósofo e crítico literário italiano Antonio Gramsci (1891-1937) “entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão”.

A obra propõe ao leitor um encontro com a arte em suas variadas manifestações. Como, muitas vezes, o amor pode interferir na genialidade, surge uma dúvida muito intrigante: artistas são felizes?

Tomemos os exemplos de Basil, o autor do retrato, e de Sybil Vane, ao interpretar Julieta na exibição de Romeu e

Julieta e suas consequências. O amor é fator determinante para o resultado de suas produções artísticas? Será que a arte, assim como o provérbio popular “ostra feliz não faz pérola”, se refere também à condição do artista? Para além do enredo principal, O retrato de Dorian Gray permite-nos a experiência de conhecer o intrínseco de cada artista e também a ignorância banal de cada ser.

Curiosamente, no trecho reproduzido a seguir, o desencanto pela arte – aquela tão defendida e essencial para vida como os personagens acreditam – surge justamente quando a jovem Sybil conhece o amor.

Dorian, Dorian! — ela exclamou. — Antes de conhecê-lo, atuar era a única realidade da minha vida. Eu só vivia no teatro. Acreditava que tudo aquilo era verdade. Era Rosalinda em uma noite e Pórcia na outra. A alegria de Beatriz era a minha alegria, e as tristezas de Cordélia também eram minhas. Acreditava em tudo. As pessoas comuns que atuavam comigo pareciam-me ser divinas. Os cenários pintados

eram meu mundo. Não conhecia nada além de sombras e julgava-as reais. Então você surgiu — ah, meu lindo amor! — e libertou minha alma da prisão. Você ensinou-me o que é a verdadeira realidade. Hoje, pela primeira vez na minha vida, vi através do vazio, da farsa, da estupidez da frívola exibição em que sempre vivi.

Ainda na busca da contemplação do amor perfeito, o narrador nos coloca em xeque sobre o amor de um casal apaixonado e questiona a representação social – ou seja, aquilo que o outro é para a sociedade.

Eu a amava porque era maravilhosa, porque tinha talento e inteligência, porque você dava vida aos sonhos dos grandes poetas e forma e substância às sombras da arte. Você jogou tudo isso fora. Você é superficial e estúpida. Meu Deus! Como fui louco em amá-la! Que tolo eu fui! Você não é nada para mim agora. Nunca mais a verei.

Durante toda a leitura fica evidente a presença, numa espécie de emaranhado, das relações interpessoais que os

personagens estabelecem entre si, dando à prosa o seu mais alto requinte, em que os diálogos vão revelando disfarces, inverdades e interesses num jogo bastante envolvente. As tramas se desenham e surpreendem durante toda a leitura, pois firma-se uma espécie de antítese wildiana – um contraposto egoísta do que acontece na sociedade. O período de publicação da obra coincide com o final do realismo, marcado pela preocupação com o conflito entre as classes, e tendo a arte como papel revelador das desigualdades e injustiças. Contudo, em O retrato de Dorian Gray, todas essas questões são irrelevantes.

Como ponto final, para abrir as cortinas da leitura, após essa breve conversa – afinal, a leitura é essencial para responder aos questionamentos apontados e aos diversos que aparecerão – busquem suas próprias respostas. Por fim, o que pode fazer uma pessoa ao deixar de ser amada? Ou quão desinteressante pode ser uma pessoa que mostra quem de fato é? Encanta-se pelo disfarce ou pelo real?

A superficialidade pode ser mais interessante?

Divirtam-se!

Dorian Gray é jovem e pretende tirar da vida todo o prazer que ela pode oferecer. No entanto, encara-a de uma forma completamente sem limites. Rico, popular e de beleza incomum, Dorian fascina todos que o cercam. Mas que segredos estariam por detrás desse curioso dom?

Uma das mais célebres obras de Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray instiga o leitor com a impressionante saga do jovem que não envelhece. Em diálogos afiados e repletos de ironia, o autor critica os valores da aristocracia na era vitoriana, revelando toda a sua hipocrisia.

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