Pós-Colonialismos: uma leitura política dos textos literários

Page 1



Pós-colonialismos uma leitura política dos textos literários

Carlos Roberto Wensing Ferreira Larissa Gotti Pissinatti Uryelton de Sousa Ferreira (Organizadores)

São Carlos Editora Scienza 2016


Copyright © 2016 – Todos os direitos reservados aos organizadores. Todos os direitos reservados – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste livro só é autorizada pelos organizadores. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Pós-colonialismos: Uma Leitura Política dos Textos Literários / Carlos Roberto Wensing Ferreira, Larissa Gotti Pissinatti, Uryelton de Sousa Ferreira (organizadores), – São Carlos, SP, 2016. 244 p. ISBN 978-85-5953-004-9

1. Literatura. 2. Colonização. 3. Descolonização. I. Ferreira, Carlos Roberto Wensing; II. Pissinatti, Larissa Gotti; III. Ferreira, Uryelton de Sousa. IV. Título. CDD 980

Rua Juca Sabino, 21 – São Carlos - SP (16) 3364-3346 | (16) 9 9285-3689 | (16) 9 9767-9918 www.editorascienza.com.br gustavo@editorascienza.com


Colaboradores Professor Dr. Hélio Rodrigues da Rocha Professor Dr. Miguel Nenevé Professora Dra. Sonia Maria Gomes Sampaio Professor Dr. Fernando Simplício dos Santos Professor Me. Lucas Martins Gama Khalil



Sumário Apresentação......................................................................................................7 Introdução – Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos................................. 11 Capítulo 1 – Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar: Um Slogan Brasileiro Colonialista....................................23 Capítulo 2 – Alteridade Ameríndia no Romance a História do Ventríloquo de Pauline Melville....................................................................... 41 Capítulo 3 – A Anti-naturalização do Indígena Amazônico em a Flecha....... 63 Capítulo 4 – Cultura, Ironia e Olhar do Colonizador na Obra Galvez Imperador do Acre de Márcio Souza................................................................ 81 Capítulo 5 – O Paraíso do Diabo e o Coração das Trevas: um Estudo Comparado das Atrocidades do Colonialismo no Congo e na Amazônia Peruana...................................................................95 Capítulo 6 – Pós-colonialismo e Violência Linguística: Uma Análise em “Meio Sol Amarelo” de Chimamanda Adichie................. 105 Capítulo 7 – Traços de (Des)colonização no Romance O Espião do Rei, de Mário Ypiranga Monteiro............................................. 115 Capítulo 8 – A Relação do Homem Negro com a Mulher Branca em Frantz Fanon e Dany Laferrière: Uma Breve Comparação............................ 129


Capítulo 9 – Identidade Indígena da Amazônia Equatoriana...................... 139 Capítulo 10 – Dialogando Fanon com o Haiti: Aspectos sobre Descolonização e Diáspora em “Adeus, Haiti”, de Edwidge Danticat........... 151 Capítulo 11 – Literatura Descolonizadora do Povo Surdo: a Contra-Narrativa ao Ouvintismo................................................................. 161 Capítulo 12 – As Peças Teatrais Produzidas pelo Grupo TESC – Amazônia e a Possibilidade de “Descolonização das Mentes”....................... 175 Capítulo 13 – Percepções do Pós-colonialismo na Literatura Cabo-Verdiana Contemporânea..................................................................... 187 Capítulo 14 – Memória na Obra País sem Chapéu do Haitiano Dany Laferrière................................................................................ 199 Capítulo 15 – Colonização e Descolonização no Hino de Rondônia............211 Capítulo 16 – Como a Internet Mostra a Exótica Amazônia: Mitos e Idealismos Coloniais na Cibercultura...............................................223 Capítulo 17 – Stuart Hall: Identidade Cultural Pós-moderna e os Resíduos da Modernidade..............................................................................233

|

6


Apresentação Miguel Nenevé Sonia Maria Gomes Sampaio

E

ste livro nasceu de várias interrogações e discussões sobre pós-colonialismo, colonialismo, colonialidade e descolonização que aconteceram em aulas do Mestrado em Estudos Literários, principalmente após a disciplina “Literatura e Estudos Pós-coloniais”. Os organizadores, mestrandos de Estudos Literários, entusiasmados com a possibilidade de expandir a discussão, nos procuraram para anunciar que estavam interessados em divulgar mais estes debates em forma de livro. Percebe-se que o interesse é aproximar leitores e pesquisadores desta corrente crítica e mostrar as várias perspectivas de abordagem de um texto literário ou não. Portanto, esta obra é a reunião de textos produzidos por mestrandos e professores do Mestrado em Estudos Literários, com a colaboração do Mestrado em Letras da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, que acreditam que o conhecimento, aqui produzido, também deve ser discutido, lido e divulgado. A coleção aqui reunida traz escritos que, de certa forma, ajudam o leitor a rever conceitos e a alargar suas possibilidades de reflexão epistemológica e teórica sobre literatura. A apresentação desse livro tem uma visão histórica do pós-colonialismo e alertar sobre a seriedade com que deve ser tratado o tema. Ao mesmo tempo os autores advertem sobre a necessidade de acautelar-se sobre divergências e complexidades do termo pós-colonial. O primeiro texto, por exemplo, “Terra sem homem para homem sem-terra e integrar para não entregar: um slogan colonialista brasileiro”, de Carlos Roberto Wensing Ferreira e da professora Sonia Sampaio critica o programa do Governo Federal (governo militar) do presidente Emílio Garrastazu Médici, que tinha como principal objetivo integrar a região Norte do país às demais regiões. Com o suporte de autores do pós-colonialismo, os autores identificam no discurso nacionalista um discurso colonizador e autoritário que negligenciava ou simplesmente ignorava a presença indígena na região Amazônica a ser ocupada por brasileiros de outras partes do Brasil. No segundo texto temos um escrito bem instigante que trata da literatura de surdos dentro de um contexto de descolonização. Larissa Gotti Pissinatti ao apresentar “Literatura descolonizadora do povo surdo: a contranarrativa ao ouvintismo” argumenta que a produção de literatura do povo surdo promove a revisão de conceitos e preconceitos em relação ao surdo, constituindo, portanto, uma forma de empoderamento e de descolonização 7

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

deste povo. Em seguida temos um texto sobre a literatura africana como exemplo de literatura descolonizadora. O texto de Aline Monteiro “Pós-colonialismo e violência: uma análise em Meio Sol Amarelo de Chimamanda Adichie mostra como a colonização se dá também por meio da violência linguística. A autora argumenta que “a força e o valor que a língua e a comunicação têm na cultura de um povo pode ser determinante para sua autoestima e, por consequência, para sua perspectiva de futuro”. O capítulo “Colonização e Descolonização no Hino de Rondônia” de Eliana Valente de Araújo orientada pela Professora Sonia Maria Gomes Sampaio traz novamente a discussão sobre colonização interna, a colonização dentro do Brasil. As autoras argumentam que o hino revela uma negligência ao passado das pessoas que já moravam em Rondônia antes de os colonizadores de outras partes do Brasil chegarem aqui. Elas argumentam que “fica evidente, dessa forma, que no hino do Estado de Rondônia ecoa a voz do colonizador – o bandeirante, o pioneiro –, demonstrando seu domínio e o louvor a seus próprios feitos..” O texto seguinte também se utiliza de teorias pós-coloniais para refletir sobre o contexto Amazônico. Taianni Rocha Santana Fernandes em “As peças teatrais produzidas pelo Grupo TESC – Amazônia e a possibilidade de “descolonização das mentes” discute a arte cênica desenvolvida na Amazônia, na década de 1970, focalizando principalmente o grupo TESC e a importância da atuação de Márcio Souza. Para a autora o Grupo desempenhou um importante trabalho de descolonização. O texto sequente, “Percepções do Pós-colonialismo na Literatura Cabo-verdiana contemporânea”, escrito por Uryelton de Sousa Ferreira, traz uma importante contribuição ao explorar exemplos da literatura do arquipélago de Cabo Verde que se destacam como obras pós-coloniais importantes para revisitar a história e rever conceitos e preconceitos sobre a cultura e o povo cabo-verdiano. “Memória na Obra País sem Chapéu do haitiano Dany Laferriere” produzido por Elizabeth Cavalcante de Lima e Karla Andrea Cândido Rêgo Soares explora a construção do passado do autor por meio das memórias do Haiti. As autoras argumentam que a obra de Laferriere é um exemplo de literatura pós-colonial por aprofundar discussões sobre cultura, identidade, resistência ao poder dominante e a estratégia de descolonização. Outro capítulo que discute uma obra de Laferriere é o texto de Fernanda Dias da Silva com a Professora Marília Lima Pimentel Cotinguiba. Em “A relação do homem negro com a mulher branca em Frantz Fanon e Danny Laferriere: uma breve comparação” as autoras argumentam que Fanon e Laferriere compartilham um tema comum: a relação do homem negro com a mulher branca. Outro texto traz o Haiti para a discussão é o “Dialogando com Fanon e com Haiti: Aspectos sobre descolonização e diáspora em Adeus, Haiti

|

8


Apresentação

de Edwidge Danticat” produzido por Marco Rodrigues da Silva em conjunto com a Professora Marília Lima Pimentel Cotinguiba. No texto “Cultura, Ironia e Olhar do colonizador na obra Galvez, O imperador do Acre de Márcio Souza” as autoras Karla Andrea Cândido Rêgo Soares e Joama Silva Diniz exploram o texto de Marcio Souza mostrando como ele critica visões preconceituosas e colonizadoras sobre a Amazônia. O próximo texto, produzido por Lusilene Mariano de Sá Ritze, intitulado “Identidade Indígena na Amazônia Equatoriana” contribui com a discussão sobre a representação Indígena na obra de Luís Sepúlveda intitulada O Velho que lia romances de amor. Maria Eliése Gurgel com seu texto “O paraíso do Diabo e o Coração das Trevas: um estudo comparado das Atrocidades do colonialismo no Congo e na Amazônia Peruana” oferece-nos uma importante comparação entre as obras O coração das trevas de Joseph Conrad (1857-1924) e The Putumayo: the Devil’s paradise, do norte-americano Walter Ernest Hardenburg (1886-1942). Um texto que traz a literatura da Guyana para as discussões póscoloniais é o oferecido por Chirlane Nobre Belo [e Miguel Nenevé] intitulado “Alteridade ameríndia no Romance A História do Ventriloquo de Pauline Melville.” O texto sugere que a autora britânica, nascida na Guyana produz um texto descolonizador ao apresentar as vozes ameríndias como contradiscurso ao discurso homogeneizador e colonizador do europeu. O texto escrito por Eliete Maria de Souza “Traços de (des)colonização no romance O Espião do Rei de Mario Ypiranga Monteiro” analisa o romance sob uma perspectiva pós-colonial e a autora argumenta que a obra revela o entrelaçamento entre a história e o literário ultrapassando as fronteiras das páginas dos livros, fazendo com que “o texto literário possa servir como documento para história ou a história servir como abordagem para criação da trama de um texto literário.” O texto seguinte, produzido por Eliane Gemaque Gomes Barros é intitulado “A Anti-naturalização do indígena amazônico em A Flecha de Confúcio Moura. No escrito a autora busca apoio em teorias do póscolonialismo para interrogar a posição discursiva que assume o narrador da obra ao referir-se ao indígena de Rondônia. O texto produzido por Eline Araújo dos Santos Barbosa, intitulado “Como a internet mostra a exótica Amazônia: mitos e idealismos coloniais na Cibernética”, embora não se utilizando de todos os teóricos pós-coloniais, faz uma leitura de abordagem pós-colonial dos textos produzidos na internet que têm a Amazônia como tema. Por fim, afastando-se mais do tema “pós-colonialismo”, o último texto desta coleção, escrito por Márcio Moreira Costa e Heloísa Helena Siqueira Correia, explora 9

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

questões filosóficas discutindo modernidade e pós-modernidade presentes em Descartes e Stuart Hall. Há, portanto, uma variedade de textos para serem lidos, discutidos e explorados. Esperamos que esta publicação contribua para discussões no campo de estudos de literatura e estudos pós-coloniais.

|

10


Introdução Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos Miguel Nenevé Sonia Maria Gomes Sampaio

E

stamos felizes com a produção de mais um livro que oferece reflexões sobre pós-colonialismo, ou pós-colonialismos, uma vez que sugere várias perspectivas sob as quais o pós-colonial é percebido. Há quem diga, às vezes até de uma forma meio desaprovadora, que ultimamente temos um surto de estudos póscoloniais, estudos sobre Amazônia, sobre África e sobre “os despossuídos”. Cremos, no entanto, que podemos dizer que este “surto” é muito positivo, necessário e urgente. Por que ainda ouvimos perguntas como esta: “E existe literatura na Nigéria?” Pergunta formulada por alguém que concluiu a graduação de Letras inglês na Europa, com vários semestres de Literatura em Língua Inglesa, Literatura Americana e Literatura Britânica. Ou mais que isso, ouve-se ainda aluno da periferia de Porto Velho questionar: “Professora, negro também fala inglês?” Por que estes questionamentos ainda persistem? Por que estas crenças que a língua inglesa e suas literaturas pertencem somente às sociedades ocidentais se perpetuam? Argumentamos que é justamente porque, como professores, ainda temos medo de sair do que é padrão, do que é canônico e do que temos em nosso currículo de há muito tempo. Se um aluno graduado nunca ouviu falar em literatura da Nigéria ou se um aluno de Ensino Médio na Amazônia, que tem como vizinha a Guiana, um país de língua inglesa, nunca teve um livro didático que mostrasse negro falando inglês ou que nunca ouviu mencionar que na África e no Caribe há escritores que venceram o prêmio Nobel de Literatura, escrevendo em inglês, a culpa não é dos alunos. Com certeza é do currículo que pretende dizer que literatura não se faz na periferia,

11

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

que língua estrangeira, no caso, o inglês, é só a língua do colonizador, portanto não é a língua “dos negros”. Neste contexto, acreditamos que é necessário promover a discussão sobre o pós-colonialismo, ou pós-colonialismos. Cremos que “pós-colonialismos” vêm enfatizar justamente as contradições encontradas na própria teoria do pós-colonialismo. Há controvérsias em todas as correntes críticas e o póscolonialismo não poderia ser diferente. Por isso, quando falamos deste assunto é sempre bom mostrar um pouco do desenvolvimento e das divergências que aconteceram ao longo dos anos de “pós-colonial” no sentido político conotando uma postura anticolonial. Não é por causa das divergências que devemos evitar estes debates que promovem uma leitura política de um texto literário. Não podemos desacreditar ou até desconsiderar a importância em discutir literatura sob uma perspectiva pós-colonial somente porque o termo tem provocado algumas dúvidas. Nem podemos nos afastar de discussões sobre este tema com a desculpa de que não concordamos com a terminologia. Pelo contrário, as divergências devem nos animar e energizar as discussões e os diálogos sob esta perspectiva política. Devemos nos sentir encorajados a examinar o engajamento político visível em textos literários do Brasil, da Guiana, da África, de Cabo Verde, de Moçambique dentre outros países. Edward Said, em Humanismo e Crítica Democrática (2006) sugere que o escritor Saul Bellow quer justificar a não inclusão de autores da África em discussões acadêmicas quando diz: “mostre-me um Tolstoi dos Zulus” ou pergunta “Onde está o Proust dos Papuas?1” Outrossim, acreditamos ser de suma importância trazer discussões de autores de diversos países para a academia. Quanto mais leitores e críticos estes autores de “periferia” tiverem, mais sua literatura se aperfeiçoará. E é nesta perspectiva do póscolonial que estas leituras acontecem. O pós-colonial então, não é “inútil, mas indispensável” como afirma Sérgio Belei2. Jacobi (1995) em seu texto “R. Jacobi (1995) em seu texto “Marginal Return: The problem with Postcolonial Theory”3 lamenta que às vezes colegas acadêmicos se referem ao desconhecido como “pós-colonial.” Ela conta que quando perguntou sobre um poema desconhecido, alguém disse: “Oh, it 1 2 3

|

12

Em entrevista a New York Times Magazine, em 1988, Saul Bellow teria dito: quem é o Tolstoi dos Zulus, o Proust dos Papuas?” Sérgio Belei “Pós-colonialismo: culturas em diálogo” Ilha do Desterro. n. 40 (jan.-jun. 2001. p. 107-122. In: Lingua Franca, n. 6, 1995, p. 30-36.


Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos

is something postcolonial” [oh, isso é algo pós-colonial]. A academia, sem dúvida tem presenciado isso: o pós-colonialismo muitas vezes é confundido com pós-modernismo, com multiculturalismo entre outras correntes teóricas. Na realidade, o pós-colonialismo pode estar conectado a estas correntes de pensamento, mas nunca deve ser confundido com elas. Podemos talvez afirmar ainda, que há certa banalização do termo pós-colonial. Já recebemos textos de qualificação para dissertação de mestrado que afirmavam usar a teoria do pós-colonialismo, citando apenas Stuart Hall e Foucault e evitando qualquer discussão política que o texto sugeria. Muitas vezes as teorias são mal interpretadas ou usadas apenas para mostrar o seu lado desconstrutivo, sem nenhum alerta para questões culturais, sociais, políticas e ideológicas do texto literário a ser analisado. Parece-nos que muitas destas propostas de leitura querem sempre fugir da questão política do texto. Contradições e ambivalências e, às vezes, descrença na teoria do póscolonialismo são inevitáveis. Cremos, porém, que são elas que promovem bons diálogos e debates. Bill Ashcroft no livro Postcolonial Transformation (2002), um livro bem mais recente que o livro The Empire Writes Back (1992), o primeiro a teorizar o pós-colonial, afirma que “there has hardly been a more hotly contested term in contemporary theoretical discourse” [dificilmente há um termo mais calorosamente contestado no discurso teórico contemporâneo]. Linda Hutcheon (1995), refere-se às abundantes complexidades do termo póscolonial sugerindo que há diferença entre o pós-colonial ameríndio do póscolonial africano. Estas complexidades, no entanto, nunca devem servir para atacar os estudos pós-coloniais ou para diminuir a sua importância. Quando enfatizamos as contradições ou quando nos apegamos demais ao termo “pós” no sentido de “depois” e ignoramos o “anti” ou “contra”, parece que se quer fugir das discussões políticas e culturais promovidas por um texto literário. Em outras palavras, quando alguns professores ou estudiosos dizem que o termo implica que o colonialismo já acabou, parece ser verdade que eles querem negar a percepção política e ideológica no texto. Desde a origem da teoria com o livro The Empire Writes Back: Theory and Practice in PostColonial Literature (1992), os autores Bill Ashcroft, Gareth Griffit e Helen Tiffin evidenciam que o pós-colonial (em inglês se prefere o pós sem hífen – “postcolonial”) neste contexto, não significa que o colonialismo terminou: “Usamos o termo pós-colonial para cobrir todas as culturas afetadas pelo processo imperial desde o momento da colonização até o presente” (p. 1)? Mais adiante, esclarece-se que o pós-colonial tem o sentido de “contra” a colonização, significando então “anticolonial”. Pós-colonial, para nós, se refere 13

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

quase sempre, a algo contra o colonialismo, ou ainda a algo que promove discussões sobre o fardo do colonialismo bem como a todo o tipo de opressão. Muito se tem escrito sobre o significado do termo, então quem discute pós-colonial tem que ter em mente questões de desigualdade social, de injustiças, de machismo, de racismo entre muitos outros temas que afetam a humanidade colonizada. Claro que quem se propõe a explorar o “póscolonial” no texto literário ou em outros textos, deve saber claramente que o colonialismo não acabou quando os colonizadores foram embora da colônia, pois o pós-colonial sugere um processo de descolonização, não assume que há algo terminado ou estático. Por isso mesmo precisamos desta teoria, precisamos dos estudos pós-coloniais para imaginar uma sociedade com menos disparidades e desequilíbrios. Poderíamos dizer que o pós-colonial alude também a uma postura de certa forma subversiva em relação ao cânon como também a todos os essencialismos, contra o controle ocidental, contra a ideia que existe “The West and the rest”. O caribenho Edouard Glissant afirma que nenhuma teoria de contato cultural deve conduzir a generalizações e assim é o caso do pós-colonialismo. Por outro lado, pode ser muito visível que a póscolonialidade na América do Sul tenha traços parecidos com a colonialidade e pós-colonialidade na África, Caribe etc. Enfatizar demais as discrepâncias para eliminar o lado político comum em todos, pode não contribuir muito para discussões acadêmicas. Bill Ashcroft, no já citado livro Postcolonial Transformation (2008) critica os estudiosos Shohat and Stam (1994) que tem escrito sobre o pós-colonial e que dizem que a teoria não discute questões de local, de localidade: Eles dizem que apesar das multiplicidades invocadas pelo termo pós-colonial, a teoria do pós-colonialismo tem falhado em apontar a política de localização do termo pós-colonial.”4 Bill Ashcroft responde: “podese questionar onde Stam e Shohat estiveram, pois nenhuma outra teoria da atualidade tem sido tão obsessiva com o a política de sua localização” (2001 p. 8). Discursos de localização, patriarcalismo, “machismo”, racismo e todo o tipo de desequilíbrio ou injustiça fazem parte da agenda do pós-colonialismo. O teórico de Ghana, Ato Quaison (2000) agora radicado no Canadá e trabalhando na University of Toronto, vai além de alguns teóricos ao dizer que o pós-colonial deve nos alertar para desequilíbrios e injustiças onde quer que elas aconteçam, no Leste ou no Oeste, no Norte o no Sul, tudo que tem a ver 4

|

14

“Despite the dyzzing multiplicities invoked by the term postcolonial, postcolonial theory has curiously failed to address the politics of location of the term postcolonial.” (1994:37).


Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos

com “racismo, pornografia infantil, direito de minorias, direitos de mulheres, autoritarismo político e até mesmo, questões ambientais” (2000, p. 11). Edward Said, com sua obra Orientalismo (1979), de certa forma trouxe para a academia ocidental discussões sobre colonialismo na literatura. Como vemos no texto “Teoria do pós-colonialismo e algumas contribuições para a Educação” (Nenevé 2005-2006) “alguns críticos datam seu surgimento na academia ocidental com a publicação da influente obra de Edward Said intitulada Orientalism, publicada em 1979 nos Estados Unidos. No Brasil foi traduzida por Tomás Rosa Bueno e publicado em 1990” (132). O “póscolonial” como conceito entra no discurso crítico, portanto, com o sentido de “anticolonial”, convidando o leitor a refletir sobre o discurso colonial presente na literatura. Em sua introdução a Orientalism (1979) Said diz que o orientalismo forneceu uma desculpa para o colonialismo europeu baseado na história a seu serviço, na qual o Ocidente construiu o Oriente como extremamente diferente e inferior e, portanto, precisando da intervenção ou “resgate” ocidental. Os defensores desta teoria dizem que a literatura pós-colonial responde “as demandas teóricas de um mundo complexo que não é adequadamente representado nas teorias eurocêntricas. “O Pós-colonialismo, portanto acentua as suas bases no descentramento e na pluralidade, por meio da transformação da condição marginal na fonte de criação (NENEVÉ, 2005-2006, p. 140-141). A influência de Edward Said bem como de Bill Ashcroft, entre outros, é inegável para trazer à academia discussões sobre colônia e colonialismo. Autores anticoloniais como Aimé Cesaire, Frantz Fanon, Albert Memmi, Chinua Achebe, que além de autor de ficções descolonizadoras como Things Fall Apart (1990) é também autor de textos sobre colonialismo, Ngugi Wa Thong´o (Decolonizing the Mind,1986) entre outros, passaram a ser mais divulgados e relidos por intelectuais dos estudos culturais. Estes são alguns dos autores que vêm fornecendo uma boa sustentação para reflexões sobre o colonialismo e o desafio da descolonização. Por isso, podemos dizer que eles formam a base de estudos pós-coloniais e seus textos, junto com teóricos contemporâneos, são discutidos, explorados, e usados em trabalhos acadêmicos sobre o assunto. Frantz Fanon, por exemplo, está presente em vários poetas e filósofos, entre eles o pós-estruturalista Homi Bhabha e o educador brasileiro Paulo Freire como o próprio Freire informa em “Ação Cultural para a liberdade” (1981, p. 53). A ideia de que o processo de descolonização é abrangente em termos de tempo, o colonialismo oficial tendo começado no século XVII e terminando 15

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

em meados do século XX, logicamente faz do termo algo heterogêneo. Para a indiana Leila Gandhi (1998) a disputa semântica em relação ao termo, ou a terminologia, reflete justamente esta divergência de usos e metodologias dentro dos estudos pós-coloniais. Uma característica clara do pós-colonial é a ter sofrido a experiência colonial opressiva e de querer lutar contra esta colonização, isto é buscar meios de descolonizar-se. Isso é o aspecto mais homogeneizador do pós-colonial: discussão sobre opressão e sobre danos causados pelo colonialismo. Ania Loomba, autora de Colonialism/ Postcolonialism (2000), sul-africana, estudiosa do pós-colonialismo, diz que hoje o pós-colonial tem que discutir “saques, negócios, guerra, genocídio, escravidão, rebelião e todos os tipos de opressão” (Loomba, 2000, p. 4). O póscolonial, portanto, está preocupado em elaborar formas de resistência contra as injustiças e opressões visíveis em nossa sociedade. A colaboração do pós-colonial é, portanto, como vimos argumentando, uma postura anticolonial, contra todo tipo de preconceito, de desigualdade e injustiças. Por isso Frantz Fanon é considerado o primeiro a colaborar com a teoria uma vez que escreveu, principalmente em The Wretched of the Earth (1983) sobre como resistir ao colonialismo e ao imperialismo em todos os aspectos. Neste aspecto seria contradizer e contrariar aquilo que Edward Said (1994) diz ser “ a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano governando um território distante” (Culture and Imperialism, p. 8). No seu livro inaugural sobre a teoria do pós-colonialismo, os australianos Bill Ashcroft, Gareth Griffiths e Hellen Tiffin (1992) abordam as três fases da literatura das ex-colônias: primeira fase são os textos produzidos durante o período colonial; a segunda fase são textos produzidos “sob a licença imperial” (The Empire Writes Back, p. 5). A terceira fase é marcada pela emergência de literaturas bem mais independentes que acabam sugerindo reflexões sobre o pós-colonial e sobre colonialismo e opressão. (6). É neste momento que a voz pós-colonial surge. Esta voz que foi negada, distorcida ou apagada pelo colonizador vai ser lida, ouvida e vai sugerir várias reflexões. De certa forma, isso reflete o que Frantz Fanon (1983) argumenta no capítulo IV do livro Os Condenados da Terra, quando menciona os intelectuais colonizados. É quando se começa a escrever de volta, o “writing back” que na literatura significa que o colonizado vai “desdizer” ou vai responder ao que foi escrito sobre ele pelo colonizador. De uma forma enfática Fanon nos alerta: não basta mais reunir-se ao povo nesse passado em que ele não está mais, mas nesse movimento revolucionário que ele (o intelectual colonizado) acaba de esboçar e a partir do qual, subitamente, tudo vai ser questionado. É para este

|

16


Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos

lugar de desequilíbrio oculto em que se mantém o povo que devemos ir, pois – não tenhamos nenhuma dúvida – é ali que sua alma se congela e que se iluminam a sua percepção e a sua respiração (p. 261).

A literatura pós-colonial revela este desejo de recuperar a voz subalterna que oferece um contradiscurso, ou uma contranarrativa ao discurso europeu, ao eurocentrismo e etnocentrismo. Isso é bem visível na obra Wide Sargasso Sea (1966) da caribenha Jean Rhyss, que reescreve Jane Eyre (1963) de Charlotte Brontë ou ainda em Foe de J. M. Coetzee e Pantomime (1992) de Derek Walcott que reescrevem a obra de Daniel Defoe (1982), Robinson Crusoe. Nestes textos pós-coloniais podem ser vistas a resistência e subversão do discurso do colonizador. Aquela definição clássica de Bill Ashcroft, Gareth Griffith and Helen Tiffin de que “a literatura pós-colonial é aquela literatura produzida por povos que foram colonizados pelo império britânico ou outros impérios europeus” (The Empire Writes Back, p. 1) vai ganhando uma dimensão mais ampla. Se todas as culturas “afetadas pelo processo imperial” e todas as literaturas provindas de culturas consideradas periféricas ou de culturas que sofreram e sofrem opressão e preconceito, são pós-coloniais, um texto literário produzida na Amazônia brasileira que subverte as “verdades” do centro, é uma literatura pós-colonial. Há uma necessidade de lutar contra a dependência, contra preconceitos e estereótipos provindos de uma cultura “superior.” Como afirmam Diana Brydon and e Helen Tiffin em seu Decolonizing Fictions (1995) a literatura pós-colonial tem uma posição contra-discursiva à textualidade imperial (p. 15) opressiva e estereotipante e revela uma energia subversiva. Neste aspecto que percebemos também a tradução como uma “reescritura” ou writingback ou uma forma de “translatingback” como sustentam Susan Bassnett e Triveddi (1997). Para eles a tradução não é uma atividade inocente e transparente, mas altamente carregada de significados em cada etapa... (15). Várias obras de traduções de textos estrangeiros sobre a Amazônia estão sendo traduzidos para a audiência brasileira, de forma que se possa perceber o discurso colonizador presente na obra original. Um exemplo são as obras traduzidas pelo professor Helio Rocha como o livro The Sea and the Jungle de H. M. Tomlinson (1990 e os relatos de Walter Hardenburg e de Charles Enock intitulados The Putumayo, the devil’s paradise; travels in the Peruvian Amazon region and anaccount of the atrocities committe dupon the Indians there in.” Lendo as traduções destes textos promovidas por Helio R. Rocha (2016) percebemos claramente que há nas traduções uma energia subversiva e descolonizadora. 17

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

Benita Parry, autora sul-africana, em seu texto “Problems in Current Theories of colonial discourse” (1987)5 critica Homi Bhabha por ser muito desconstrucionista e não admitir alguma subversão fora do discurso. Também desaprova a postura de outra estudiosa da Índia, Gayatry Spivak que em Can the Sublatern Speak (1988) revela seu pessimismo em relação à descolonização, “desarticulando o nativo” e revelando “uma surdez para sua a voz.” Spivak, por sua vez, responde que Benita Parry “esqueceu que somos nativos também, nós falamos como o Sexta-feira de Defoe, só bem melhor (1999: 190).” Talvez possamos dizer que Spivak não elimina ou erradica a voz do nativo, mas quer justamente criar um espaço em que o nativo possa falar, que não seja dentro do espaço e discurso do colonizador. Cremos que a crítica indiana quer mostrar “como se silencia o subalterno” induzindo-nos a questionar o que pode ser feito para romper o silêncio. O que queremos argumentar aqui é justamente que estas controvérsias existem quando se discute o pós-colonialismo ou os “pós-colonialismos”, pois o assunto realmente, provoca, invoca e convoca-nos para várias discussões. No Brasil as discussões sobre pós-colonialismo, as leituras pós-coloniais e os trabalhos acadêmicos sobre esta temática por muito tempo ficaram restritos aos departamentos de Inglês ou, mais especificamente, a trabalhos sobre literatura de língua inglesa. Por ser uma teoria vinda de teóricos anglófonos, talvez se acreditasse que a própria teoria seria uma forma de colonização. Hoje, no entanto, há vários trabalhos acadêmicos que vêm se utilizando da teoria para ler autores de várias nacionalidades, inclusive brasileiros. O livro de Tomas Bonnici O Pós-colonialismo e a literatura: estratégias de leitura (2004) trouxe uma contribuição para leitores brasileiros de outras áreas além das literaturas de língua inglesa. O crítico literário Silviano Santiago, autor de obras como Uma literatura nos trópicos (1979)e The Space In-Between (2004) entre outras, já vem inserindo noções de pós-colonialismo há muito tempo, mesmo sem usar o termo. Em seu artigo publicado pela Folha Ilustrada, “Literatura brasileira à luz do pós-colonialismo”, Santiago revela como o pós-colonial tem estado presente na literatura brasileira. O seu contato com obras de Aimé Cesaire, autor de Discourse on Colonialism (2000) nos anos de 1960 em Paris foi um despertar para temas de colonialismo e descolonização na literatura.6 Podemos ler hoje no Brasil vários trabalhos acadêmicos em língua portuguesa analisando obras de autores brasileiros sob esta perspectiva. É o 5 6

|

18

Oxford Literary Review. n. 9, 1987, p. 27-58. Artigo acessível na pagina da Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/ ilustrissima/2014/09/1511606-a-literatura-brasileira-a-luz-do-pos-colonialismo.shtml acesso em: 9 abr. 2014.


Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos

caso, por exemplo, de dissertações de mestrado ou outros trabalhos acadêmicos sobre obras de autores da Amazônia, tais como Márcio Souza (com obras como Mad Maria, Galvez o Imperador do Acre, Liberdade, ente outros) Milton Hatoum ( Órfãos do Eldorado Dois Irmãos, /Cinzas do Norte entre outros) e Helio Rocha (Maciary). Estes, entre muitos outros autores da região, já são objetos de estudos sob a perspectiva pós-colonial. Neste caso o pós-colonial tem ajudado a identificar questões de colonização interna também, quando se investiga discursos colonizadores em relação à Amazônia dentro do próprio país ou até quando se despreza o conhecimento por ser produzido na região. Isso reflete a “geopolítica do conhecimento” a que se refere Walter Mignolo.7 Há que se lembrar também de estudiosos pós-colonialistas que fazem leitura de questões de colonialismo e colonialidade sob uma perspectiva da América do Sul, preferindo usar o termo “descolonial” em vez de “póscolonial”. Embora sendo outro termo e com algumas perspectivas diferentes, é muito visível a semelhança entre, por exemplo, Aníbal Quijano e Frantz Fanon quando se fala em apagamento da memória do colonizado ou em eurocentrismo etc. “Decoloniais”, portanto, ampliam as discussões do póscolonialismo não as eliminam. Anibal Quijano, Ramon Grosfoguel, Walter Mignolo (The Darker Side of the Renaissance: Literacy, Territoriality, Colonization. Duke University Press, 1995) entre outros refletem de alguma forma o que nos lembram Frantz Fanon, Aimé Cesaire, Albert Memmi entre muitos outros. Até mesmo o brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (2002) deve ser mencionado quando critica a visão eurocêntrica e cartesiana para se concluir “verdades” sobre o ameríndio (p. 370-371). Em outras palavras, não concordamos com alguns críticos e estudantes que acreditam que “agora é moda” usar os “decoloniais” e que os clássicos críticos pós-coloniais devem ser desconsiderados. Como afirmamos anteriormente, acreditamos que esta divergência amplia o diálogo e faz-nos lembrar que precisamos sempre prestar atenção na história e no desenvolvimento dos estudos pós-coloniais sem uma visão limitadora.

7

Ver: The Geopolitics of Knowledge and the Colonial Difference. Acessível em http:// www.unice.fr/crookall-cours/iup_geopoli/docs/Geopolitics.pdf 19

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

Referências Bibliográficas ACHEBE, C. Things Fall Apart. London: Heineman, 1990 ASHCROFT, B.; GARETH, G.; HELEN, T. The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-colonial Literature. London: Routledge, 1993. ASHCROFT, B.; GARETH, G.; HELEN, T. Postcolonial Studies Reader. London: Routledge, 1995. SHCROFT, B. Postcolonial Transformation. London and New York: Routledge, 2001. BASSNET, S.; TRIVEDDI, H. Postcolonial Translation. London: Routledge, 1997. BHABHA, H. The Location of Culture. London: Routledge, 1994. BRONTE, C. Jane Eyre. London: Penguin, 1980. BRYDON, D.; TIFFIN, H. Decolonizing Fiction. Sidney: Dangoroo, 1995. CÉSAIRE, A. Discourse on Colonialism. New York: Monthly Review Press, 2000. CASTRO, E. V. A Inconstancia da Alma Selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, 2002 COETZEE.J. M. Foe. New York: Viking Press, 1996 DEFOE, D. Robinson Crusoe . London: Penguin, 1983. FANON, The Wretched of the Earth. London: Penguin, 1983. FREIRE, P. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. Rio: Paz e Terra, 1981. GANDHI, L. Postcolonial Theory: A Critical Introduction. New York: Columbia Uiversity Press, 1998. GLISSANT, E. Quoted by Ali Behdad in “Global disjunctions, diasporic differences, and the new world (dis)order inSchwarz, H. and Sangreeta Ray. A Companion to Postcolonial Studies Reader. London, Victoria and Hong Kong: Blackwell, 2008. GROSFOGUEL, R. Decolonizing Post-Colonial Studies and Paradigms of Political-Economy: Transmodernity. Acessível em http://dialogoglobal.com/texts/grosfoguel/GrosfoguelDecolonizing-Pol-Econ-and-Postcolonial.pdf HARDENBURG, W. O Paraíso do Diabo. Trad. De Helio Rocha. São Carlos: Scienza, 2016. HATOUM, M. Órfãos do Eldorado. São Paulo: Cia das Letras, 2008. HATOUM, M. As Cinzas do Norte. São Paulo: Cia das Letras, 2005. HUTCHEON, L. Circling the downspout of the empire. In: Ashcroft et al. The Postcolonial Studies Reader. London: Routledge, 1995. LOOMBA, A. Colonialism/Postcolonialism. London and New York: Routledge, 2000.

|

20


Pós-colonialismos: Promovendo Diálogos MEMMI, A. The Colonizer and the Colonized. London: Earthscan, 2003. MIGNOLO, W. D. Darker Side of the Renaissance: Literacy, Territoriality, Colonization. Duke University Press, 1995. MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade política. In: Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, n. 34, p. 287324, 2008 MIGNOLO, W. D. The Geopolitics of Knowledge and the Colonial Difference. Acessível em http:// www.unice.fr/crookall-cours/iup_geopoli/docs/Geopolitics.pdf NENEVÉ, M. A Teoria do pós-colonialismo e algumas contribuições para a educação. In: Canadart. Salvador. Xiii (2005-2006) pp. 131-146 PARRY, B. Problems in Current Theories. Oxford Literary Review. Oxford: Oxford UP, 1978. PRATT, M. L. Imperial Eyes: Travel writing and transculturalism. London: Routledge, 1992. QUAISON, A. Postcolonialism: Theory, Practice or Process? Oxford: Polity Press, 2000. QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. Em: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas. Disponível em http:// bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/quijano.rtf RHYSS, J. Wide Sargasso Sea. New York: Andre Deutsch, 1966 ROCHA, H. Maciari Ou para além do encontro com as águas. São Paulo: Barauna, 2012. ROCHA, H. Coronel Labre. São Carlos: Scienza, 2016. SAID, E. Orientalism. London: Vintage Book, 1994. SAID, E. Culture and Imperialism. London: Vintage book, 1994. SAID, E. Humanismo e Crítica democrática. São Paulo: civilização brasileira, 2006. SANTIAGO, S. The Space in-between: essays on Latin American Culture. Durham and London: Duke University Press, 2001. SANTIAGO, S. Uma Literatura nos Trópicos. Rio: Rocco, 1979 SANTIAGO, S. Literatura brasileira à luz do pós-colonialismo. In: Folha de São Paulo. http:// www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/09/1511606-a-literatura-brasileira-a-luz-do-poscolonialismo.shtml[acessado em 9 de abril de 2014.] SHOAT, E.; ROBERT, S.Unthinking Eurocentrism: Multiculturalism and the Media. London and New York: Routledge, 1994. SOUZA, M. Mad Maria. São Paulo: Marco Zero, 1980. SOUZA, M. GalvezO Imperador do Acre. São Paulo: Saravia, 1999

21

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários SPIVAK, G. C. Can the Subaltern Speak? In: Cary Nelson and Lawrence Grossberg (eds.), Marxism and the Interpretation of Culture, pp. 271-313. Urbana:University of Illinois Press, 1988 SPIVAK, G. C. Critique of Postcolonial reason: toward a history of the vanishing present. London, Cambridge and New York: Harvard University Press, 1999. TOMLINSON, H. M. O Mar e a Selva. Trad. Helio Rocha. São Paulo: Paco, 2014. WALCOTT, D. Pantomime. Remembrance and Pantomime, two plays.. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1980. WA, T. N. Decolonising the Mind: The Politics of Language. In: African Literature, 1986.

|

22


Capítulo 1

Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar: Um Slogan Brasileiro Colonialista Carlos Roberto Wensing Ferreira1 Sonia Maria Gomes Sampaio2

O

título deste artigo remete ao programa do Governo Federal (governo militar) do presidente Emílio Garrastazu Médici, criado pelo Decreto-Lei Nº 1.106, de 16 de Junho de 1970 (BRASIL, 1970), que em seu artigo 1º decreta a criação do Programa de Integração Nacional, que tinha como principal objetivo integrar a região Norte do país às demais regiões e, para isso destinou, na época, 2 bilhões de cruzeiros com a finalidade específica de financiar o plano de obras de infraestrutura nas regiões compreendidas nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), para assim promover integração de maneira urgente à economia nacional. O início da ditadura militar (1964) deixou, de maneira definitiva, suas marcas na ocupação da Amazônia. Com um discurso nacionalista, o governo

1

Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR,sob a orientação da professora Dra. Sonia Maria Gomes Sampaio. Pós-graduado em Metodologia do Ensino superior pela UNEOURO, em Educação, Gestão e Sustentabilidade Ambiental pela UNEOURO e Mídias na educação pela UNIR e Graduado em Pedagogia pela Unipec, E-mail: carloswensing@hotmail.com

2

(Orientadora) Docente efetiva, vinculada ao Departamento de Línguas Vernáculas, na disciplina de Estudos da Narrativa pelo Mestrado Acadêmico em Estudos Literários e a disciplina de Cultura Amazônica no Mestrado Acadêmico em Letras pela UNIR. Membro do Grupo de Estudos em Culturas, Educação e Linguagens – GECEL/UNIR/ CNPq. E-mail: soniagomesampaio@gmail.com 23

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

militar pregava a integração da região Norte para unificação do país, a fim de evitar a ocupação estrangeira e, com isso, sua internacionalização. Como sabemos, o discurso nacionalista tem como objetivo defender a ideia de que não podemos permitir que outros povos venham explorar as benesses que os recursos podem gerar pois, deste modo, quem deve usufruir das riquezas é o próprio povo e nas, palavras de Eric J. A HOBSBAWM, em sua obra Era do Capital (1848-1875), (1977), é asseverado que: O critério “histórico” de nacionalidade implicava, portanto, a importância decisiva das instituições e da cultura das classes dominantes ou elites de educação elevada, supondo-as identificadas, ou pelo menos não muito obviamente incompatíveis, com o povo comum. Mas o argumento ideológico para o nacionalismo era bem diferente e muito mais radical, democrático e revolucionário. Apoiava-se no fato de que, o que fosse que a história ou a cultura pudessem dizer, os irlandeses eram irlandeses e não ingleses, os tchecos eram tchecos e não alemães, os finlandeses não eram russos e nenhum povo deveria ser explorado ou dirigido por outro (HOBSBAWM, 1977, p. 100):

Partindo desse ponto de vista, a ocupação da Região Norte só poderia ser feita pelo seu próprio povo, no caso nós, os brasileiros, e assim, em princípio foi feito, porém, do ponto de vista do pós-colonialismo, mesmo sendo brasileiros, os colonos de Rondônia são os invasores, pois estas terras já eram habitadas. No entanto, a ocupação de Rondônia, cujo nome é uma homenagem ao sertanista Marechal Cândido Rondon, aconteceu de forma definitiva com a abertura da BR 029, posteriormente chamada de BR 364, tendo como orientação os caminhos trilhados por Rondon na construção de uma linha telegráfica, o que já demonstrava interesses de assegurar essa região devido à cobiça internacional, pois, “A construção deste sistema telegráfico mundial combinava elementos políticos e comerciais” (HOBSBAWM,1977, p. 74). Deste modo, a rodovia foi aberta utilizando– se dos estudos de Rondon, para proporcionar o desenvolvimento em nome da nova ordem propagada, pois é o principal braço de transporte terrestre que faz ligação com outras regiões do país. Com a abertura da rodovia, o caminho estava livre para a gigantesca migração de milhares de famílias, principalmente do sul do Brasil, que buscavam a tão sonhada terra prometida e, com ela os gananciosos e oportunistas, garimpeiros, grileiros e madeireiros que, além de entrarem

|

24


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

em confronto com os índios, expulsando-os de suas terras, causando alterações significativas em sua estrutura organizacional, obrigou – os a adentrar cada vez mais para o interior da floresta. Além do mais, tiravam proveito da simplicidade do povo trabalhador que veio em busca de novas oportunidades. As pessoas que buscavam um pedaço de terra para garantirem sua sobrevivência foram atraídas a se assentarem na Amazônia Rondoniense sem a mínima infraestrutura básica necessária, simplesmente acreditando em uma nova vida com novas oportunidades. Essa migração maciça se deu por vários fatores: pelo discurso nacionalista do governo militar; pelo discurso da integração da região às demais; pela oportunidade dos brasileiros que não tinham como possuir terras nas regiões onde já estavam estabelecidas as concentrações de propriedades rurais. Frantz Fanon, em sua obra Os condenados da Terra (1968), expõe sobre os perigos do discurso nacionalista e os grandes latifúndios. O comportamento dos donos de terras nacionais é mais ou menos idêntico ao da burguesia das cidades. Desde a proclamação da independência os grandes agricultores exigem a nacionalização das explorações agrícolas. Mediante múltiplas barganhas chegam a surrupiar as fazendas outrora possuída pelos colonos, reforçando desse modo sua influência sobre a região. Mas não tratam de renovar a agricultura, intensificá-la ou integrá-la numa economia realmente nacional. De fato, os proprietários de terras exigirão dos poderes públicos que centupliquem em seu benefício as facilidades e os favores ilegais que antes aproveitavam aos colonos estrangeiros. A exploração dos trabalhadores agrícolas será reforçada e legitimada. Manipulando dois ou três slogans, esses novos colonos vão exigir dos trabalhadores agrícolas uma atividade imensa, em nome, é claro, do esforço nacional. Não haverá modernização da agricultura nem plano de desenvolvimento, nem iniciativa, porque as iniciativas, que implicam um mínimo de riscos, levam o pânico a esses meios e afugentam a burguesia rural hesitante, prudente, que chafurda cada vez mais nos circuitos estabelecidos pelo colonialismo. Nessas regiões, as iniciativas pertencem de fato ao governo. É o governo que as mantêm, que as encoraja, que as financia. A burguesia agrícola recusa correr o menor risco. É infensa à aposta, à aventura. Não tenciona trabalhar na areia. Exige o que é sólido, rápido. Os benefícios que embolsa, enormes tendo em conta a receita nacional, não são reinvestidos. 25

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

Uma poupança de pé-de-meia domina a psicologia desses proprietários rurais. Algumas vezes, sobretudo nos anos que se seguem à independência, a burguesia não hesita em confiar aos bancos estrangeiros os benefícios extraídos do solo nacional. Em compensação, somas vultosas são utilizadas em gastos de ostentação, em carros, em casas de campo, coisas descritas pelos economistas como características da burguesia subdesenvolvida (FANON, 1968, p. 128,129).

Desta forma, podemos perceber que a ganância por riquezas atinge até os novos países, pois o capitalismo corrompe o mais virtuoso dos seres humanos e, tudo o que pode gerar lucro é motivo de disputas, e sendo a terra fonte de riquezas, não ficou de fora desse processo. Na esteira de Fanon (1968), Hobsbawm (1977), contribui com a seguinte afirmação: Para o capitalismo, a terra era um fator de produção e uma mercadoria peculiar apenas pela sua imobilidade e quantidade limitada, embora, como tenha ocorrido, as grandes aberturas de novas terras deste período fizeram com que estas limitações parecessem aparentemente insignificantes para a época. O problema do que fazer com aqueles que detinham este “monopólio natural”, portanto mantendo uma espécie de pedágio sobre o resto da economia, parecia relativamente superável. A agricultura era uma “indústria” como qualquer outra, para ser conduzida por princípios de obtenção de lucro, o fazendeiro um empresário. O mundo rural como um todo era um mercado, uma fonte de trabalho, uma fonte de capital. Não havia meio de reconciliar esta perspectiva com a dos camponeses ou senhores da terra, para os quais a terra não era apenas uma fonte de grande lucro, mas a própria estrutura de vida; onde as relações entre os homens e a terra e entre si em termos da terra não eram opcionais, mas obrigatórias. (HOBSBAWM, 1977, p. 192)

Como podemos perceber, o capitalismo, por meio do governo militar do Brasil, fez da Região Norte, naquele momento, sua vítima mais recente para atender sua ambição exploratória, pois aos olhos de Hobsbawm (1977): Não há dúvida de que os profetas burgueses de meados do século XIX olhavam para a frente procurando um mundo único e mais ou menos padronizado, onde todos

|

26


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

os governos teriam o conhecimento das verdades da economia política e do liberalismo, levadas através do planeta por missionários impessoais mais poderosos que aqueles da cristandade ou do islamismo; um mundo refeito à imagem da burguesia, talvez mesmo onde, eventualmente, as diferenças nacionais viessem a desaparecer. O desenvolvimento das comunicações já pedia novas formas de coordenação internacionais e organismos padronizados (HOBSBAWM, 1977, p. 80).

Nestes termos, tudo o que foi feito para a ocupação da região amazônica não levou em consideração os povos nativos dessa terra. Logo, não é possível aceitar tal atitude de um governo em não reconhecer que essas terras não estavam e nunca estiveram sem habitantes. Pode-se perceber que tal discurso coloca mais uma vez os nativos vistos como “selvagens” e, portanto, destituídos de qualquer direito como seres inferiores. Para justificar a exploração dessas terras, todos os exploradores viajantes construíram esse discurso imperialista. O slogan “Terra sem homem para homem sem-terra”, utilizado pelo governo militar para atrair imigrantes para a ocupação da Amazônia, reflete uma atitude colonial imperialista, indo na contramão do discurso nacionalista, o que Sartre traduz com perfeição no que concerne à realidade de uma atitude exploratória inconsequente: Não faz muito tempo a terra tinha dois bilhões de habitantes, isto é, quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de: indígenas. Os primeiros dispunham do Verbo, os outros pediam-no emprestado. Entre aqueles a estes, régulos vendidos, feudatários e uma falsa burguesia pré-fabricada serviam de intermediários. Às colônias a verdade: se mostrava nua; as “metrópoles” queriam-na vestida; era preciso que o indígena as amasse (SARTRE, 1968, p. 3).

Ao colocar em prática as ações do decreto, o governo militar ignorou os nativos da Amazônia, seus modos de vida, suas culturas e suas relações com a natureza, o que significa retirar somente o necessário para a subsistência. Hoje o estado de Rondônia evidencia as consequências desse plano e percebemos que por trás desse discurso de ocupação da Amazônia, há de forma dissimulada a manipulação das grandes nações capitalistas que subsidiavam os interesses do governo militar mediante financiamentos, tendo como principal fomentador o Fundo Monetário Internacional (FMI) e mantendo o país endividado. 27

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

É notório saber que a região amazônica possui riquezas naturais de grande valor comercial, e não é honroso para um país estrangeiro capitalista que prega a liberdade democrática apoderar-se de outro e subjugar sua população a fim de obter proveito. Nessa esteira de pensamento, Edward Said em sua obra Cultura e imperialismo (1995) assevera que: Na expansão dos grandes impérios ocidentais, o lucro e a perspectiva de mais lucro foram, evidentemente, de enorme importância, como provam amplamente os atrativos das especiarias, açúcar, escravos, borracha, algodão, ópio, estanho, ouro e prata ao longo dos séculos. Também havia a inércia, o investimento em negócios já existentes, a tradição e o mercado ou forças institucionais que mantinham os empreendimentos em atividade. Mas, para o imperialismo e o colonialismo, não é só isso. Havia um comprometimento por causa do lucro, e que ia além dele, um comprometimento na circulação e recirculação constantes, o qual, por um lado, permitia que pessoas decentes aceitassem a ideia de que territórios distantes e respectivos povos deviam ser subjugados e, por outro, revigorava as energias metropolitanas, de maneira que essas pessoas decentes pudessem pensar no imperium como um dever planejado, quase metafísico, de governar povos subordinados, inferiores ou menos avançados (SAID, 1995, p. 41, 42).

Sendo assim, a melhor maneira é custear ou financiar o governo local de um país com o firmamento de acordos de cooperação comercial internacional e induzi-lo a ser o responsável pela degradação ambiental, pelos conflitos com indígenas. Tal estratégia de desestabilização acontece para que o estado seja dotado de infraestrutura necessária à região, afim de que as grandes empresas internacionais se instalem na Amazônia de forma legal e comecem a explorar as riquezas. Desta há concordância entre o pensamento de Said (1995) e de Fanon (1968) na questão em trato: Sabeis muito bem que somos exploradores. Sabeis que nos apoderamos do ouro e dos metais e, posteriormente, do petróleo dos “continentes novos” e que os trouxemos para as velhas metrópoles. Com excelentes resultados: palácios, catedrais, capitais industriais; e quando a crise ameaçava, estavam ali os mercados coloniais para a amortecer ou desviar. A Europa, empanturrada de riquezas, concedeu

|

28


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

de jure a humanidade a todos os seus habitantes; entre nós, um homem significa um cúmplice, visto que todos nós lucramos com a exploração colonial (FANON, 1968, p. 17).

Para complementar o pensamento de Fanon (1968), Hobsbawm (1977) nos diz que: Explorar significava não apenas conhecer, mas desenvolver, trazer o desconhecido e, por definição, os bárbaros e atrasados para a luz da civilização e do progresso; vestir a imoralidade da nudez selvagem com camisas e calças, com uma providencial e beneficente manufatura de Bolton e Roubaix, levar as mercadorias de Birmingham que inevitavelmente arrastavam a civilização para onde quer que fossem (HOBSBAWM, 1977, p. 66).

No caso do Brasil, foi Portugal, no período colonial (1500-1822), quem usufruiu de nossas riquezas e trouxe para cá o modelo de civilização europeia que ainda se faz presente em nossas terras. Atualmente as empresas americanas e chinesas, entre outras, demonstram interesse nas riquezas existentes que a Região Norte possui. A exemplo do que estamos dizendo, podemos citar em Rondônia a Reserva Roosevelt, formada por 2,7 milhões de hectares e de propriedade dos índios Cintas-Largas, localizada no município de Espigão do Oeste, com uma população de 1.200 índios. Essa reserva possui uma das maiores jazidas de diamantes do mundo, contudo, sua real capacidade de extração, depende de confirmação, no entanto, a verificação depende de análises, o que ainda não foi feito, pois a jazida está localizada dentro de uma reserva indígena protegida por leis brasileiras específicas proibindo a entrada sem autorização de órgãos competentes. Além de tudo isso, o início da colonização de Rondônia foi marcado pelo extrativismo vegetal, principalmente pela extração de borracha e, posteriormente, da madeira, sendo que o estado também é responsável por 40% da cassiterita produzida no Brasil, boa parte retirada do garimpo Bom Futuro, em Ariquemes, uma das maiores jazidas desse minério no mundo. No que diz respeito a essa exploração dos povos colonizados, Fanon (1968) corrobora com a seguinte expressão: Nos primórdios da colonização, uma colônia podia ocupar territórios imensos [...] Mas hoje em dia a luta nacional do colonizado se insere numa situação inteiramente nova. O capitalismo, em seu período de: desenvolvimento, via nas colônias uma fonte de matérias-primas que, 29

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

manufaturadas, podiam espalhar-se no mercado europeu. Depois de uma fase de acumulação do capital, impõe-se hoje modificar a concepção da rentabilidade de um negócio. As colônias convertem-se num mercado. A população colonial é uma clientela que compra (FANON, 1968, p. 49).

Essa exploração passa por uma fase de modernização. Desde 1997 a atividade é exercida por grandes empresas mineradoras, controladas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O processo de industrialização de Rondônia acompanha de perto a ocupação agrícola, mas com a construção da Usina Hidrelétrica de Samuel, na década de 80 do século XX, crescem os segmentos madeireiro, mineral, de construção civil e alimentos intensificando a atividade industrial no estado com ares de uma produtividade moderna. Essa modernidade revela a artimanha mais antiga utilizada pelos colonizadores e, quanto a essa artimanha Fanon (1968) nos diz o seguinte: Durante séculos os capitalistas comportaram-se no mundo subdesenvolvido como verdadeiros criminosos de guerra. As deportações, os massacres, o trabalho forçado, a escravidão forma os principais meios empregados pelo capitalismo para aumentar suas reservas de ouro e de diamante, suas riquezas, e para firmar seu poderio (FANON, 1968, p. 80).

Hoje a exploração acontece através de empresas representantes dos países imperialistas capitalistas de forma legal e autorizada pelo governo local, não configurando uma colonização territorial, mas com a conjectura de uma aldeia global em prol do desenvolvimento regional e econômico, sob a alegação de gerar empregos, divisas, entre outros. Isso em termos de desenvolvimento social, pautado no capitalismo, dizem, é um avanço significativo, porém as consequências para o estado estão em evidência, pois o estado perdeu boa parte da população indígena em confrontos armados e toda sorte usurpados segundo as palavras de Albert Memmi em sua obra Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador (2007): “É, enfim, impossível que ele não constate a ilegitimidade constante de sua situação. [...] ele aparece, assim, como duplamente injusto: é um privilegiado e um privilegiado não legítimo, isto é, um usurpador”. E, enfim, não apenas aos olhos do colonizado, mas aos seus próprios olhos. (MEMMI, 2007, p. 42).

|

30


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

Tais fatos aconteceram porque algumas tribos foram extintas, outras perderam parte de suas identidades por estarem muito próximas dos centros urbanos, perderam suas terras para os grileiros, para os colonos, para o próprio estado, sendo realocados em novas terras, longe das ligações com os antepassados, enfim, os nativos pagaram o preço da colonização de Rondônia propagada em nome do progresso e tendo como pano de fundo a integração nacional. No princípio da colonização da América pelos portugueses e espanhóis a região era composta quase tão somente por indígenas. Os portugueses e espanhóis foram os primeiros exploradores a se aventurarem por esta região que era explorada pelos nativos com a intenção de apoderar-se das novas terras descobertas e anexá-las a seus países fins comerciais. Essa exploração aconteceu de forma restrita devido às limitações de ordem tecnológica e principalmente pela falta de conhecimento da região para atravessar rios que mais pareciam com mares dificultando, assim, o avanço colonial. Apesar da dificuldade, a colonização aconteceu e em consequência o desmatamento, e, mesmo assim, Rondônia configura-se como sendo um dos estados com uma das maiores populações indígenas do país. Outro slogan que marcou muito a ocupação Região Norte, da qual Rondônia faz parte, foi: “integrar para não entregar”. Sabemos que não entregamos a Amazônia legal3 de fato, enquanto território nacional pertencente ao Brasil, porém permitimos sua entrega por meio da internacionalização econômica e industrial para a exploração de suas riquezas naturais. Há inclusive capitalistas estrangeiros defendendo a ideia de que a Amazônia deve pertencer a todos, mas entendemos que esse “pertencer” refere-se à exploração de riquezas naturais e como disse em 1983, a então premiê britânica Margareth Thatcher “Se os países subdesenvolvidos não

3

Através da Lei n° 1806, de 06 de janeiro de 1953, o governo de Getúlio Vargas decretou a criação da Amazônia Legal e, estabelece, em seu Artigo 1º O Plano de Valorização Econômica da Amazônia, previsto no Art. 199 da Constituição, constitui um sistema de medidas, serviços, empreendimentos e obras, destinados a incrementar o desenvolvimento da produção extrativa e agrícola pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca, no sentido de melhores padrões sociais de vida e bem-estar econômico das populações da região e da expansão da riqueza do País. Essa área da Floresta Amazônica, pertencente ao Brasil, e abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e parte dos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão correspondendo a aproximadamente 5.217.423 km2, cerca de 61% do território brasileiro. 31

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”4. Esse pensamento externa mais do nunca os princípios do capitalismo, precursor da revolução industrial, pois para capitalismo o mais importante é a lucratividade e, neste novo contexto, não é mais interessante a colonização, e sim a exploração por meio da industrialização, porque o próprio povo explorado automaticamente tornar-se mão de obra barata e também consumidora, pois há um mercado consumidor e, nesta perspectiva Boaventura de Sousa Santos em sua obra A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência (2009) nos diz que: Trata-se da estratégia simbólica do capitalismo transnacional no sentido de integrar na lógica do consumo todas as classes sociais do sistema mundial e muito especialmente as classes populares dos países periféricos e semiperiféricos. É um processo antigo, mas que nos últimos anos assumiu uma qualidade diferente com a nova ordem da informação mundial e com o controle global dos mercados midiáticos e da publicidade. Pressupõe uma separação grande entre a prática do consumismo e o consumo de produtos, ou seja, entre o consumismo, enquanto prática cultural-ideológica, e os produtos em que ele na maioria dos casos não se pode concretizar. Os dois factores estão interligados, como seria de esperar. As empresas multinacionais são os grandes veículos da cultura-ideologia do consumismo e têm desempenhado um papel crucial em aumentar expectativas consumistas que não podem ser satisfeitas, num futuro previsível, pela massa da população do chamado Terceiro Mundo (SANTOS, 2009, p. 237).

Fomentando ainda mais a exploração por meio do capitalismo e sob este prisma, a Amazônia de fato foi integrada, mas não somente às outras regiões do país, mas a todo mercado capitalista. Podemos ver claramente que as intenções de integração promovida pelo governo nacionalista têm hoje outros ares e, Fanon (1968) explica perfeitamente ao afirmar que: [... ] a burguesia nacional não cessa de exigir a nacionalização da economia e dos setores comerciais. E que para ela, nacionalizar não significa pôr a totalidade da economia a serviço da nação, decidir satisfazer todas as 4

|

32

A revista que cita a fala da premiê britânica Margareth Thatcher é a revista Super Interessante na sua edição nº 205 a de outubro de 2004. O endereço eletrônico para acesso à reportagem é o seguinte: http://super.abril.com.br/ideias/os-gringos-querem-a-amazonia.


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

necessidades da nação. Para ela, nacionalizar não significa ordenar o Estado em função de relações sociais novas, significa transferir aos autóctones favores ilegais herdados do período colonial. Cuja aparição venha a ser estimulada. Como não dispõe dos meios materiais nem dos meios intelectuais suficientes (engenheiros, técnicos), a burguesia limitará suas pretensões à retomada dos escritórios e casas comerciais outrora ocupados pelos colonos. A burguesia nacional toma o lugar da antiga população’ europeia”: médicos, advogados, comerciantes, corretores, despachantes, agentes de mercadorias em trânsito. Julga ela que, para a dignidade do país e sua própria salvaguarda, deve ocupar todos esses postos. Daí por diante vai exigir que as grandes companhias estrangeiras passem por ela, quer desejem manter-se no país, quer tenham a intenção de penetrar nele. A burguesia nacional descobre para si a missão histórica de servir de intermediária. Como vemos, não se trata de uma vocação’ de transformar a nação, mas prosaicamente de servir de correia de transmissão a um capitalismo encurralado na dissimulação e que ostenta hoje a máscara neocolonialista (FANON, 1968, p. 126,127).

A burguesia a que Fanon (1968) se refere nada mais é que o próprio governo, que detém o poder de representação do Estado e de Estado em suas mãos, possuindo assim os meios legais para poder permitir a entrada das grandes empresas capitalistas na região amazônica, e de acordo Said (1995): Em nossa época, o colonialismo direto se extinguiu em boa medida; o imperialismo, como veremos, sobrevive onde sempre existiu, numa espécie de esfera cultural geral, bem como em determinadas práticas políticas, ideológicas, econômicas e sociais. Nem o imperialismo, nem o colonialismo é um simples ato de acumulação e aquisição. Ambos são sustentados e talvez impelidos por potentes formações ideológicas que incluem a noção de que certos territórios e povos precisam e imploram pela dominação... (SAID, 1995, p. 40).

Nessa perspectiva, Fanon (1968) afirma que essa burguesia é prejudicial ao desenvolvimento do jovem estado independente porque retarda sua evolução, conduzindo a jovem nação por caminhos sem saída, tornando-se uma fase inútil no contexto histórico. Essa expressão também se traduz na colonização da Região Norte, onde os políticos trabalham com as políticas 33

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

mínimas de estado para justificar a exploração e não gerar uma insatisfação, o que futuramente poderia converter-se em uma revolta, porque o povo vê as riquezas saírem e, não há a contrapartida de compensação e, quando acontece, é insignificante e irrisória. Neste sentido Fanon (1968) nos diz que: [...]. Quando essa casta se aniquilar, devorada por suas próprias contradições, perceber-se á que nada aconteceu desde da independência, que é necessário retomar tudo, que é preciso tornar a partir do zero. A reconversão não será operada ao nível das estruturas estabelecidas pela burguesia no decurso de seu reino, uma vez que essa casta não fez senão apropriar-se sem alteração da herança da economia, do pensamento e das instituições coloniais. (FANON, p. 145, 1968).

O conceito de capitalismo hoje não pode mais se sustentar nas velhas práticas coloniais e nas do início dos pós – colonialismo. Isto não quer dizer que o sistema esteja ultrapassado. Ao contrário, ele vem se revestindo de uma nova modalidade. Essa modalidade surgiu com o advento da internacionalização da produção industrial de bens materiais e o acúmulo de capital financeiro. Esse sistema foi semeado no início do colonialismo para posteriormente ser denominado de globalização. Significa, portanto, dizer que nesse processo há o entrelaçamento das economias de todos os países, sejam eles desenvolvidos ou emergentes, alterando significativamente a estrutura organizacional da sociedade em todo o planeta, tornando-a interligada e dependente desse sistema extremamente exploratório. Quanto a essa dependência mercantil e exploratória global, exempli­ ficamos com Hobsbawm (1977): Estes apóstolos da industrialização transformaram-se especialmente depois do fracasso da revolução de 1848, de um grupo de crentes que os colocou nos livros de história como os “socialistas utópicos”, em um dinâmico e corajoso grupo de empreendedores conhecidos como “capitães de indústria”, mas acima de tudo como construtores de rede de comunicações. Eles não eram os únicos a sonhar com um mundo ligado pelo comércio e tecnologia. Estados improváveis como centros de comércio global... (HOBSBAWM, 1977, p. 71).

Hoje em dia, uma parcela significativa do que Rondônia produz é comercializada internacionalmente. Podemos citar como exemplo a produção

|

34


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

de carne bovina, pois hoje o estado é dos poucos do Brasil com zona livre de aftosa e segundo Pereira (2015), estima-se que no ano de 2015, o estado produzirá 500 mil toneladas de carne e, essa produção é praticamente toda exportada, ou seja, do que nós rondonienses, produzimos fica somente uma pequena parcela, pois o melhor vai para a mesa dos nossos ex – colonizadores. As consequências das ações do governo militar que se apoderou do poder por meio de um golpe de estado alinhando–se à política imperialista americana, na região amazônica refletem-se hoje em números nada positivos. Primeiramente ficamos reféns do sistema monetário internacional, ao qual para pagar os juros da dívida externa, o país sacrificou parte do orçamento destinado às ações sociais para poder honrar os compromissos internacionais alimentando ainda mais os imperialistas. Não adianta sermos um país soberano em territorialidade, se não temos autonomia para gerir nossas próprias riquezas. Nesse contexto, a soberania pouco importa, pois para o capitalismo moderno, as fronteiras territoriais, geográficas e marítimas são meras formalidades e o país que for contra esse método irá arcar com as consequências pela não participação nesse sistema com sanções econômicas. Umas das marcas do colonialismo propagado pelo governo militar na região amazônica é a atitude de discriminação cultural muito fluente no interior do estado com relação aos povos nativos, pois a maioria dos colonizadores do interior é da Região Sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), e esses colonos são, na sua maioria, descendentes de imigrantes italianos e alemães, diferentemente da capital Porto Velho, onde a maioria é descendente de índios e de nordestinos que vieram para trabalhar nos seringais durante o primeiro e segundo ciclos da borracha e dos remanescente da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.

35

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

Consideramos importante ressaltar que a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré5, um grande feito da engenharia moderna do final do século XIX e início do século XX em plena selva amazônica, surgiu devido ao fato de os bolivianos terem perdido o canal de Antofogasta para o Chile, único ponto de acesso ao oceano atlântico, a partir do litoral paraense, para escoar seus produtos e, foi então que o General Quentin Quevedo. Em 1861, sugeriu duas possibilidades para que a Bolívia voltasse a ter como exportar seus produtos utilizando o Rio Madeira como rota de transporte: a primeira delas seria a canalização e a segunda a construção de uma ferrovia para ultrapassar o trecho encachoeirado. A opção foi a construção da ferrovia. De acordo com Gorayeb (2015), a ferrovia foi concluída em 30 de abril de 1912, mas só foi inaugurada oficialmente no dia 1º de agosto de 1912, tendo suas atividades encerradas de forma definitiva em 10 de julho de 1972, existindo hoje apenas a estação e algumas locomotivas para visitação do público. Neste sentido, podemos dizer que as ferrovias eram estratégicas do ponto de vista econômico, porque eram capazes de transportar grandes cargas em tempo reduzido e com baixo custo. Para exemplificar fazemos uso das palavras de Hobsbawm (1977): De um ponto de vista global, a rede de troncos ferroviários permanecia suplementar à de navegação internacional. Tal como existia na Ásia, Austrália, África e América Latina, a ferrovia, considerada do ponto de vista econômico, era basicamente um meio de ligar alguma área produtora de bens primários a um porto do qual estes bens poderiam ser enviados para as zonas industriais e urbanas do mundo (HOBSBAWM, 1977, p. 72).

5

|

36

O inconveniente em superar as quedas d'água, que ocasionavam perdas humanas e materiais, conduziu à discussão de propostas que viessem a facilitar o transporte naquele trecho do rio. Assim, Quentin Quevedo, que desceu o Madeira em 1861 a serviço do governo boliviano, sugeriu a sua canalização ou a construção de ferrovia entre as cachoeiras de Guajará-Mirim e Santo Antônio. Também o Engenheiro João Martins da Silva Coutinho que sugeriu ao governo da província do Amazonas a construção de uma ferrovia que ligasse o Madeira ao Mamoré. A questão do Acre (1899-1902), que foi resolvida com a assinatura do Tratado de Petrópolis, entre Brasil e Bolívia (17/11/1903), retornou à discussão sobre a viabilização da construção da ferrovia Madeira-Mamoré. As obras foram reiniciadas em 1907, a pós a concessão para a construção da ferrovia ter sido vendida pelo Engenheiro Joaquim Catramby para o norte-americano Percival Farquhar [nome dado à Avenida que margeia o que resta da antiga estação ferroviária], que fundou a Madeira-Mamoré Railway Co. Em 1907 chega a Santo Antonio a empreiteira May, Jekyll &RandolphCo. Ltd. Que deu início às obras concluindo-as em 1912. (TEIXEIRA, 2001, p. 137-138).


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

Ao longo do processo de exploração, houve algumas tentativas de assentamentos de colonização da Região Norte para facilitar o escoamento dos produtos e de matéria-prima compreendendo os períodos dos séculos XVI e XVIII. A colonização aconteceu a partir da década de 1970 no Século XX), contudo, o marco definitivo ocorreu a partir da década de 70. Essa tentativa de colonização foi a mais bem-sucedida em relação aos períodos anteriores, devido ao avanço científico impulsionado pelo capitalismo, proporcionando a criação de novas tecnologias. Essa tomada de investimentos na região amazônica modificou toda a região, como diz Fanon (1968): A natureza hostil indócil, essencialmente rebelde é de fato representada nas colônias pela selva, pelos mosquitos, os indígenas e as febres. A colonização alcança êxito quando toda essa natureza insubmissa é enfim domada. Estradas de ferro através da savana” secagem dos pântanos... (FANON, 1968, p. 212).

Hoje a Região Norte está totalmente interligada às demais regiões do país, participando ativamente do processo de produção de bens de consumo nas mais variadas áreas, inclusive na exportação, e isto nos parece normal, pois, “Hoje estamos mais familiarizados do que os homens de meados do século XIX com este desenho totalizante do planeta em um único mundo. ” (HOBSBAWM, 1977, p. 79). Aproveitando – se de tal discurso, Rondônia oferece aos seus habitantes as comodidades desse processo, apesar de ser um estado relativamente novo em termos de emancipação. Esse processo, de fato, causou a modernização, porém a degradação ambiental é evidente em toda a região norte, sendo que Rondônia é destaque nacional no sentido negativo, pois já perdeu aproximadamente 35 por cento de sua cobertura original para a pecuária e a agricultura. Este processo de degradação apoia-se no discurso de que é impossível o pleno desenvolvimento sem que haja, de alguma forma, alterações no meio ambiente, pois o ser humano é o único ser que para poder construir, precisa retirar, explorar e alterar o meio à sua volta para adaptá – lo ao seu modo de vida. Este processo é recorrente em todos os países que adotaram o estilo de sociedade desenvolvida na Europa e como nos afirma Hobsbawm, (1977) “O que é mais impressionante neste aspecto, mais adiante no século XX, é a padronização que vai bem além da puramente econômica e tecnológica”... (HOBSBAWM, 1977, p. 79): Essa padronização está extinguindo a ideia de territorialidade, pois para os imperialistas, hoje somos uma aldeia global e pouco importa aonde 37

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

você está, somos cidadãos universais para o consumo, pois o comércio extinguiu essas barreiras e podemos comprar de tudo e em qualquer lugar sem precisarmos sair de casa. Neste panorama, para os países imperialistas pouco importa o nacionalismo das nações colonizadas, sejam elas quaisquer que sejam, pois por meio do capitalismo imporão suas vontades e interesses comerciais. Podemos também dizer que a incorporação de uma cultura universal, geralmente nascida nos países imperialistas, se traduz no modo de vestir, na cultura alimentar vendendo a ideia de que tudo o que é externo é o melhor e mais saudável. Rondônia já vivencia esse processo e, neste aspecto, Hobsbawm (1977) nos esclarece com a seguinte argumentação: De qualquer maneira, fosse qual fosse sua natureza ou programa, movimentos representando a “ideia nacional” cresceram e multiplicaram-se. Eles não representavam frequentemente – ou normalmente – aquilo que o século XX viria a entender como a extrema versão de um programa nacional, ou seja, a necessidade de um estado totalmente independente, homogêneo territorial e linguisticamente, laico, provavelmente republicano/ parlamentar para cada povo (HOBSBAWM, 1977, p. 104).

Então afirmamos que a ideia de Nacionalismo defendida pelos autores do suporte teórico é substancialmente diferente da pregada pelo governo militar. Ela simplesmente mascara a verdadeira intenção dessa falsa burguesia que se apoderou do poder para suprir suas próprias ambições entregando todas as nossas riquezas para deixar ainda mais rico os ricos e consequentemente obter privilégios financeiros. Que o diga o povo que vive na Região Norte que em menos de 40 anos já enfrenta todos os problemas vivenciados pelas outras regiões, em suma: o descaso público. A Região Norte, de acordo com o Portal Brasil (2013), tem aumentado sua contribuição para o PIB do Brasil e, mesmo assim é inferior às demais regiões, entretanto, tem mais visibilidade internacional do que nacional, o que prova o falso discurso nacionalista, pois o próprio povo brasileiro de outras regiões do país considera a região como sendo uma região em que nada contribui para o desenvolvimento do país. Acreditam que aqui só existe uma grande floresta e muitos povos indígenas. O que nos indigna é o fato de que Rondônia, do ponto de vista do capital, é um estado estratégico, pois é o principal ponto de acesso às demais regiões, com um grande rio (Rio Madeira), que por ser um rio de grande extensão e profundidade, permite em boa parte de seu leito a navegabilidade e, desta forma, torna-se o principal escoadouro da produção de outras regiões que precisam vender suas mercadorias para outros cantos.

|

38


Terra sem Homem para Homem Sem-terra e Integrar para não Entregar...

Capítulo 1

Recentemente, o rio veio a servir aos interesses do capitalismo em prol do consumismo do próprio povo brasileiro, pois devido à e exuberância e majestosidade está tendo seu curso natural controlado, pois nele se construiu um complexo hidrelétrico composto pelas usinas UHE Jirau com capacidade de 3.450 MW 6 e a UHE de Santo Antônio de 3.150 MW7, no município de Porto Velho, que estão em fase de finalização e em pleno funcionamento. E as consequências desta ação já se refletiu no modo de vida do povo ribeirinho, pois a maioria teve que ser realocada em outros lugares devido ao represamento, que expandiu seu leito alagando regiões onde dificilmente alagaria. Outro fator foi a interrupção no sistema de reprodução dos peixes, a piracema, pois o sistema de cachoeira feito pelas usinas para permitir a subida dos peixes se mostrou ineficiente e geralmente os peixes estão sendo resgatados e realocados na parte superior do rio, não permitindo que o processo de reprodução ocorra de forma natural. Segundo os biólogos, essa interferência, reduzirá drasticamente as espécies do rio, gerando um impacto ambiental irreversível, tanto na fauna quanto na flora às margens do rio, pois o rio inundará permanentemente uma parcela significativa da floresta. Inclusive, há quem diga que a última enchente que ocorreu no ano de 2013, que superou todas as anteriores ultrapassando os 19 metros de profundidade, ocorreu por causa do represamento do rio agregada ao aquecimento global. Por causa desses fatores, as geleiras nas nascentes do rio estão descongelando com mais frequência e aumentando a quantidade de chuvas na região. Outro aspecto a ser considerado quando falamos da colonização de Rondônia, são as perdas ocorridas logo no início do povoamento devido ao desmatamento para criação de gado e para a produção agrícola, o que já podemos observar nas proximidades da rodovia federal. Nessas regiões estão instaladas grandes empresas ligadas ao setor agrícola que estão plantando principalmente soja e milho, produtos de alto valor comercial, pois são a base da produção de ração para a criação de bovinos e de peixes. Diante de tudo o que foi exposto, não há como negar que Rondônia alterou definitivamente o seu bioma, diminuindo drasticamente a sua fauna e flora. Essa alteração está comprometendo a biodiversidade das espécies existentes na região por causa do desiquilíbrio gerado pelo desmatamento e 6 7

O detalhamento de todo o processo de estudos e licenciamento da UHE Jirau pode ser observado no site http://www.energiasustentaveldobrasil.com.br/ (ENERGIA..., 2015). O detalhamento de todo o processo de estudos e licenciamento para a instalação da UHE Santo Antônio pode ser observado no site http://www.santoantonioenergia.com. br/ (SANTO..., 2015) 39

|


Pós-colonialismos: uma leitura política dos textos literários

pelas queimadas para agropecuária, caça ilegal, pelo contrabando de espécies e para urbanização deixando de ser uma região inacessível, intocável.

Referências Bibliográficas BRASIL. DECRETO LEI Nº 1.106, DE 16 DE JUNHO DE 1970. Disponível em: http://www2. camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-1806-6-janeiro-1953-367342-publicacaooriginal-1pl.html. Acesso em: 18 nov. 2015. ENERGIA SUSTENTÁVEL DO BRASIL. A Usina Hidrelétrica de Jirau. Disponível em: http:// www.energiasustentaveldobrasil.com.br/empresa#institucional. Acesso em: 14 dez. 2015. FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. GORAYEB, A. E. F. M. M. 103 anos de inauguração, 2015. Disponível em: http://newsrondonia. com.br/noticias/efmm+103+anos+de+inauguracao/60520. Acesso em: 22 nov. 2015. HOBSBAWM, E. J. A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. MEMMI, A. Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. PEREIRA, C. R. Portal do Governo de Rondônia. Secretaria de Estado da Agricultura. Rondônia produzirá mais de 500 mil toneladas de carne em 2015, 2015. Disponível em: http://www. rondonia.ro.gov.br/2015/08/75455/. Acesso em: 27 nov. 2015. PORTAL BRASIL. Cidadania e Justiça. Cresce a participação do Norte e Centro-Oeste no PIB,2013. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2013/11/cresceparticipacao-do-norte-e-centro-oeste-no-pib. Acesso em: 21 nov. 2015. SAID, E. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SANTO ANTÔNIO ENERGIA. Energia. Sustentabilidade. Licenciamento Ambiental. Disponível em: http://www.santoantonioenergia.com.br/sustentabilidade/licenciamentoambiental/. Acesso em: 14 dez. 2015. SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009. SARTRE, J-P. Prefácio. In FANON, Franz. Os condenados da terra. 2 ed. Trad. J. L. de Melo. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 3). TEIXEIRA, M. A. D.; FONSECA, D. R. História regional: Rondônia. Porto Velho: Rondoniana, 2001.

|

40


Gostou do conteĂşdo? Adquira esse livro em nossa livraria on line:

www.editorascienza.iluria.com ou Compre o livro por e-mail, com frete grĂĄtis:

gustavo@editorascienza.com



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.