A gente ocupa o IFSC: as ocupações estudantis no Instituto Federal de Santa Catarina

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Aos/Às ocupas de 2016!



A gra d e ciment os

Agradeço ao IFSC por ter proporcionado os recursos para a realização da pesquisa que deu origem a este livro, através do Edital n° 34/2017/Proppi/DAE; às estudantes do curso integrado em vestuário, Marine Burin Rodriguez e Ana Carolina da Silveira de Souza, que foram bolsistas do projeto de pesquisa em 2018 e contribuíram significativamente para o processo de entrevistas e o levantamento de informações sobre as ocupações. Ao Emanuel Flôres e ao Filipe dos Santos, pelas informações relacionadas ao surgimento do movimento Resistência Estudantil Contra os Cortes na Educação (RECCE-IFSC). Ao Guilherme Moutinho que prestou suporte jurídico. Ao Luciano Peres, que, além do ótimo trabalho de revisão, deu orientações fundamentais para a publicação do livro. À Débora Porto e à equipe da Editora Polifonia, pelo ótimo trabalho de edição. Ao camarada Walter Lippold, por suas valiosas informações sobre o processo de publicação. Ao Luciano Faria pelas informações prestadas e ao Cassiano Oliveira, pela elaboração da arte de capa do livro. À Bruna Vanti, por ter colaborado na sistematização e na análise dos dados sobre o perfil dos/as estudantes do IFSC, além do seu companheirismo e sugestões. Ao Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) – Seção IFSC, pelo financiamento dos custos de edição e impressão dos exemplares


desta obra. E por fim agradeço aos/as ocupas que se dispuseram a prestar seus depoimentos sobre as experiências vivenciadas no movimento; suas contribuições foram fundamentais para a elaboração do livro. Muito obrigado!


Mas renova-se a esperança Nova aurora a cada dia E há que se cuidar do broto Pra que a vida nos dê flor e fruto Milton Nascimento



Sumári o

PREFÁCIO................................................................................. 11 INTRODUÇÃO......................................................................... 15 1. O BRASIL EM TRANSE: O GOLPE DE ESTADO DE 2016.....21 O GOLPE E A ONDA CONSERVADORA...............................31 NEOLIBERALISMO, AUSTERIDADE E CONTRARREFORMAS..............................................................38 2. A PRIMAVERA SECUNDARISTA....................................... 47 AS OCUPAÇÕES ENTRE O GLOBAL E O LOCAL..............47 OCUPAR E RESISTIR: AS DUAS ONDAS...............................58 3. O QUE SÃO OS INSTITUTOS FEDERAIS?........................ 67 OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA.............................................................................67 O INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA (IFSC).. 78 4. AS OCUPAÇÕES ESTUDANTIS NO INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA............................................................ 87 A ORGANIZAÇÃO DAS OCUPAÇÕES..................................91 REPRESSÃO E O FIM DAS OCUPAÇÕES............................105 UMA OUTRA EDUCAÇÃO É POSSÍVEL............................114 5. O QUE FICOU DAS OCUPAÇÕES?................................... 121


CRONOLOGIA....................................................................... 125 2013 ..............................................................................................125 2014 ..............................................................................................125 2015 ..............................................................................................126 2016 ..............................................................................................126 2017 ..............................................................................................129 REFERÊNCIAS........................................................................ 131 APÊNDICE.............................................................................. 139


PRE FÁCI O

O presente livro, escrito por Rodrigo Lima, analisa o processo de ocupações de escolas por estudantes secundaristas, com ênfase no processo ocorrido no IFSC em 2016. Em âmbito nacional, o processo teve seu auge no estado de São Paulo, como respostas dos estudantes à chamada “reorganização escolar”, entenda-se fechamento de escolas, por parte do então governador Geraldo Alckmin (PSDB). Em São Paulo, foram ocupadas mais de 200 escolas, ocupação que se espalhou para outros estados, como Goiás, Mato Grosso, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No estado de Santa Catarina, foram protagonistas desse processo os estudantes dos Institutos Federais, o que foi materializado na ocupação de campi do IFSC e do IF. Em seu livro, Rodrigo localiza essas lutas dentro do marco histórico iniciado com o contraditório processo de junho de 2013. Naquele processo, entrou em cena uma vanguarda jovem cansada com a falta de condições básicas por parte do Estado, após ter explodido a luta em torno do transporte público em São Paulo. Em âmbito nacional e municipal, tratava-se de governos do PT, encabeçados por Dilma e Haddad, respectivamente. Esses governos, ao mesmo tempo que faziam promessas de melhoria para a população mais pobre, garantiam os interesses de banqueiros e da burguesia.

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Uma nova geração de jovens descontentes com a situação do país enxergava a necessidade de se mobilizar, mas, ao mesmo tempo, se via sem direção. As principais organizações operárias e estudantis tinham sido cooptadas pelos governos petistas, fazendo com que as mobilizações escasseassem durante anos e as lutas se voltassem exclusivamente para pressionar o governo e o parlamento. Em 2013, havia um vazio de direção e, mesmo que a confusa pauta das primeiras mobilizações fosse claramente progressista, não demorou para que grupos conservadores se inserissem nesse movimento e transformassem lutas justas em reivindicações reacionárias exclusivas para destruir o PT. Com isso, demagogos de direita, fossem em movimentos organizados, como o MBL, ou políticos hipócritas, como Bolsonaro, ganharam espaço. O bonapartista de toga logo entrou em cena para também ajudar a derrubar no âmbito jurídico o governo do PT. O corolário desse processo foi o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. Contudo, no âmbito das lutas, a disposição dos trabalhadores e da juventude não se arrefeceu, e Rodrigo mostra isso claramente. Os governos Temer e Bolsonaro implantaram medidas contra os direitos dos trabalhadores e da juventude, como as reformas previdenciária e trabalhista, impuseram o “teto de gastos” e aprovaram a reforma do ensino médio. Em cada um desses ataques, trabalhadores e juventude se mobilizaram e lutaram, mas, a todo o momento, além de enfrentarem a direita organizada em torno das instituições do Estado, infelizmente também contaram com o imobilismo das direções dos trabalhadores, que visualizavam prioritariamente a volta ao governo central preferencialmente com Lula.

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No âmbito da educação, além do Novo Ensino Médio, por parte do Estado se viram ações como o fechamento de escolas ou o ataque e a censura a professores por meio de aberrações como o Escola Sem Partido. No caso dos Institutos Federais, mesmo havendo durante anos um governo do PT, não significava que a situação fosse diferente. Rodrigo resgata em seu livro o processo de criação dos Institutos Federais, a partir de 2008, em torno da reestruturação de escolas técnicas, agrotécnicas e centros federais de tecnologia então existentes. Essa expansão, em grande parte para o interior dos estados, se deu sem a garantia de uma estrutura básica de funcionamento para os campi. Em Santa Catarina, viram-se duas experiências distintas. O IFSC nasceu da expansão do antigo CEFET para o interior, sendo criadas unidades em cidades localizadas nas diferentes regiões do estado. O IFC, por sua vez, nasceu da fusão de escolas agrícolas então existentes, também vindo a se expandir por diferentes regiões. Em ambos os casos, por diferentes razões, notaram-se novas estruturas institucionais marcadas pela fragmentação pedagógica e estrutural. Além do mais, observa-se a permanência de vícios como o “caciquismo” por parte de muitos gestores que vinham das instituições anteriores. Portanto, ao ocuparem os campi em 2016, os estudantes dessas instituições, ainda que nem sempre de forma consciente, questionavam as estruturas então colocadas e a precária expansão da educação técnica e tecnológica em âmbito federal. Questionavam, enfim, o que aquelas instituições podiam oferecer para sua formação profissional e mesmo para a sua vida no futuro, e reivindicavam melhorias.

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O livro de Rodrigo Lima capta essas particularidades, especialmente ao colocar a fala de sujeitos que participaram do processo das ocupações. Nesse sentido, trata-se de um rico material para entender a conjuntura dos últimos dez anos, marcada justamente pela situação política aberta com as mobilizações de junho de 2013. Este livro nos ajuda a entender como se deu a construção da consciência dessa juventude que se colocou na vanguarda da defesa de uma educação pública, gratuita e, se possível, para todos. E, também, é uma reflexão por parte desses sujeitos acerca da estrutura pedagógica e institucional que vem sendo implementada na rede federal, que, a despeito de seus méritos, precisa ainda de muitas melhorias. Blumenau, julho de 2023 Michel Goulart da Silva Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Técnico em Assuntos Educacionais no Instituto Federal Catarinense (IFC)

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INTROD UÇÃ O

Este livro é um registro do processo de mobilização dos/as estudantes do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), que entre os meses de outubro e dezembro de 2016 ousaram ocupar sete dos vinte e três campi da instituição. O movimento articulou-se com a mobilização nacional de ocupações, que tinha como pautas centrais as lutas contra a reforma do ensino médio, o avanço da pauta conservadora na educação e o projeto de emenda constitucional, que implicou na criação do teto de gastos públicos por vinte anos, limitando os recursos orçamentários para as áreas sociais, com fortes impactos na educação. O livro foi diretamente inspirado na obra “Escolas de Luta”, dos autores Antônio Campos, Jonas Medeiros e Márcio Ribeiro. Obra publicada em 2016 e que relata o movimento de ocupações estudantis ocorrido no Estado de São Paulo em 2015. Uma referência nos estudos sobre o tema. Seguindo o caminho dos autores, procurei privilegiar as perspectivas dos/as estudantes a partir de suas falas e compreensões sobre o processo do qual foram protagonistas. O principal objetivo deste estudo é compreender o processo de ocupação estudantil que ocorreu no ano de 2016 no IFSC e como esse movimento se desenvolveu no contexto dos campi ocupados, a partir das perspectivas dos/as estudantes envolvidos naquela luta.

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As ocupações no IFSC articularam-se à primavera secundarista que ocorreu no Brasil nos anos de 2015 e 2016, mas também foi um desdobramento do esforço dos/as estudantes na busca por novas formas de organização. O IFSC foi criado em 2008, integrando a Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica, cujas instituições tiveram sua origem no início do século XX. As ocupações ocorreram nos marcos de uma nova institucionalidade, que apresentava a verticalidade na oferta dos cursos e uma grande capilaridade no território catarinense, o que permitiu englobar importantes regiões e suas peculiaridades socioeconômicas e culturais. Mesmo nesse cenário complexo, o movimento estudantil conseguiu estabelecer novas formas de articulação e organização, tornando-se uma referência histórica nas mobilizações estudantis do IFSC. O movimento dos/as ocupas, que ocorreu por todo o país, levantou-se contra as arbitrariedades do governo Temer, convertendo-se no maior movimento de resistência contra o golpe de Estado de 2016 e contra a agenda de reformas, que incluiu o Novo Ensino Médio (NEM), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do Teto de Gastos, então chamada de PEC do fim do mundo. O movimento dos/as ocupas também construiu uma forte resistência à crescente onda conservadora contra as escolas, que naquele momento era promovida pelos Movimento Escola Sem Partido (MESP) e Movimento Brasil Livre (MBL). Se colocaram em alerta contra o crescente autoritarismo e combateram o ovo da serpente do fascismo, que, dois anos depois, culminou com a vitória de Jair Bolsonaro para a Presidência da República.

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Os/as estudantes também mostraram um caminho de luta e resistência. Foram além das elaborações vazias de notas políticas ou abaixo-assinados, romperam com o imobilismo do movimento sindical, que não esteve à altura do que a conjuntura exigia e demonstraram que através da organização, da ação direta e da mobilização poderiam resistir, como de fato resistiram. No caso do IFSC, as ocupações revelaram a demanda de estudantes de educação profissional e tecnológica (EPT), de diferentes modalidades e níveis educacionais, por uma outra educação. Elas mostraram, na prática, que um outro modelo de educação é possível. Os/as estudantes ousaram lutar, enfrentando a burocracia institucional, a reação de movimentos conservadores, a violência policial e midiática, numa conjuntura regressiva marcada pelo avanço do conservadorismo, do neoliberalismo e da extrema direita. A partir de diferentes experiências, cada processo de ocupação foi construindo o seu caminho. Com maior ou menor articulação com outros movimentos sociais, com maior ou menor participação dos/as estudantes, através de formas parciais ou totais de ocupação dos campi, elas compartilharam experiências de profunda participação democrática, de protagonismo de estudantes em situação de vulnerabilidade social e de minorias sociais historicamente excluídas, como mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e a comunidade LGBTIQAPN+. As ocupações do IFSC deram voz e vez aos que não eram ouvidos, aos que não se viam representados/as nas formalidades dos colegiados e comissões institucionais, aos/às estudantes que muitas vezes não têm espaço para organizar, propor e pautar que

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tipo de educação e instituição querem que seja construída. Os/as ocupas plantaram sementes de um modelo de educação que ainda está por germinar. Este livro acabou demorando mais do que eu planejava. O propósito inicial era publicá-lo em 2019, mas, por uma série de razões, ele não foi publicado no tempo previsto. No entanto, entendo que o atraso fez com que ele começasse a circular no tempo certo. Com distanciamento histórico é possível ver melhor a relevância das lutas que os jovens de 2016 estabeleceram no movimento estudantil do país, em particular do IFSC e o quanto suas pautas seguem atuais, tendo em vista que as lutas contra o Teto de Gastos1 e o Novo Ensino Médio seguem mobilizando os movimentos sociais e suas revogações totais ainda estão por ser realizadas. A geração de 2016 demarcou um “divisor de águas”, estabelecendo um antes e depois do movimento estudantil na instituição. As ocupações criaram uma referência de lutas que segue viva e pulsando nos corredores do IFSC. Por isso, ainda é um processo em aberto. As bases lançadas pelos/as ocupas seguem permeando os debates educacionais, nas lutas pela revogação do ensino médio e no caso específico da EPT, sobre qual trabalhador e trabalhadora precisamos formar para a construção de um outro modelo societário, com justiça e igualdade social. 1 Durante as eleições de 2023, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva comprometeu-se em revogar o teto de gastos. Ao assumir o mandato presidencial, acabou por substituí-lo pelo novo arcabouço fiscal, uma medida que mantém restrições aos investimentos públicos nas áreas sociais, conservando os benefícios ao capital financeiro. A revogação do Novo Ensino Médio segue mobilizando o movimento estudantil e de trabalhadores em educação, mas ainda não se concretizou. 18


A partir de uma pesquisa desenvolvida no ano de 2018, contemplada e financiada pelo Edital n° 34/2017/ Proppi/DAE, tendo sido aprovada e autorizada pela Diretoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação do IFSC e respeitando as Resolução CNS 466/12, de 12/12/2012, e à Resolução CNS 510/16, de 07/04/2016, foi possível construir uma investigação que privilegiasse a perspectiva dos/as como protagonistas do processo das ocupações. Como metodologia de pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com sete alunos que participaram do processo de ocupação no ano de 2016, representando seis dos sete campi ocupados do IFSC (Araranguá, Chapecó, Florianópolis, Palhoça, São José, São Miguel do Oeste). Infelizmente, na época da realização da coleta de dados, não conseguimos agendar entrevista com um/a representante do Campus Xanxerê. Também foi realizada uma consulta às postagens das páginas criadas pelas ocupações na rede social Facebook. Para preservar a identidade dos e das estudantes seus nomes foram mantidos em sigilo, com a utilização de pseudônimos para identificá-los, apenas referenciando o campus do/a estudante, para fins de contextualização das falas. Como as entrevistas foram realizadas em 2018, elas expressaram as perspectivas mais distanciadas dos/as estudantes em relação às ocupações, refletindo uma avaliação geral do processo do qual foram protagonistas. O livro é dividido em quatro capítulos, além desta introdução e das considerações finais. No primeiro, procuro situar o golpe de Estado de 2016, debatendo as principais causas e os desdobramentos da onda conservadora, do aprofundamento da agenda neoliberal e das políticas de austeridade que avançaram no país nos meados da década passada. No segundo capítulo, o texto avança

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para a compreensão da “primavera secundarista”, analisando a importância das ocupações de escolas para o movimento estudantil e para as lutas sociais no Brasil na década de 2010, a partir de uma discussão sobre as duas ondas de ocupações que ocorreram em 2015 e 2016. Na terceira parte, analiso de forma geral o que são os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), a fim de contextualizar o/a leitor/a sobre as especificidades que marcaram o movimento das ocupações nestas instituições, com uma caracterização sobre o IFSC. Por fim, apresento como ocorreu o processo de ocupações no IFSC, a organização e dinâmica criada pelos/as estudantes, a repressão que enfrentaram, abordo as contribuições do movimento com relação a EPT e analiso como o movimento terminou e alguns de seus desdobramentos.

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O BRA SIL E M T R A NS E: O G OLPE D E E STADO DE 2 0 1 6

A história recente do Brasil será, pois, a história do colapso do último grande modelo de conciliação da democracia liberal. Coube ao Brasil a honra duvidosa de terminar um ciclo mundial de forma catastrófica. Vladimir Safatle

O ano de 2016 representou um momento de inflexão na história do país. Após um período de estabilidade da democracia liberal e de consolidação da Sexta República, orientada sob os marcos criados com a Constituição de 1988, o golpe de Estado de 2016 recolocou o horizonte autoritário na agenda nacional. O impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), mobilizada por aparatos midiáticos, judiciários e parlamentares, ocorreu sob uma fachada de legalidade, supostamente respeitando as regras do Estado de direito, mas que sinalizou de fato para uma restrição cada vez maior de direitos políticos e sociais (Lowy, 2016).


O golpe foi gestado e embalado por setores da burguesia brasileira, associados ao capital financeiro internacional, e com o apoio da classe média alta, que confrontaram a política de conciliação de classes, marca dos governos petistas (2003-2016). A crise econômica que o Brasil enfrentou entre os anos de 2014 e 2016, primeiramente com estagnação, seguida de dois anos de depressão econômica e significativa queda do PIB2, fez com que os setores descontentes com as gestões petistas se unificassem e ganhassem adesão e grande apoio da classe média e de setores mais precarizados da classe trabalhadora, que foram atraídos pela “grande ofensiva neoliberal restauradora” (Boito Jr., 2016). Durante o conflito de classes e a disputa pelos rumos do país, movimentos sociais procuraram resistir à ofensiva neoliberal, propondo alternativas para além das tentativas da continuidade da conciliação e para além do jogo político institucional. Uma das primeiras e mais significativas respostas ao golpe de 2016 foi o movimento protagonizado por estudantes secundaristas que ocuparam mais de mil escolas no segundo semestre de 2016. Foi nesse contexto de resistência contra o golpe que emergiram as ocupações no IFSC. Mas antes de analisar este fenômeno, permitam-me recuar um pouco no tempo para que possamos entender o contexto histórico no qual se originou o golpe, assim como as resistências contra ele. Para tanto, vamos voltar à noite do dia 26 de outubro de 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou oficialmen2 O biênio 2015/2016 representou uma das maiores recessões da história do país. Em 2015 o PIB recuou 3,8% e em 2016 o resultado negativo foi de 3,6% de retração em relação ao ano anterior. Todos os setores da economia registraram taxas negativas no período. Entre os anos de 2014 e 2016, as taxas de desocupação sofreram um aumento de 74,4% (IBGE).

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te o resultado do segundo turno das eleições presidenciais. Dilma Rousseff, havia conquistado a reeleição, derrotando seu adversário Aécio Neves, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Era o pleito mais apertado desde 1989, quando da realização da primeira eleição presidencial após a redemocratização do país. O voto popular havia delegado ao PT mais um mandato. O ciclo petista iniciado em 2003 estender-se-ia até 2018 e as expectativas eram de que, com uma nova candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, o Brasil passaria por um longo período de governos orientados pela estratégia democrático-popular. Mas no meio do caminho ocorreu um golpe e a sociedade e o cenário político no Brasil passaram por transformações profundas e, em certa medida, inesperadas. O golpe representou uma ruptura no período que foi marcado pelo que André Singer (2016) chamou de reformismo fraco, ou, nas palavras de Valério Arcary (2014), um reformismo quase sem reformas. Durante os governos petistas, foram implementadas políticas que mitigaram a extrema pobreza, através de medidas compensatórias e da geração de emprego e renda, mas que não avançaram em reformas profundas e estruturais no Estado brasileiro. Os privilégios das classes dominantes e os lucros do capital financeiro foram mantidos. Concomitantemente, os mais pobres passaram a ter uma renda básica, com a implementação de políticas de inclusão social, sustentadas em ações como o Programa Bolsa Família, a valorização do salário-mínimo, ampliação do acesso ao emprego e a expansão do crédito para setores da população historicamente excluídos. Políticas que possibilitaram o aumento considerável do consumo, o aquecimento da economia com base no mercado interno e que expressaram a política do R O D R I G O

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“ganha-ganha”, orientada pela lógica da conciliação de classes. As políticas focalizadas resultaram na redução significativa da pobreza, culminando com a saída do país do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Na área da educação, os governos do PT preocuparam-se em ampliar a oferta de vagas nas universidades, primeiramente privilegiando as redes privadas, com a criação do Programa Universidade para Todos (Prouni) em 2004, que concedeu bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas do ensino superior. O Prouni contemplou estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas ou que estudaram em escolas privadas na condição de bolsistas. Mas foi durante o segundo mandato do Governo Lula (20072010) que ocorreu a grande expansão da oferta de vagas nas universidades públicas federais, através do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), criado em 2007. A criação dos Institutos Federais (IFs) e a reorganização da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), através da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, também fizeram parte dessa reforma educacional. As políticas educacionais dos governos petistas refletiram um movimento de expansão e capilarização da oferta de educação superior e profissional no país, que passou a contemplar demandas pelo acesso ao ensino superior aos filhos da classe trabalhadora brasileira. No caso dos IFs, a verticalização3 foi uma inovação que 3 Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ofertam cursos de ensino médio integrado aos cursos técnicos, de cursos técnicos concomitantes

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permitiu a democratização e ampliação da oferta de ensino profissional, científico e tecnológico. A expansão do acesso à educação profissional foi uma expressão das políticas contraditórias dos governos petistas, pois contemplou a ampliação do acesso às vagas nas instituições públicas federais, mas de forma precarizada, ao mesmo tempo em que favoreceu as grandes empresas do ramo da educação privada. O bloco no poder constituído pelo reequilíbrio de forças provocado pelo transformismo do PT e da CUT não deixou de ser efetivamente dirigido pelos setores mais organicamente vinculados ao imperialismo. Por isso, as iniciativas do Governo Lula da Silva seguiram os trilhos da política educacional do governo Cardoso, como o apoio ao setor privado por meio de isenções tributárias, os contratos de gestão entre municípios, estados e MEC, a avaliação produtivista dos resultados (Enade, Enem, Saeb, Provinha Brasil), as medidas focalizadas, o entusiasmo pela educação a distância, a disjunção da formação profissional e do ensino propedêutico, o conceito de educação rural proveniente do programa Escola Nova colombiano (Leher, 2010, p. 409).

No âmbito da EPT, o Governo Lula fez três movimentos importantes que modificaram substancialmente a oferta dessa modalidade de ensino na Rede Federal. O primeiro foi através do Decreto 5.154 de 23 de julho de 2004, que retomou a oferta da educação profissional técnica de ou subsequentes, de qualificação profissional, de ensino superior de graduação e de pós-graduação (lato e stricto sensu). Uma configuração que permite a convivência entre diferentes segmentos dos estudantes, o que também trouxe novos desafios para a organização do movimento estudantil.

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nível médio de forma integrada ao ensino médio. O segundo foi a criação dos IFs em 2008, através da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 com a obrigatoriedade da oferta de 50% das vagas para cursos de educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados. E o terceiro movimento foi a expansão e interiorização da Rede. Se até 2002 havia 140 escolas técnicas federais no país, entre 2003 e 2016 foram criados 422 novos campi ligados à Rede Federal. Com a expansão da oferta, relacionada à política de cotas sociais e raciais, a partir da Lei nº 12.711/2012, passou a ser garantida a reserva de 50% das matrículas, por curso e turno, em todas as Universidades Federais e IFs, para alunos que tenham estudado integralmente no ensino médio público. Através desta política, o ingresso nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e na Rede Federal foram democratizadas. As cotas também levam em conta o percentual de mínimo correspondente à soma da população de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com os dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Através desta política, houve uma ampliação do acesso à EPT, com fortes implicações no perfil dos/as estudantes dessa modalidade de ensino4. Aqui há um elemento importante para a compreensão dos processos das ocupações e das mobilizações estudantis no contexto dos IFs, em particular do IFSC. O protagonismo de estudantes negros, mulheres, LGBTQIAPN+ e em situação de 4 Os IFs caracterizam-se por ter uma parcela significativa de seus estudantes de baixa renda, cerca de 60% dos/as alunos/as dos IFs são oriundos de famílias com renda per capita de até um salário-mínimo e meio. (Plataforma Nilo Peçanha, 2023)

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vulnerabilidade social refletiu-se na base estudantil que protagonizou as ocupações dos campi: Então, mas eram estudantes que apoiavam muito, e estudantes como eu digo era tão variados que existiam desde até mesmo economicamente assim, estudantes que tinham um baixíssimo custo de vida, que tinha vulnerabilidade gigante assim né socioeconômica, e até... Viam no IFSC uma oportunidade de dar um alívio, então comiam uma refeição um pouco melhor aqui né, conseguiu comer de uma forma um pouco melhor diretamente, dormir no local, enfim, e aí foram estudantes que depois a gente acabou ajudando, hoje conseguiram um trabalho, então hoje tem um pouco mais de condição, até estudantes que tinham um poder aquisitivo razoável em comparação com a maioria, que também apoiavam, que eram frente ao movimento, dormiram aqui, então tinham que varrer o chão, lavar louça, não tinha nenhuma diferença. Era bem diversificado (José, Campus Araranguá).

As questões racial e de gênero, com o protagonismo de estudantes negros e de mulheres, também se expressaram no movimento: Era um perfil bem diversificado de questão de classes, assim, tinha bastante problema com pessoas muito diferentes ocupando o mesmo espaço, e enfim, cozinhando na mesma cozinha e comendo a mesma comida, e convivência é uma coisa que é complicado né, mas uma coisa que eu notei é que tinha muitas pessoas negras que eu não conhecia, nem sabia que tinha tanta gente negra dentro do meu campus. Eu não conhecia isso foi uma coisa que me chamou atenção, a maioria eram mulheres, tinha gente de todos os tipos, gente de Floripa, gente que nunca tinha participado de nenhum tipo de debate

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político ou coisa parecida, tinha gente que já vinha de histórico de militância (Bianca, Campus São José).

Os relatos sobre o perfil dos/as estudantes que ocuparam os campi do IFSC refletem o resultado das políticas adotadas no âmbito federal. Com as cotas sociais e raciais, setores da classe trabalhadora e da população negra e indígena ampliaram as perspectivas de acesso à universidade e às escolas técnicas profissionalizantes. A inclusão de estudantes de baixa renda nas instituições federais de educação é uma expressão daquilo que o cientista político André Singer (2012) denominou como lulismo, termo utilizado para definir o fenômeno político que se concretizou em torno da liderança de Lula e do projeto político que foi desenvolvido durante os seus governos e nos de Dilma. Segundo Singer (2012), o lulismo representou um movimento de adesão do subproletariado, composto pelos setores mais desfavorecidos da sociedade, historicamente excluídos das políticas públicas e do mercado formal de trabalho, que através das políticas redistributivas do Estado passaram a ter acesso a renda, bens de consumo e possibilidades de acesso à educação, inclusive com o horizonte do ensino superior para os seus filhos. Conforme o autor, estes segmentos interpretavam a melhoria das condições de vida da população de baixíssima renda à intervenção de uma liderança popular pela via do Estado, numa relação direta entre as massas empobrecidas e o poder de Lula. Mas com as características de uma liderança que não buscava a adesão popular pelas vias da mobilização e da politização, o que o caracterizaria como um lulismo despolitizante. Processo que, segundo Francisco de Oliveira (2018), resultou no sequestro dos movi-

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mentos sociais e das organizações da sociedade civil por parte do lulismo, o que se expressou da seguinte maneira: Lula nomeou como ministros do Trabalho ex-sindicalistas influentes na Central Única dos Trabalhadores (CUT). Outros sindicalistas estão à frente dos poderosos fundos de pensão das estatais. Os movimentos sociais praticamente desapareceram da agenda política. Mesmo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se viu manietado pela forte dependência em relação ao governo, que financia o assentamento das famílias no programa da reforma agrária (Oliveira, 2018, p. 119-120).

Contudo, tal modelo de conformação dos movimentos sociais sofreu uma ruptura significativa com as mobilizações que ocorreram em junho de 2013. Segundo Ouriques (2016), as Jornadas de Junho representaram um ponto de inflexão na vida política nacional, o Movimento pelo Passe Livre (MPL), que conseguiu barrar o aumento da passagem do transporte coletivo em centros urbanos importantes do país, com destaque especial para São Paulo, epicentro do movimento, teve um impacto muito maior do que a luta pela pauta da tarifa do transporte público, questão extremamente relevante para a classe trabalhadora brasileira que vive nas grandes cidades. Os protestos de junho revelaram a incapacidade do sistema político em lidar com manifestações de massa após muitos anos de paralisia dos movimentos sociais. Junho de 2013 criou um marco nas lutas sociais no país e influenciou diretamente o movimento de ocupação, e que serviu como uma referência para a participação política:

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Aí com alguns processos ali de 2013, com algumas manifestações que aconteceram do Passe Livre, ah era muito comentado dentro da Universidade aquilo, todo mundo conversava toda hora, daí então o pessoal dizia “vai ter manifestação hoje, vamos?”, “será que vai?”, “vamos lá ver”, “vamos apoiar” e tal, e aí todo mundo queria participar e tinha alguma coisa para reclamar, não era mais sobre o direito ao passe livre e aí foi quando eu vi as maiores manifestações, foram as de 2013 né, teve no país todo, parece que era um clima assim então era hora de ir pra rua né, e aí depois tiveram outros desdobramentos e tudo mais e aí comecei a me interessar muito mais por política, comecei a tentar pelo menos ouvir um pouco mais e tentar entender um pouco mais né, porque até então eu não gostava que era a ideia de que baita negócio chato né, ficar vendo e ficar tentando entender com palavras difíceis e tal esse processo (José, Campus Araranguá).

Como afirma Iasi (2013), a estratégia e as relações estabelecidas com os movimentos sociais durante os anos dos governos petistas, ao mesmo tempo que desarmaram a classe trabalhadora em sua capacidade de mobilização e pressão, produziram, na base da sociedade, a explosão de contradições. Quando as contradições explodiram na fusão propiciada pelo rompimento do campo prático inerte, elas se expressaram numa multifacetada manifestação de elementos de bom senso contra a ordem ao lado de representações de conteúdos conservadores e mesmo preocupantes do senso comum – como o nacionalismo exacerbado, o antipartidarismo, a retomada da extrema direita (Iasi, 2013, p. 46).

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A explosão social de junho de 2013, segundo Valério Arcary (2022), teve um caráter espontâneo e sem direção clara, mas não se reduziu a uma mobilização de cunho reacionário e conservador, tendo trazido inovações nas lutas sociais no Brasil, que continha germes que permitem compreender o processo posterior das ocupações de escolas: As mobilizações de junho de 2013 foram, essencialmente, acéfalas. Foram, politicamente, caóticas, ambíguas, confusas. Mas tentar desqualificar o seu significado com a caracterização de que seriam somente a expressão do mal-estar das classes médias urbanas mais escolarizadas e hostis ao PT, ou seja, reacionárias, demonstrou-se insustentável (Arcary, 2022, s.p.).

A partir de junho de 2013, digladiaram-se de forma explícita na base da sociedade projetos de novas formas de sociabilidade e de formas conservadoras apresentadas em nova roupagem. O movimento dos/as ocupas refletiu a primeira corrente, como uma flor tentando romper o asfalto.

O GOLPE E A ONDA CONSERVADORA Com a onda conservadora que avançou no país após 2015 e que desencadeou no processo de impeachment de Dilma Rousseff da Presidência da República, a conjuntura política nacional ganhou uma nova configuração. Depois de 13 anos de governos petistas, o governo ilegítimo de Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), assumiu o posto máximo do poder executivo e passou a implemen-

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tar uma agenda de contrarreformas que atacaram direitos sociais e trabalhistas. A ruptura com as políticas de conciliação de classes estabelecidas durante o ciclo petista no governo federal permitiu a implementação de uma agenda assentada em torno das diretrizes do programa “Ponte para o Futuro”, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, ligada ao MDB. O velho bloco de direita tradicional (que não estava totalmente fora do poder no período petista) retomou o governo, agora sem a necessidade de um intermediário que cumprisse o papel de bombeiro da luta de classes. A ascensão de diferentes setores da direita brasileira ocorreu em torno de pautas como a guerra cultural, a perseguição à esquerda e ao comunismo, o combate à violência nos centros urbanos e nas áreas rurais a partir do incremento do punitivismo penal e do armamento da população civil, a defesa da família numa perspectiva cristã-conservadora e o discurso antissistema e antipetista articulado pela extrema direita. Ao conservadorismo, associou-se a agenda de reformas e pautas neoliberais na economia, conduzida pelo bloco no poder5, reconfigurado após o golpe jurídico-parlamentar e midiático que destituiu Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República em maio de 2016. 5 Utilizo o conceito de bloco no poder desenvolvido por Nikos Poulantzas, que o define como “[...] a unidade contraditória particular das classes ou frações de classe politicamente dominantes, em sua relação com uma forma particular do Estado capitalista. O bloco no poder refere-se à periodização da formação capitalista em estádios típicos. Recobre a configuração concreta da unidade dessas classes ou frações nos estádios caracterizados por um modo específico de articulação e por um ritmo próprio de escansão do conjunto das instâncias” (Poulantzas, 1984, p. 123). 32


Após o golpe, a saída apresentada pelo governo Temer para a superação da crise econômica visava atender as demandas do capital, rearranjando, a partir de um conjunto de contrarreformas, a capacidade de extração de mais-valia e ampliação das taxas gerais de lucro, lançando mais ataques contra à classe trabalhadora. O processo de exploração do trabalho, a retirada de direitos, intensificando a precarização do trabalho, ampliando e aprofundando as políticas de austeridade e ajuste fiscal, orientaram a agenda das contrarreformas. A burguesia, na sua sanha pela retomada dos seus lucros, não estava mais disposta a conceder ou terceirizar o governo federal. Ainda nesse afã da retomada do controle total das políticas econômicas de aprofundamento da exploração do trabalho, as classes dominantes alimentaram movimentos neofascistas e conservadores, como forma de pressionar e intimidar os movimentos sociais progressistas, atingir as minorias sociais e reduzir as políticas de distribuição de renda. No campo da educação, o núcleo empresarial que apoiou o golpe concentrava-se em entidades como o “Todos pela Educação” e o “Movimento Escola Sem Partido”. Grupos que, segundo Frigotto (2016), pautavam-se pela permanência de uma ordem social injusta, desigual e excludente, procurando manter os lucros de uma minoria, sustentada na manipulação ideológica de amplos setores da população pela pedagogia do medo e da violência. Outra expressão desse movimento reacionário na educação foi o Movimento Brasil Livre (MBL), criado em novembro de 2014, com pautas liberais conservadoras, ligados a uma rede global de think tanks que difundem o liberalismo econômico.

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O MBL teve um papel protagonista nas ações de rua a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016, e durante o governo Temer sustentaram a agenda de reformas neoliberais, utilizando de ferramentas digitais, como o YouTube, para intimidar a resistência ao golpe, principalmente o movimento dos/ as estudantes secundaristas que ocuparam escolas em 2016. No caso das ocupações do IFSC, os/as ocupas enfrentaram os ataques da mídia e do MBL, que procuravam desestabilizá-los e deslegitimá-los perante a opinião pública. Teve, a mídia ali da nossa cidade é muito conservadora, não só a mídia, mas as pessoas, a política. Então, a principal rede de televisão da cidade ela teve uma influência bem grande nessa participação contra a nossa ocupação. Eles faziam várias imagens bem tendenciosas além disso, ainda teve outros movimentos, MBL, não sei se eu posso citar aqui, mas o MBL teve muita participação contra o movimento, fazendo vídeos tendenciosos de coisas que não aconteciam, fora da realidade, sabe? Faziam o vídeo e colocavam a postagem com a descrição do que tava acontecendo naquele vídeo e que não tinha nada a ver. Tipo eu faço um vídeo de uma pessoa comendo pipoca e digo que ela tá jogando lixo na rua, era mais ou menos isso que acontecia, mas era isso os movimentos contra, MBL, a mídia da própria cidade, pessoas que eram da própria cidade (Luís Carlos, Campus Chapecó).

A influência do MBL e do aumento da inserção da direita no movimento estudantil já era uma realidade no IFSC quando ocorreram as ocupações, segundo um relato de estudante do Campus Florianópolis sobre o Grêmio Estudantil:

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Então, eu acho que aqui no IFSC, aqui na Mauro Ramos, em Florianópolis, vai ter uma particularidade muito grande porque eu acho que de todas as respostas que vocês poderiam receber em outros campus seria que ajudou ou não, né? Mas a verdade que aqui em Florianópolis o grêmio estudantil ele atrapalhou, mas é que tem um motivo, a última gestão que tinha sido eleita como eu comentei antes, era uma gestão da própria direita, né? Tinham jovens ligados ao Movimento Brasil Livre e tinham assumido o grêmio depois de um histórico de grêmios de esquerda aqui no IFSC. É um grêmio que tem um movimento estudantil muito ativo e uma polarização muito grande, mas é claro, uma coisa é entender a diretoria de uma entidade e outra coisa é entender a entidade como um todo, porque a entidade como um todo são todos os estudantes. Então eu digo que o grêmio atrapalhou, mas é em um sentido de que a diretoria do grêmio fez de tudo para que a ocupação não continuasse, inclusive organizou manifestações contra a ocupação, no dia que a gente paralisou as aulas, eles fizeram manifestação, depois fizeram outra. Tentaram boicotar o movimento (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

O processo de impeachment, conduzido de forma artificial e apoiado por segmentos da burguesia industrial, pelos conglomerados midiáticos e com o consentimento do capital financeiro, foi uma forma encontrada pela classe dominante de constituir um rearranjo institucional que permitisse que as reformas necessárias para sua tentativa de retomada das taxas de lucro fosse acelerada, numa concertação política pelo alto, que tinha como horizonte o desmonte e violentos ataques contra a classe trabalhadora. O governo Temer aplicou uma série de medidas antipopulares como privatizar, precarizar o serviço público, criminalizar os movimen-

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tos e as lutas sociais, implementar uma política de arrocho e de perda de direitos. Mas não sem encontrar resistência: Eu comecei a ficar bastante empolgada. Já tava vendo várias escolas sendo novamente ocupadas eu utilizava bastante as redes sociais, o Facebook, então eu ficava sabendo. Eu seguia várias páginas de educação desde a época dos grupos de 2015 eu já seguia as páginas, então começou essas ocupações quando teve o golpe, esse golpe foi tanto motivador para eu me desligar do curso quanto para eu abraçar a luta de novo. Um monte de gente parada vendo o país indo por água abaixo, que uma das primeiras coisas que aconteceu, eu tinha perdido a minha bolsa de assistência estudantil, isso foi problema interno acho do IFSC, daquele ano de 2016 que tiveram alguns problemas na finança do Instituto Federal, mas coincidiu justamente no ano do golpe no ano em que a gente já estava com a verba reduzida eu comecei a ouvir falar de outras ocupações (Bianca, Campus São José).

As lutas sociais desenvolvidas no Brasil, durante a década de 2010, construíram novas e dinâmicas formas de enfrentamento contra o capital, diante de uma conjuntura muito adversa para a classe trabalhadora, juventude e os movimentos populares, na qual a agenda antipovo se intensificou e se aprofundou, principalmente após a ascensão do governo ilegítimo de Temer. O que veio acompanhado de movimentações e a crescente influência de grupos de extrema direita no Brasil. Desde 2015, quando das primeiras grandes mobilizações de massa capitaneadas por setores liberais e conservadores contra o Governo Dilma, a ofensiva da direita colocou os setores progressistas da sociedade numa posição defensiva. O movimento

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de massas que sustentou socialmente o golpe de Estado de 2016 trouxe o avanço de grupos fascistas, que até então pareciam enfraquecidos e desmobilizados no cenário político brasileiro. O ódio e a violência da extrema direita foram enfrentados pelos/as ocupas nos campi: Então até algumas entidades, o MBL por exemplo, foram entidades que faziam parte do MBL que entraram em São José por exemplo, que bateram de frente com os estudantes, quebraram muro, e aí teve até algum confronto estudantes, acabaram com os estudantes não querendo entrar em confronto com o pessoal né, mas a parte eu acho que de represália foi a única que se sentiu assim e as demais entidades só vieram para apoiar (José, Campus Araranguá).

Pautas como a intervenção militar, a defesa da Ditadura militar-empresarial, o projeto escola sem partido, o discurso de ódio contra LGBTQIAPN+, Negros, Mulheres e Indígenas, o anticomunismo, os ataques aos direitos sociais, a crescente criminalização dos movimentos sociais e da esquerda em seu conjunto, são algumas das bandeiras levantadas pela extrema direita. Mas que não intimidaram os/as ocupas que através da de uma forte articulação e participação estudantil, combateram os discursos de ódio, contando com um forte protagonismo de estudantes que faziam parte de minorias sociais. As ocupações também enfrentaram um contexto muito adverso de despolitização, descrença nos partidos políticos e nas instituições, radicalização da classe média, no qual o avanço de pautas ligadas à segurança pública, aos cortes sociais e a política de arrocho fiscal criaram as condições para um senso comum conservador. As ruas passaram a conviver com crescente ameaça de grupos

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neofascistas que intensificaram os ataques contra a esquerda, as minorias e os movimentos sociais. O cenário pós-golpe era muito adverso para a classe trabalhadora e a juventude brasileira, o que só engrandece a coragem e o papel dos/as estudantes que ousaram lutar e participar do processo de ocupação de escolas.

NEOLIBERALISMO, AUSTERIDADE E CONTRARREFORMAS O golpe de 2016 abriu uma clivagem que implodiu os pactos e equilíbrios institucionais que mantiveram certa estabilidade política por quase trinta anos. Foram esgarçados os marcos originados no processo de transição da ditadura militar para uma democracia liberal com ares de reforma social, firmados na Constituição Federal de 1988. A “tempestade perfeita” que ocorreu no país em meados da década de 2010, combinando as crises econômica, institucional e política, criou as condições para a desestabilização do sistema político, possibilitando a emergência da extrema direita como ator central na política brasileira, que resultou posteriormente na vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Com o fim das políticas conciliatórias dos governos petistas e a ascensão de um bloco conservador-liberal ao poder, ocorreu a implementação de uma série de contrarreformas que aprofundaram o programa de austeridade. A agenda de ajuste fiscal, que havia iniciado durante o segundo mandato de Dilma, como uma resposta à crise econômica,

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avançou ainda mais durante o governo ilegítimo de Temer. A austeridade representa uma imposição de políticas governamentais que visam atender os interesses econômicos dos setores ligados ao capital financeiro e às elites econômicas em detrimento dos direitos sociais das grandes massas da população. Segundo Blyth: Austeridade é uma forma de deflação voluntária em que a economia se ajusta através da redução de salários, preços e despesa pública para restabelecer a competitividade, que (supostamente) se consegue melhor cortando o orçamento do Estado, as dívidas e os déficits. Fazê-lo, acham seus defensores, inspirará a “confiança empresarial” uma vez que o governo não estará “esvaziando” o mercado de investimento ao sugar todo o capital disponível através da emissão de dívida, nem aumentando a já “demasiada grande” dívida da nação (Blyth, 2020, p. 26).

A austeridade beneficia as elites capitalistas através de três grandes fatores: a) gera recessão e desemprego, o que reduz pressões por aumento salarial e acarreta o aumento das margens de lucros; b) corta gastos e reduz as obrigações sociais, o que permite a redução da carga tributária sobre as empresas e c) precariza e desmonta o serviço público, o que aumenta a mercantilização de setores como a educação e a saúde, ampliando os espaços de atuação da iniciativa privada (Rossi, 2020). A luta contra a austeridade foi um dos principais motivos da organização das ocupações pelo movimento estudantil, que foi profundamente afetado pelos cortes orçamentários na educação e nas áreas sociais. É na luta antiausteridade que podemos identificar o que mobilizou os/as estudantes a radicalizarem suas ações com as ocupações:

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É que assim, a ocupação no campus ela se deu de uma forma bem espontânea na verdade. Como eu disse, eu fazia parte do grêmio estudantil e quando surgiram as mobilizações ainda pro corte do recurso que era o PAEVS na época, já surgiu um movimento de resistência, sabe, não só aqui em São Miguel mas acho que foi, não sei se chegou a atingir o campus de vocês aí, os alunos ficaram sem o auxílio, e eu também, eu era do grêmio e também fiquei sem o auxílio. E aí começou, surgiu o movimento, assim, porque tinham muitos alunos que iam desistir por não receber a verba, o auxílio né. Logo depois surgiu as mobilizações contra as emendas, enfim, que tavam, que iriam ser, que estavam sendo colocadas a votação (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

Na educação, os impactos foram sentidos de forma imediata. Com o projeto do teto de gastos, limitando os investimentos sociais por 20 anos, a redução dos investimentos públicos na área projetavam a impossibilidade de alcance das metas propostas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para o período. A reforma do ensino médio e a criação da BNCC foram prioridades nos primeiros meses do governo Temer. Iniciada com a Medida Provisória 746, em setembro de 2016, a proposta de mudança no ensino médio tramitou em caráter de urgência no Congresso Nacional e resultou na Lei 13.415/17, sancionada em fevereiro de 2017. Durante a tramitação do projeto, não houve abertura de espaços democráticos que possibilitassem a participação de setores ligados à educação, como sindicatos, universidades, entidades estudantis e associações representando a comunidade escolar. A luta contra o NEM foi um fator mobilizador para os/as estudantes do IFSC realizarem as ocupações:

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Então, é que a gente tava naquela conjuntura, tava tendo bastante manifestações. O governo tava tirando tudo o que a gente tinha enfim, de mínimo em relação a legislação social, em relação ao direitos trabalhadores. E quando a gente começou a ver aquelas manifestações em Curitiba e vendo mais de mil ocupações ali no Brasil a gente começou a ficar muito de olho no que que isso ia dar aqui. A gente começava a acompanhar muito pela internet né? (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

As ocupações estudantis, que sacudiram o país entre setembro e dezembro de 2016, foram um grito de rebeldia contra os desmandos e as imposições de uma reforma que não atendia às reais demandas dos/as estudantes e da educação pública brasileira. Para compreender melhor a reforma do ensino médio é preciso retomar os debates iniciados em 2013, incentivados por setores empresariais da educação, que se aglutinaram em torno do “Movimento pela Base”. Esse movimento agregou uma rede de fundações e pesquisadores ligados à educação privada, que tem no seu conselho deliberativo os seguintes membros: Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú: educação e trabalho, Fundação Lemann, Fundação Telefônica Vivo e Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Tais organizações, mantidas por diferentes corporações capitalistas, com destaque do setor financeiro, pautaram a reforma do ensino médio como possibilidade de um grande e próspero negócio. Afinal de contas, trata-se de uma etapa de ensino que atualmente conta com 7,9 milhões de alunos matriculados, predominantemente na rede pública, representando 87,8% do total de estudantes que frequentam o ensino médio em todo o país. Na

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visão empresarial, um nicho de mercado a ser explorado (INEP/ Censo escolar, 2023). Em 2013, foi criada no Congresso Nacional a Comissão Especial destinada a promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio (Ceensi), uma iniciativa do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). Os debates da Ceensi resultaram no Projeto de Lei 6.840/2013, que já apresentava em suas concepções uma orientação de formação pragmática dos/as estudantes, subordinada ao mercado de trabalho: No requerimento de criação da Comissão, seu autor alega que o ensino médio não corresponde às expectativas dos jovens, especialmente à sua inserção na vida profissional, e vem apresentando resultados que não correspondem ao crescimento social e econômico do País. Desde aqui já é possível notar a argumentação de caráter pragmático com base no desempenho nos exames em larga escala e na propalada necessidade de aproximação entre ensino médio e mercado de trabalho (Silva; Scheibe, 2017, p. 24-25).

Em 2014, o PNE definiu pela criação da BNCC, estratégica para que os objetivos presentes no plano fossem alcançados. No mesmo ano, Dilma, então candidata à reeleição, durante a campanha presidencial sinalizou para a necessidade de uma reforma no ensino médio, anunciando o que estava por vir: O jovem do Ensino Médio, ele não pode ficar com doze matérias, incluindo nas doze matérias Filosofia e Sociologia. Tenho nada contra Filosofia e Sociologia, mas um currículo com doze matérias não atrai o jovem. Então, nós temos que primeiro ter uma reforma nos currículos dentre as mudanças (Dilma, 2014, s.p.).

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Com o golpe de maio de 2016, Dilma não pode cumprir o que havia prometido. Coube a Temer intensificar e acelerar a agenda de reformas, incluindo o ensino médio. A reforma avançou rapidamente, de forma autoritária e sem debates. Articulado às reformas trabalhista e da previdência (que foi proposta no governo Temer, mas só foi aprovada no governo Bolsonaro), o NEM fez parte de um grande projeto dos setores empresariais no sentido de avançar na sua proposta de flexibilizar, desregulamentar e precarizar ainda mais a educação pública e o mundo do trabalho no país. A reforma consistiu em um grande retrocesso na formação dos/as jovens estudantes brasileiros/as: A reforma de ensino médio proposta pelo bloco de poder que tomou o Estado brasileiro por um processo golpista, jurídico, parlamentar e midiático, liquida a dura conquista do ensino médio como educação básica universal para a grande maioria de jovens e adultos, cerca de 85% dos que frequentam a escola pública. Uma agressão frontal à constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes da Educação Nacional que garantem a universalidade do ensino médio como etapa final de educação básica (Frigotto, 2016, p. 329).

A agenda empresarial na educação aliou-se à onda conservadora, que tinha como principal expoente no campo da educação o Projeto “Escola Sem Partido”, que visava censurar o debate e o pensamento crítico nas escolas, criminalizando e perseguindo os/ as educadores/as. Contra o avanço autoritário, as ocupações responderam com mais debates, mais democracia e mais politização: Como eu falei, tinha atividades integradoras, que seria oficinas de diversas coisas, mas sempre tinha todo dia um debate,

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uma discussão, se a gente não achava alguém de fora para vir debater, alguma pessoa com mais propriedade, a gente fazia entre os próprios estudantes, professores do campus, sempre nos apoiaram. Enfim, pessoas de movimentos sociais etc. (Luís Carlos, Campus Chapecó).

A Reforma do Ensino Médio e a BNCC, combinadas, modificaram profundamente a estrutura curricular do ensino médio. O então Ministro da Educação, Mendonça Filho, declarou que a reforma consistia numa mudança estrutural e a mais relevante dessa etapa de ensino desde a sanção da LDBEN, em 1996. Segundo Mendonça Filho (2017), a reforma traria flexibilidade para o currículo, tornando o ensino médio mais interessante para a juventude brasileira. Ele afirmava que o NEM possibilitaria o ingresso mais rápido ao mercado de trabalho, já que um dos itinerários formativos tinha como opção os cursos técnicos profissionalizantes. Em sua visão, o NEM ampliaria essa oferta, contemplando a demanda por formação profissional no país, já que, no Brasil, apenas 8% dos jovens estudavam em cursos profissionalizantes, enquanto na Europa o número chegava a 40%. A reforma estabeleceu que o currículo fosse organizado com uma carga horária composta em 60% pela BNCC e 40% destinada a um dos seguintes itinerários formativos: a) Linguagem e suas Tecnologias; b) Matemática e suas Tecnologias; c) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; d) Ciências Humanas e Sociais aplicadas e e) Formação Técnica e Profissional, além da possibilidade de um “itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular – BNCC e dos itinerários formativos” (Brasil, 2017, Artigo 36).

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O NEM possibilita que o/a estudante “escolha” um dos itinerários durante o curso do ensino médio, mas essa decisão não ocorre livremente, pois depende do que o sistema de ensino oferta em cada cidade. O que implica em desigualdades entre os/as estudantes, tendo em vista que, em cidades pequenas ou médias, as ofertas são limitadas, o que acaba por cercear as possibilidades de milhões de jovens. O projeto de reforma do ensino médio enfrentou uma dura resistência, pois, no ano de 2016, o Brasil vivenciou o segundo maior processo de ocupações de escolas registrado mundialmente (Medeiros; Januário; Melo, 2019). Os/as ocupas não conseguiram barrar a reforma do ensino médio, mas abriram um novo ciclo de lutas no movimento estudantil brasileiro: [...] eu acho que a ocupação, ela levantou debates pra além da questão científica ou acadêmica, pra uma questão discussão política mais ampla, sobre associar isso tudo que a gente estuda com a nossa federal, então eu acho que foi muito importante pra mim (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

O processo de politização dos/as estudantes na luta contra a agenda golpista fez das escolas o principal centro de lutas sociais no país no ano de 2016. Os/as jovens estudantes resistiram ao autoritarismo e ao neoliberalismo, articulando os problemas mais imediatos do cotidiano escolar aos grandes temas nacionais. Deram uma verdadeira aula de resistência e organização.

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A PRIMA VE RA SE CUN DA R I S T A

Ninguém tira o trono do estudar Ninguém é o dono do que a vida dá E nem me colocando numa jaula porque sala de aula Essa jaula vai virar Dani Black

AS OCUPAÇÕES ENTRE O GLOBAL E O LOCAL O movimento social, tal como o conhecemos hoje, é uma expressão da modernidade. Teve origem na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, no final do século XVIII, fruto da exigência por direitos e reconhecimento social, de segmentos da população que não eram contemplados no processo de participação política, no contexto da emergência da sociedade capitalista industrial e do Estado Nação (Jasper, 2016). Os movimentos sociais podem ser definidos em sua concepção mais ampla como: [...] ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia,

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passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.), até pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, e utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação como a internet (Gohn, 2015, p. 13).

É através da ação coletiva que surgem novas formas de organização, a incorporação de novos atores sociais e de novas pautas no debate político mais amplo, produzindo inovações nas formas de associativismo, o que, segundo Gohn (2015), reflete uma ampliação do leque de atores sociopolíticos, que passam a atuar coletivamente, esgarçando os campos e eixos temáticos de ação coletiva na atualidade. Os movimentos sociais na conjuntura histórica caracterizam-se por mudanças qualitativas em sua forma de organização e atuação. Tomando a contribuição de Gohn (2019), os novíssimos movimentos sociais traduzem a forma de ação coletiva do século XXI, que se baseia no uso das novas tecnologias para a comunicação e mobilização; na horizontalidade do processo de decisão, sem a figura proeminente de lideranças ou de direção bem definida; na autonomia com relação a partidos políticos e ao Estado e na pluralidade em sua composição e formação social. Características que apareceram no processo de ocupação no IFSC: Então, depois que essa assembleia estudantil aprovou a ocupação, meio que a gente teve uma autonomia organizativa. E a gente definiu o principal espaço de deliberação, de reunião que tinha era uma das assembleias diárias, elas aconteciam a

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noite, elas sempre foram abertas assim, é claro que a gente fazia ela a noite porque tinha algumas coisas que tinha que discutir que era foda que todo mundo ouvisse assim, por exemplo, o dia que a gente paralisou as aulas, não tinha como a gente divulgar pra meio mundo um dia antes porque a gente podia acordar de manhã com a polícia na nossa porta, então a gente teve que fazer algumas táticas assim, mas o nosso objetivo nunca foi excluir ninguém do debate (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Os movimentos sociais no século XXI apresentam diferenças importantes em relação aos movimentos sociais clássicos, organizados a partir das lutas sindicais e da classe trabalhadora, com uma estrutura organizacional mais verticalizada, e aos novos movimentos sociais, cujas pautas identitárias são o foco de mobilização e ação coletiva, na luta por reconhecimento das identidades coletivas (Touraine, 2011). Após a crise econômica internacional de 2008/09, houve uma profusão de movimentos de protestos e de contestação à ordem política, econômica e social em diversas partes do globo. Nas palavras de Safatle (2022), o século XXI está sendo marcado por insurreições descentralizadas, que não obedecem a uma linha de comando, ocorrem a partir de lutas amplas, que articulam pautas diversas, indo desde a descolonização dos corpos até a oposição às formas de exploração e espoliação do trabalho. Para o autor, o século XXI “começou” em 2010 na periferia global, a partir das lutas encampadas durante a Primavera Árabe. Teve seu início na ação dramática de Mohamed Bouazizi, um trabalhador informal, que, ao ver seu pedido de devolução de seu carrinho de fruta negado pelos agentes de segurança da Tunísia,

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ateou fogo ao próprio corpo, sendo o estopim de protestos que depois se expandiram para a maioria dos países árabes do Norte da África e do Oriente Médio. A conjuntura de crise do capital na segunda década do século XXI fez explodir uma série de insurreições mundo afora. Ainda que haja elementos de guerra híbrida, como a insurreição EuroMaidan, na Ucrânia, modelo mais bem elaborado da ação impulsionada por interesses geopolíticos do imperialismo estadunidense, muitas das insurreições e revoltas tinham motivações que surgiam do descontentamento popular, de setores da classe trabalhadora e da juventude. A primavera árabe, o occupy Wall Street, os indignados da Espanha, as revoltas da praça Taksim na Turquia, manifestações contra a austeridade em diversos países da Europa e as jornadas de junho de 2013 no Brasil recolocaram no cenário as mobilizações, os protestos e os movimentos sociais. Segundo Jasper (2016, p. 13), “os movimentos sociais são a forma que o protesto assume com maior frequência no mundo de hoje”. Eles se desenvolvem globalmente e carregavam algumas características em comum: [...] insurreições múltiplas, que ocorrem ao mesmo tempo, recusam centralismo e articulavam, na mesma série, mulheres egípcias que se afirmavam com os seios à mostra nas redes sociais e greves gerais. A maioria dessas insurreições irá se debater com as dificuldades de movimentos que levantam contra si as reações mais brutais e deparam-se com a organização dos setores mais arcaicos da sociedade na tentativa de preservar o poder tal como ele sempre foi (Safatle, 2022, p. 8).

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É nesse amplo processo internacional que podemos situar as ocupações estudantis no Brasil. Que conseguiram, através das pautas específicas do movimento, como o exemplo dos/as ocupas do IFSC, criar espaços muito mais amplos do que eles poderiam imaginar. Teve muito o apoio dos sindicatos, da própria comunidade, comunidade acadêmica do IFSC campus Chapecó. E dos sindicatos também teve muita parceria, sindicatos dos bancários, outros sindicatos, a associação de mulheres camponesas. Teve muito auxílio, mas não foi o que nos sustentaram, a maior parceria nossa era com a comunidade acadêmica, os professores nossos, com a comunidade geral ali perto, com os amigos dos ocupandos. Era assim que gente sobrevivia, mas ninguém financiava nada (Luís Carlos, Campus Chapecó).

O que aproxima as ocupações da definição sobre os novíssimos movimentos sociais e do conceito de atuação em rede, elaborado por Manuel Castells: Esses movimentos sociais em rede são novos tipos de movimentos democráticos, movimentos que estão reconstruindo a esfera pública no espaço de autonomia constituído em torno da interação entre localidades e redes da internet, fazendo experiências com as tomadas de decisão com base em assembleias e reconstituindo a confiança como alicerce da interação humana (Castells, 2013, p. 31).

Concepções que estavam presentes no movimento dos/as ocupas, que tinham como um de seus princípios a decisão coletiva e a democracia participativa direta no processo de discussões e tomada de decisões:

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Tudo que a gente fez foi sempre a partir de uma assembleia estudantil que legitimou o movimento, não foi uma ocupação que pegou e se impôs, ela foi convocada e foi deliberada pelos estudantes (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Os/as estudantes aprofundaram a participação democrática, subvertendo a lógica vertical e antidemocrática que muitas vezes é adotada no seio das instituições de educação: Se tinha que ser tomada uma decisão era feita uma assembleia e chamado todos os estudantes, a gente divulgava nas redes sociais, a gente passava em sala comunicando e era assim que era tomadas as decisões. Nada em sem a participação de todos os estudantes. E o voto sempre pela maioria (Luís Carlos, Campus Chapecó).

As ocupações podem ser analisadas a partir das novas configurações de ação coletiva ao refletir as lutas sociais no âmbito da educação, em especial o movimento estudantil, ao mesmo tempo em que se articulou a uma vasta história de lutas e mobilizações em torno da educação pública no país, elaborando criativamente novas formas de luta e de organização. Mas quem de fato, pelo menos ali no IFSC, eu posso dizer isso com bastante garantia, quem articulou tudo foram militantes de base, independentes, não tinha nem organizado nada, organização, né? Da organização, do planejamento anterior, sem partir de um movimento, nada. Eu acho que isso pode dizer que tiveram um monte de organizações, partidos que apoiaram, muito fortemente assim as ocupações. Eu destaco a organização que eu participava, a Juventude Comunista Avançando também teve um papel importante nesse momento, mas eu acho que principalmente foi esse apoio assim porque no sen-

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tido de fazer a frente eu diria que foi muito mais dos próprios estudantes vendo a importância daquele momento, vendo o significado que aquilo a nível nacional tinha, e a importância que a gente tinha no nosso local de estudo. Isso deu a maior força, né? (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Segundo Marini (1970), a participação dos/as estudantes nas lutas sociais é um fenômeno histórico na América Latina, que apresenta, entre outras características, uma capacidade de mobilização de massa e uma crescente consciência ideológica, que remetem ao papel dos/as estudantes no processo de luta de classes mais amplo, assumindo um papel importante na correlação de forças das lutas sociais em cada contexto nacional específico. Capacidade de luta e de articulação política demonstradas na fala do estudante do Campus Florianópolis: Então, eu acho que de articulação política, de fato, o que a gente mais avançou foi com as outras ocupações secundaristas, principalmente. E com as da UFSC. Foi ali que de, de fato, a gente tirou pessoas pra conversar, pra trocar uma ideia, pra pensar em ações conjuntas. Fora isso, teve uma solidariedade muito grande assim, de vários movimentos. O dia que a gente paralisou as aulas, a gente tinha uma ameaça grande já, da polícia, enfim, até de a direita tentar fazer alguma coisa contra a gente e aquele momento teve uma solidariedade muito grande, de todo movimento de esquerda da cidade, desde parlamentares, até pessoas do movimento sindical, pessoas do movimento estudantil, que estavam lá desde sete horas da manhã, pra dar uma força pra gente assim. Então, essa solidariedade existiu. A gente teve uma articulação com o próprio SINASEFE, no sentido de que, eles também foram muito solidários com a gente (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

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No Brasil, o movimento estudantil tem um longo histórico de mobilização e participação nas lutas gerais em defesa da educação, dos direitos sociais e na disputa por projetos societários. As primeiras formas de organização estudantis surgiram no final do século XIX, com a criação da Federação dos Estudantes Brasileiros em 1891. No início do século XX, em 1910, foi realizado o I Congresso Nacional dos Estudantes, em São Paulo. Outro marco importante no movimento estudantil brasileiro ocorreu em 1937, com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade que incorporou as pautas dos universitários. No ano de 1948, foi criada a União Nacional dos Estudantes Secundaristas (UNES), que teria o seu nome modificado no ano seguinte para União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), como é reconhecida até hoje. Mesmo sob forte questionamento dos movimentos de base em relação as suas capacidades de representar os interesses dos/as estudantes, tais entidades tiveram uma importante influência no processo de ocupação do IFSC, como foi o caso do Campus Chapecó: No Grêmio Estudantil do nosso campus, quem fazia parte também fazia parte da UMES, União Municipal dos Estudantes Secundaristas e que era também totalmente afiliada a UBES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Por exemplo, a presidente do grêmio estudantil era suplente, se não me engano ou fazia parte de algum cargo na UMES. Então, eu não digo que o movimento influenciou a nossa ocupação, mas sim que já estava ligado, já estava presente. O movimento que começou pela ocupação do IFSC campus Chapecó era o mesmo que estava na UMES, na UBES, ou seja, em todo o território nacional dessas entidades (Luís Carlos, Campus Chapecó).

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Portanto, organizações estudantis como a UNE, a UBES e a UMES, são fundamentais para compreender as características do movimento estudantil brasileiro, tanto na história quanto na atualidade. Sendo entidades verticalizadas, com forte aproximação a diferentes correntes político partidárias e com canais de negociação permanentes com o Estado, apresentam uma estrutura e forma de organização que se aproxima do modelo clássico de movimento social. Mesmo numa conjuntura marcada pela desconfiança com os movimentos sociais tradicionais os/as ocupas conseguiram estabelecer uma relação dinâmica com as entidades históricas do movimento estudantil, por um lado questionavam o modelo tradicional pela sua estrutura e modelo de organização mais burocratizado, e por outro estabeleceram uma articulação permanente com as diferentes “uniões dos estudantes”, o que demonstra a capacidade de articulação dos/as ocupas: Teve bastante influência, de estudantes não existia em Araranguá né, mas tinha o apoio da UNE nacional nas ocupações, pelo menos era o que a gente naquele momento tinha de informação né, porque a UNE apoiava tudo aquilo e depois a gente foi acabar descobrindo e conversando um pouco mais para entender a UNE, mas enfim dos estudantes era isso mesmo. E algumas outras entidades começaram a entender a manifestação e começaram a julgar que aquilo era importante e começaram a vir a dar apoio né, e aí vieram conversar com a gente, então vieram presidentes de outros sindicatos para conversar com a gente para perguntar como estávamos e se precisávamos de algo, aí também vieram pessoas de fora, até mesmo ex-vereadores vieram aqui se disponibilizaram com apoio jurídico, falaram “se precisar entender alguma coisa,

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se vier alguém aqui com polícia algo do tipo para vocês não ficarem à mercê sem saber o que fazer, a gente vai dar esse apoio se vocês precisarem”, então a gente recebeu um apoio, um apoio considerável que foi o que fez a gente conseguir ficar um pouco mais de tempo aqui né, apoio de professores também, que compactuavam, que acreditavam que aquela luta era importante (José, Campus Araranguá).

O movimento estudantil caracteriza-se por uma composição policlassista. Com a ampliação de vagas e de ofertas nas redes públicas de ensino, em especial de educação profissionalizante, a partir da criação e expansão dos IFs, em 2008, ampliou-se o alcance social de tais instituições, abrangendo setores historicamente excluídos com dificuldades em ingressar e permanecer em espaços de educação formal, como os/as estudantes oriundos da classe trabalhadora e dos setores populares. Como veremos adiante, os/as alunos/as em situação de vulnerabilidade social tiveram um grande protagonismo na construção das ocupações. Outro elemento marcante das ocupações estudantis, que as articula aos movimentos sociais do século XXI, foi o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). As juventudes tiveram suas formas de sociabilidade profundamente impactadas pelo uso da internet. Processo que ocorreu de forma heterogênea, tendo em vista as desigualdades sociais e regionais que dificultam o acesso às TICs a parcelas significativas da sociedade. No caso dos movimentos dos ocupas, o uso de ferramentas digitais foi um elemento importante na articulação e comunicação na disputa pela opinião pública. O que tem relação com o que Gohn (2019) define como o poder das redes, que vai além da mobilização, tendo desdobramentos no caráter da ação coletiva, alte-

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rando questões como a formação, articulação e mobilização dos movimentos sociais na atualidade. Então, a gente criou uma página no Facebook pra divulgar todas as nossas ações. Foi bem seguida essa página até a gente até não esperava o número. E em questão de WhatsApp, mais pra nossa organização. A nossa maior rede de divulgação era o Facebook, até por ser mais prático, e o WhatsApp era nossa organização interna mesmo, tanto na ocupação, quanto relacionado aos servidores que iam lá nos ajudar, Era mais, de certa forma, mais fácil de se comunicar, e se não tivesse, por exemplo, o Facebook ou a página, ninguém saberia nas nossas ações. Então ali colocava tudo o que a gente fazia diariamente ou durante a semana pra deixar assim, informação mais clara pros alunos e pra comunidade ali fora (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

O uso das TICs e das redes sociais também serviu como importante ferramenta de organização e articulação dos/as ocupas em Chapecó: Teve uma importância muito grande, a gente até percebeu assim o erro de algumas ocupações de não usar a mídia, as redes sociais ao seu favor. A gente tava todo dia, todo dia a gente produzia material e postava na página, inclusive até alguns vídeos que a gente impulsionou com o YouTube com arrecadação do nosso próprio dinheiro, pra levar pra mais gente, levar pra comunidade geral. O que deu muito certo, a gente investiu bastante em mídia, de fazer filmagens, fotos, enfim. O principal era o Facebook, pela nossa página do Facebook do grêmio estudantil (Luís Carlos, Campus Chapecó).


O movimento de ocupações expressou diversas características presentes nos movimentos sociais nas primeiras décadas do século. Articulou-se com as ações coletivas desenvolvidas globalmente, ao mesmo tempo em que esteve profundamente conectado com a realidade do movimento estudantil do país, implementando novas táticas e repertórios de ação, renovando as formas de luta, mas sem negar as entidades e construções históricas dos/as estudantes brasileiros/as.

OCUPAR E RESISTIR: AS DUAS ONDAS O ciclo das ocupações estudantis secundaristas que ocorreram no Brasil entre os anos de 2015 e 2016 não foram um “raio em céu azul”. Se insere em uma longa trajetória de lutas e mobilizações protagonizadas pelo movimento secundarista no país. Sem entrar numa longa imersão histórica, pode-se retomar a criação da UBES, em 25 de julho de 1948, como um marco das lutas pela escola pública, gratuita e de qualidade no nível médio. Estudantes que ao longo do século XX foram protagonistas nas lutas pelo “Petróleo é Nosso”, na década de 1950; na Frente de Mobilização Popular, no início dos anos 1960; na resistência contra a ditadura empresarial-militar (1964-1985) e pela redemocratização; no “Fora Collor”; nas lutas contra as privatizações nos anos 1990; nas revoltas contra o aumento das passagens, como as que ocorreram em Salvador (Revolta do Buzu – 2003) e Florianópolis (Revolta da Catraca – 2004 e 2005); além das mobilizações populares de junho de 2013.

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As ocupações também já faziam parte do repertório dos/as estudantes brasileiros/as, mas se expressavam principalmente no movimento estudantil ligado ao ensino superior. Ocupações de reitorias, de universidades e faculdades são usadas de forma recorrente nas mobilizações universitárias. Os Grêmios Estudantis também fazem parte do cotidiano das escolas públicas de ensino médio no país e são uma “porta de entrada” de muitos militantes, que iniciam seus primeiros passos de formação e organização política a partir das organizações secundaristas. A Lei do Grêmio Livre, de 1985, foi uma das principais conquistas do movimento secundarista no processo de redemocratização do país e segue sendo evocada como garantia de independência dos/as estudantes em relação a governos e as direções de escola. Ainda que haja uma narrativa que defenda a tese de “crise de representatividade”, verificamos na pesquisa que esses espaços, assim como os centros acadêmicos, tiveram um papel fundamental na articulação e organização dos/as ocupas. Sim, na verdade a ocupação, ela se deu início pelo próprio grêmio estudantil do IFSC campus Chapecó, na verdade a presidenta do grêmio deu a ideia e a gente foi se organizando até surgir a primeira assembleia. Além do grêmio estudantil eu participava também da Juventude Socialista. E bom, sempre participei em protestos de esquerda e no caso, depois que eu entrei no IFSC. Antes eu não tinha muito esse meio social aí (Luís Carlos, Campus Chapecó).

A primavera secundarista, que eclodiu em meados da década de 2010, também estava articulada às lutas do movimento estudantil internacional. Como apresentam Campos, Medeiros

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e Ribeiro (2016), a experiência da “Revolución Pingüina”6, que ocorreu em 2006 no Chile, foi uma referência para os/as ocupas brasileiros/as. Os/as estudantes chilenos haviam utilizado amplamente a tática da ocupação de escolas secundaristas numa mobilização que envolveu milhares de jovens, na luta por educação pública e de qualidade, no país que foi a grande referência na implementação das políticas neoliberais na América Latina. Influências internacionais e nacionais que se combinaram nas ocupações de escolas. Conforme Groppo (2018), podemos entender o ciclo das ocupações secundaristas a partir de duas ondas. A primeira teve seu início com as ocupações das escolas do estado de São Paulo, em novembro de 2015, e duraram até julho de 2016. Elas foram desdobramento das lutas contra o projeto do então governador Geraldo Alckmin (PSDB) de “reorganização escolar”, que, por trás de um discurso gerencialista e autoritário, previa o fechamento de 94 escolas públicas, que resultaria na transferência de 300 mil alunos. A resposta inicial foi um movimento que priorizou os protestos de rua entre setembro e novembro daquele ano e que deu o salto para o processo de ocupação de escolas a partir do dia 6 Os estudantes secundaristas chilenos são chamados de “pinguins” em referência ao uniforme escolar utilizado. No ano de 2006, eles protagonizaram uma mobilização massiva, que resultou em marchas, manifestações e ocupações de escolas que ocorreram por todo o país. O movimento ganhou adesão de pais e de outros movimentos sociais e abalou o governo da então presidenta Michelle Bachelet. A “Revolta dos Pinguins” reivindicava desde melhorias nas estruturas das escolas, passando pela exigência da gratuidade do exame vestibular e do transporte público, até uma mudança estrutural no sistema educacional chileno. O movimento foi documentado pelo cineasta Carlos Pronzatto, no filme “A revolta dos pinguins” de 2015.

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09 de novembro, tendo como marco a Escola Estadual Diadema, na região Metropolitana de São Paulo, primeira a ser ocupada. A partir dessa ação, mais de 200 escolas foram ocupadas no estado. O que se converteu em referência para estudantes de outras redes estaduais, que também passavam por processos de precarização e passaram a utilizar da mesma tática: Eu lembro que em 2015 já tinha começado a ter umas ocupações em São Paulo e eu fiquei muito fascinada com isso, tava querendo me desligar da licenciatura por motivos que eu tenho um pouco de preguiça do sistema acadêmico, de como funciona a educação no Brasil, tava sempre em conflito se eu queria abraçar essa luta ou não, e quando eu vi as manifestações estudantis eu falei “nossa, acho que existe uma luz” [...] energia nova nessa movida para mudar a educação no país. Fiz as malas e vim pra São Paulo na época de 2015 quando começaram essas primeiras ocupações, ainda era outra pauta, não eram as mesmas de 2016 (Bianca, Campus São José).

Como um rastilho de pólvora, o movimento expandiu-se pelo país, com ocupações ocorrendo em estados como Goiás, Mato Grosso, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A primeira onda teve como característica mobilizações centradas em escolas públicas estaduais que ofertavam Ensino Médio e tinham como pauta debates e pautas estadualizadas, ainda que o processo de precarização e de aprofundamento de políticas neoliberais na educação tivessem uma articulação nacional. A segunda onda, na qual se insere o movimento realizado no IFSC, teve duração mais curta, entre os meses de outubro e dezembro de 2016, mas com uma pauta nacional, que contribuiu para a sua unificação e nacionalização, perpassando as escolas

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públicas estaduais, abrangendo os institutos e universidades federais e chegando a repercutir em algumas instituições de ensino privado. O foco da segunda onda era o protesto contra a Reforma do Ensino Médio imposta pelo governo Temer, que entrou em vigor em 23 de setembro de 2016, via Medida Provisória, sem nenhum debate com os diferentes segmentos da educação, e contra o então projeto de Teto de Gastos, que propunha (como acabou por se concretizar) cortes substanciais no orçamento, por vinte anos, para as áreas sociais, incluindo a educação pública. Outro elemento importante de mobilização foi a resistência contra a ofensiva do Movimento Escola Sem Partido (MESP). As ocupações de escolas ocorreram em 22 estados, em todas as regiões do país. Além de terem impulsionado greves de trabalhadores/as da educação, que também se opuseram à agenda ultraliberal implementada pelo ilegítimo governo Temer. As ocupações alinharam-se a movimentos por direitos encabeçados por setores da juventude radicalizada dos grandes centros urbanos, que tinham como formas de organização a autogestão, a horizontalidade, uma certa recusa às formas tradicionais de organização e um sentimento apartidário. O que não se refletiu integralmente entre os/as estudantes que protagonizaram as ocupações no IFSC. Pois eles não negavam a política, buscando garantir a autonomia, ao mesmo tempo em que estabeleciam uma relação muito articulada com outros movimentos sociais e partidos políticos de esquerda, conforme as especificidades e características regionais.

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Então a gente estava muito com essa questão da autonomia mesmo. A partir do momento que você coloca uma bandeira, você já está levando pautas que não eram as pautas que a gente estava querendo carregar, que era uma coisa bastante específica, assim, então a gente não permitiu essa entrada, mas certamente que a gente trocou várias figurinhas, tivemos apoio assim, logístico né, de outras organizações estudantis e de outras ocupações também (Bianca, Campus São José).

Os movimentos sociais no Brasil foram incorporando e atualizando uma série de repertórios de luta no decorrer do século XXI. No que Tavares e Veloso (2019, p. 103) chamam de “emergência de uma nova realidade no confronto transgressivo brasileiro”, com táticas que passavam pela ocupação de prédios públicos, marchas ligadas a temas como a legalização da maconha e os direitos das mulheres, campanhas em redes sociais e aplicativos via internet, atuações culturais de caráter contestatório, através de intervenções nos espaços urbanos, pelo surgimento de diversos coletivos, que se sustentaram em práticas e conceitos horizontalistas e movimentistas. Esse acúmulo influenciou diretamente as ações coletivas que explodiram durante a década de 2010, que confrontavam e muitas vezes rejeitavam as formas tradicionais de organização, como os sindicatos e os partidos políticos. Conflitos que também ocorreram no contexto das ocupações, que criaram uma relação ambígua com movimentos e organizações “externas”, ao mesmo tempo que mantinham vínculos e possibilitavam a entrada de apoiadores, procuravam sua autonomia, com a centralidade nas decisões coletivas dos/as estudantes. Relações que estiveram presentes no processo de ocupação do IFSC.


As ocupações serviram como um espaço de produção de novas formas de sociabilidade e educação. Um laboratório político e pedagógico, que, ao subverter a dinâmica e disciplina escolar, deu vez e voz a grupos esquecidos, silenciados e reprimidos. No Brasil dos anos 2010, com a ascensão da pauta conservadora, alguns dos alvos dos grupos de extrema direita foram a população negra, os pobres, as mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+. Conforme aponta Moresco (2019), debates sobre sexo, gênero e sexualidade já era um tema ausente de muitos currículos escolares no Brasil. Mas com o avanço da campanha contra a “ideologia de gênero” pautada por grupos fundamentalistas religiosos, educadores e estudantes que procuravam tratar sobre temas relacionados à diversidade eram perseguidos por organizações como o MBL e o MESP. Foi nesse contexto que as mulheres e as pessoas LGBTQIAPN+ construíram seu protagonismo nas ocupações: Corpos que não importam para a tradicional sociedade que vive sustentada em seus pânicos morais sobre as questões de gênero e de sexualidade ocuparam o fronte do mais expressivo movimento estudantil da história do país: as ocupações secundaristas (Moresco, 2019, p. 271).

As mulheres tiveram um grande protagonismo, levando debates de gênero para dentro das ocupações, como uma das agendas centrais do debate estudantil. Numa conjuntura na qual o conservadorismo avançava sob a bandeira de combater a “ideologia de gênero” nas escolas, as ocupas posicionavam-se de forma contundente pelos direitos das mulheres. Mas eu acho que um aspecto que se sobressai aí é que tinha um protagonismo grande das mulheres aí, desde a organização. Eu acho que várias pessoas que foram centrais pra con-

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dução do ato eram mulheres, e várias delas se colocavam nos espaços e etc. Às vezes existia um medo muito grande de o pessoal falar, do pessoal se colocar, e às vezes me chutavam a bunda pra ir fazer as falas porque tinham medo assim, de algumas coisas, até porque eu era mais velho também, já era militante organizado meio que já tinha que ter essa responsa. Mas as mulheres, de fato, tiveram um papel muito importante no processo de ocupação, sim (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

O que também se expressou no protagonismo da comunidade LGBTQIAPN+ no movimento das ocupações, como expressa o relato abaixo: [...] tinha poucos heterossexuais assim, mas não gosto muito de falar porque a galera chama a gente de heterofóbica, então, né? Mas tinha uma galera bem bacana do LGBT assim, inclusive teve até umas oficinas e tal. Não que hétero não pudesse participar, mas essa galera aí por ser uma minoria talvez rolou uma empatia (Manuel, Campus Palhoça).

Estudantes excluídos dos debates e dos espaços institucionais levaram para dentro dos Campi questões relacionadas a temas como gênero, livre orientação sexual, antirracismo, antifascismo, anticapacitismo, contrapondo-se aos ataques do capitalismo neoliberal contra os/as trabalhadores/as e a educação pública. Uma série de pautas que se apresentavam urgentes para grupos sociais historicamente excluídos e que não eram totalmente contempladas dentro do IFSC. A proliferação de espaços de formação que levavam em consideração questões urgentes para o movimento estudantil expôs os limites de uma educação profissional que não atendia as demandas por uma educação integral.

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O QUE SÃO OS INSTITUTOS FEDER A I S ?

A escola refletiu sempre o seu tempo e não podia deixar de refleti-lo; sempre esteve a serviço das necessidades de um regime social determinado e, se não fosse capaz disso, teria sido eliminada como um corpo estranho inútil. M.M. Pistrak

OS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA O processo de criação e expansão dos IFs ocorreu durante o ciclo de governos petistas (2003-2016), sob o contexto de um reformismo de baixa intensidade adotado na elaboração das políticas públicas no período. Os governos de Lula e Dilma, conforme Singer e Loureiro (2016), tiveram como característica um maior

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protagonismo do Estado brasileiro, atuando sob um pacto entre as classes sociais, que pode ser compreendido da seguinte forma: Beneficiado pelo boom das commodities, o reformismo fraco dos governos petistas, apesar de não romper de maneira radical com o padrão estabelecido desde a Nova República, retomou a partir de 2003, de maneira diluída, aspirações derrotadas em 1964. Conseguiu reduzir desigualdades, sobretudo por meio da política de aumento do salário-mínimo e de expansão do emprego, mas também mediante programas específicos, dos quais se poderia destacar o Bolsa Família, o apoio à pequena agricultura, o subsídio à moradia popular e a facilitação do acesso à universidade às camadas de baixa renda, entre outros. Ao mesmo tempo, na medida em que buscou avançar sem fazer transformações estruturais – seja no plano dos direitos, seja no da economia ou da ideologia –, a segunda experiência desenvolvimentista caracterizou-se pela extrema ambiguidade (Singer; Loureiro, 2016, p. 12).

No bojo de tais ambiguidades, as reformas na educação profissional implementadas refletiram as contradições nos projetos de EPT. Na análise de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), as mudanças ocorridas na política de EPT nos primeiros anos dos governos petistas sinalizavam para um processo conturbado. Partiram do incremento de propostas como a inclusão social, o desenvolvimento social e local, além da formação integrada e da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, apontando para a consolidação de uma política educacional profissional desenvolvida em outro patamar (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005). Mas o que se revelou foi, por um lado, a tentativa de superar a visão neoliberal e neoconservadora de formação profissional vi-

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gente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (19952002), que aumentou as desigualdades em relação às trajetórias educacionais, com a implementação de políticas que reforçaram a dualidade estrutural. Por outro, os governos do PT mantiveram alguns princípios e práticas da política anterior, como a visão de ensino médio profissional e técnico enquanto medida compensatória, compreendendo a profissionalização como processo específico e independente da educação geral (Ramos; Ciavatta, 2011). Contradições que também se expressaram em políticas que visavam uma maior presença do Estado na oferta de EPT, tendo como exemplo a criação e a expansão dos IFs, o que ocorreu de forma combinada com o investimento e transferência de recursos públicos para instituições privadas: No âmbito da educação profissional, técnica e tecnológica, centro de grandes disputas na Constituinte, na LDB e no PNE em prol de uma concepção não adestradora e tecnicista e de sua vinculação jurídica e financiamento públicos, esta foi-se constituindo na grande prioridade da década, sem alterar, todavia, seu caráter dominantemente privado. Certamente, a opção pela parceria do público com o privado não favorece a reversão da dualidade educacional. Pelo contrário, como demonstra Cunha (2005), a tendência, desde a década de 1980, era de ampliá-la para o ensino superior. A transformação da Rede de Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETS) e, nesta década, em universidades tecnológicas ou Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETS), confirma tal tendência. Do mesmo modo, não ajuda a reverter o caráter dominantemente privado e a apropriação privada de recursos públicos na área (Frigotto, 2011, p. 46).

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A ocupação estudantil no contexto de uma instituição que oferta EPT refletiu a preocupação dos/as estudantes em questionar um modelo de educação que se sustentava na formação tecnicista, e que não avançou o suficiente na formação integral, revelando uma certa distância entre as concepções que referenciam os projetos pedagógicos e as práticas educacionais no seio do IFSC: E eu acho que a própria questão do conhecimento profissional tá muito afetado por isso assim. Eu vejo que enquanto eu tava formando em técnico algumas vezes a gente reproduz uma certa imbecilidade nas nossas relações sociais, ou fica muito no aspecto técnico, não entender o que é uma relação de pessoas, o que é trabalhar, o que significa o trabalho, porque a gente acabou discutindo muito isso, o que que essa juventude trabalhadora ou o que que o futuro tá esperando da gente, o que que o Temer quer fazer com o nosso futuro, por que ele quer fazer isso? Eu acho que isso permitiu que a gente fizesse alguns debates sobre a própria condição de trabalhador que me fizeram refletir bastante, até porque eu acho que depois daquilo ali, várias experiências profissionais que eu tive assim, eu me vi muito mais preparado pra lidar com aquilo que eu tava lidando, muito menos iludido, e muito mais disposto a entender aquilo, e entender como eu conseguia, enfim, tá ali, eu ainda consegui tocar uma militância política por aquilo que eu acreditava que deveria acontecer (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Os Institutos foram criados em 2008, durante o segundo mandato de Luís Inácio Lula da Silva (2007-2010). Porém, sua origem histórica remonta às Escolas de Aprendizes e Artífices concebidas em 1909, no Governo de Nilo Peçanha. Portanto, a nova institu-

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cionalidade dos IFs ocorreu a partir de uma escola tradicional, na época, prestes a completar cem anos de existência. Uma relação ambígua entre velhas e novas práticas de educação profissional, que colocadas em conflito geraram novas sínteses e contradições. Como afirma Cichaczewski: O aspecto mais evidente nas dificuldades, quando do estabelecimento de uma nova institucionalidade a partir de instituições já existentes é, sem dúvida, o inevitável conflito do novo com o velho. No caso dos IFs, algumas das instituições que lhes deram origem já tinham quase um século de história, com práticas administrativas e pedagógicas que, além não dialogar com o novo modelo, em alguns casos, eram diretamente conflitantes, de forma que a sobrevivência do novo estava condicionada à negação completa do velho (Cichaczewski, 2020, p. 70).

Este contexto colocou desafios muito particulares às ocupações no contexto dos IFs, nas quais os/as estudantes tinham que inovar nas formas de organização e luta, dentro de uma institucionalidade recém estabelecida, que, em alguns casos, contava com movimento estudantil organizado há décadas, convivendo com campi nos quais a organização dos/as estudantes era muito recente. Isso, sem contar as especificidades, como a sua capilaridade e dispersão territorial, que fazem com que a organização estudantil seja muito mais complexa e difícil no interior dos IFs. Os IFs são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de EPT, nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (Brasil, 2008).

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Há diversidade na oferta de modalidades de ensino nos IFs. Entre as modalidades, estão cursos de formação inicial e continuada; cursos de educação profissional técnica de nível médio; de educação superior, como os cursos superiores de tecnologia, de licenciatura, de bacharelado e engenharia e cursos de pós-graduação lato sensu, de aperfeiçoamento e especialização, e stricto sensu, de mestrado e doutorado. Apesar deste amplo leque de trajetórias formativas, os IFs têm uma clara orientação para a educação básica, sendo obrigatória a oferta de, no mínimo, 50% das vagas para a educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma integrada (Brasil, 2008). Desde 2008, os IFs passaram por um processo intenso de expansão e interiorização. As concepções hegemônicas de educação – todas elas pró-capitalistas – estão bem presentes no modelo de expansão e interiorização dos IFs. Apesar de um forte discurso oficial que buscou projetar e legitimar a expansão sob as bandeiras da “inclusão” e do “desenvolvimento social”, o impulso real das políticas organizadas em torno dos IFs estava pautado no sentido de atender às demandas do capital monopolista, que havia intensificado o processo de interiorização no país, em busca do aumento das taxas de exploração do capital sobre o trabalho (Lima; Magalhães, 2015). Os IFs refletiram no campo da EPT as contradições presentes no projeto petista. Que se revelaram a partir de alguns fatores: •

da expansão de campi e unidades, convivendo com a precarização;

de novas perspectivas de estudo para os/as trabalhadores/ as (e filhos/as de trabalhadores/as), em um contexto de


desindustrialização e precarização do mundo do trabalho; •

da inclusão de setores da classe trabalhadora, a partir da ampliação de oferta de vagas para educação profissional, concomitante com a insuficiência de recursos para assistência estudantil, acarretando problemas na permanência e êxito;

da implementação do currículo integrado, convivendo com a presença de empreendedorismo na formação dos/ as estudantes;

da ampliação das vagas na EPT pública, mas que se revelaram insuficientes para suplantar a hegemonia do Sistema “S”;

da incorporação de servidores via concurso público acompanhada do aumento do número de trabalhadores/as terceirizados/as nas unidades de ensino.

A nova institucionalidade criada com o advento dos IFs submeteu-se à permanência, nas políticas de educação profissional, de uma concepção de educação predominantemente voltada para produção de recursos humanos, o que se relaciona à própria condução da política econômica do país, fortemente pautada pelo processo de modernização capitalista, formação contra a qual os/ as estudantes se sublevaram: O que a gente tentou foi, nesse tempo que a gente tava lá, foi transformar o IFSC em tudo aquilo que a gente achava que ele deveria ser, fazer todas as discussões que a gente achava que o IFSC não fazia, trazer todas as atividades culturais que a

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gente achava que o IFSC não proporcionava pros estudantes, fazer os espaços de integração que eram tão raros, enfim, a gente fez um baita trabalho pra fazer isso, desde exposições, de fotografia, de pintura, de design, mesas de debate, rodas de conversa, cine debate, shows, apresentações musicais, a gente fez uma programação muito completa, muito completa mesmo assim, chegou ao ponto de a gente não conseguir classificar todas elas, de tanta coisa que tinha pra fazer. Mas foi meio que a tática que a gente tentou usar assim, fazer o máximo de espaços que a gente conseguia, considerava que eram bons, que eram interessantes, que a gente iria ver se a gente tivesse passando pelo IFSC, e proporcionar isso assim. Se empenhar, e usar nosso tempo ali pra isso (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Os IFs inserem-se, portanto, no contexto de formação da força de trabalho submetida à lógica do capital, formando-a para o trabalho nos estreitos limites das demandas provenientes das grandes empresas em suas respectivas áreas de influência (microrregiões, arranjos produtivos locais) (Lima; Magalhães, 2015). Essa mesma lógica sustenta uma formação pedagógica pautada pelas competências e habilidades. Conceitos que buscam atender à flexibilização e precarização do trabalho, pois elas são pautadas pelas necessidades do mercado e não pelas demandas dos/as trabalhadores/as. Na contramão das perspectivas tecnicistas e de uma educação subsumida aos interesses do mercado, as ocupações buscaram criar outras formas de sociabilidade no interior dos Campus, implementando práticas de ensino e aprendizagem baseadas numa perspectiva humanista e na formação pelo trabalho:

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Olha, é difícil colocar uma coisa só, foram aprendizados muito subjetivos, mas eu confirmei várias das minhas teses que eu já tinha na mente tendo licenciatura, que eu sempre critiquei muito o processo burocrático de educação no Brasil, eu não concordo com basicamente nenhum desses formatos que a gente tem né, de sala de aula e professor, acho que está tudo muito obsoleto mesmo, a gente tá em pleno século 21, e a gente tem um modelo educacional nosso baseado nos Jesuítas, é muito obsoleto. Então eu vejo que eu consegui confirmar na prática, assim, que existem outras formas muito eficaz de se educar. Como eu disse, eu tava na comissão de alimentação e eu sinto que eu dei aulas incríveis de química ali dentro daquela cozinha, com resultados efetivos. Durante a ocupação teve o ENEM e eu lembro que na segunda-feira que teve ENEM, teve uns dois ou três alunos ali do nosso campus que vieram me agradecer de alguma conversa informal que a gente teve na cozinha que caiu na prova de química aquela conversa, e eles conseguiram ter essa assimilação, conseguiram de fato acertar uma nota no ENEM por causa de uma conversa que a gente estava ali, brincando e picando uma batata na cozinha, e eu explicando porquê de a Batata, sei lá, mudar de cor. Então assim, eu vejo que a gente consegue lincar muito mais os saberes científicos, tendo uma vivência, uma convivência com os estudantes, com os alunos (Bianca, Campus São José).

Os/as ocupas trouxeram, com seu movimento, uma forte crítica ao avanço de um modelo de educação neoliberal pautado por conceitos de empreendedorismo, empresas júnior e incubadoras de empresas, que estão presentes em projetos pedagógicos dos cursos e no processo formativo dos/as estudantes. Estas noções de educação associam-se às mudanças presentes no mundo do

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trabalho e estão submetidas a uma lógica de expropriação e de retirada dos direitos sociais e trabalhistas conquistados à custa de um longo processo histórico de lutas. Tudo isso, contudo, não se afirmou sem resistência. Servidores e estudantes protagonizaram grandes enfrentamentos, exigindo mais investimento e efetiva democracia interna, condições para a implementação de uma outra tônica à expansão, não submissa aos interesses empresariais. Além disso, travaram-se lutas e resistências nos campi dos diferentes IFs, enfrentamentos produzidos pela crescente insatisfação com o modelo até então concretizado. Nas ocupações, os/as estudantes procuraram criar espaços que não havia no currículo ou que eram reduzidos no cotidiano dos campi: Então, a gente fazia muita oficina, a gente tentava buscar fora algo que fosse diferente do que a gente sempre tinha em sala de aula. Então a gente proporcionava oficinas sobre, porque como a gente tem tecnologia de alimentos, a gente buscava fora alguém que fosse relacionado a alguma área do curso pra trazer algo diferente, então a gente fazia palestras, a gente fazia oficinas práticas, tanto se pintura, sabe, algo mais diversificado do que em sala de aula, enquanto a gente tava na ocupação, isso era fora do horário de aula, enquanto estava na ocupação a gente fazia isso e planejava o que as gente ia fazer nos próximos dias e ficava esperando os resultados também né, da mobilização que a gente tava fazendo (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

Após o golpe judicial-midiático-parlamentar de 2016, a agenda neoliberal foi aprofundada pelo governo ilegítimo de Michel Temer (MDB), alicerçada no programa “Ponte para o Futuro”, e

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passou a desestabilizar os IFs, pela perspectiva do avanço da agenda de privatizações, combinada com os cortes orçamentários, que ameaçavam principalmente a permanência e o êxito dos/as estudantes em situação de vulnerabilidade social. O que levou à aceleração da precarização e do sucateamento das Universidades e IFs. O cenário tornou-se ainda mais devastador com a implementação de uma agenda ultraliberal na economia do país, visando o avanço do desmonte do Estado, que, na educação pública, teve como um de seus pilares o projeto de destruição da pesquisa, da ciência e do pensamento crítico. No caso dos IFs, o interesse do empresariado está relacionado exclusivamente com a formação de uma força de trabalho que possa atender às demandas do capital por extração de mais-valia. A capilaridade dos institutos, presentes em mais de quinhentos municípios brasileiros, reflete a política pública de expansão da educação superior, profissional e tecnológica formulada pelo MEC durante os governos petistas. Novos campi foram alocados em regiões pobres, com baixo grau de desenvolvimento econômico e social, nas periferias de grandes cidades, e em cidades de pequeno e médio porte. Regiões onde dificilmente seria possível algum tipo de interesse em financiamento por parte da iniciativa privada. Essa nova dinâmica teve efeitos na organização do movimento estudantil, que se interiorizou e se desenvolveu a partir de dinâmicas de luta regionais. No caso do IFSC, campus do interior tiveram grande protagonismo nas ocupações e foi a base estudantil relacionada aos/às estudantes de baixa renda que impulsionou a resistência contra as políticas de austeridade e autoritárias que se


aprofundaram após o golpe de 2016.

O INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA (IFSC) A história da educação profissional de nível médio em Santa Catarina remonta ao início do século XX, quando da criação, por parte do Governo Federal, das Escolas de Artífices e Aprendizes durante a presidência de Nilo Peçanha. No ano de 1910, instalou-se em Florianópolis a primeira unidade de educação profissional, denominada Escola de Artífices e Aprendizes de Santa Catarina. Essa iniciativa procurava atender basicamente dois tipos de demandas: por um lado, proporcionar uma profissão para estudantes oriundos dos setores mais desfavorecidos da população, revelando o caráter assistencialista desta política; e, por outro, atender as necessidades do processo de urbanização e do ainda incipiente e débil setor produtivo organizado na capital do estado. Esta experiência ficou restrita a Florianópolis e demorou a ser replicada em outras cidades, o que só veio a ocorrer no ano de 1988, quando da inauguração da primeira unidade de ensino profissional federal fora da capital, no município de São José, na Grande Florianópolis. A falta da expansão de unidades para o interior, por quase todo o século XX, mostra certa desconexão das políticas federais de formação profissional e técnica com o desenvolvimento socioeconômico de Santa Catarina. Com relação às escolas de formação profissional organizadas pelo poder público federal, observa-se uma série de modificações ao longo do tempo. A antiga Escola de Artífices e Aprendizes foi substituída em 1937, passando a chamar-se Liceu Industrial de

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Florianópolis. No ano de 1942, no contexto da reforma Capanema, recebeu a denominação de Escola Industrial de Florianópolis. Após a promulgação da LDB de 1961, novamente outra mudança na denominação para Escola Industrial Federal de Santa Catarina, em 1962. Durante a Ditadura Militar, recebeu o nome de Escola Técnica Federal de Santa Catarina, em 1968. Em 2002, transformou-se em Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (CEFET-SC) e, a partir de 2008, passou a denominar-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IF-SC) (IFSC, 2009). Um novo ciclo de expansão voltou a ocorrer no início dos anos 2000 com o advento do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (CEFET-SC) e a construção de unidades, no ano de 2006, nas cidades de Chapecó, Joinville, na parte continental de Florianópolis e, em 2008, na cidade de Araranguá. A partir de 2008, com a promulgação da Lei nº 11.892, que criou os IFs, Santa Catarina passou por um novo momento de expansão e de ampliação de unidades e cursos em diferentes cidades de seu território. O Estado conta atualmente com 22 campi do IFSC. Os primeiros a serem criados foram, cronologicamente, Florianópolis (1909), São José (1988), Jaraguá do Sul (1994), Florianópolis Continente, Joinville e Chapecó (2006) e Araranguá (2008). No processo denominado Expansão II, foram criados treze campi, que passaram a operar a partir das seguintes cidades: São Miguel do Oeste, Canoinhas, Criciúma, Gaspar, Lages, Itajaí, Palhoça, Xanxerê, Caçador, Urupema, Jaraguá do Sul (Geraldo Weninghaus), Garopaba. O último movimento de expansão ocorreu em 2015 com a criação dos campi em São Carlos, Tubarão, e o Campus Avançado São Lourenço do Oeste, ligado ao Campus São

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Miguel do Oeste. Os IFs, em sua organização, fazem parte da Rede Federal, vinculada diretamente ao Ministério da Educação. São definidos legalmente como autarquias, possuindo autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. A nova institucionalidade criada em 2008 e a capilarização do IFSC no território catarinense, através dos processos de expansão, colocou desafios para a organização do movimento estudantil, tendo em vista que nos campi criados não havia uma cultura de organização estudantil anterior, que pudesse orientar os/as estudantes ingressantes. Além disso, a oferta de cursos de forma verticalizada, com a convivência de grêmios estudantis e centros acadêmicos no mesmo campus, colocava desafios para a unificação entre pautas de níveis educacionais diferentes. As ocupações cumpriram um papel fundamental na organização estudantil: [...] mas a minha maior motivação pra tá dentro da ocupação foi de plantar uma semente, que eu tenho muita certeza de que todo mundo que passou por ali foi transformado. Todas as pessoas que passaram ali dentro, passaram por processos de transformações mesmo, enfim, desculpa, eu me emociono porque foi realmente muito forte, e eu vejo que vários Campus que fizeram ocupação, que não tinham Grêmio agora já tem. Houve uma retomada dos grêmios, que tinham muito Grêmio dentro do IFSC que não tinham muito viés político mesmo, assim, e eu consigo sentir essa tomada de posição. Eu vejo que tem vários Campus que as pessoas que participaram da ocupação agora estão participando dos centros acadêmicos e dos grêmios específicos e eu fico muito feliz de ver que as

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pessoas que participaram dessa vivência tão levando isso pra frente. Enfim, no cenário de lutas que estão por vir ainda né, foi muito importante mesmo brotar essa sementinha, eu acho que elas tão aí ainda e vão nascer ainda, eu acho que a gente ainda vai ver muito fruto desse movimento de 2016, não só em Santa Catarina, mas no Brasil inteiro. Eu acho que a gente ainda vai ver muito disso aí, por aí (Bianca, Campus São José).

Outro desafio enfrentado pelos/as estudantes é que o IFSC não conta com um Diretório Central dos Estudantes (DCE), que articule os centros acadêmicos organizados nos campi. Ainda que os/ as estudantes tenham participação nos espaços de colegiados dos IFSC, como o CONSUP e o CEPE, estes espaços não cumprem o papel de articulação das lutas e pautas estudantis. Mesmo com estas dificuldades e os desafios colocados pelo arranjo institucional do IFSC, os/as estudantes conseguiram estabelecer novas redes de articulação e organização que foram potencializadas pelo movimento de ocupações de 2016. Para entendermos o movimento, é importante traçarmos um panorama do perfil socioeconômico dos/as estudantes do IFSC em 2016, que naquele ano contava com 35.607 estudantes matriculados. Destes, 15.477 cursavam cursos de formação inicial e continuada (FIC), 14.118 estudavam em cursos técnicos de nível médio (nas modalidades integrada, subsequente e concomitante), 2.363 em cursos de Tecnologia, 1.023 em cursos de especialização, e na graduação 2.142 estudavam bacharelado e 429 cursavam licenciatura. Na pós-graduação stricto sensu, 85 estudantes frequentavam o Mestrado Profissional (DEIA/IFSC). Naquele ano, a Reitoria era comandada pela Prof.ª Dr.ª Maria Clara Kaschny Schneider, que foi primeira Reitora eleita da insti-

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tuição (já que antes da criação do IFSC o cargo máximo no CEFET-SC era o de diretor/a), tendo sido conduzida ao cargo pela primeira vez em 2011 e reeleita em 2015, para um segundo mandato que durou entre 2016 e 2020. Em 2016, o IFSC contava com 1485 docentes e 1.186 Técnicos Administrativos Educacionais (TAEs). Os sete campi do IFSC que passaram por ocupações parciais ou totais representavam 38.2% dos/as estudantes matriculados na instituição naquele ano. O que reflete a dimensão e o alcance que as ocupações tiveram no contexto institucional. Proporcionalmente os campi tinham a seguinte participação no número de matrículas: Araranguá (3,43%), Chapecó (4.05%), Florianópolis – Mauro Ramos (17,46%), Palhoça Bilíngue (2,38%), São José (4,87%), São Miguel do Oeste (2.85%) e Xanxerê (3,16%), somados os campi contavam com o total de 13,746 estudantes matriculados. Ainda que essa totalidade dos/as estudantes não tenha participado do processo de ocupação, foram comunidades escolares que tiveram nas ocupações o centro dos debates e vivências que foram pautados pelo movimento estudantil entre os meses de outubro e dezembro de 2016. Os campi tinham características distintas em relação à composição e perfil dos/as estudantes7. No IFSC, os alunos ingressantes em 2016 tinham o seguinte perfil socioeconômico: 50,28% eram do sexo feminino e 49,27% do sexo masculino, a média de idade dos/as estudantes era de 29,85 anos entre as mulheres e 27,63 anos entre os homens. Destes, 77% declaravam-se brancos, 16,37% 7 Os dados socioeconômicos disponíveis no Departamento de Estatísticas e Informações Acadêmicas do IFSC são relacionados aos alunos ingressantes naquele ano na instituição. Ainda que não dê um cenário da totalidade dos estudantes matriculados, serve como uma boa amostra do perfil de cada campus do IFSC.

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pardos, 5,39% pretos, 0,76% amarelos e 0,46% indígenas. Quanto à residência, 90,70% viviam em área urbana e apenas 9,30% em área rural. Sobre o perfil socioeconômico dos campi ocupados, tínhamos diferentes cenários, relacionados à região metropolitana, sul e oeste do estado. Em Araranguá, 40,47 % dos/as estudantes tinham renda familiar de até dois salários-mínimos, 33,28% tinham renda familiar entre dois e quatro salários-mínimos e apenas 15,42% tinham renda familiar acima de quatro salários-mínimos. Sobre cor e raça, 81,28% declaravam-se brancos, 14,4% pardos, 3,29% pretos, 1,04% amarelos e 0,35% indígenas. Quanto ao sexo, 67,94% dos alunos eram mulheres e 32,06% eram homens. No Campus Chapecó, 39,1% dos/as estudantes tinham renda familiar de até dois salários-mínimos, 40,45% tinham renda familiar entre dois e quatro salários-mínimos, e 20,45% tinham renda familiar acima de quatro salários-mínimos. Sobre cor e raça, 66,07 % declaravam-se brancos, 23,15% pardos, 7,19% pretos, 3,37% amarelos e 0,22% indígenas. Dos alunos matriculados, 22,02% eram mulheres e 77,98% homens. No Campus Florianópolis, 36,49% eram mulheres e 63,51% homens. 79,22% brancos, 13,77% pardos, 5,73% pretos, 0,77% amarelos e 0,51% indígenas. Quanto à renda familiar, 31,06% dos/ as estudantes recebiam até dois salários-mínimos, 32,19% tinham renda familiar entre dois e quatro salários-mínimos e 36,74% viviam com mais de quatro salários-mínimos como renda familiar. Já no Campus Palhoça, 63,60% eram mulheres e 36,40% homens. Quanto à cor, 78,08% se autodeclaravam brancos, 14,48% pardos, 6,09% pretos, 0,81% amarelos e 0,54% indígenas. E quanto à renda familiar, 39,79 % dos/as estudantes ingressantes possuR O D R I G O

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íam renda familiar de até dois salários-mínimos, 33,56% recebiam entre dois e quatro salários-mínimos e 26,65 possuíam renda familiar acima de quatro salários-mínimos. O Campus São José, tinha na sua composição 33,62% de mulheres e 66,38% homens. Os que se autodeclaravam brancos eram 80,62%, 12,35% pardos, 6,35% pretos, 0,51% amarelos e 0,17% indígenas. A renda familiar de 32,42% dos/as estudantes era de até dois salários-mínimos, 38,59% recebiam entre dois e quatro salários-mínimos e apenas 13,99% viviam com renda familiar acima de quatro salários-mínimos. O Campus São Miguel do Oeste tinha 58,48% dos/as estudantes do sexo masculino e 41,52% de estudantes do sexo feminino. A renda familiar de 42,89% dos estudantes era de até dois salários-mínimos, 37,04% recebiam entre dois e quatro salários-mínimos e apenas 20,08% viviam com renda familiar acima de quatro salários-mínimos. Quanto à cor, 79,53% dos alunos eram brancos, 12,76% pardos, 7,41% pretos, 0,19% amarelos e 0,19% indígenas. Em Xanxerê, 55,84% dos/as estudantes eram do sexo feminino e 44,16% do sexo masculino. Os que se autodeclaravam brancos eram 72,80%, 23,84% pardos, 2,40% pretos, 0,80% amarelos e 0,16% indígenas. A renda familiar de 42,44% dos/as estudantes era de até dois salários-mínimos, 36,80% entre dois e quatro salários-mínimos, e 20,32% tinham renda familiar acima de quatro salários-mínimos. Um cenário muito diverso, mas que aponta para a forte presença de estudantes de baixa renda, como uma parte significativa entre os/as alunos/as matriculados/as na maioria dos campi, com uma composição majoritariamente branca, mas que apresentava

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importante presença de estudantes pretos, pardos e indígenas, reflexo da política de cotas. Os campi de Chapeco e Xanxerê eram os que apresentavam maior número de alunos negros matriculados e nos campi de Palhoça e Araranguá, onde o processo mais se radicalizou com a ocupação total dos prédios, havia uma forte presença feminina na comunidade escolar.



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AS OCUPA ÇÕE S E S T UDA NT I S NO INSTITUTO FEDER A L DE SA NTA CA TA R I NA

Que vivan los estudiantes Jardín de nuestra alegría Son aves que no se asustan De animal ni policía Violeta Parra

Para compreender o processo de ocupação dos campi do IFSC entre os meses de outubro e dezembro de 2016, é preciso voltar ao ano de 2015, que foi marcado pela forte crise econômica e política no país. O segundo Governo Dilma havia iniciado sob fortes protestos de grupos de oposição de direita, que, insatisfeitos com os resultados econômicos e com a desestabilização institucional provocada pela Operação Lava Jato, avançaram em protestos de massa, mobilizados e articulados por setores da mídia hegemônica, com especial protagonismo da Rede Globo.

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Dilma, ao contrário do que havia prometido durante as eleições de 2014, implementou um programa neoliberal conduzido pelo Ministro da Economia, Joaquim Levy, um operador do sistema financeiro, com ligações com o banco Bradesco. O governo cujo slogan era o de Pátria Educadora, apresentou uma política de austeridade que, em 2015, resultou no corte de R$ 10,5 bilhões no orçamento da educação (equivalente a 10% da pasta), implicando em restrições nos investimentos e nas políticas de assistência estudantil, com repercussões na RFEPCT. Uma das reações aos cortes orçamentários e à desvalorização salarial foi a ação do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) que deliberou uma greve nacional, iniciada no dia 13 de julho de 2015, que só foi encerrada totalmente no dia 14 de novembro daquele ano, com a conquista de reajuste salarial para docentes e técnico-administrativos, mas sem reverter os cortes orçamentários. Foi diante dessa conjuntura que o movimento estudantil do IFSC criou a Resistência Estudantil Contra os Cortes na Educação (RECCE), que tinha como objetivo organizar os/as estudantes do IFSC no âmbito estadual, visando reverter as restrições orçamentárias, que estavam prejudicando a comunidade acadêmica. O RECCE queria agregar o maior número de estudantes à causa, para avançar na sua luta por assistência estudantil e educação de qualidade (RECCE, 2016). O movimento RECCE nasceu em agosto de 2015 a partir da necessidade de organização dos/as estudantes do IFSC na luta pela educação pública, gratuita e de qualidade. No cenário de crise econômica, aumento do desemprego e cortes nos recursos da instituição, os/as estudantes em situação de vulnerabilidade depa-

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raram-se com um horizonte muito adverso para a continuidade dos estudos. Esse movimento significou uma articulação ampla na base estudantil do IFSC, uma inovação organizativa que conseguiu agregar estudantes de diferentes modalidades de cursos, de vários campi, em regiões bem distintas e distantes do estado. O RECCE surgiu como uma espécie de embrião do movimento que culminou nas ocupações estudantis de 2016, já que criou as condições para o fortalecimento da representação estudantil dentro da instituição, estreitando a comunicação entre os/as alunos/as (RECCE, 2018). A luta por assistência estudantil e contra os cortes no Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS)8 foi um fator de mobilização do movimento estudantil do IFSC e cumpriu um papel de articulação e organização dos/as estudantes de baixa renda, que foram os mais prejudicados pelas políticas de austeridade. No dia 2 de agosto de 2016, houve um encontro promovido pelo RECCE no auditório Marcos Cardoso Filho, no prédio da Reitoria, que teve como pauta dos/as estudantes a construção de uma agenda de lutas para reversão do quadro de cortes (Reunião, 2016) . O movimento teve um papel fundamental na construção de bases de organização e articulação estudantil do IFSC, que culminaram no processo de ocupação, cujas pautas centrais como a luta contra o Teto de Gastos e a Reforma do Ensino Médio, arti8 O Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS) disponibiliza auxílio financeiro para contribuir com o atendimento às necessidades de estudantes em vulnerabilidade social, visando a sua permanência e êxito acadêmico (IFSC, 2023).

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cularam-se diretamente com as lutas no IFSC contra a agenda de austeridade nos anos de 2015 e 2016. As ocupações de 2016 foram influenciadas por movimentos de juventude organizados na década de 2010 no Brasil. Algumas das principais referências foram o movimento pelo passe-livre e as jornadas de junho de 2013, que inspiraram os/as estudantes na organização das ocupações. principalmente na forma de organização horizontal e de mobilizações com ações diretas. Elas articularam-se na conjuntura de lutas estudantis nacionais, uma ação que, no caso do IFSC, foi desdobramento de ações do movimento estudantil que já lutava contra as políticas de austeridade e que teve, entre os/as estudantes oriundos da classe trabalhadora e com as condições sociais mais vulneráveis, seus principais protagonistas. Eles conseguiram encontrar novas formas de articulação e mobilização, criando o RECCE e ocupando os campi, numa realidade tão diversa, complexa e dispersa como é a do IFSC. Uma experiência que os marcou profundamente: Tanto que eu considero que a ocupação do IFSC foi pra mim uma das minhas maiores experiências, assim, foi meio que uma escola pra mim. Começando a entender as coisas ainda que eu não tivesse me organizado ainda tava aprendendo muita coisa e ali que o movimento cobrou, né? Cobrou uma presença, cobrou uma responsabilidade, e eu aprendi muita coisa assim, muito rápido (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

O que também aparece na fala de uma das protagonistas da ocupação do Campus Palhoça – Bilíngue:

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É um marco histórico, tanto no Brasil quanto para quem estuda na instituição que foi ocupada, né? Então, eu acho que uma coisa que fica aí de exemplo, de força de luta de que que se pode fazer dentro de uma escola eu acho que a ocupação é uma dos que vieram dos que vão vir, eu fico pensativa quando to falando disso, até me perdi no que que tava falando uma história de inspiração, sabe? De que dá de fazer alguma coisa e dá pra se organizar como quiser e agora a gente tá com uma outra chapa que não é a aquela que tava na ocupação e a gente ainda não teve o momento de fazer uma roda de conversa, mas em outubro até a gente contatar todos os professores a gente quer fazer todo outubro de todos os anos um memorial, uma comemoração, alguma coisa relacionada a ocupação, pra nunca deixar morrer. Sempre ficar vivo nas memórias das pessoas como um exemplo, um marco histórico mesmo do que foi (Anita, Campus Palhoça – Bilíngue).

As ocupações no contexto do IFSC definiram um marco histórico na organização estudantil dessa instituição. O que revelou a capacidade de organização e adaptação dos/as estudantes na nova realidade educacional produzida em 2008. Os/as ocupas de 2016 tornaram-se uma referência nas lutas e do movimento estudantil catarinense.

A ORGANIZAÇÃO DAS OCUPAÇÕES No IFSC, a primeira ocupação começou no Campus Araranguá na noite do dia 19 de outubro de 2016. Naquela mesma semana, havia ocorrido a primeira ocupação no estado de Santa Catarina, no Campus Rio do Sul, do Instituto Federal Catarinense (IFC), que teve início às 13h do dia 17 de outubro. R O D R I G O

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Em articulação com o movimento nacional, em Santa Catarina o movimento iniciou na semana em que as ocupações no estado do Paraná alcançaram seu pico, com 792 escolas estaduais ocupadas (Firmino; Ribeiro, 2019). Os/as estudantes do IFSC incorporam-se na segunda onda de ocupações que tomou o país. O protagonismo dos/as ocupas de Araranguá revelou a disposição para a mobilização, ao mesmo tempo em que expressou a inexperiência e incipiência do movimento estudantil no campus: [...] vamos chamar a assembleia aí”, não lembro direito como que isso aconteceu, como que acabou enchendo auditório, se foi a gente que convocou se a gente passou nas salas, e nesse dia específico no dia que surgiu ocupação né, eu não lembro especificamente como que o pessoal apareceu, mas sei que a gente conseguiu reunir o pessoal ali dentro do auditório, e naquele sistema “não sei nunca fiz isso”, nunca coordenei isso, uma fala ou um debate, vou falar pelo menos o que eu estou sentindo né, essa ideia de tentar até pelo menos rebater isso que tá vindo, e aí já tínhamos combinado entre os estudantes ali que tinham conversado que a gente iria ocupar né com os alunos, porque já tinha uma quantidade de alunos muito grande que queriam fazer a ocupação, então a gente “bom quando o pessoal for decidindo a gente ocupa o IFSC”, “vamos ver quantas pessoas mais querem que a gente a gente já tem um corpo de estudante aí” (José, Araranguá).

Na sequência do Campus Araranguá, houve a ocupação do Campus Chapecó, um dia depois, por volta das 15h horas do dia 20 de outubro. O Campus Xanxerê foi ocupado a partir do dia 24 de outubro. O Campus São José foi ocupado em 25 de outubro, o campus Florianópolis no dia 27 de outubro, o Campus Palhoça

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no dia 01 de novembro e o campus São Miguel do Oeste foi o último a ser ocupado, no dia 07 de novembro. Na região Oeste, o Campus Chapecó teve protagonismo no processo de ocupação, influenciando ocupações que ocorreram posteriormente na cidade em escolas estaduais e na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Como eu comecei a escutar a respeito das ocupações foi pelas redes sociais, como eu tinha colocado. Também um pouco pelo movimento estudantil, né? Pela UBES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas também teve bastante discussão em cima mas foi principalmente pelas redes sociais. Nós queríamos ter também, na região de Santa Catarina, acontecer alguma coisa ali no oeste catarinense, a gente queria que o oeste catarinense também fizesse parte dessa história, também fosse protagonista. E ali também o IFSC que deu início, querendo ou não a gente fez a primeira ocupação ali e começou os colégios públicos e a universidade federal também em seguida, então foi isso (Luís Carlos, campus Chapecó).

Durante os meses de outubro e dezembro de 2016, os campi conviveram com diferentes repertórios táticos nas ocupações, que foram desenvolvidas parcial ou totalmente, conforme a dinâmica que os/as estudantes implementavam nas lutas, relacionada aos contextos locais em que estavam inseridos. Então, eu meio que fiquei sabendo da ocupação quando ela já tava prestes a acontecer assim, como eu disse, eu não atuava muito no movimento estudantil ali do IFSC, e o pessoal começou a articular a ocupação por fora, por fora do grêmio, até. Porque o grêmio tava na mão de uma chapa de direita. E começaram a articular isso e eu fiquei sabendo na assembleia

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que eles chamaram né, uma assembleia que a pauta era justamente a PEC 55 e a reforma do ensino médio e que a pauta da assembleia seria ocupar ou não, aí eu cheguei até a fazer uma fala e tal quando eu vi que tava acontecendo eu já sabia a importância daquele momento, né? (Marcos, campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Nos campi Chapecó, Araranguá e Palhoça foi onde o processo mais se radicalizou. No primeiro, as atividades letivas dos cursos técnicos foram suspensas; no segundo, o campus esteve totalmente fechado para atividades letivas e administrativas entre os dias 15 e 26 de novembro; e, em Palhoça, as atividades foram totalmente interrompidas desde o primeiro dia de ocupação. Acho que gerou um marco bem significativo porque muita gente tirava sarro do campus da Palhoça, tipo palhocense não sei o que e mora lá não sei aonde, Geotur, que é uma linha daqui, porque ônibus nunca tem não sei o que. E como a gente mostrou essa emancipação de ocupar integralmente, ao contrário do campus de Florianópolis ou de qualquer outro campus, eles viram a nossa proatividade no sentido de mobilização e de fazer acontecer assim. Foram só dezoito dias, mas foram espetaculares, os dezoito dias de alunos entrosados, de oficinas acontecendo, de divisor de água desde servidores até de alunos mesmo. E eu acho que o que vai ficar pra sempre assim [...], é trabalho de formiguinha assim não foi do dia pra noite que o grêmio foi construído, a gente demorou bastante, hoje tá tendo continuidade dos trabalhos, e um marco histórico fundamental foi a ocupação assim como os outros movimentos estudantis pros IFs (Manuel, Campus Palhoça).

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No que diz respeito à relação das ocupações com a Reitoria, houve um grau maior de tensionamento e conflito, conforme o grau de organização e radicalidade dos/as estudantes. Nos casos dos campi que passaram a ser controlados diretamente pelos/as ocupas, a oposição da Reitoria ao movimento aumentou: E com a Reitoria foi, eu acho até que é engraçado que a gente teve, porque ela tomou a ocupação de Araranguá como um exemplo de ocupação, por que ocupava, faziam as mobilizações as atividades, e não atrapalhavam em nada andamento de tudo, só que vários Institutos já estavam com essas parciais e alguns começaram a fechar definitivamente os portões, e reitoria começou a usar Araranguá como exemplo, “lá tá funcionando, o pessoal tá forçando né, tão conseguindo se manifestar sem precisar trancar atividades”, só que nesse meio, desses elogios aí, foi o dia que a gente trancou o instituto Federal e fechou os portões também, E aí foi o dia que eles usaram o maior exemplo lá, foi para Palhoça para tentar desmobilizar Palhoça pra dizer “não, deixa o campus aberto”, E foi nesse mesmo dia que a gente fechou o Campus, naquela mesma semana, e aí tudo se reverteu aí eles passaram a posição contrária a de Araranguá (José, Campus Araranguá).

Os Campi Florianópolis e São José tiveram seus acessos bloqueados pelos/as estudantes no dia 25 de novembro. Era uma tentativa de radicalizar o movimento, às vésperas da votação da PEC no Congresso Nacional. Segundo nota do Ocupa Floripa, as barricadas tinham como objetivo: O objetivo das barricadas, em nenhum momento, era impedir que aulas acontecessem. O objetivo era que as barricadas incomodassem e tivessem de ser retiradas, era fazer o estu-

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dante, professor e servidor perceber que algo no seu cotidiano está diferente, que existem obstáculos que devem ser retirados do caminho, para que a vida possa seguir. Nenhuma aula foi atrasada, pois os estudantes se juntaram e desfizeram as barricadas em questão de minutos, todas as passagens estavam livres por volta das 7:15. Isso mostra o poder e a força que nós possuímos juntos. É por isso que o Ocupa IFSC Floripa convida a todos a se unirem e lutarem conosco contra a PEC 55, a Lei da Mordaça e a MP do Ensino Médio (746), pois são estas as medidas que irão barricar, de forma definitiva, o acesso de milhares de pessoas a uma educação pública e de qualidade (Ocupa IFSC Floripa, 2016).

As ocupações trouxeram novos desafios para o movimento estudantil do IFSC. Como os/as ocupas iriam lidar com tarefas que iam da limpeza dos espaços do campus até a articulação política com o movimento nacional de ocupação? Em resposta eles apostaram num modelo de organização horizontalizada, com deliberações construídas democraticamente nos espaços das assembleias e na operacionalização das tarefas via comissões, nas quais desenvolviam o trabalho coletivo. A democracia direta era uma realidade, como fica demonstrada nessa fala sobre a situação em Araranguá: Então todo esse pessoal se reunia e fazia votação, e era sempre por votação no auditório e todas as decisões que a gente tomou desde comissão desde se a gente ia ocupar ou não ia, das palestras que aconteciam, todo tipo de decisão mesmo eram tomadas por votação do pessoal, até era bem complicado que era todo momento a gente chamando todo mundo “pessoal se reúne que tem mais coisa para falar”, aí toda noite tinha até

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um apanhado de coisas que a gente tinha que decidir naquela noite, então toda noite a gente se reunia no auditório que era o local onde a gente tinha que era mais confortável pra gente ficar fazendo essa reunião e tomava as decisões (José, campus Araranguá).

O movimento dos/as ocupas demonstrou que a escola tem o potencial de ser um espaço de articulação e mobilização de amplos segmentos sociais. Como afirma Gohn (2019), a escola pode converter-se em um polo de formação de cidadãos ativos e participativos, através da construção de pontes e relações entre a escola e a sociedade civil organizada. Isso faz com que os movimentos sociais participem das lutas ligadas à educação, ao mesmo tempo que liga os/as estudantes a lutas sociais mais amplas. Internamente, as ocupações foram pautadas pela autogestão, com a organização das tarefas através de comissões, que encaminhavam desde questões relacionadas à limpeza até à articulação política: Uma coisa bem interessante era, bem complexo ter essa, porque ao meu ver todo esse movimento estudantil de ocupação que aconteceu ele foi, apesar dessa palavra não tá tão presente no nosso dia-a-dia na ocupação, mas ao meu ver foi uma coisa muito anarquista, a experiência mais anarquista que eu tive em toda minha experiência de vida. Assim, comissões. Comissão de segurança, comissão de alimentação, tinha várias comissões, mas não tinha nenhuma liderança em nenhuma das escolas ocupadas, todas as escolas elas tinham a mesma metodologia de coletivos, e foi fundamental para que a gente a gente tivesse esse contato, a gente tá muito acostumado no nosso modo de viver na sociedade de ou obedecer regras ou impor regras, a gente não tá acostumado a assim “eu acho que eu sou boa para fazer

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isso e eu vou fazer” e tomar uma iniciativa sem que ninguém tivesse te mandando, a gente fica um pouco perdido, assim, então era muito importante a gente ter esse contato mesmo com os outros lugares que estão ocupados para solucionar dúvidas desses assim no dia a dia até de convivência mesmo, tipo “como é que vocês estão dormindo aí?” “vocês tem colchonete?” e até como que vocês estão fazendo para se organizar para tirar os alunos da sala de aula pra trazer pras palestras que estavam acontecendo (Bianca, Campus São José).

Dinâmica que foi uma realidade no Campus Araranguá: [...] a gente organizou o sistema de limpeza, de comida, de alimentação né? Sistema de Segurança, pessoal que vinha, pessoal de imprensa, que ficava a todo momento mandando mensagem pro pessoal. Então a gente fazia meio que um tour por todos os setores que a gente tinha separado, mostrava como era e convidava os pais que se quisessem a vir dormir aqui, para que confiassem os filhos a ficar na ocupação né, para ver que tudo aquilo que realmente eles ouviram falar de ruim na ocupacional na verdade não acontecia (José, Araranguá).

O que também funcionou com relação à comunicação estabelecida pelo movimento de ocupação dos campi. Em 2016, as principais redes utilizadas pelos/as ocupas eram o WhatsApp, que cumpria um papel de organização interna, e o Facebook, a principal plataforma que atendia à demanda de comunicação pública das atividades e notas: Então, a gente tinha uma comissão de comunicação, que era responsável pelo site, a página do Facebook. Ela era liderada, ela era alimentada diariamente assim, todo dia tinha conteúdo lá. Eu acho que foi algo que a gente definiu fazer e foi

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importante sim. Até porque enquanto ocupação, movimento organizado assim tinha poucos canais de comunicação que a gente pudesse externalizar o que a gente tava fazendo e o que a gente tava pensando. Eu acho que a internet não é a melhor, a última e a única forma de fazer isso, eu acho que tem vários problemas, inclusive na própria internet, no Facebook e tal, mas eu acho que naquele momento foi bem importante assim (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Ferramentas digitais que também foram utilizadas pelos/as estudantes que ocuparam o campus São José: A gente tinha basicamente o Facebook de rede social, a gente não fez nenhuma outra via social, foi só mesmo o Facebook e a gente estava sempre colocando as atualizações nossa agenda que a gente tinha que semanal que sempre tinha uma agenda semanal de atividades em grupo a gente ia botando a gente utilizou também bastante a rede social do Facebook para as doações que a gente tava precisando, de alimentação, e o WhatsApp também. Na verdade, a gente criou uma rede de WhatsApp bem grande, assim, eu sei porque eu lembro que eu tava enlouquecendo com meu celular, que eu participava de uns 25 grupos de diversas ocupações diferentes (Bianca, Campus São José).

Os/as ocupas do IFSC possibilitaram que os muros da instituição fossem derrubados, no sentido de abrir o espaço da instituição para movimentos sociais regionais/locais, construindo uma agenda de ensino, pesquisa e extensão sob outra perspectiva, o que ocorreu de forma muito articulada à politização estudantil. A radicalidade e disposição de luta do movimento de ocupações, em particular dos IFs em âmbito nacional, empurraram o

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movimento sindical para mobilização. O SINASEFE, incorporou-se à luta através da greve nacional aprovada na 145ª Plena do sindicato, realizada nos dias 05 e 06 de novembro de 2016. A greve, que foi deflagrada nacionalmente, teve uma duração de 37 dias, sendo encerrada no dia 17 de dezembro daquele ano, quando o movimento já havia sido derrotado na votação da PEC e as ocupações já estavam em estágio de declínio e fim. Ao todo, trinta seções sindicais se envolveram na greve, com a paralisação de 125 unidades, abrangendo 20 estados e o Distrito Federal. A seção IFSC fez um dia de paralisação para realização da assembleia dos sindicalizados, que ocorreu no dia 25 de novembro. Mas os servidores acabaram deliberando por não aderir à greve nacional. Ainda que o Sinasefe não tenha aderido à greve, o sindicato teve uma relação muito intensa com as ocupações. Teve uma noite que o pessoal da UFSC veio e passou a noite ali meio que em claro com a gente auxiliando, teve uma noite também que veio gente da ocupação da UDESC e foi também lá para dormir no Campus com a gente, participaram ali alguns dias, e a gente teve também apoio logístico dos sindicatos, do SINASEFE o SINASEFE foi o que participou e mais ativamente pela proximidade, a gente estava vivendo dentro do mesmo Campus, tinha vários professores que a gente conhecia, tentaram dar alguns suportes mas foi muito gostoso seguir essa experiência porque eles falavam “a pauta é de vocês, a gente tá aqui para dar um suporte, a gente pode ajudar na campanha, trazer alimentos, ajudar na campanha de doações”, mas as tomadas de decisões e as reuniões aconteciam exclusivamente com as pessoas que participavam da ocupação (Bianca, Campus São José).

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Como foi mencionado acima, a relação estabelecida com outros campi e ocupações de outras escolas e universidades demonstrou o nível de articulação e capacidade de organização política do movimento no IFSC. Então, a gente também tinha um grupo no Whats com os alunos dos outros campus pra saber como tava o andamento das outras ocupações, afinal, a gente não tomava uma decisão só entre os nossos campus. A gente tava sabendo o que tava acontecendo, por exemplo, em Chapecó, em Florianópolis. A gente tinha esses contatos das lideranças das ocupações de outros campus pra saber como tava procedendo, né. Em relação às escolas dos estados aqui, a gente também tinha algumas ligações com as lideranças, por exemplo, ah hoje a gente vai parar o IFSC por exemplo, então a gente não vai ter aula, e a gente conversava com os alunos de outras escolas pra tentar fazer o mesmo, fazer uma mobilização maior, não só interna (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

Um processo que ocorreu com contradições e conflitos, numa dinâmica que oscilava entre a articulação dos/as ocupas com outros movimentos sociais e organizações políticas e a preservação da autonomia, já que a autogestão era um princípio nas ocupações. A entrada e influência de movimentos externos não era negada, mas era vista com muita cautela pelos/as estudantes: Eu acho muito importante as pessoas se organizarem em uma entidade, alguma juventude, mas não era o momento, parecia um aparelhamento, assim das coisas. Aí a gente já deu uns cortes, mas em resumo a vontade partiu da gente mas não teve nenhuma influência externa, teve apoio externo que a gente precisava de ajuda, de suporte (Anita, Campus Palhoça – Bilíngue).

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O relato do Campus São Miguel do Oeste demonstra que os/ as ocupas souberam construir uma mediação política entre movimentos sociais presentes no contexto regional, mantendo a autonomia, mas sem cair numa postura de negação da política: [...] a gente acabou ocupando, a gente teve apoio de algumas lideranças de movimentos, assim também, movimento de pequenos agricultores que ajudavam a gente tanto quanto alimentação mas em geral foram só os alunos do campus mesmo, não teve nenhuma intervenção de fora, assim, até porque a gente preferiu assim, pra, por questões contrárias de alunos mesmo que participavam da ocupação, mas em geral foi mais ou menos isso, foi algo que aconteceu naturalmente, assim, não foi nada planejado (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

O relato do Campus Chapecó, demonstra que, ainda que os/ as estudantes prezassem pela autonomia, eles não tinham aversão ou rejeição aos movimentos sociais e organizações políticas, que tiveram acesso aos/às ocupas, articulando agendas em comum: Teve muito o apoio dos sindicatos, da própria comunidade, comunidade acadêmica do IFSC campus Chapecó. E dos sindicatos também teve muita parceria, sindicatos dos bancários, outros sindicatos, a associação de mulheres camponesas. Teve muito auxílio, mas não foi o que nos sustentaram, a maior parceria nossa era com a comunidade acadêmica, os professores nossos, com a comunidade geral ali perto, com os amigos dos ocupandos. Era assim que gente sobrevivia, mas ninguém financiava nada (Luís Carlos, Campus Chapecó).

Inspirados nos processos de ocupação realizados em São Paulo e em outros estados do país, os/as estudantes do IFSC criaram seus repertórios e táticas de mobilização e luta, as ruas

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eram um espaço importante nas disputas que foram travadas em suas cidades: Olha, não tinha uma “Ah, toda semana vai ter um protesto em tal lugar”, mas de vez em quando a gente se programava pra fazer um protesto que englobava todas as escolas, inclusive quando a polícia começou a bater nas escolas que estavam ocupando a gente reunia todos os campus e as escolas que estavam ocupando e fazia protestos na frente da prefeitura, da praça, mas nada muito, não era rotineiro, mas de vez em quando a gente fazia sim, mas por necessidade mesmo (Luís Carlos, Campus Chapecó).

A agenda de atividades organizadas pelos/as ocupas tinha como preocupação a formação política e o debate sobre os grandes temas nacionais. O movimento procurou criar uma agenda de cunho político e cultural através de oficinas, seminários, assembleias, rodas de conversa e uma série de atividades que potencializassem a politização dos/as estudantes: Olha, a gente teve uma grande politização no próprio campus e além disso a politização entre os próprios alunos. O nome do IFSC ficou muito mais popular na cidade, que isso era uma pauta antes da ocupação, que o IFSC não era muito visto na cidade e você falava IFSC e as pessoas não sabiam o que era, o que que significava. Então, depois dessa ocupação teve também um impulsionamento do nome do IFSC, as pessoas começaram a saber mais o que que era, mas o principal eu diria que foi a politização dos alunos. Inclusive os alunos procuraram depois teve várias chapas para disputar o grêmio estudantil, essa politização que eu falo. Antes da ocupação não tinha tanto disso, era alguns poucos alunos interessados na politização. (Luís Carlos, Campus Chapecó).

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O que também foi constatado no Campus Araranguá: Primeiro que no geral a gente já criou um grupo mais unido ali, na verdade não mais unido, mas um grupo que se criou que não existia, de estudantes que tinha um pensamento parecido, que tinha algum interesse de que a política fazia assim parte do nosso dia a dia, que a gente tinha que ter atenção quanto aquilo, e saiu desse grupo de estudantes um movimento popular que hoje a gente se intitula “resistência estudantil Araranguá”, que são de alunos da ocupação, a residência estudantil são de alunos da ocupação e de outros alunos que foram agregando e se identificando com o movimento (José, Campus Araranguá).

É possível identificar nas falas dos/as estudantes como a organização das ocupações e seus repertórios de lutas estavam articulados com o movimento nacional de ocupações, mas que também respondia diretamente aos debates e deliberações realizados junto à base dos/as estudantes. A democracia direta revelou-se um exercício permanente, com a tomada decisões de forma coletiva e participativa. Os/as ocupas utilizaram de ferramentas digitais que permitiram que as ocupações ganhassem adesão e tivessem ampla repercussão. Através da criatividade e inovação na comunicação, a juventude antecipou a importância da utilização das mídias sociais, em um contexto em que boa parte dos setores progressistas ainda ignorava essas ferramentas. Quem sabe se a esquerda tivesse aprendido com o movimento dos/as ocupas, poderia ter utilizado melhor as tecnologias de comunicação e informação, não sendo “pega de surpresa” pelas ações da extrema direita, que utilizou amplamente tais ferramentas digitais.

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Os/as ocupas não embarcaram nos discursos da antipolítica e fomentaram a formação política e a articulação junto a uma série de movimentos sociais, mas sem perder a sua autonomia. Não negaram a presença de partidos políticos, juventudes organizadas e movimentos sociais que apoiavam as lutas estudantis. Mas também tinham uma visão crítica sobre as tentativas de aparelhamento das ocupações. Da mesma forma, utilizaram as estruturas dos grêmios estudantis e centros acadêmicos, mas foram além deles, criando uma relação diferente na organização dos/as estudantes do IFSC e estabelecendo uma nova referência para as futuras lutas estudantis.

REPRESSÃO E O FIM DAS OCUPAÇÕES As ocupações enfrentaram um cenário de crescente autoritarismo e de fortalecimento do conservadorismo na sociedade brasileira. O golpe de 2016 não se reduziu à destituição da Presidenta Dilma Rousseff, mas representou a vitória de uma agenda que tinha como objetivo reconfigurar o Estado brasileiro, retirando direitos trabalhistas e sociais e reduzindo investimentos públicos em áreas sociais, como a saúde e a educação. Além de ter aberto um processo violento de criminalização da esquerda e dos movimentos sociais. Opressão que os/as ocupas enfrentaram desde os primeiros dias de mobilização: No primeiro dia que a gente dormiu aqui veio, vieram dois caras num carrão preto: “Ah, o que que tá acontecendo aí?”. Não se sabe se era a paisana, se era PM, mas esses mesmos caras que vieram no primeiro dia, no dia da reintegração, quando tava tudo apagado, antes da polícia chegar, mas que a gente já

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tava nervoso, eu sou bem intuitiva, até uma coisa fora das coisas objetivas. Tava super nervosa. Pensei ”Vai acontecer alguma coisa” porque luz já tinha acabado no dia anterior, mas tá, acontece, né? Mas eu tava super nervosa, então, e esses caras apareceram no mesmo carro e faziam meio que um rally um racha de coisa aqui na frente, ficavam passando, não se sabe o que que era, não fizeram nada, ninguém sofreu nenhum atentado mas a gente dormiu tenso, a maioria das noites (Anita, Campus Palhoça – Bilíngue).

Organizações de direita como o MBL e o MESP foram alguns dos movimentos que se opuseram aos/às ocupas, procurando criminalizá-los e jogar a opinião pública contra eles. Setores da mídia tradicional também procuraram atacá-los. Talvez o caso mais emblemático tenha ocorrido no dia 22 de outubro de 2016, em Chapecó, quando reportagem da RICTV Chapecó produziu uma matéria jornalística, na qual o repórter expôs uma aluna menor de idade a uma situação de constrangimento, visando deslegitimar o movimento. As ocupações nos campi do IFSC tiveram como um de seus momentos mais significativos a reunião entre representantes do movimento estudantil de quase todos os campi da instituição no dia 18 de novembro, no Campus Palhoça, que era a principal referência pelo fato de ter sido totalmente ocupado desde o primeiro dia. Naquela mesma semana, o Campus Araranguá também havia sido fechado totalmente e o movimento avançava em sua radicalidade e articulação, o que poderia ter desdobramentos para outras unidades, através da crescente capacidade de organização dos/as estudantes. Tudo indicava que na semana seguinte outros campi seriam ocupados ampliando a adesão. 106


Mas, na noite do dia 18 de novembro, ocorreu um dos capítulos mais tristes da história centenária do IFSC, que marcou profundamente os rumos do movimento. O Campus Palhoça Bilíngue foi desocupado de forma violenta, após o pedido de reintegração de posse ter sido concedido pelo juiz substituto da 3ª Vara Federal de Florianópolis. A desocupação foi realizada através da intervenção da Polícia Federal (PF) e da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). A entrada da força policial no campus remeteu a um cenário que só pode ser comparado aos anos de chumbo da Ditadura Empresarial-Militar. Por volta das 19h30m, a energia elétrica do campus foi desligada a pedido da reitoria do IFSC e às 23h, em plena escuridão, agentes da PF e soldados da PMSC, acompanhados de um oficial de justiça, ingressaram no campus para cumprir mandado de desocupação do prédio. Enquanto isso, membros da reitoria “impediram o acompanhamento da ação policial pelos servidores, pais e familiares ora presentes, tendo sido liberada apenas a presença da Assistente Social após solicitação à Conselheira Tutelar” (SINASEFE, 2016, p.3). O relato de quem vivenciou aquela noite é muito impactante: Primeiro chegou aqueles carros estranhos [...]. Depois foi chegando o camburão da BOPE, aí chegou um ônibus da BOPE, em torno de 100 policiais e tinha umas vinte pessoas na escola, foi o dia que mais teve gente e foi aquele terror assim de entrar com arma dentro da instituição, e mirar com luz na cara assim “Vaza, vaza, vaza” e a galera toda tipo “O que que eu levo” , “o que que eu faço”, “para onde vamos?”, ”o que está acontecendo?” e primeiro momento foi sair correndo e se esconder, né? Vai saber (Manuel, Campus Palhoça – Bilíngue).

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Eles colocaram todo mundo em um paredão, como se fossemos bandidos aqui dentro. Não deixaram ninguém que tava por fora entrar porque eu com os meus 3% de bateria consegui avisar o máximo de pessoas que eu pude (Manuel, Campus Palhoça – Bilíngue). Aí basicamente a gente foi pro paredão, eles revistaram a gente, foram totalmente abusivos, teve gente que teve as partes íntimas tocadas, sabe? Por falta de respeito dos profissionais ali. Debocharam, os policiais (Anita, Campus Palhoça – Bilingue). Não estavam identificados, a gente não conseguia ver o nome de ninguém. As servidoras que estavam ali do IFSC, elas estavam presencialmente ali, mas estavam pensando em outra coisa, porque estavam olhando pra outra coisa. Não estavam deixando a própria assistente social do campus entrar. A gente tava apavorado lá dentro, parecia que a gente tava dentro de uma prisão mesmo (Anita, Campus Palhoça – Bilingue).

Dada a repercussão negativa da desocupação, a Reitora Maria Clara posicionou-se sobre os fatos apenas no dia 24 de novembro, através de uma nota na qual também citava a situação dos campi Araranguá e Chapecó, o texto foi publicado da seguinte forma no site oficial, tentando justificar as desocupações: No Câmpus Palhoça-Bilíngue, a atitude foi tomada após alunos, servidores (inclusive a diretora), e pais de alunos serem impedidos de entrar no câmpus, bem como denúncias no Ministério Público Federal (MPF) e Procuradoria Geral Federal (PGF) da Advocacia Geral da União (AGU). A situação foi agravada na sexta-feira, com o convite para uma festa pública no campus, no sábado, com participação de pessoas externas

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ao IFSC, me marcando inclusive nas redes sociais, de forma bem provocativa. Infelizmente, fomos obrigados a agir para garantir a integridade da instituição, bem como de seus alunos. Nesta segunda e terça-feira, dias 21 e 22, reuniões que envolveram o MPF e a AGU, direções-gerais e integrantes dos movimentos de ocupação, foi acordado que os câmpus Araranguá e Chapecó serão desocupados pelo movimento estudantil até a meia-noite desta sexta-feira, dia 25, com retorno das aulas regulares no dia 28. Essas desocupações também foram motivadas pela restrição de acesso de servidores e estudantes ao câmpus. Tentamos, assim, evitar uma reintegração pela justiça, que determina força policial nesses casos, a qual não poderíamos intervir. Estamos tristes em termos que tomar esse tipo de medida, visto que sempre manifestamos apoio à manifestação pacífica dos estudantes. Não podemos, no entanto, como gestores públicos, deixar de zelar pela integridade das pessoas, do patrimônio público e pela regularidade da prestação de nossos serviços. Precisamos respeitar o direito de todos, tanto de quem quer aderir ao movimento quanto de quem não quer! Princípio democrático de manifestações com respeito mútuo. Aguardamos a colaboração de todos para que as desocupações ocorram de forma pacífica (IFSC, 2016, s.p.).

Com a judicialização e criminalização do movimento e após a desocupação violenta do Campus Palhoça – Bilíngue, o movimento foi perdendo força. No dia 25 de novembro, os campi Chapecó e Araranguá foram desocupados. Como exposto no relato de um dos ocupas: A finalização dessa ocupação veio com, aí veio a Advocacia Geral da União tentou articular junto à Reitoria, a pedido da Reitoria do IFSC, e a Reitoria também fez um pedido de rein-

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tegração de posse dos institutos federais, um deles saiu para Palhoça e outro aqui para Araranguá, esse pedido no dia que saiu para Palhoça a Polícia Militar foi até lá, então foi uma saída bem ruim lá, segundo relatos dos estudantes de lá, teve bastante repressão por parte da polícia e usaram táticas de guerra, como desligar a luz, cortar a água do ambiente momentos antes, para os alunos chegarem a acabar a bateria de celulares e não conseguiram filmar algumas ações e tal. Eu acho que talvez por esse dobramento não ficou muito bem visto isso que aconteceu na Palhoça, talvez por conta desse desdobramentos da ação dos estudantes ali que recriminaram isso né, aí a reitoria acabou tentando agir diferente em Araranguá, ela mandou esse pedido não ficou com a Comarca de Florianópolis com o juiz de lá, ele mandou para a comarca aqui do Sul e o juiz do Sul decidiu esperar esse pedido para que fizesse uma negociação antes com IFSC, e aí veio o Ministério Público, um representante do Ministério Público conversar e aí eu acho que da advocacia-geral da União conversou com o Ministério Público, acho que não eles não vieram até aqui, mas veio um representante do Ministério Público que conversou também com a Reitoria e fez uma proposta para a gente, o pedido de reintegração de posse saiu no meu nome, então assinado né que tinha uma série de estudantes mas como o estudante tal, para que ele saísse do IFSC, e numa conversa rápida com os alunos foi “bom o pedido veio para mim eu posso sair né tem que impedir um por um, se eles quiserem tirar todo mundo”, mas a gente conversou com os estudantes que veio essa proposta do ministério público para a gente, aí o pessoal já estava bem cansado, que era bem desgastante, enfim, todas as atividades que estavam acontecendo, a repressão, a pressão de fora, pessoal tendo que dormir aqui, então tudo isso de um desgaste gigante

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no pessoal tava aqui dentro, mesmo tendo aquele espírito de querer lutar um pouco mais, mas quando veio esse pedido a gente acabou sentando todo mundo e fizemos uma votação de novo, como já é de praxe, como pedido foi para mim acabei me dispondo a seu último a voltar para talvez não influenciar a ideia dos demais, foi até um pedido de um dos outros alunos, para a gente começar a fazer de uma forma mais assim do que realmente eles queriam, não que aquilo geraria algum prejuízo a mim ou algo do tipo, mas se eles realmente queriam finalizar ocupação, se achavam que tinha tinham cumprido seu papel ou não, e aí uma maioria de gente acabou decidindo desocupar (José, Campus Araranguá).

Após o processo de desocupação nos campi citados acima, os/ as estudantes voltaram suas forças para a participação no ato que ocorreu em Brasília no dia 29 de novembro, dia da votação em primeiro turno da PEC do Teto de Gastos na Câmara de Deputados. A mobilização, que contou com cerca de 40 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, representou um dos momentos mais importantes do processo de luta pela derrubada das contrarreformas do governo Temer. Estudantes de centenas de unidades escolares ocupadas de todo o país mobilizaram-se e ocuparam Brasília, sofrendo uma brutal repressão policial. Representantes do movimento estudantil do IFSC também participaram das manifestações. A PEC foi aprovada e representou uma derrota para o movimento dos/as ocupas. O país estava condenado a cortes orçamentários em áreas sociais, como saúde e educação, por 20 anos. Os/ as ocupas travaram uma luta justa, alertando a sociedade brasileira para os malefícios das contrarreformas, o que infelizmente se confirmou. Após Brasília, as ocupações entraram num ritmo de


refluxo, ainda que algumas escolas e campi tenham permanecido ocupados até dezembro, o movimento caminhava para o seu fim. Então, o fim da ocupação ele veio por parte de, no final da ocupação, a ocupação própria decidiu radicalizar um pouco, em uns dois, três dias a gente trancou o campus inteiro sem o acesso do curso que não estava realizando a ocupação. E esse curso que não estava realizando a ocupação, então ele começou a buscar outros caminhos para terminar essa ocupação. Diante dessa pressão toda, e como já tava em um processo final da pec 241, enfim, a ocupação terminou, na verdade, quando a pec 241 foi aprovada, mas também era a reta final e já tinha muita pressão desses outros cursos mas se deu mais pela aprovação da pec 241 (Luís Carlos, Campus Chapecó). E aí meio que acabou na hora até por inanição assim, tipo, como o pessoal não fez um movimento de acabar por cima, acabar quando o movimento ainda tava legítimo, quando ainda tava com a legitimidade boa, tava com uma força ali, tava com uma expressão ele meio que acabou gradualmente conforme ele já não tinha mais pernas pra existir, e eu acho que isso é ruim. Na medida que o movimento conseguisse acabar por cima, tem um saldo político maior para o próximo período. Mas foi um pouco de como aconteceu (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Mas a repercussão da desocupação violenta do Campus Palhoça – Bilíngue seguiu na instituição. No dia 29 de novembro, ocorreu uma audiência pública no prédio da Reitoria do IFSC, cuja pauta era a desocupação, que contou com a participação de lideranças estudantis e de servidores/as que apoiavam as ocupações.

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Após as desocupações dos Campi Palhoça, Araranguá e Chapecó por meio de reintegração de posse e com derrota na votação da PEC 55/2016, na votação em primeiro turno no Senado, no dia 29 de novembro, o movimento no IFSC foi perdendo força. A ocupação de Xanxerê foi desmobilizada no dia 27 de novembro e os Campi de Florianópolis e São José tiveram as ocupações encerradas nos dias 07 e 08 de dezembro, respectivamente. O último foco de resistência foi a ocupação do Campus São Miguel do Oeste, que terminou no dia 14 de dezembro. O ato final dos/as ocupas do IFSC foi a divulgação de uma nota política que anunciou: Desocupamos, de cabeça e pulsos erguidos! Após 37 dias e a luta não vai parar, temos muito o que construir juntos. Gratidão por todo o apoio vindo de alunos, pais, professores/ servidores, movimentos sociais e toda comunidade externa. A ocupação foi só o primeiro passo, para dizermos QUE O MOVIMENTO ESTUDANTIL ESTÁ VIVO! Para nós estudantes, nem uma sala de aula vai proporcionar à experiência e formação política que esse movimento nos proporcionou. Nos unimos, em torno de uma única causa: LUTAR PELO QUE É NOSSO. Mais uma vez, muitíssimo obrigado companheir@s e tenham certeza que a luta continua! (Ocupa IFSC-SMO, 2016, s.p.)

Terminava um dos capítulos mais potentes da história do movimento estudantil no IFSC. Durante quase dois meses as ocupações sacudiram a instituição e colocaram os temas nacionais no centro dos debates da comunidade do IFSC.

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Mesmo os campi que não foram ocupados viveram sob o espectro das ocupações. Os campi ocupados tiveram suas rotinas profundamente alteradas, numa subversão da ordem institucional que foi suplantada por uma nova dinâmica de organização escolar e acadêmica. A autogestão e o debate político fizeram parte da formação de centenas de estudantes. Eram tempos em que o MESP e o MBL visavam silenciar e censurar qualquer debate no interior das escolas. Os/as ocupas resistiram aos ataques da extrema direita e propuseram alternativas transformadoras para a educação e a sociedade brasileira. O movimento foi muito além dos muros do IFSC, levando o debate sobre o Teto de Gastos e a Reforma do Ensino Médio para as ruas de cidades catarinenses e trouxeram para dentro dos campi os movimentos sociais, a comunidade, e estudantes de outras instituições que passaram a ver nas ocupações do IFSC uma referência de luta e resistência contra o golpe de 2016. Os/as ocupas anunciaram as perversidades que a agenda golpista traria para o país, o que infelizmente se concretizou nos anos de governo Temer e Bolsonaro. A geração de 2016 ousou “tomar o céu de assalto”, construindo um marco nas lutas estudantis no IFSC. As ocupações acabaram, mas suas pautas e seu legado seguem circulando nos corredores da instituição. A luta continua!

UMA OUTRA EDUCAÇÃO É POSSÍVEL A primavera de 2016, quando das ocupações no IFSC, fez desabrochar uma perspectiva de educação proposta e pautada pelo movimento estudantil. Opondo-se ao NEM e à proposta da 114


BNCC, os/as estudantes colocaram-se em defesa do currículo integrado na instituição e aprofundaram o debate político nos campi. Articulado à luta de estudantes de baixa renda, que iniciaram um movimento de luta contra a austeridade e os cortes na educação, as ocupações deram voz e vez às minorias dos campi. Negros e negras, pessoas com deficiência, mulheres, comunidade LGBTQIAPN+ tiveram um protagonismo importante. Estudantes da EPT afrontaram a lógica de uma educação tecnicista muito presente no IFSC e propuseram debates que não eram abordados em sala de aula: Então, a gente fazia muita oficina, a gente tentava buscar fora algo que fosse diferente do que a gente sempre tinha em sala de aula. Então a gente proporcionava oficinas sobre, porque como a gente tem tecnologia de alimentos, a gente buscava fora alguém que fosse relacionado a alguma área do curso pra trazer algo diferente, então a gente fazia palestras, a gente fazia oficinas práticas, tanto se pintura, sabe, algo mais diversificado do que em sala de aula, enquanto a gente tava na ocupação, isso era fora do horário de aula, enquanto estava na ocupação a gente fazia isso e planejava o que as gente ia fazer nos próximos dias e ficava esperando os resultados também né, da mobilização que a gente tava fazendo (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

Os/as estudantes realizaram um trabalho coletivo de organização e de autogestão que marcou profundamente sua formação educacional e política: Pra mim, aprender a trabalhar em grupo. Eu acho que trabalhar, coordenar coisas muito importantes em grupo e dividir

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as tarefas, era tão legal e cada um fazia uma coisa e vendo que era possível cada um fazia um pouquinho e tudo ia fluindo ao invés de um que sempre manda e os outros vão fazendo e também esqueci. Aprender a trabalhar em grupo, isso que eu já falei pra vocês e também começar a observar ainda mais do que eu já observava de que tudo que é mostrado pra gente tem alguma coisa por trás, tudo. E isso é bem importante pra tu fazer as análises e reflexões sobre como as coisas funcionam e porque são assim e se devem continuar dessa forma. Foi um crescimento bem importante do lado pessoal, do lado profissional não sei... (Anita, Campus Palhoça).

A politização dos/as estudantes também foi um fator emblemático. Em poucas semanas, jovens que não tinham experiência com movimentos sociais, estavam participando de debates, organizando passeatas, barricadas, contatos com a imprensa e criando ferramentas próprias de comunicação e agitação. A ocupação foi um momento de aprendizagem política pra todo mundo assim, eu infelizmente já participei da ocupação e já tava saindo, então acho que o acúmulo que eu ganhei naquela ocupação eu não consegui depois reverter em um acúmulo do grêmio, mas várias pessoas fizeram isso. Eu sei que depois da ocupação várias pessoas acabaram até se organizando, qualificando a sua militância, se formando politicamente, aderindo a uma linha política mais combativa. O movimento, como eu falei, teve esse saldo político no grêmio estudantil, que a gente conseguiu retomar pro movimento (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

Contexto que teve um desdobramento perceptível na organização das entidades estudantis dos campi nos anos seguintes. Em 2017, principalmente durante o primeiro semestre, houve uma 116


forte atuação dos/as estudantes que participaram das ocupações em manifestações como a Greve Geral de 28 de abril e o Ocupa Brasília, que ocorreu no dia 24 de maio daquele ano. Os/as ocupas criaram espaços de articulação entre movimentos sociais regionais, que potencializaram lutas contra o governo golpista de Michel Temer. Eu acho que assim, o próximo grêmio, o grêmio que entrou depois já sentiu a necessidade de, poxa, se acontecer alguma coisa a gente sabe o que fazer, a gente pode tomar alguma atitude, porque antes era tudo muito, era um grêmio estudantil mas só tinha mobilização estudantil relacionado a nada que acontece, pode ser que teja acontecendo alguma coisa relacionado indiretamente dos estudantes, mas não tenha coragem pra fazer algo. Acho que depois da ocupação, despertou interesse nos alunos, sabe, de não se calar de não ficar só “ah, tá tudo bem”. Acho que isso encorajou mais os alunos e fez com que eles percebessem que realmente a gente tem que se mobilizar quando a gente acha que algo não está certo (Marta, Campus São Miguel do Oeste).

Eles também derrotaram o movimento de extrema direita em campi nos quais o MBL já aparecia como uma força política relevante, como foi o caso de Florianópolis. Tanto que o saldo político que teve da ocupação foi que o grêmio que estava na mão da direita, quando a ocupação acaba, não tá mais na mão da direita, porque por mais que eles ainda tivessem o mandato deles, de um ano, eles não tinham mais coragem de aparecer no grêmio, a maioria das pessoas que tocavam o grêmio a partir daí, eram pessoas que enfim, estavam ligadas ao movimento, dispostas a fazer o movimento. Então,

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tem essa particularidade que eu acho muito interessante assim, até pra entender essa tal da polarização política que existe e uma demonstração de força mesmo, né? Porque apesar de tudo e até mesmo o grêmio tentando boicotar, a gente conseguiu ser vitorioso na ocupação e ser vitorioso na luta pelo grêmio estudantil, que é uma entidade legítima, uma entidade importante para qualquer instituto federal aí, qualquer escola poder estar organizando o movimento secundarista (Marcos, Campus Florianópolis – Mauro Ramos).

A democracia participativa direta também foi uma marca entre os/as estudantes que atuaram nas ocupações. [...] como esse grupo de alunos de pessoas no ambiente só é interessante a igualdade entre todo mundo, eu acho que foi o que mais identifiquei naquele momento, que todo mundo é igual, tinham o mesmo voto e todas as falas eram válidas, eram escutadas e eram debatidas, até por isso levava muito tempo nas nossas reuniões iam até duas, três da manhã, o pessoal começava ali por volta das 10, 11 horas e se estendia muito tempo conversando, então essa igualdade entre todo mundo, acho que principalmente para mim como talvez até como carreira profissional, como professor, essa ideia de estar atento às políticas públicas a todo momento, eu acho que depois disso eu comecei muito mais a me preocupar com a política, então tentar contribuir de alguma forma com a minha visão e tentar trazer isso que eu aprendo aqui dentro [..] (José, Campus Araranguá).

Os/as ocupas souberam conviver com diferentes grupos e opiniões e questionaram o processo de aprendizado dentro da instituição, visando superar uma visão de educação tecnicista, avançando num debate de educação socialmente referenciada. 118


Eu cresci muito no sentido de vida assim no sentido de desenvolver as minhas habilidades de me portar assim, no sentido do ativismo, de lidar com pessoas de diferentes idades e diferentes nichos de população tanto gente mais provida de dinheiro quanto gente menos provida de dinheiro. E por acabar tomando frente da questão ali acabava tendo uma influência nos alunos, né? Então eu trabalhei bastante essa questão de intermediária entre uma instância e outra e a oratória assim sabe no estudo em si dentro da sala de aula eu vi que consegui refletir bastante sobre as coisas que aconteceram no processo e parar de aceitar o que vinha de graça, sabe? Questionava mais porque sabia que era muito importante essa necessidade de sempre tá questionando porque tem professor que só quer que tu aprenda o cru ali mas tu não sai com o ensino dali totalmente, né? Porque o ensino vai além da sala de aula, isso é muito importante dentro do IFSC pra gente saber disso, né? (Manuel, Campus Palhoça).

A importância do trabalho coletivo foi um dos desdobramentos que ficou na formação política proporcionada pelas ocupações estudantis. A experiência dos/as ocupas apresentou um modelo de educação baseado na autogestão e na articulação da educação profissional com os grandes problemas nacionais. Não negou a relação e a importância dos/as trabalhadores/as em educação, mas procurou estabelecer novas formas no processo ensino-aprendizagem e levou a democracia participativa direta como um princípio, aprofundando-a. O movimento combateu o obscurantismo do MESP e do MBL, que ameaçavam a educação. Em resposta propuseram muitas atividades, difundindo cultura, arte e ciência, através de atividades

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que valorizavam a formação integral dos/as estudantes, colocando em prática princípios da educação histórico-crítica que orientam o IFSC. Os/as ocupas formaram-se enquanto sujeitos históricos, protagonistas, assentaram suas práticas no trabalho coletivo, articularam de forma inédita os campi com os movimentos sociais. Deram um banho de povo no IFSC. Defenderam a educação pública num cenário de ofensiva neoliberal, cavaram trincheiras de resistência contra o esvaziamento do currículo e pautaram debates sobre gênero, sexualidade, antirracismo e formação política, quando a censura tentava se abater sobre as escolas através dos projetos que queriam uma “escola sem partido”. Naqueles dois meses, outra educação profissional e tecnológica revelou-se possível.

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O QUE FICOU D A S OCUPAÇÕ ES ?

Pelos caminhos que ando um dia vai ser só não sei quando Paulo Leminski

Este livro não tem a pretensão de dar conta de todo o processo das ocupações no IFSC. Muitas histórias aguardam por ser contadas e o tema segue em aberto para futuras pesquisas e estudos sobre um movimento que marcou profundamente o movimento estudantil na instituição. Entre outubro e dezembro de 2016, milhares de estudantes se envolveram no processo de ocupações em todas as regiões do país. No caso do IFSC, é possível afirmar que centenas de estudantes se mobilizaram nas ocupações dos campi, direta e indiretamente toda a comunidade acadêmica e escolar foi impactada pelo movimento. Dos/as ocupas, muitos, provavelmente, ainda seguem estudando no IFSC ou retornarão para suas salas de aula em algum

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momento da vida. Muitos seguiram suas vidas profissionais e acadêmicas em outros espaços e instituições, mas seu legado de lutas segue presente. Jovens que se levantaram contra as arbitrariedades e o autoritarismo, que ousaram resistir numa das conjunturas mais adversas para os movimentos sociais, que se colocaram na trincheira de defesa da educação pública e foram além, propuseram, na prática, novas formas de sociabilidade, de poder e de organização coletiva. Criaram espaços e articulações com movimentos sociais sem precedentes na história do IFSC. Os campi ocupados converteram-se em verdadeiros bastiões de resistência contra o golpe, aglutinando sindicatos, coletivos, partidos políticos e juventudes que buscavam algum ponto de unidade num cenário de defensiva das forças progressistas e populares. Todos/as os/as ocupas, independente da forma como participaram, contribuíram de alguma forma para o processo de ocupação, seja na organização de um debate, em uma fala numa roda de conversa, pintando um cartaz, na preparação de alimentos ou trancando uma rua. Através de suas ações, abriram novos caminhos. Durante a pesquisa, foi possível identificar que a forma de organização das ocupações teve relação direta com as formas de organização dos chamados novíssimos movimentos sociais, numa articulação das lutas locais com as formas de organização dos movimentos sociais em escala global no século XXI. As ocupações foram construções horizontalizadas, profundamente democráticas e que procuraram manter a autonomia do movimento, porém sem negar a política, construindo amplas e diversas interfaces com outros movimentos sociais e organizações políticas.

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Os/as estudantes do IFSC criticaram o modelo de educação baseado em competências e habilidades e expuseram que perspectivas tecnicistas, de formação voltada para o mercado de trabalho, mesmo no marco da nova institucionalidade permaneciam hegemônicas, orientando a formação no contexto de educação profissional e tecnológica dos campi do IFSC. Os/as ocupas anunciaram que, sem resistência ao golpe, o pior estaria por vir, o que infelizmente acabou se concretizando. O movimento não contou com a adesão suficiente dos/as trabalhadores/as em educação e o movimento sindical só teve forças para propor uma greve geral, meses depois que as ocupações haviam sido encerradas. Anos de imobilismo e cooptação dos movimentos sociais cobraram seu preço. A resistência não conseguiu barrar o golpe e foi derrotada. Os principais projetos da agenda neoliberal foram aprovados, com graves consequências ao povo trabalhador brasileiro. As lutas estudantis alertaram a sociedade brasileira das graves consequências que a reforma do ensino médio, o teto de gastos e o conservadorismo poderiam trazer caso tais projetos avançassem. As consequências foram sentidas imediatamente com o agravamento dos cortes no orçamento da educação, no avanço de um currículo rebaixado, que limitou as possibilidades de formação crítica no ensino médio, além do avanço da violência de grupos de extrema direita contra as escolas, que passaram a se concretizar com atentados cada vez mais frequentes. É difícil mensurar e avaliar o tamanho do legado das ocupações no IFSC. O que podemos afirmar é que as ocupações foram um marco na Instituição. Uma referência de resistência que seguirá viva por muito tempo, influenciando novas gerações.

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Esse livro faz parte de um esforço para que esse momento fique registrado e siga provocando debates e reflexões sobre o movimento estudantil, inspirando outros/as estudantes. A disposição de luta dos/das ocupas contrapôs o autoritarismo e, em resposta, aprofundou a democracia participativa. Formados no contexto da educação profissional, científica e tecnológica, se posicionaram contra uma educação tecnicista, eles e elas não queriam ser meros operadores ou técnicos, lutavam por mais. O Brasil e o IFSC não foram mais os mesmos depois de 2016. As ocupações trouxeram um alerta através de suas lutas. Infelizmente a onda conservadora e o autoritarismo enfrentados pelos/ as ocupas só se agravaram nos anos seguintes, com a ascensão da extrema direita e a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018. Já se passaram sete anos da luta protagonizada pelos/as ocupas. Mas suas bandeiras e pautas seguem vivas e pulsando na agenda do movimento estudantil no país, mobilizando amplos setores da juventude trabalhadora. Questões como a democracia participativa, a revogação de todas as contrarreformas aprovadas após o golpe, a luta contra a agenda de austeridade, o fim do Novo Ensino Médio, a derrota da extrema-direita e a construção de uma escola e de uma sociedade que supere o modelo de exploração e opressão capitalista são objetivos que devem ser alcançados. O lema “ocupar e resistir” segue cada vez mais atual!

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CRONOLOGI A 2013 •

Abril – surgimento do Movimento Pela Base Nacional Comum (MPB), a partir do Seminário Internacional “Liderando Reformas Educacionais”, que ocorreu em São Paulo, na Fundação Victor Civita – Grupo Abril, organizado pela Universidade de Yale e pela Fundação Lehman.

06 de junho – Manifestação convocada pelo Movimento Passe Livre em São Paulo contra o reajuste das tarifas de ônibus, metrô e trens. Início das Jornadas de Junho.

27 de novembro – Apresentação do Projeto de Lei n. 6840/2013, pela Comissão Especial destinada a promover estudos e proposições para a reformulação do ensino médio.

2014 •

26 de outubro – Reeleição de Dilma Rousseff (PT) no segundo turno das eleições presidenciais. Com 51,6% dos votos válidos, ela derrotou o candidato Aécio Neves (PSDB).

27 de novembro – Dilma Rousseff anuncia Joaquim Levy como futuro ministro da economia. Implementar-se-ia um programa de ajuste fiscal que teve como consequência uma das maiores recessões da história do país. R O D R I G O

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2015 •

13 de julho – Início da greve no ensino público federal contra os cortes orçamentários na educação e por reajuste salarial.

23 de setembro – O Governo do Estado de São Paulo anuncia um projeto de reestruturação da rede escolar.

09 de novembro – A Escola Estadual de Diadema foi a primeira a ser ocupada.

14 de novembro – Fim da Greve do Sinasefe.

02 de dezembro – Eduardo Cunha aceita o pedido de Impeachment de Dilma Rousseff.

Em agosto – Criação da Resistência Estudantil Contra os Cortes na Educação (RECCE).

2016

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17 de abril – Aprovado, na Câmara dos deputados, o impeachment de Dilma Rousseff.

12 de maio – Michel Temer assume interinamente a Presidência da República.

03 de junho – O senador Magno Malta apresentou ao Senado Federal o Projeto de Lei do Senado nº 193, conhecido como o programa Escola Sem Partido.


15 de junho – Apresentação da Proposta de Emenda à Constituição n. 241/2016, pelo Poder Executivo, que: “Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal”

31 de agosto – Michel Temer assume de forma definitiva a Presidência da República, com mandato até o dia 31 de dezembro de 2018.

23 de setembro – Publicada a Medida Provisória nº 746/2016, que promove as alterações no ensino médio.

03 de outubro – Primeira ocupação de escola no Paraná, na Escola CE Arnaldo Jansen, em São José dos Pinhais. O movimento chegaria a 850 escolas ocupadas no estado, o segundo maior movimento de ocupações de escola na história.

17 de outubro – Ocupação do Campus Rio do Sul (IFC). Primeira ocupação no IF em Santa Catarina.

19 de outubro – Ocupação do Campus Araranguá (IFSC).

20 de outubro – Ocupação do Campus Chapecó (IFSC).

24 de outubro – Ocupação nos Campi São José e Xanxerê (IFSC).

27 de outubro – Ocupação do Campus Mauro Ramos – Floripa (IFSC).

01 de novembro – Ocupação do Campus Palhoça – Bilíngue (IFSC).

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08 de novembro – Ocupação do Campus São Miguel do Oeste (IFSC).

11 de novembro – Tentativa fracassada de integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) desocuparem o Campus Florianópolis.

18 de novembro – Encontro dos Estudantes dos Campi do IFSC realizado no Campus Palhoça – Bilíngue.

23h – Desocupação do Campus Palhoça com a presença de oficiais de Justiça com participação da Polícia Federal e de policiais militares do 16º BPM.

25 de novembro – Fim da ocupação no Campus Chapecó e Campus Araranguá.

27 de novembro – Fim da ocupação no Campus Xanxerê.

29 de novembro – Ocupa Brasília – Aprovação da PEC 95 no primeiro turno – repressão em Brasília.

14h – Audiência Pública com a Reitoria do IFSC sobre a desocupação do Campus Palhoça – Bilíngue.

07 de dezembro – Fim da ocupação do Campus Florianópolis (Mauro Ramos).

08 de dezembro – Fim da ocupação do Campus São José.

13 de dezembro – PEC aprovada em segundo turno pelo Senado, por 53 votos contra 16.

14 de dezembro – Fim da ocupação no Campus São Miguel do Oeste.


15 de dezembro – A PEC foi promulgada no Congresso Nacional.

17 de dezembro – Fim da Greve Nacional do Sinasefe.

2017 16 de fevereiro – Aprovada a Lei nº 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e criou o Novo Ensino Médio.

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A PÊND IC E

Figura 1: Mapa dos Campus do IFSC

Fonte: Portal do IFSC. Disponível em: https://www.ifsc.edu.br/campus.

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Figura 2: Evolução da Unidade da Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha. Elaborada pelo autor.

Figura 3: Ocupação do Campus Araranguá

Fonte: página da Ocupação IFSC Araranguá no Facebook.

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Figura 4: Ocupação do Campus Palhoça Bilingue

Fonte: página no Facebook da Ocupação Palhoça Bilíngue.

Figura 5: Estudantes elaboram cartazes na ocupação do Campus Xanxerê

Fonte: página do Facebook do Ocupa Tudo Xanxerê.

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Figura 6: Ocupação do Campus Chapecó

Fonte: página do Sinasefe Seção IFSC no Facebook.

Figura 7: Ocupação do Campus São José

Fonte: página do Sinasefe Seção IFSC no Facebook.

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Figura 8: Acampamento no hall do Campus Florianópolis – Mauro Ramos

Fonte: página do Facebook do Ocupa IFSC Floripa.

Figura 9: Ocupação do Campus São Miguel do Oeste

Fonte: página do Facebook do Ocupa IFSC SMO.

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Figura 10: Atividade com a Juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na ocupação do Campus Chapecó

Fonte: página do Facebook do Grêmio Integrar.

Figura 11: Ato dos ocupas no Centro de Araranguá

Fonte: página da Ocupação IFSC Araranguá no Facebook.

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Figura 12: Barricada feita pelos ocupas no Campus São José

Fonte: página do Facebook Ocupa IFSC São José.

Figura 13: Carros da PM em frente ao Campus Palhoça Bilíngue no dia da desocupação

Fonte: página do Facebook Sinasefe, seção IFSC.

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Figura 14: Protesto dos ocupas contra a votação da PEC 241 em Brasília

Fonte: Sérgio Lima/Poder360.

Figura 15: Alunos pintam faixa na ocupação do Campus Florianópolis – Mauro Ramos

Fonte: página do Facebook do Ocupa IFSC Floripa.

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Texto revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa Cassiano de Oliveira Ilustrações e Arte de Capa Cassiano de Oliveira Diagramação Évelyn Araujo Editora Débora Porto Assistente Editorial Patrícia Aragão Revisão Daiane Pereira e Luciano Peres dos Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Elaborada pela Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

L732g Lima, Rodrigo da Costa A gente ocupa o IFSC: as ocupações estudantis no Instituto Federal de Santa Catarina / Rodrigo da Costa Lima. – Porto Alegre: Polifonia, 2023. 148 p.; 15 X 21 cm ISBN 978-65-87420-24-0 1. Ativismo estudantil. I. Lima, Rodrigo da Costa. II. Título. CDD 371.81

Índice para catálogo sistemático I. Ativismo estudantil Todos os direitos reservados ao autor. www.editorapolifonia.com.br


Livro composto pela Editora Polifonia, em Retro Team e Minion Pro na Primavera de 2023.



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