Hélio Rocha
Coronel
Labre 1ª edição
São Carlos Editora Scienza 2016
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Rocha, Hélio Coronel Labre / Hélio Rocha; São Carlos, 2016. 234p. ISBN - 978-85-5953-001-8 1. Rio Purus. 2. Colonização. 3. Coronel Labre. 4. Lábrea. I. Rocha, Hélio. II Título. CDD 980
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Agradecimentos E
ste trabalho se originou de uma pesquisa historiográfica para a escrita do livro Maciary, ou para além do encontro das águas (2012), escrito por mim durante meus estudos de doutoramento na Universidade Estadual de Campinas, nos anos de 2009 a 2011, enquanto escrevia uma tese sobre o jornalista inglês Henry Major Tomlinson (1873-1958), sob orientação de Carlos Eduardo Ornelas Berriel, professor do Instituto de Estudos da Linguagem, na Universidade Estadual de Campinas. Diante da necessidade de encontrar dados sobre a vida de Antonio Rodrigues Pereira Labre (1827-1899), maranhense que fundou, organizou e governou uma cidade às margens do rio Purus, nos anos de 1871, escrevi um projeto e o submeti ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro com o intuito de fazer uma pesquisa sobre esse personagem histórico que, depois de estudar Direito no Rio de Janeiro e viajar pela Europa e Estados Unidos da América, nos idos de 1860, advoga uma causa a favor de um grupo de escravos, em São Luís do Maranhão e, tendo ganhado a causa, recebe ajuda do governo para realizar seu sonho: fundar uma cidade nos trópicos amazônicos. Este livro é o resultado dessa busca de dados sobre esse sertanista, explorador, professor, banqueiro, político e escritor que foi A. R. P. Labre, como assinava seus escritos. Embora tenha me servido de documentos já digitalizados e disponíveis nas redes sociais, alguns dados foram ‘descobertos’ em órgãos públicos das seguintes cidades brasileiras: Manaus, Belém, São Luís e Caxias, no Maranhão e no Rio de Janeiro. Agradeço aos funcionários desses institutos, bibliotecas e arquivos. Em especial ao material que foi cedido pelo Governo do Estado do Amazonas. Secretaria de Estado de Cultura. Gerência de Acervos Digitais. Agradeço à professora Joana de Sousa, (Caxias-MA) por haver encontrado a sepultura do Coronel Labre; à Rute Leaheman Labre, do |3
Rio de Janeiro, pela generosidade e empréstimo da obra Minha terra e minha gente, de J.S. Reis Junior; e ao professor César Labre de Lemos, da Universidade Federal do Maranhão, pela disponibilização de alguns dados sobre os Labre. Não poderia deixar de agradecer ao professor doutor José Augusto Pádua, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por ter aceitado ser colaborador no desenvolvimento do projeto e por ter acreditado nessa tessitura entre a história e a literatura. Ao professor Fernando Simplício dos Santos, colega de trabalho na Universidade Federal de Rondônia, agradeço pela leitura atenciosa do texto, bem como pelas críticas e sugestões. Hélio Rocha
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Uma nação constrói-se, ao longo do tempo, pelo esforço bem conduzido e coordenado de seus filhos, que lhe asseguram a continuidade, visando ao futuro, mas sem ignorar e preservar o passado, que é lição permanente a significar a ação dinâmica dos que a promoveram antes. Nenhum povo, em conseqüência, pode ater-se apenas ao presente para realizar-se, crescer, multiplicar-se, realizando-se efetiva e permanentemente. Arthur César Ferreira Reis Apresentando as dimensões do Brasil em Um Paraíso Perdido, de Euclides da Cunha
Muito mais navegável que o Madeira, o Purús, seu paralelo, é um dos mais admiráveis rios do mundo. Não tem cachoeiras. Presta-se à navegação de barcos de 10 a 12 palmos de calado, durante a maior parte do ano, na extensão de 400 léguas, e em todo o tempo admite embarcações de menor mando d’água. Até 250 léguas da foz, na enchente, a não mais alterosa poderia sulcá-lo, e em todo o ano essa parte do rio admite grandes navios, por que tem sempre 12 a 20 palmos de profundidade no canal. Tavares Bastos O vale do Amazonas
Dedicado aos Labrenses
Sumário Primeira Parte
Capítulo 1 Indo Contra a Correnteza: a Canoa e o Remo................................................. 13 Capítulo 2 No “Rastro de um Traço de Ancoragem para o Sujeito”................................... 19 Capítulo 3 Labre e Suas Viagens ao Exterior..................................................................... 39 Capítulo 4 Dos Sertões Maranhenses aos Puruenses.......................................................... 53
Segunda Parte
Capítulo 5 Exploradores e Colonos................................................................................... 65 Capítulo 6 Da Fundação de Uma Cidade: Política e Maquinações.................................... 83 Capítulo 7 Labre e os Indígenas...................................................................................... 109 Capítulo 8 Das Viagens de Exploração e das Conferências Realizadas por Labre............. 119 Capítulo 9 Epílogo.......................................................................................................... 131
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Referências................................................................................................... 137 Anexos Rio Purús...................................................................................................... 140 A Seringeuria................................................................................................. 173 Itinerário da exploração do Purús ao Beni...................................................... 181 Conferência feita pelo Sr. Coronel A. R. Pereira Labre, perante a Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro........................................................................ 221
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Crédito: Antigo prédio da Intendência de Lábrea, do livro Chorographia do Amazonas, de Agnelo Bittencourt (1888)
Primeira Parte Este paíz é sem dúvida um novo mundo, onde se acha a raça do pae Adão por aqui dispersa, e ainda com os mesmos hábitos e costumes do velho papá, pois ainda não foram expulsos do seu paraíso; não conhecerão ainda a nudez, em que vivem; o seu éden é bem fornecido de fructos e animaes, por isso não têm necessidade do trabalho e do invento. A. R. P. Labre – Rio Purús
Crédito: acervo da Biblioteca Arthur Reis, em Manaus.
Pesca de pirarucu e peixe-boi no Purus, afluentes e lagos na época da colonização.
1 Indo Contra a Correnteza: a Canoa e o Remo
O nome é a “Inscrição de um lugar, de um lugar inaugural para onde o sujeito sempre retorna em sua ignorância errante, [...] algo que se pode procurar relativamente ao sujeito antes mesmo que ele faça uso de seu nome”. Escritos – Lacan
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UANDO as águas dançantes do Purus eram beijadas pelos raios fúlgidos do sol, que parecia desvanecer lentamente, anunciando a chegada da noite, que se aproximava com seu manto envolvente e onírico, costumava sentar-me no chão de terra batida, em meio ao capim, bem na beira daquele barranco da minha infância, enquanto em meus ouvidos brincavam os sons de uma música doce e suave, que embalava minha alma e a conduzia a terras distantes e tão somente imagináveis. “Besame, besame mucho”, de Ray Conniff & Orchestra, naqueles idos de 1970, era tocada costumazmente às seis da tarde, quando o Cine Ally, da família Farides, localizado na esquina da Praça Coronel Labre com a rua Dr. João Fábio, na cidade de Lábrea, Amazonas, agitava os casais para que adentrassem seu salão atapetado de um veludo vermelho e luzes de cor neon e assistissem a algum filme por mim simplesmente imaginado, enquanto o badalar do sino da Igreja Nossa Senhora de Nazaré, a catedral, que convocava os fiéis para o ritual religioso, acordava|13
Coronel Labre
me, de modo pontuado e triste, daquele devaneio onírico, delicioso e enebriante. Da casinha à margem daquelas águas de barranco, uma voz também doce gritava meu nome. Às pressas, corria pelo caminho bordado de capim cheiroso e ia sentar-me à mesa para o jantar à luz de lamparina, perto do fogão de lenha, de onde advinha o cheiro daquelas sardinhas fritas, da macaxeira assada em meio às brasas de coco de babaçu e cavacos de pracuuba. Da mata, por trás da casa com cobertura de palhas brancas, o estalar de sementes da seringueira, que caíam ao chão da floresta, onde corria a Mãe da Mata, com longos cabelos verdes, à procura dos moleques que corriam por baixo da copa daquela árvore símbolo da Amazônia, em busca de sementes para a brincadeira noturna, todos os vultos e lendas vinham bater à porta da minha imaginação. Todas as tardes, repetiam-se as mesmas ações, os mesmos gestos e os mesmos ouvidos inclinavam-se àquela mesma música, àquelas águas reluzentes e incandescentes sob o beijo do sol do Wainy, o Purus dos Apurinã. Tudo ao meu redor era um espelho virgem, que era atravessado pela imaginação de um garoto inocente que, depois que viu a réplica da cabeça do fundador daquela cidade amazônica em cima de um suporte de mármore, na praça à qual já nos referimos, tornou-se inquiridor de um passado que teimava em não ficar para trás, porque ninguém lhe explicava, de forma convincente, quem era aquela figura sem corpo, sem pernas e sem braços, que olhava para o rio, como que vigiando a sua cidade. De onde vieram aquelas barbas espessas, aqueles olhos vítreos como os da Fortuna, que davam forma àquela imagem fincada na Praça Coronel Labre? Abaixo daquela cabeça de bronze frio constava apenas o nome escrito em letras garrafais: CORONEL ANTONIO RODRIGUES PEREIRA LABRE. Fundador da cidade. Nada mais sobre o coronel. Por trás da praça, a Avenida 14 de maio, uma das principais da cidade, a atravessava de ponta a ponta no sentido horizontal, enquanto a Av. Luiz Gomes, homenagem ao “Rei do Ituxy”, seringalista e político do Amazonas, a cortava no sentido vertical. Todas as demais vias públicas indicavam que Lábrea tinha sido uma cidade planejada. Seu coreto de colunas de mármore e a catedral apontam para os céus amazônicos confirmando a abundância de riqueza adquirida com a extração da borracha no período áureo desse produto gomífero, produzido nos 14 |
Indo Contra a Correnteza: a Canoa e o Remo
Cap. 1
inúmeros seringais estabelecidos ao longo do Purus e seus afluentes que, de Lábrea, era enviado a Manaus, Belém e de lá para o mercado exterior. Vale adiantar que a Igreja Nossa Senhora de Nazaré, esse templo gótico, foi construído por trabalhadores do nordeste brasileiro. Sua cobertura de telhas de Marselha (França), torre de ferro de Hamburgo (Alemanha), colunas de mármore italiano e bancos de madeira nobre de Belém (Pará) confirmam seu apogeu. De acordo com Ferrarini (1981), “a catedral teve seu germe numa modesta tapera erigida por Labre. Com o tempo, no entanto, os reclamos da fé do povo exigiram um templo mais digno. A essa época o Cel. Labre era deputado provincial. Conseguiu incluir no orçamento da Província uma quota para a construção de uma igreja na Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré” (FERRARINI, 1981, p. 172). Ela é, pode-se dizer, a canoa dos labrenses. Mas essa canoa, meio de transporte muito comum na Amazônia, e esse remo – a conduzi-la nas águas do tempo, representam a igreja e o missionário, e também podem representar a vida e seu(s) percurso(s). A vida feita a partir das escolhas, das decisões tomadas, das ações praticadas, de todo um conjunto de atitudes refletidas que deve formar a vida de uma pessoa. Seus estudos, suas viagens de exploração, seus sonhos e devaneios, volições e visão não apenas de seu próprio tempo, mas também do futuro, o incitam para grandes feitos. Ao homem capaz desse desdobramento do pensamento dar-se o nome de visionário, porque enxerga para além de seu tempo e pode ver, dessa forma, a uma grande distância, porque vive embalado pelo que está adiante, ou seja, por algo que está para além de seus próprios horizontes, mas que pode ser alcançado. Capaz de reter em sua mente a meta maior de sua vida, o homem destemido e corajoso, deixando-se conduzir por seus órgãos sensoriais e pela razão, pode ascender ao estado de glória pessoal e ao bem comum. Para que não fiquemos nesse estado de especulação, porque espelhamentos de certo estado da natureza para uma situação bem mais humanizada, como se pode dizer, convém esclarecer que, a partir da musicalidade embrenhada pelos ouvidos e conduzindo a mente a outros paradigmas, a música, quando absorvida e sorvida pela alma, empurra o homem para além de seu tempo. Assim é que “Besame, besame mucho” passou a ser, desde aquelas “águas passadas”, o portal para um mundo resplandecente, onde se ocultam, ainda hoje, memórias e histórias de | 15
Coronel Labre
uma cidade amazônica conhecida como a “Rainha do Purus”, sonhada, criada e governada por esse maranhense que, embalado pelo pensamento republicano e em nome de glória pessoal e do interesse comum, a ergueu em solo fértil, perpetuando-lhe o seu próprio nome - LABRE. Diante disso, urge rastrear esse tempo, essa(s) vida(s), porque, se se quiser existir como sujeito consciente de si na Amazônia puruense, devese pesquisá-la, compreendê-la, significá-la para além dessas rotas gastas do colonialismo. É preciso aprender, como acreditava Frantz Fanon (2005, p. 69), a sair do seu lugar, a passar dos limites. Por isso, “sonho que estou saltando, nadando... Sonho que estou rindo, atravessando o rio com um passo”. Devemos advertir que, como filho natural de Lábrea, município situado ao sul do Estado do Amazonas, à margem direita do rio Purus, é compreensível o desejo deste pesquisador em investigar os primórdios do processo de colonização dessa região da Amazônia brasileira. Assim, não apenas por questões relacionadas à historiografia regional, mas, principalmente, pelo desejo e a necessidade de investigar o passado em busca de compreensão de inúmeras questões sociais, políticas, econômicas, etnográficas, antropológicas e identitárias tanto de mim mesmo como dessa comunidade amazônica é que desenvolvemos este estudo voltado para a vida e o tempo do Coronel Labre, um dos principais colonizadores do rio Purus, “onde, a 1º de fevereiro de 1871 assentava os fundamentos da actual Villa da Labrea, a séde do município e comarca do Purús creados pela lei provincial n. 523, de 14 de maio de 1881 a que tenho consagrado todo esforço de minha actividade” (LABRE, 1887)1. Diante do exposto, procuramos desenvolver um estudo investigativo em busca dos dados biográficos e bibliográficos de Antonio Rodrigues Pereira Labre, cidadão maranhense que, segundo registros, estudou Direito no Rio de Janeiro, tornou-se advogado e, depois de haver defendido uma causa de um grupo de escravos na cidade de São Luís, Maranhão, chamou a atenção do presidente da Província e, falando-lhe a respeito de seu sonho - explorar as riquezas da Amazônia e fundar uma cidade – o presidente concedera-lhe ajuda em homens, arma, munição, mantimentos e embarcação para a empreitada (FERRARINI, 2009). 1. 16 |
O opúsculo citado – Itinerário de exploração do Amazonas á Bolívia - está anexado no final deste estudo, por isso não serão citadas as páginas em nenhuma citação daqui adiante, mas tão somente o ano de sua publicação, 1887
Indo Contra a Correnteza: a Canoa e o Remo
Cap. 1
Como até agora não se sabia a data de nascimento e morte de Labre, muito menos de suas origens, etc. e houvesse pouquíssimos dados sobre seus feitos políticos, foi preciso que se fizesse uma pesquisa de campo visitando as localidades por onde circulara o coronel: São Luís, Caxias, Matões, Passagem Franca e Pastos Bons (MA), Rio de Janeiro (RJ), Belém (PA), Manaus (AM) e Lábrea (AM), na tentativa de encontrar quaisquer vestígios sobre Antonio Rodrigues Pereira Labre. Assim, durante uma viagem a Belém do Pará, em agosto de 2014, e em visita à Biblioteca Pública Arthur Reis (CENTUR), foram encontrados dois opúsculos escritos pelo Coronel Labre – Rio Purús (1872) e Itinerário de Exploração do Amazonas á Bolívia (1887). Soube-se da existência de outro opúsculo escrito pelo mesmo autor – A seringueira, do qual foi achado somente um extrato na biblioteca pública Milton Albuquerque, também na capital paraense. Diante da impossibilidade de traçar aqui um retrato mais ‘recheado’ de detalhes da vida de Antonio Rodrigues Pereira Labre, cumpre-nos informar que não pretendemos apresentá-lo como “monumento”, ou “estátua de mármore”, mas um homem com imperfeições, fraquezas, complexidade e contradições, com seus defeitos e suas incoerências próprias do ser humano. Retirá-lo da obscuridade em que Labre se encontra e mostrar a sua relação com a política, economia e a história da colonização da região do Purus também é uma de nossas intenções.
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CrĂŠdito: livro Minha terra e minha gente, de J. S. R. Junior
Bento JosĂŠ Labre, Pai do Coronel Labre.
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