Anotações sobre as Perplexidades e os Caminhos do Processo Civil Contemporâneo – Sua Evolução ao Lado da do Direito Material – Arruda Alvim – p. 1 Foro por Prerrogativa de Função nas Ações de Improbidade Administrativa – Eduardo Dias de Vasconcelos e Elisson Pereira da Costa – p. 18 Greve Ambiental Trabalhista – Georgenor de Sousa Franco Filho – p. 23 Feminicídio: Aprovada a Lei nº 13.104/2015 e Consagrada a Demagogia Legislativa e o Direito Penal Simbólico Mesclado com o Politicamente Correto no Solo Brasileiro – Eduardo Luiz Santos Cabette – p. 31 ISS e os Problemas Decorrentes de Alteração da Jurisprudência – Kiyoshi Harada – p. 50 Retrocesso Social Prejudica Capital e Trabalho – Gustavo Filipe Barbosa Garcia – p. 54 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 56 Pesquisa Temática – Ação Civil Pública – p. 59 Jurisprudência Comentada – A Delimitação do Dever de Informar – Tatiana Machado Casa Nova – p. 64 Medidas Provisórias – p. 69 Normas Legais – p. 72 Indicadores – p. 73
Jornal Jurídico Abril/2015 – Edição 217
Doutrina
Anotações sobre as Perplexidades e os Caminhos do Processo Civil Contemporâneo – Sua Evolução ao Lado da do Direito Material ARRUDA ALVIM
Advogado em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, Professor do Mestrado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e do Mestrado e do Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
SUMÁRIO: 1 Os principais problemas do direito processual civil de nossos dias – A evolução do processo não ocorreu descompassadamente da do direito material; 2 A gravidade do fenômeno na América Latina; 3 Elenco e sucessividade das modificações verificadas no direito processual civil – Perspectivas defluentes do nosso direito constitucional; 4 Um modelo de ações coletivas no direito brasileiro; 5 A vocação coletiva do processo contemporâneo – O contraste desse
instrumental com a situação cultural brasileira, a indicar um rendimento lento e mesmo precário; 6 O plano do direito positivo, o Estado e a realidade nacional.
1 OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL DE NOSSOS DIAS – A EVOLUÇÃO DO PROCESSO NÃO OCORREU DESCOMPASSADAMENTE DA DO DIREITO MATERIAL O processo civil de nossos dias encontra-se em um estágio de modificação profunda, na mesma esteira do que precedentemente se tem verificado no mundo ocidental, consistente em colocar ao lado do que se pode designar como processo civil clássico (em sua estrutura) outros instrumentos, destinados a fazer frente às necessidades, que não datam de hoje, mas que são cada vez mais agudas nestes dias contemporâneos1, conduzindo a uma 1 Na verdade, a problemática contemporânea consiste em tentar equacionar os grandes aspectos referentes, principalmente àquilo que, há menos de um século, em obra célebre, se designou como sendo a ascensão (rebelião) das massas. Ver ORTEGA; GASSET. La rebelión de las massas, 30. ed., capítulo I, p. 49, e diversas outras obras deste mesmo autor, dado que essa obra e as outras compõem uma parte central do pensamento do autor espanhol.
2 Já se disse, com razão, que nenhum aspecto ou ponto do direito contemporâneo encontra-se imune a críticas. Ver CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acess to justice: the newest wave in the worldwide movement to make rights effective. Buffalo Law Review, v. 27, n. 2 e separata, p. 181; este mesmo relatório antecede a obra coordenada por CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryant. Acess to justice – A world survey. Milão: Giuffrè, v. I, 1978. p. 1 e separata. Estes temas são retomados na obra de CAPPELLETTI, Mauro. The judicial process in comparative perspective. Parte II, III. Oxford: Clarendon Press, 1989. p. 239 e ss., letra “B”, sob nºs 1/5. 3 A lei alemã, precedente à vigente (a lei atual é de 01.01.1981), aludia, em relação ao auxílio nas custas, como se constituindo num direito dos pobres. A vigente lei, todavia, alude a uma ajuda para as custas do processo (Prozeßkostenhilfe), com o que se verifica ter banido referência aos pobres, tendo utilizado uma expressão compatível com o Estado social de Direito. Isto constou, expressamente, do Anteprojeto antecedente a esta lei de 01.01.1981 (cf. BIRKL. Prozeßkostenhilfe und beratungshilfe – Kommentar mit Einführung und Gesetzestexten, 2. ed., Munique, A, 1, b, p. 14; para o direito precedente, ver BERGFURTH, Bruno. Das armenrecht, Munique, 1971, p. 11, 15 e 17 ss. Para uma análise mais ampla e compreensiva deste assunto, ver CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologias, sociedad, trad. S. Sentís Melendo e Tomás A. Banzaf, 2. seção, Buenos Aires, 1974, p. 131/215 [publicação conjunta das obras Processo e ideologie e Giustizia e società, editadas, respectivamente, em 1969 e 1972]). 4 As chamadas Cortes Menores, se não podem ser consideradas inteira e propriamente como “formas alternativas plenas” de realização da justiça entre nós, têm inserido elementos caracterizadores de modalidades ou formas alternativas de realização da Justiça. Assim é que os Juizados de Pequenas Causas, regulados pela Lei Federal nº 7.244, de 07.11.1984,
ao lado da sumariedade, do informalismo e da oralidade, assentam-se na conciliação e, se frustrada, no juízo arbitral; se, somente inócuos se evidenciarem estes meios, e, assim superados “estes dois estágios sucessivos”, é que se deverá passar à atividade jurisdicional, intrinsecamente estatal (cf. Lei nº 7.244, cit., arts. 6º e 7º). Diga-se mais, no âmbito do possível juízo arbitral, há autorização da lei (art. 26) para inobservância da legalidade estrita, pois que se admite a decisão com lastro na equidade. Acrescente-se, ainda, a previsão da Constituição Federal de 1988, no seu art. 24, inciso X, em que a competência concorrente, da União e dos Estados, está estabelecida para a “criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas”. Isto significa que, em função dessa previsão, e submissão da distribuição dessa competência às regras dos §§ 1º ao 4º do mesmo art. 24, é possível que os Estados federados (e o Distrito Federal) flexibilizem as suas justiças, adaptando-as às suas peculiaridades locais; ou seja, isto viabiliza que venham a ter maior rendimento. Em obra nossa (cf. Tratado de direito processual civil, São Paulo, v. I, 1990, p. 257, 260, 265), procuramos distinguir o que são processo, normas procedimentais gerais e normas procedimentais particulares ou não gerais, e, em princípio, o que estiver intimamente relacionado com o direito material é processo (v.g., o direito de ação, capacidade e legitimidade das partes, as provas [retrato do pretendido direito material], a sentença). Por ângulo inverso de abordagem, o que diz respeito ao local, tempo e forma dos atos do processo, pode ser objeto de legislação não federal. 5 Ademais, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 98, inciso I, estabelece “obrigatoriamente” (pois no caput se diz “criarão”) a criação, pela União, Distrito Federal, pelos Territórios e pelos Estados, de juizados especiais. Estes envolvem a possibilidade de participação de leigos também. Assentar-se-ão, pelo Texto Constitucional, num tripé de predicados; recomendados porque se mostraram operacionais, como os únicos possíveis caminhos conjugados para a solução dos problemas da justiça de massa. Ou seja, devem contar com os seguintes elementos: 1) observância da oralidade; 2) o procedimento haverá de ser sumaríssimo; 3) ainda, o julgamento dos recursos haverá de ser feito “por Turmas de juízes de primeiro grau”, o que quer significar que a criação destes juizados especiais não virá sobrecarregar os Tribunais. Alude-se, no art. 98, I, à conciliação e, ainda, à transação, uma e outra, nesta conjuntura, formas alternativas de realização da Justiça, no sentido de que prescindem de uma decisão judicial, propriamente dita. A transação compreenderá, inclusive, a matéria penal. 6 Já se acentou que estas “Cortes menores” devem ser consideradas tão dignas quanto as que compõem o que se pode chamar de justiça insti-
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espécie de convivência entre o processo civil clássico (já, em si mesmo, intrinsecamente alterado, em decorrência do descarte da inspiração individualista radical, assumindo uma absorção de valores sociais, que se impõem na sociedade contemporânea). Esse novo aparato hodierno resulta vitalmente dinamizado pela tutela de urgência2. Os pontos nodais, porque constitutivos de setores de estrangulamento do processo civil, que merecem destaque são: 1) as custas judiciais, enquanto podem significar óbice de acesso à Justiça3; 2) as Cortes menores, ou, mais especificamente, entre nós, os juizados de pequenas causas e os especiais4-5-6
entre nós, os juizados de pequenas causas e os especiais4-5-6, destinados à “absorção” de contingentes imensos, que demandam acesso à justiça, segmentos sociais que estão se instalando
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dentro dos quadros de uma sociedade institucionalizada; 3) a “incapacidade” ou a “inabilitação” da parte, do ponto de vista de não lograr se defender (= acionar [ativamente] ou defender-se [passivamente], se acionada), o que também se sedia na temática do acesso à justiça; 4) a definição dos interesses difusos ou coletivos, para viabilizar que “interesses e direitos” com nova configuração e fisionomia possam ser defendidos utilmente7; 5) a conflituosidade da sociedade contemporânea, porque, sendo mais intensa, está a exigir a idealização de outros meios de solução para muitíssimos dos conflitos, tais como a intervenção de leigos, com vistas à obtenção incentivada de transação – o que pode ocorrer por meio de mediação –, e por intermédio de cujo processo, exercido de forma argumentativa e bilateralmente didática em relação a ambas as partes, possível será, muitas vezes, que os contendores mais facilmente cheguem a transacionar, porque entendam, ao menos parcialmente, as razões do outro, ou compreendam os litigantes que a solução judiciária poderá não coincidir com aquilo a que aspiram. Ainda dentro do âmbito dessa conflituosidade, identificam-se conflitos, ou, mais precisamente, “atritos permanentes”, qualitativamente diferentes, que, de uma parte, não deverão deixar de existir (porque isso se mostra impossível) e, por isso mesmo, não comportam uma pretensa “solução definitiva”, própria do processo estatal, que os extinga. São, em verdade, tais conflitos/atritos representados por relações duráveis e continuativas, que merecem ou precisam ser conservadas. Na verdade, caracterizam-se por sintomas ou aspectos que devem ser superados ou resolvidos, e o grau de tensão neles existente não pode ou não deve conduzir a uma ruptura, mostrando que, conservada a relação, será melhor. Em realidade, configuram um grau de litigiosidade “‘menor’ e ‘menos
tucionalizada clássica, pois que aquelas são, justamente, uma expressão do Estado social de direito (cf. BERIZONCE, Roberto Omar. Efectivo aceso a la justicia, La Plata, 1987, p. 118).
7 Para uma visão ampla por juristas argentinos, ver La justicia entre dos épocas, La Plata, 1980, de autoria de Augusto M. Morelo, Roberto Omar Berizonce e outros.
intensa’ do que o clássico conflito de interesses”, propriamente dito, como, também, apresentam-se com tendência incontida à repetição. Tais são, exemplificativamente, as dissenções ou tensões provocados pelo valor crescente, em termos de valor nominal, das mensalidades escolares, reivindicações salariais outras, pela mesma razão (mormente em um país de inflação que se tem mostrado constante, ainda que nos últimos anos, de 1994 até hoje, tenha se logrado um controle apreciável sobre a inflação), como, ainda, do acesso à escolaridade, de segmentos mais carentes; assuntos relativos à vivência em fábricas (o que, entre nós, tenderá a aumentar em sua problematicidade) e os pertinentes à convivência em condomínios de apartamentos. São, de certa forma, e em alguns casos, tensões ou atritos provocados por uma instabilidade externa aos litigantes, como, por exemplo, a conjuntura econômica, como o que, em parte, resultou do controle da inflação, que, sendo muito bom por um lado, angustia pela menor disponibilidade de numerário (ou, como na hipótese da vivência em um condomínio de apartamentos, similar a inumeráveis outras hipóteses), mas dentro da qual, inevitavelmente, todos ou muitos tem de viver. Para essas relações, preferíveis são organismos informais que exerçam funções de mediação constante entre pessoas que estejam em conflito, ou, em relação a grupos opostos, pois, geralmente, tais tensões são engendradas entre grupos que se opõem (ou, dentro do próprio grupo), mas que têm de, inevitavelmente, conviver próximos, como se percebe dos exemplos fornecidos, e outros mais, intuitivamente perceptíveis. É certo que isso será possível diante de um juízo arbitral, menos formal do que o existente, ou mesmo por outro meio, ainda mais flexível, porém, mais operativo e funcional. Praticamente as mesmas razões que inspiraram a obra, referida na nota 2, levaram a outra obra, do mesmo autor e do Professor J. A. Jolowicz8. Em sequência a essa obra, seguiu-se outra, em 8 Trata-se da obra de CAPPELLETTI, Mauro; JOLOWICS, J. A. Public interest parties and the active role of the judge in civil litigation. Milão: Giuffrè, 1975.
que, parcialmente, os mesmos temas são retomados ao lado de outros9.
o individualismo, como espinha dorsal desses, operou-se em diversos ramos do direito.
Essas verdadeiras premências, motivadoras dessas transformações, não datam de hoje, tiveram início perceptível, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, e, entre nós, mais recentemente. Tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos, como aqui, verificaram-se pressões sociais pela “reivindicação” de “novos” direitos, e, bem assim, detectou-se – talvez com perplexidade inicial, ao menos – a insuficiência dos instrumentos processuais existentes, de caráter estruturadamente individualista10. A mutação intrínseca dos sistemas jurídicos, abandonando
Referimo-nos a que os problemas que vieram verdadeiramente “assolar” o direito processual civil não surgiram somente nesta seara do direito, emergiram em sintonia com problemas e consequentes modificações operadas no direito material.
e intitulado. Nesse trabalho, Private suits in the public interest in the United States of America, se evidenciam as peculiaridades das class actions e o caráter privado que as inspira, mas com vistas a litígios marcados pelo interesse público. As class actions, todavia, não são objeto de louvor generalizado e, principalmente, sem fronteiras, havendo, à luz de tal critério, quem as critique (cf. KANE, Mary Kay, Civil Procedure, capítulo VIII, St. Paul., Minn., 1985, p. 253 ss.).
Todavia, já se observou que, possivelmente, esse sistema seria o único apto a realizar e a conduzir, economicamente, para uma realização da Justiça (cf. KOCH, Harold. Kollektiver Rechtsschutz im Zivilprozeß (Die class action des amerikanischen Rechts und deutsche Reformprobleme), Introdução, Frankfurt am Main, 1976, p. 9). 11 A repercussão dos efeitos colaterais de um capitalismo sem barreiras gerou problemas extremamente sérios, mercê dos segmentos imensos da sociedade, que foram injustiçados. A reação se fez produzir, tanto no campo do processo, mas, primariamente, através de proteção do direito material. O Professor Hein Kötz, nos seus comentários sobre as Normas Gerais de Contratação [alemã], observa que essas normas, representadas pela lei de 9 de dezembro de 1976, são uma decorrência da Revolução Industrial – cf. KÖTZ, Hein. Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, Munique, v. I, 1984, p. 1616. Este mesmo autor, em trabalho intitulado Public Interest Litigation: a Comparative Survey, p. 107 ss., in Mauro Cappelletti, Acess to justice and the welfare state, observa que, na Alemanha, tenta-se o transporte das class actions norte-americana, para o Direito alemão, o que tem encontrado compreensivelmente resistência dos setores industriais.
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9 Trata-se da obra de autoria de Mauro Cappelleti, intitulada The judicial process in comparative perspective, Oxford, 1989. Aí se estudam a crise dos governos (dos “Governos que procuraram estabelecer o bem estar social”), com imensa proliferação legislativa, com a hipertrofia dos Poderes Executivos (p. 16 ss.). Entre nós, conquanto a intenção dos constituintes não fosse essa, a realidade é que se mantém inalterada a tendência, provocadora de tensões, no campo político, da vontade e necessidade do Executivo exercer atividades regulatórias da vida social (v. nota 2, supra e fine). A aspiração a um estado de ‘bem-estar social’ conduziu, nos países que já realizaram esse bem-estar, em escala apreciável, a problemas no campo do processo (ver, a este respeito, Mauro Cappelletti, Acess to justice and the welfare state, 1981, edição do Instituto da Universidade Europeia). Uma síntese desse pensamento encontra-se publicada na Revista de Processo (RePro), v. 61 (janeiro-março 1991), com o título O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época (p. 144/160), trabalho de Mauro Cappelletti. 10 Por exemplo, nos Estados Unidos, já no final da década de 40, passou-se a disciplinar acuradamente nas Federal Rules as class actions, tendo cabida duas observações: 1ª) esse instrumento não era estranho à tradição do direito norte-americano, que o recebeu do Direito inglês; 2ª) e, de outra parte, vieram essas class actions a assumir um papel transcendental, podendo, em realidade, ser apontado como o aspecto mais importante do direito processual contemporâneo desse país. Uma notícia ampla do tema é dada pelo Professor Adolf Homburger, na obra Klagen Privater im öffentlichen Interesse, Frankfurt, 1975, no seu relatório apresentado em Hamburgo, em 1973, com vistas a fornecer subsídios de direito comparado
No continente europeu, provavelmente já na década de 20, ou antes, era detectável o fenômeno da ascensão das massas11, no sentido de que, com essa ascensão, já se percebia a turbu-
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lência social que envolvia e acompanhava o fenômeno. Aquelas ascenderam da marginalização social, principalmente por causa da revolução industrial (v. notas 1 e 2), com o que, deixando de integrar o rol dos que se encontravam nas periferias das sociedades e respectivas civilizações, não alcançadas, de fato, pelo aparelho do Estado, iniciaram um processo para forçar a entrada nos quadros melhores da civilização, com o que se colocou, de um lado, a insuficiência do aparato estatal e, bem assim, do sistema tradicional.
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Possivelmente, um dos setores mais modificados no direito privado foi o obrigacional. E na raiz das modificações operadas no direito obrigacional – segundo pensamos – encontram-se, em escala apreciável, os mesmos fenômenos que levaram à necessidade de reequacionamento dos instrumentos processuais, motivadas, aquelas e estes, pelo mesmo valor axiológico: um reequilíbrio dos que se defrontam na ordem jurídica12.
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12 Veja a respeito, Karl Larenz, Bürgerliches Gesetzbuch, Einführung, antecedendo à 29ª edição do texto da Beck’sche, p. 12 ss., item III, em que, entre outros aspectos, considera a posição do consumidor (p. 13), em face das emergidas forças do mercado e do poder dos empreendedores, a demandar formas especiais de defesa. Jacques Ghestin, no seu Traité de Droit Divil, Paris, v. II, 1980, p. 483 ss., aborda o tema das cláusulas abusivas, necessárias à proteção dos consumidores; a página 486, nº 489, dá notícia da evolução paralela do direito europeu, no particular. Jean Carbonnier, mais amplamente, alude a uma ordem pública de direção, consistente numa intervenção na economia (por certo, economia de escala), com vistas à eliminação de contratos, entre particulares, que pudessem contrariar uma economia nacional (cf. Droit Civil, 12. ed., Paris, 1985, p. 138,). Karl Larenz, na obra Lehrbuch des schuldrechts, parte geral, 11. ed., Munique, v. II, 1976, p. 35 ss., § 4º, que, ao tratar da liberdade contratual, considera os seus limites; à p. 42, considera as regras de equalização da justiça ou a defesa dos socialmente mais fracos. Com isto, conquanto seja a base fundamental e regente do direito contratual, a chamada liberdade contratual (autonomia da vontade), ou seja a “liberdade na própria configuração do tipo contratual”; casos há em que o “tipo contratual” é imposto por normas de ordem pública (p. 43), donde
2 A GRAVIDADE DO FENÔMENO NA AMÉRICA LATINA Fenômeno similar, ocorre mais gravemente na América Latina, mutatis mutandis, ainda que protraído no tempo, ou seja, especialmente a contar de uma ou duas décadas, depois da Segunda Guerra Mundial, o que se explica pelo descompasso do desenvolvimento do capitalismo em nosso continente, o que estabeleceu momentos mais tardios para a ocorrência de tais reivindicações sociais e respectivas consequências. Em nosso continente, mais especialmente no Brasil, simultaneamente e ao lado do fenômeno da ascensão das massas, verificou-se, com incrível intensidade, um desdobramento, com gravidade cumulativa – a vinda desses “peregrinos ascendentes” em verdadeiras populações para os grandes centros; vale dizer, houve ascensão social, ou, mesmo quando esta não ocorreu, ainda assim houve aglutinação nos grandes centros. É um fenômeno que subsiste diante de fluxo contínuo para os grandes centros. Criaram-se existirem contratos com conteúdo proibido, contratos com conteúdos predeterminados pela lei. O Professor Eike von Hippel, em sua obra Der schutz des schwächeren (A defesa dos fracos), Tubinga, 1982, em que, analisando todas as categorias dos que devem ser havidos como fracos, confere lugar de particular destaque à defesa do consumidor (§ 3º, p. 29 e ss.). Não deixa de considerar como relevante, ou essencial, uma forma de defesa coletiva, do consumidor (p. 38), em especial, nos casos de danos. No direito norte-americano, diz-se, em comentário à autonomia da vontade, que, quando uma parte puder impor à outra uma contratação, deveria acudir o legislador, para que isso não ocorresse (cf. CALAMARI, John D.; PERILLO, Joseph M., Contracts, New York, 1987, p. 8). Se a igualdade que é pressuposta entre os contratantes se constitui na razão de ser da liberdade, tanto a igualdade, quanto a liberdade, no caso de vendas ao consumidor, não são havidas como existentes (ver CALAMARI, John D.; PERILLO, Joseph M., op. cit., capítulo X (Consumer Protection). Para uma visão algo mais ampla, veja o nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo, 1990, “Considerações propedêticas”, item 6.1.3 (Os interesses difusos, os coletivos e os direitos do consumidor), p. 127 e ss.
Foi depois da Segunda Guerra Mundial que vieram a perceber com maior nitidez, pela sua gravidade e dramaticidade, os problemas que passaram a afligir as sociedades existentes e os respectivos governos, os quais podem, sinteticamente, ser surpreendidos pelos seguintes indicativos: 1º) desequilíbrio entre os litigantes, constantemente defrontando-se um forte com um fraco (ainda que, na Europa, já em fins do século passado, não fosse esse fenômeno estranho à contextura social, o qual, no entanto, e por isso mesmo, já encontrava relativo remédio no sistema do Código de Processo Civil austríaco, mercê do reconhecimento de um juiz ativo, em que, sem embargo deste ponto pioneiro, entre outros, dever tal Código, ainda, ser considerado um sistema mais afeiçoado ao passado); 2º) convivendo com esse desequilíbrio, que vem subsistindo, passou-se a verificar precariedade, ou ausência mesmo, da possibilidade de acesso à justiça para um grande número de pessoas, porque: a) não sabem que têm direitos; b) se, eventualmente têm consciência de que os têm, todavia, não têm condições de arcar com os custos de um litígio; c) e, em função de características, cada vez mais acentuadas, das sociedades moldadas pelo sistema capitalista, em grande número de hipóteses, muitos litígios acabam não sendo individualmente compensatórios, mesmo que o lesado tenha consciência dos seus direitos, e, “teoricamente” pudesse cogitar de arcar com os ônus de um litígio, como, exemplificativamente, nos casos de relações de consumo que
13 Em conformidade com dados e projeções atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1980, 67,5% de nossa população vivia nas cidades e 32,5%, nos campos (em 1940, aproximadamente 70% vivia no campo). A projeção do mesmo IBGE para o fim desta década é a de que 80% estará a viver nas cidades. No Estado de São Paulo, já em 1980, 80% da população habitava as cidades e, no fim da década, a projeção ou estimativa é a de que 96% habitará as cidades (O Estado de São Paulo, p. 2, de 30 nov. 1991).
frequentemente se caracterizam pela perspectiva do impacto individual como minilesões, ainda que, no conjunto dessas, somadas ou aglutinadas (o que é comum), o impacto social seja grande ou imenso14. Daí uma das razões de haverem de comportar um tratamento ou uma providência coletiva – para os chamados interesses e direitos individuais –, de cujos reflexos hajam de emergir benefícios individualizados. Consequentemente, a chamada igualdade formal, que se constituiu em uma grande vitória (senão o núcleo vitorioso da Revolução Francesa), na verdade – sem descarte de que tenha havido um progresso nessa equalização formal dos membros da
14 As sociedades contemporâneas engendraram lesão a determinados bens, em função da necessidade de “abastecimento do próprio mercado”. O que se quer dizer é que todas as sociedades contemporâneas exigem bens de consumo. É evidente que isto ocorrendo coloca a todos nós como “consumidores necessários”. E, em realidade, não se conhece outra solução. Paradoxalmente, talvez, se pudesse dizer que ser “consumidor” é encontrar um caminho (ou, ao menos um “embasamento material”) de realização, o que não deixa de ter, efetivamente, uma dose profunda de verdade. O processo de industrialização de que depende o mercado, todavia, acabou por lesar outros bens, como, exemplificativamente, o meio ambiente. Se o consumo pode ser reputado um “bem” para a sociedade, e, mesmo que assim não seja entendido, é, inapelavelmente, uma necessidade, praticamente absoluta; de outra parte, em função do tipo de gigantismo dos parques industriais requeridos para a produção de bens, verifica-se que da mesma realidade geraram-se dois tipos de problemas: 1º) a figura do consumidor e a percepção de que este haveria de ter mais direitos em face do produtor (e, na verdade, em face da cadeia de produção de bens), pois, os códigos tradicionais de direito privado (códigos comerciais) nada lhe outorgavam; e, como os consumidores são toda a sociedade, segue-se que tais direitos somente podiam e podem ser utilmente realizados sob o ângulo ou mercê de um instrumental de tratamento coletivo; 2º) mas o próprio sistema econômico instalado, se, de uma parte “satisfaz”, acaba, de outra banda, por vir a lesar o meio ambiente, o que, a seu turno, corporificou outro direito – ao meio ambiente –, o qual, igual e compreensivelmente, deve merecer um tratamento coletivo.
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megalópoles, as quais, correlatamente, vieram vertiginosamente a perder a qualidade de vida13.
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sociedade –, nem por isso, todavia, proporcionou, esse parâmetro formal, uma almejada igualdade entre os homens15, tal como se “prometia” pela pregação ideológica liberal individualista. 15 Na pauta da pregação e da consolidação do liberalismo individualista, podem-se apontar os seguintes pontos: 1) a lei, a que estão submissos Executivo e Justiça, “tem de ser igualmente obrigatória para todos”; 2) pretendia-se que as “leis do Estado correspondessem às leis do mercado [...]” (ver HABERMAS, Jürgen, Mudança estrutural da esfera pública (Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa). Rio de Janeiro, 1984. p. 100 e 102). Este mesmo autor observa que a transformação socioestatal do Estado liberal de Direito para o Estado social-democrata, conquanto tenha se operado através da continuação do mesmo Estado, necessária se revelou a intervenção do Estado, que pretende realizar a “justiça”, diante do “esvaziamento” da concepção liberal de dois dos seus elementos chaves: a) “a generalidade como garantia da igualdade”; b) “a correção, isto é, a verdade como garantia da justiça”, acrescentando-se que isto ocorreu “a tal ponto que o preenchimento de seus critérios formais não basta mais para uma normatização adequada da matéria” (HABERMAS, Jürgen. Op. cit., p. 262).
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Essa igualdade formal, todavia, não deve subsistir sequer, quando isso não se justificar aos olhos do legislador, vale dizer, quando as situações reais não forem, ou, não puderem ser consideradas iguais, conduzindo esse desequilíbrio, então, à única solução compatível com a própria igualdade; ou seja, a proteção do mais fraco. É o caso, exemplificativamente, da regra do art. 6º, inciso VIII, do Código do Consumidor, em que se admite a inversão do ônus da prova, por decisão do juiz, quando este constatar ser verossímil a alegação, ou quando o consumidor for hipossuficiente. Esta regra convive com o princípio da igualdade de todos perante a lei, mandamento de raiz constitucional e, também, explicitamente projetado na regra do art. 125, inciso I, do Código de Processo Civil. Aqui, se prescreve que o juiz deve “assegurar às partes igualdade de tratamento”. Isto porque: a) em face do Texto Constitucional, justamente porque se trata de igualdade em face da lei, nesta haver-se-ão de reconhecer situações desiguais, como no caso; e, esse reconhecimento é, em última análise, redutível ao princípio da igualdade, pois que, se as partes são desiguais, devem, como tais, ser tratadas desigualmente, na medida da desigualdade; b) convive a regra do aludido art. 6º, inciso VIII, pois, com o mandamento do art. 125, inciso I, do Código de Processo Civil, porque o suposto desta igualdade formal é a admissão de uma igualdade substancial. Cada norma terá a sua esfera de aplicação,
Conquanto se tivessem verificado progressos na ordem social, particularmente em virtude da industrialização, esse fenômeno, se de um lado proporcionou que um maior número de pessoas pudesse participar de bens materiais, mercê do “abastecimento” possível de grande massa de pessoas, acarretou em alterações profundas nos segmentos sociais. Isso tanto mais se verificou porque o individualismo foi também elemento constante do rol de modificações aportadas pela Revolução Francesa16. valendo o mandamento no Código do Consumidor, no âmbito desta lei especial. De resto, a própria igualdade formal, regra geral no sistema do Código de Processo Civil, tem comportado temperamentos. Já a admissão de igualdade substancial, absolutamente refoge das premissas de verdade do Código do Consumidor. Na hipótese referida (art. 6º, inciso VIII, do Código do Consumidor), desde que o juiz constate desigualdade acentuada, tem o dever de inverter o ônus da prova. O requisito de ser verossímil a alegação justificará, muitas vezes, o “aparente favor” ao consumidor e o “aparente” desfavor em relação ao fornecer, ou mais precisamente, com referência aos sujeitos que compõem a cadeia da produção. Muitas vezes, por exemplo, um dano causado por fato do produto, envolve, por estar lastreado em alegações altamente plausíveis, mas não definitivamente comprováveis pelo consumidor (ou, por quem por este atue), a necessária inversão do ônus da prova. É compreensível que isto ocorra, porque é o fornecedor (v.g., quando seja o produtor) que conhece intimamente o seu produto, pois que o terá concebido, construído, modificado, pesquisado a respeito, etc. Necessariamente, pois, conhece sempre melhor o produto do que o consumidor, ainda que este seja do ramo. A força do consumidor é sempre menor do que a do produtor (veja a respeito, HIPEL, Eike von, Der schutz der schwächeren, op. cit., p. 34). Por isto tudo, é que esta aparente discriminação se justifica, precisamente porque não é discriminação ou favorecimento real.
Casos há no Código do Consumidor, todavia, em que a priori já está determinado o ônus da prova como não sendo do consumidor, v.g., art. 38: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”; por outro lado, dispõe o parágrafo único do art. 36 que “o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”. 16 No Brasil, o fenômeno da aglomeração foi verdadeiramente brutal, em torno dos grandes centros. De 1940 a esta época, inverteu-se a proporção
O perfil do processo civil, emergido do individualismo, se traduziu em institutos jurídicos que consideravam o indivíduo, enquanto tal, agindo isoladamente17. que existia. Se em 1940 habitava o campo 70% da população, atualmente, é este percentual (na verdade) maior, o que habita os grandes centros. Vieram em busca de empregos que lhes proporcionassem acesso aos bens da vida e, também, tendo em vista, o descaso, principalmente governamental, pelo campo (v. nota 13, supra). 17 Exemplo disto é o art. 6º do Código de Processo Civil, em que – como regra geral – ninguém pode agir em nome de outrem, salvo se expressamente autorizado por lei. Esta regra pode ser, realmente, considerada, sistematicamente, no plano do direito infraconstitucional, uma regra geral. Do ponto de vista prático, ou, do ponto de vista quantitativo, possivelmente, será, cada vez mais esvaziada, tanto bastando recordar as regras constitucionais, do art. 5º, incisos XXI, LXX; LXXI (mandado de injunção), que poderá e deverá comportar tratamento coletivo, também; art. 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988 (previsão constitucional de titularidade para a propositura da ação civil pública e inquérito civil, pelo Ministério Público, sem a exclusão de outros legitimados – art. 129, § 1º, da Constituição Federal de 1988); no que diz respeito a programações de rádio e televisão (que contrariem o art. 221 da CF), da mesma forma que, em face da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente, é de se articularem esses textos, com os da Lei nº 8.069/1990, art. 201, inciso V. Isto sem considerar, no próprio plano infraconstitucional, a Lei da Ação Civil Pública, o Código do Consumidor e, ainda, outras leis, que, fundamentalmente, seguem o modelo da Ação Civil Pública, tais como as
Pode-se dizer, também, que o próprio direito civil e comercial foram assim estruturados, tendo como autor sempre um indivíduo, ou seja, cogitava-se um indivíduo isoladamente18. Quer dizer que esses ramos do direito privado desconheciam, em suas fisionomias clássicas, outras realidades que não fosse o indivíduo. E mais, o ambiente absoluto em que deviam se confrontar os indivíduos era o da liberdade absoluta, o que, diante de um crescente desequilíbrio dos indivíduos, gerou o predomínio dos fortes sobre os fracos e, daí, consequentemente, a necessidade de intervenção do Estado. Ocorre que, se durante muito tempo reivindicações dos segmentos sociais desprotegidos (pelas mais variadas razões, rapidamente elencadas, nos seus aspectos mais evidentes) passaram despercebidas, mercê dos avultados problemas engendrados, tais reclamos não mais poderiam ser ignorados.
Leis nºs 7.853/1989 (destinada à defesa de pessoas portadoras de deficiência); 7.913/1989 (atinente à responsabilidade por danos causados a investidores no mercado de valores mobiliários). Por fim, recordemos a Lei de nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que perfilhou o “modelo” de mais intensa eficácia do processo (possibilidade de tutela específica liminar), no pertinente às facilidades para o acesso à justiça do Código do Consumidor, e, em certa escala, no que diz respeito à “concepção” das ações coletivas (art. 201, inciso V), tanto bastando, entre outros textos, lembrar o art. 210 (quanto aos legitimados), ainda que no art. 212 esteja determinada a aplicação do Código de Processo Civil para as ações previstas na Lei nº 8.069; quanto à tutela específica há coincidência do art. 213, e seu § 1º, da Lei nº 8.069/1990 e o Código do Consumidor (art. 84, § 3º, deste último); quanto ao Fundo, há similaridade, com o Código do Consumidor (art. 214, da Lei nº 8.069/1990); similarmente quanto ao não-adiantamento de custas (art. 219 da Lei nº 8.069). 18 A Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, incisos XVIII/XXI, deixa evidente a maior amplitude do direito processual civil, assentada num autêntico “incentivo” do constituinte em relação às associações.
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Isso veio a significar que o sistema jurídico todo, que fora construído com respeito às premissas de verdade do individualismo, o que, por isso mesmo, gerou profunda aversão pelo papel de grupos sociais, começou a ser posto em dúvida. O esquema originário, no limiar e sucessivamente, na Idade Contemporânea, no processo civil e da ordem jurídica, era aquele em que indivíduo deveria se defrontar com indivíduo, ainda que um deles pudesse ser forte e o outro fraco.
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A estrutura do direito privado, como se disse, e os próprios propósitos do legislador em disciplinando determinados institutos eram de, considerando somente o indivíduo isoladamente, como o sujeito, por excelência, da vida social e econômica, acabar, virtualmente, vindo a favorecer aquele que tivesse bens. Dessa forma, para nos servirmos de um exemplo que, pela sua importância prática na ordem econômica, se pode asseverar nessa perspectiva exemplificativa (entre muitas) altamente expressiva; ou seja, o de que os Códigos clássicos foram diplomas feitos em favor dos fabricantes e fornecedores19, que eram os que 19 Utilizamo-nos da expressão vendedor para compará-la com a figura do fornecedor (ver, para uma análise desta posição, Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumidores, Coimbra, 1982, em que se estudam o princípio da igualdade contratual (= igualdade abstrata) com pertinência ao contrato de compra e venda; o princípio da culpa e a desproteção dos consumidores – capítulo I, p. 19/20; observa-se que, mesmo em face das lacunas do direito comercial, com a aplicação do direito civil, a situação não se alterava, pois subsistia a posição privilegiada do “vendedor”.
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Eram o fabricante e o vendedor (aqui compreendidos enquanto albergados, mutatis mutandis, sob o significado de fornecedor), os “protegidos” pelos sistemas clássicos. Atualmente, desde a produção, em todo o seu possível ciclo, a responsabilidade é de índole objetiva, ou pelo risco civil, ou seja, não é uma responsabilidade pautada na teoria da culpa (Código do Consumidor, arts. 12 e ss. e 18 e ss.). No fundo, poder o consumidor – ou, outrem por ele – atingir, o produtor (ainda que isto fosse possível, mas sempre com lastro na culpa), com supedâneo na responsabilidade objetiva, acaba aproximando os dois elos mais importantes, quais sejam, a produção e consumo. O “menos apenado” restou sendo o vendedor, justamente porque, pelo menos no que diz respeito ao fato do produto, diretamente nada tem a ver com os danos que um produto ocasione, salvo se insuscetível de identificação o fornecedor. Entre nós, no aludido art. 12 do Código do Consumidor, restou estabelecida a responsabilidade sem culpa; a enumeração, aí constante, é, todavia, taxativa, tendo em vista os fornecedores aí, numerus clausus, nominados. Esta opção foi correta, porque, tratando-se de responsabilidade, independentemente de culpa, a taxatividade, isto é, a indicação do(s) responsável(veis) deve ser inequívoca (Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim, James J. Marins de Souza, Código do consumidor comentado, São Paulo, 1990, p. 42). Já no que diz respeito à responsabilidade decorrente de vício do
detinham o poder econômico e que, em função desse sistema, dele se utilizaram para a sua expansão econômica. Por outro lado, a própria responsabilidade do fabricante, lastreada na culpa pelos produtos que fabricava (ou pelos serviços que presta), não era uma modalidade de responsabilidade, de um teor tal que viabilizasse, na ordem prática, que os compradores pudessem efetivamente obter indenizações pelos produtos que adquirissem, ainda que danos e prejuízos ocorressem20. Somavam-se, portanto, à luz desse exemplo, dois aspectos: 1º) o tipo de responsabilidade, só por causa de culpa, era em si mesmo – se comparado com a responsabilidade “objetiva” ou pelo risco civil – inócuo; 2º) cumulativamente a isso, havia que se considerar que, pelos incômodos, dispêndios, perda de tempo, etc., não se mostraria compensatória a demanda individual, até mesmo supondo-se que o litigante individual (por exemplo, um consumidor) pudesse resultar vitorioso21. Em suma, de certa forma, até a vitória seria sempre uma derrota. Quer para responsabilizar um vendedor por um vício (= vício redibitório), pela exiguidade do prazo decadencial, em que o vício oculto haveria de ser identificado, quer, ainda, para se pretender produto ou do serviço (art. 18 do Código do Consumidor), inexiste a indicação subjetiva (op. cit., p. 42). No mesmo sentido, ver Código brasileiro de defesa do consumidor, São Paulo: Forense Universitária, 1991, p. 88, vários autores, parte comentada por Zelmo Denari; Comentários ao código de proteção do consumidor, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 55, vários autores, parte que coube a Antonio Hermen de Vasconcellos e Benjamin. 20 Autor alemão que escreveu como a defesa dos interesses supraindividuais, no processo civil, observa que inclusive as chances do litigante individual são maiores, em face de leis que fortaleçam a posição destes (cf. Karl Thiere, Die Wahrung überindividueller Interessen im Zivilprozeß, § 15, II, p. 296, Bielefeld, 1980 [analisando as Normas Gerais de Contratação alemã]). 21 POSNER, Richard A., Economic analysis of the law, Boston and Toronto, 1977, § 4.7, p. 80 e ss., para uma análise e estudo a respeito de não compensarem, para o consumidor, as demandas individuais; veja, também, § 4.9, p. 449.
Quando se fala em vendedor, no plano do direito comercial, há que, no plano teórico, e também no patamar da lei e do sistema do Código do Consumidor, se traduzir essa expressão, como a significar toda a cadeia de produção, para que, na ordem prática, se possam vir a obter resultados que, à luz da consciência contemporânea, se reputem aceitáveis e justos. De outra parte, a evolução da sociedade veio a identificar outros bens jurídicos a respeito dos quais se pode asseverar que, mais antigamente, eram praticamente inexistentes, ou, ao menos, eram desconsiderados pelas ordens jurídicas. De certa forma, pode-se dizer que eram bens a respeito dos quais não “ocorriam problemas”. É de se ter presente, por outro lado, que essas novas realidades, que vieram a obter guarida e proteção, por parte do direito contemporâneo – porque transformados em bens objeto de submissão à categoria dos interesses e direitos difusos –,
em verdade, em tempos mais antigos, eram incomparavelmente menos duramente atingidas22. E acentue-se que essa realidade, quando resultou assumida pelos legisladores, foi, desde logo, destacada privilegiadamente, passando a refugir ao âmbito do direito privado, uma vez que essas relações, antes disciplinadas pelo direito privado, ingressaram em uma área intermediária entre o direito público e o direito privado, a que se pode designar como direito social, regida por normas de ordem pública23.. Esses bens são os relativos ao meio ambiente24, ao consumidor25, a bens e direitos de valor artístico, histórico26, turístico e paisagís-
22 O que se quer dizer é que na civilização contemporânea encontramo-nos todos, sem exceção, na contingência de termos de ser consumidores. As grandes aglomerações nas cidades engendram outros danos. De outra parte, com o aumento populacional e sua vinda para os grandes centros, isto acarreta a necessidade de produção em massa de bens, até mesmo pela intensificação de um estilo citadino de vida, e, daí, as lesões, mais profundas e permanentes, como, por exemplo, ao meio ambiente, em centros inominavelmente densos. 23 Isto conduz a que a antiga dicotomia entre direito público e direito privado, historicamente descritiva ou compreensiva do universo jurídico todo, inseriu-se uma terceira categoria, a do direito social, pejando de normas de ordem pública, sem ser direito público, passando-se a visualizar o universo do direito através de três categorias, e não mais duas. 24 A expressão meio ambiente envolve a necessidade de zoneamento ambiental, com planejamento. Compreende a identificação do que seja impacto ambiental. Implica a responsabilidade civil objetiva, com a reparação do dano ecológico. Envolve a vedação de se poluir, tanto a água, como a atmosfera, quanto por resíduos sólidos e por pesticidas. Demanda a proteção de florestas e faunas (Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, São Paulo, 1982, passim). A tutela processual fundamental é a prevista na Lei da Ação Civil Pública (art. 1º, I) e é uma tutela de caráter coletivo. 25 A situação do consumidor exige toda uma metodologia adequada à sua caracterização como tal e à identificação do rol dos seus direitos (veja, amplamente, Eike von Hippel, Verbrauchershutz, 3. ed., Tubinga, 1986, p. 25 e ss., § 1º, III). O perfil, amplo e constante desta obra, evidencia grande coincidência com o que consta do art. 6º do Código do Consumidor. Como um dos aspectos fundamentais, pode-se apontar a fundamentação
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responsabilizar um fabricante por um dano ocasionado pela aquisição de uma coisa (= um dado produto), é de se ter presente que os diplomas de direito material não continham regras que ensejassem uma situação ou condições de viabilidade aceitável, seja para o desfazimento da compra de um produto, seja para o caso em que esse produto, causando danos, obtivesse reparação. Nessa última hipótese, a responsabilidade do fabricante era informada pela teoria da culpa, e esta, certamente, comportando diversas excludentes, acabava resultando a existência de pouquíssimos responsáveis pelos danos. Por outras palavras, constatava-se um quadro literalmente adverso para que efetivamente pudessem ocorrer indenizações. Simultaneamente, as relações passaram a ser, crescentemente, entre o conjunto de agentes econômicos que viria a ser denominado de fornecedores em relação aos que viriam a ser designados de consumidores. A intensidade ou o aumento desse relacionamento, criando o tecido do que viria a ser a chamada sociedade de consumo, aumentou imensamente o número de negócios; implicando que, regular-se essa massa negocial pela teoria da culpa, significaria praticamente não responsabilizar o que vendia no consumo.
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tico. Recentemente, entre nós, acrescentou-se ao rol de tais bens a possibilidade de proteção a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, com o que se constata uma abertura do sistema jurídico a realidades antes não cogitadas pelo legislador. Ou seja, essa abertura vem a significar uma “válvula” em um sistema jurídico que não mais se reputa “fechado”, dado que está receptivo, não só para interesses e direitos difusos, já dele nominalmente constantes, bem como para quaisquer outros. O âmbito da tute-
la do direito civil é diferente da tutela do meio ambiente de que cogitamos. Na Itália, isso restou bem claro ao se dizer que, “do ponto de vista civilístico, a disciplina do ambiente se circunscreve à tutela da propriedade, tendo em vista imissões”27.26.27
da responsabilidade, não na culpa, senão que, num critério objetivo, o que, em vários países, se ensaiou já a partir e no plano do próprio Código Civil (para uma evolução, no direito italiano, veja Guido Alpa e Mário Bessone, La Responsabilità del Produtore, 3. ed., Milão, 1987, p. 113 e ss.; essa foi, também, a tendência do direito alemão, Verbraucherschutz, cit., § 2º, p. 46 e ss.; atualmente, na Alemanha, adotou-se a responsabilidade objetiva, veja Walter Rolland, Produkthaftungsrecht, Munique, 1990, em que está o texto da lei de 15 de dezembro de 1989, veja § 1º, nº 4, p. 11 e ss., sendo que, referência ao pensamento de diversos autores, mesmo anteriores a essa lei, aludem a responsabilidade independentemente de culpa (Schmidt-Salzer), ou, a responsabilidade estrita (von Caemmerer), ou, a forma modificada de responsabilidade causal (Brüggemeier); basicamente, no mesmo sentido; na Áustria – cf. Fitz, Purtscheller, Reindl, Produkthaftung, 1988, p. 20 e ss., § 1º, em que se alude à posição objetiva, igualmente, em comentários à lei de 1º de julho de 1988, p. 20 e ss.; p. 37; da mesma forma, na Espanha, conforme art. 25, do capítulo III, da Lei nº 26 de 1984, na obra de Josep Bujons, Derechos del consumidor, Barcelona, s/d, p. 101, a solução é praticamente idêntica. Para uma visão do direito inglês, na mesma linha evolutiva, e em função do Consumer Protection Act 1987 (Parte I), veja Alistair Clark, Product liability, Londres, 1989. Para o direito argentino, na mesma linha, cf. Gabriel A. Sitglitz, Protección jurídica del consumidor, 2. ed., Buenos Aires, 1990, p. 69 e ss., capítulo II, mas sem um sistema inteiramente protetivo.
As primeiras grandes modificações sofridas pelo direito processual civil – sem, ainda, considerarem-se a incorporação ao sistema processual, das ações coletivas – consistiram, fundamentalmente, nos seguintes pontos:
26 Na Itália, entende-se que a tutela do ambiente envolve bens ou aspectos históricos (veja La Tutela dell’ambiente con particolare riferimento ai centri storici – Atti del convegno tenuto a Firenze, 23-31 de outubro de 1976, Giuffrè, 1977, publicada nos “Quaderni’della Rivista impresa ambiente e Pubblica Amministrazione”). Entre nós, a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, art. 1º, III, refere-se, autonomamente, a bens de valor histórico. A publicação contém inúmeras comunicações espanholas, no mesmo sentido.
3 ELENCO E SUCESSIVIDADE DAS MODIFICAÇÕES VERIFICADAS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PERSPECTIVAS DEFLUENTES DO NOSSO DIREITO CONSTITUCIONAL
1º) manter, em escala apreciável, o modelo estrutural legado pelo século passado, ainda que com modificações alteradoras da fisionomia individualista, neste mesmo inseridas: a) o juiz não deve ser um espectador do litígio, senão que deve ser um juiz ativo, o que se traduz na possibilidade de determinar provas, para que tenha condições de conhecer a verdade, da mesma forma que é ao juiz que cabe conduzir o processo28;
27 Cf. Diritto e ambiente (materiali di dottrina e giurisprudenza), comentados por Mario Almerichi e Guido Alpa, Parte I, Padova, 1984. pp. 179 e ss., Direito civil, capítulo terceiro. Observa-se que as relações atinentes ao direito de vizinhança radicam-se, basicamente, numa economia fundada na agricultura (o que, todavia, em nosso sentir, não exaure a questão) (op. cit., p. 179). Mas é evidente que os problemas relacionados com o meio ambiente, de que ora especificamente cogitamos, ou com a ecologia são precipuamente os decorrentes da industrialização. Fala-se, de uma parte, no direito ao meio ambiente como direito da personalidade, e, de outra, que a ofensa ao meio ambiente deve ser unitariamente considerada; ou seja, é esse um bem indivisível (Amedeo Postiglione, Il Diritto all’Ambiente, Napoles, 1982, respectivamente, p. 1/34 e p. 79 ss., (com referência, também, ao direito comparado, no mesmo sentido). Isto evidencia tratar-se de um “interesse ou direito difuso”, protegível, utilmente, apenas, por tutela coletiva. 28 Veja a respeito CAPPELLETTI, Mauro, La oralidad y las pruebas en el proceso civil, Buenos Aires, 1972, estudo sob nºs 4 e 6, p. 119, notas 12, 13, 14 e 15, trad. arg.; para a Alemanha, BLOMEYER, Arwed, Zivilprozeßrecht
É certo que essas situações, se são diferentes no que diz respeito aos bens tutelados, encontraram, no que diz respeito à sua proteção (rectius, desproteção) pelo direito material e pelo direito processual clássico, um denominador comum. Ou seja,
– Erkenntnisverfahren, 1963, 14, II, p. 68, fine; para Finlândia, veja TIRKONNEN, Tauro, Das Zivilprozeß Finnlands, Helsinki, 1958, p. 16, cap. IV; entre nós, MOREIRA, Barbosa, O juiz e a prova, Revista de Processo, v. 11/12, p. 180; para uma notícia sobre o relatório internacional então apresentado, veja Revista de Processo, v. 11/12 (Congresso Internacional realizado na Bélgica, 1977), p. 117; recentemente, em obra monográfica, na Alemanha, STÜRNER, Rolf, Die Richterliche Aufklärung im Zivilprozeß, Tubinga, 1982, p. 11, II, 3º e notas de roda pé; entre nós, em sede monográfica, BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, São Paulo, 1991, nº 3, p. 54 ss., esp. p. 72.
“cumulavam-se” ausência de proteção pelo direito material e pelo processual, para todas essas situações29. Esse denominador comum consistiu, precisamente, na carência de proteção propriamente dita, e, mais, ou, por isso mesmo, na ausência de uma pauta, ou mesmo de indicativos, de como tais bens poderiam ser efetivamente protegidos. É certo que a chamada dogmática, ou, preferivelmente designável como dogmática tradicional, não continha quaisquer parâmetros, sequer de ordem histórica, em escala apreciável, para se construir um sistema. Ou seja, não se tinham dados ou diretrizes sequer de um sistema histórico ou mesmo paralelo ao sistema tradicional, mercê do qual esses bens lograssem a vir obter proteção jurídica, sob os dois ângulos necessários, vale dizer, no plano do direito material e no patamar do direito processual. Legou-nos essa dogmática clássica, todavia, dois dados, curiais, na verdade, mercê de cuja articulação os bens podem ser objeto de proteção por parte do Direito. Como primeiro dado, necessário é que o direito defina ou, ao menos, considere suscetíveis de proteção determinados bens. Ou seja, como primeiro dado, imprescindível é que determinadas realidades deixem de ser “bens” (ou realidades) indiferentes ao Direito, passando a ser, então, bafejadas pela “atenção” do legislador, que venham a ser consideradas bens jurídicos,
29 Observa-se que explica, em grande parte, as perplexidades dos juristas contemporâneos, compelidos a encontrar soluções, sem parâmetros ou indicativos prévios, a obra de Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz, Munique, com 1ª edição em 1954 e 5ª edição em 1973, em que, “recuperando” as noções da Tópica de Aristóteles e o pensamento de Cícero (“De Inventione”), demonstra que, muitíssimas vezes, fica-se na contingência de extrair dos problemas as soluções.
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b) o critério, mercê do qual deve o juiz apreciar as provas, é o do seu livre convencimento, o que significa e importa, também, modificação do próprio valor que, em outros tempos, aprioristicamente, era atribuído a muitas provas, mercê do que estas deveriam prevalecer, ainda que o juiz, intimamente, pudesse estar convencido de não traduzirem elas a verdade; com isso, afetou-se mais poder ao juiz, com vistas à apuração de uma verdade, dita “verdade real”; c) distinguida a relação processual, ou o processo, do seu conteúdo, aquela fica, fundamentalmente, sob a fiscalização do juiz, quer no que diz respeito ao respectivo andamento, quer, ainda, e principalmente, no que atine com os requisitos gerais de sua formação, resguardando-se espaço para as partes no que diz respeito ao objeto do litígio, propriamente dito; 2º) se, de uma parte, essas alterações procuraram reequilibrar o processo tradicional, envergando o juiz de maiores poderes, passando e devendo este ser um juiz ativo, de outra parte, todavia, não resolveu os problemas maiores, que constituem na possibilidade de equacionar a defesa de várias situações sociais: a) a dos mais enfraquecidos socialmente; b) aqueles que difusamente são os “titulares” de determinados bens, tais como o meio ambiente, os bens estéticos, artísticos, etc., e mesmo quaisquer outros “interesses” que possam merecer proteção jurídica; c) ainda, de uma maneira especial, o consumidor estava inteiramente desprotegido pelo sistema individualista.28
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propriamente ditos, em função de um valor axiológico antes não cogitado ou não percebido. Como segundo dado, todavia, mesmo que modificado o direito material, seria razoavelmente inócuo que aí existissem bens jurídicos, como considerados na pauta do Direito posto, mas somente se, de outra parte, inexistissem instrumentos processuais eficientes para que esse reconhecimento pudesse ser efetivado na ordem prática. Por isso é que dissemos que, sem a articulação do direito processual civil ao direito material, na ordem prática, a proteção, somente dessa última, revelar-se-ia sem grandes objetivos práticos, porque não estaria ancorada em uma tábua os instrumentos destinados a tornar eficaz o direito material, construída em torno de valores sociais contemporâneos, em que se pretende traduzir um sentimento mais adequado de Justiça. Por isso, é insuficiente proteger no plano do direito material se inexistirem formas de viabilizar essa proteção30.
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Dessa forma, os problemas que se colocaram foram os de proteger os que não tinham condições de se defender, pois, nem pelo fato de existirem instrumentos processuais adequados e funcionais isso virá a significar a efetiva atuação, na ordem empírica, desses instrumentos.
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30 Saliente-se que, pelas peculiaridades referentes a determinadas situações ou relações jurídicas – tais como as protegíveis pela ação civil pública, pelo Código do Consumidor, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e, outras – que podem ser passageiras, por isso que demandam proteção instantânea, sob pena de perecimento irreversível, criaram-se meios jurisdicionais de caráter cautelar e, até mesmo, da própria possibilidade de tutela liminar do direito (ver o Código do Consumidor, art. 84, § 3º e o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 213, § 1º, como, também, encontra-se enfatizado que a satisfação deve ser específica, ou, se isto for inviável, ainda assim há que se assegurar o resultado equivalente.
A essa realidade, no Brasil, acorreu a instituição da justiça gratuita. Isso, todavia, tem sido insuficiente, porque muitíssimos, constantemente, não têm consciência de que têm direitos, e, se a tem, não têm condições de “tráfego” social para lograr obter o patrocínio de um advogado. A Constituição Federal de 1988 previu a criação da Defensoria Pública para essa finalidade, com a ambição de poder ver realmente institucionalizada a proteção aos incapazes de se defenderem. É o que está previsto no Texto Constitucional, verbis: Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios, e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada aos seus integrantes a garantia de inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
Ainda que isso se constitua em uma promessa do legislador constituinte, revela-se como indicativa de consciência plena do reconhecimento dessa realidade de que parcelas imensas da população são “indefesas”; e evidencia que essa mesma realidade foi digna da atenção do próprio constituinte. No que diz respeito aos outros bens jurídicos – meio ambiente, “bens e direitos” de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico –, ao lado da consideração em lei, nessa mesma lei adjudicou-se competência a entidades de caráter público e privadas, de molde a que tais bens possam ser defendidos31. 31 Trata-se da Lei de Ação Civil Pública, Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que sofreu diversas modificações, principalmente, as que lhe advieram da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quer, melhorando-a, quer, principalmente, articulando-a com o Código de Defesa do Consumidor, de
O Código do Consumidor é representativo da forma de como se procurou criar largas condições para a defesa do consumidor em juízo. O Código do Consumidor, em verdade, procurou estabelecer uma correlação ou articulação entre o direito processual e o material (modificando profundamente o direito privado = comercial) preexistente. Ponto saliente é a sua disciplina de como restaram vedadas práticas abusivas dos fornecedores e estabelecidas, no seu art. 51, XVI, modalidades de nulidades por meio de previsão das hipóteses e, a de número XV, estabelecendo que qualquer violação ao CDC importa nulidade. Em estabelecendo a responsabilidade pelo fato do produto (pelo risco civil, subtraindo a ocorrência de indenização por danos da esfera da culpa) e garantindo em escala apreciável o consumidor por proteção penal, cuidou, também, do estabelecimento de um sistema geral de ações coletivas. Esse sistema geral de ações coletivas, pode-se acentuar, coincide com o sentido teleológico daquele estabelecido pela Lei da Ação Civil Pública, ainda que, nesta lei, originariamente, no que diz respeito ao consumidor, não se possa dizer que este, individualmente, estivesse protegido. Foi mercê da articulação da Lei da Ação Civil Pública com o Código do Consumidor que este (ou mais precisa e amplamente32 as vítimas e os sutal forma que os resultados emergentes da procedência de uma ação civil pública pudessem beneficiar o consumidor, enquanto mais amplamente definido como vítima (ou os seus sucessores). 32 V.g., o Código do Consumidor, no seu art. 103, § 3º, alude, ao disciplinar a procedência, também, da ação civil pública, a vítimas e sucessores.
cessores delas) acabou logrando uma proteção “cumulativa”, vale dizer, seja por meio da utilização das ações coletivas, tais como disciplinadas pelo Código do Consumidor, seja, ainda, pela própria procedência da ação civil pública, tendo-se em vista que o Código do Consumidor atribuiu a essa procedência eficácia suficiente para beneficiar individualmente também. Não há referência mais extensa a consumidor nos textos da parte processual do Código do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública (tal como alterada pelo Código do Consumidor), senão que há vítimas (e, aos sucessores desta), com o que se constata que se elegeu um designativo que, englobando a figura do consumidor, é, em verdade, mais amplo do que consumidor. O que se verifica, portanto, é que para se poder acorrer na defesa de determinados bens, tais como o meio ambiente, bens de valor artístico ou estético, etc., da mesma forma que para se poder lograr defender o consumidor, foi necessária a utilização de ações coletivas. Sem tais ações coletivas, certamente tais bens não seriam defendidos, à luz do que reclama a consciência social contemporânea. Muito improvavelmente, alguém – mesmo um cidadão consciente e zeloso – virá defender o meio ambiente, ou então irá pugnar pela preservação de bens de valor artístico ou estético, sem se considerarem as imensas complicações ou a inviabilidade mesma, da legitimidade de um só indivíduo para essa finalidade. Da Isto quer dizer que o significado aí assumido é aquele definido no art. 17, e que diz respeito à disciplina dos arts. 12/16, do mesmo Código. No art. 17, lê-se: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. Não se trata, portanto, exclusivamente, de consumidor, com o significado do art. 2º, caput, senão que, diz respeito à significação extraível dos arts. 17, e, mais, com a extensão subjetiva indeterminada, do § 2º, do art. 2º, onde se lê que “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Este mesmo significado é o que consta do art. 103, inciso III.
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4 UM MODELO DE AÇÕES COLETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO
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mesma forma, o consumidor isolado, normalmente, não arcaria com os incômodos, custos e tempo de um processo para se defender de uma compra feita. Por isso, necessário se mostrou atribuir legitimidade, também, a entidades que, pela sua situação no organograma do Estado, e, bem assim, a entidades particulares, mas vocacionadas para a defesa de tais bens jurídicos, pudessem agir. E, agindo, que o resultado prático viesse a ser compensatório do ponto de vista quantitativo, ou seja, tendo em vista o grande número de beneficiados. Essas entidades atuam normas de direito material com outro vigor, porque são normas de ordem pública e porque infundem a consciência de vir a ocorrer efetiva responsabilidade, no que diz respeito à sua infringência.
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Por isso pode-se dizer com propriedade que a chamada dogmática clássica, inspirada e construída em função do individualismo jurídico e que resultou no positivismo jurídico, encontra-se superada, e essa situação ocorreu diante de ela não mais poder satisfazer às necessidades contemporâneas, animadas por uma consciência coletiva reivindicante, tendo em vista os reclamos de que todas essas situações viessem a ser protegidas. Em obra de nossa autoria e em sequência a outras justificamos o nosso ponto de vista33.
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5 A VOCAÇÃO COLETIVA DO PROCESSO CONTEMPORÂNEO – O CONTRASTE DESSE 33 Escrevemos o seguinte: “As construções conceituais do Direito (entenda-se isto como uma expressão de dogmática rígida, de índole predominantemente ‘dedutiva’, onde era grande a crença na ‘Justiça’ do sistema), mostraram-se baladas, em largos setores, principalmente, nos setores críticos do Direito (e, são muitíssimos)”. Veja o nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo, v. I, 1990, p. 109.
INSTRUMENTAL COM A SITUAÇÃO CULTURAL BRASILEIRA, A INDICAR UM RENDIMENTO LENTO E MESMO PRECÁRIO O nosso legislador constitucional abriu, já nesse patamar constitucional, inúmeros caminhos à tutela coletiva de direitos. Assim, o mandado de segurança, marcadamente nascido com caráter individualista, passou, à luz do disposto no art. 5º, inciso LXX, a comportar, também, abertura à defesa coletiva. No que diz respeito ao mandado de injunção, destinado à efetivação de norma constitucional programática, na forma do disposto no art. 5º, inciso LXXI, há que ser ele considerado como um meio relacionado com a efetividade do direito constitucional, podendo comportar tutela coletiva34. No que diz respeito à ação de inconstitucionalidade, sofreu ela modificação operacional, porquanto abriu-se o espectro de legitimados, perante o Supremo Tribunal Federal, somando-se à conhecida modalidade de controle difuso, o da inconstitucionalidade por omissão (Constituição Federal de 1988, art. 102, § 2º); mais ainda, previu-se que os Estados Federados (art. 125, § 2º) hão de prever o mesmo sistema, para controle das leis estaduais ou municipais, em face dos constituições dos respectivos Estados, “vedada a atribuição para agir a um único órgão”. A oferta de instrumentos processuais existentes no direito brasileiro é grande, ao lado da garantia na letra do texto constitucional
34 No texto, encontra-se exposta opinião diferente da que sustentamos em nosso Tratado de direito processual civil, São Paulo, v. I, 1990, e coincidente com a firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Mantemos nosso entendimento, ainda que reconheçamos ser a opinião contrária, apesar de suas variáveis, a que representa a maioria do pensamento doutrinário, ao menos (Para o acórdão do STF, veja a Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, n. 43, p. 219/276, 1991.
Pois, na verdade, a agilidade do Poder Judiciário, o que exige o seu aumento físico, bem como uma melhoria significativa da consciência de que existem direitos, constituem dois pressupostos vitais, para uma real e efetiva atuação da ordem jurídica, mesmo que esta, como se disse, seja objetivamente rica de meios processuais, e, ainda, que as previsões de direito material estejam afinadas com as posturas contemporâneas, que se pretendem sintonizadas com um sentimento hodierno de realização de direitos, em nome da Justiça. O Poder Judiciário não logrou obter, em face da Constituição Federal de 1988, uma verdadeira autonomia financeira. Em longa entrevista publicada, o Desembargador e Professor Regis Fernandes de Oliveira, hoje (2008) e há tempos, advogado e deputado federal, enfatiza essa realidade, observando que, em seu sentir, a parte do orçamento destinada às justiças – de um modo geral – fica aquém da metade do que necessário seria35.
6 O PLANO DO DIREITO POSITIVO, O ESTADO E A REALIDADE NACIONAL Se no plano da “promessa da lei” é grande a oferta, é certo, todavia, que essa “oferta” somente será verdadeira dependentemente da atividade do Estado, o que inclui o Poder Judiciário, da mesma forma que os demais Poderes. Seria uma profunda inutilidade um trabalho deste jaez que, se alguma utilidade puder ter, será a de comportar uma “leitura 35 Entrevista no Jornal A Folha da Manhã, 10 nov. 1991, p. 3, Caderno 4.
iluminada” – ou, com mais precisão, lamentavelmente ofuscada – pela nossa realidade. Dissemos que toda a gama de direitos existentes, processuais e materiais, necessitam de um Estado para torná-los existente. Uma pesquisa realizada, na época em que se escreveu este trabalho, todavia, destaca uma descrença no papel do Estado36. No dia seguinte à notícia suprareferida, noticiam os jornais um plano governamental com vistas a uma expansão do consumo, mercê de aumento do poder aquisitivo dos salários, com o que se pretende que o comprometimento do acesso à justiça, à segurança e aos serviços básicos, por parte dos pobres, venha a ser superado, com o que se pretende recuperar a cidadania, a muitos segmentos37. É esta uma diretriz correta, ainda que com resultados a muito longo prazo, porquanto o Estado nunca poderá ser forte e acreditado enquanto não se lograr obter, entre nós, uma razoável ou ponderável homogeneidade social. É a partir desta que se poderá, realmente, cogitar com autêntica seriedade de uma recuperação do perfil do Estado. Por fim, em todos os campos – mas isso vale de uma forma absoluta e plena para a atividade do Judiciário e para um reequacionamento do direito processual –, colocam-se como indispensáveis estatísticas idôneas e outros instrumentos de cognição real da realidade, porquanto, quaisquer reformas ficarão, sempre, muito a desejar, na medida em que a realidade 36 Destaca-se uma crença da população de menos de 20% no Exército, no Judiciário e na Justiça (Jornal O Estado de São Paulo, 1º dez. 1991, p. 4). O sociólogo que interpretou a pesquisa entendeu que há uma distância da sociedade em relação à nação, a qual, a seu turno, é confundida com o Estado. 37 O Estado de São Paulo, 2 dez. 1991, p. 1, Caderno Economia.
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de um imenso rol de direitos. Todavia, não é animadora a situação estrutural do Poder Judiciário, como também precária é a situação de conscientização de grandes camadas da população.
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indesejada, e que se pretende modificar, não esteja corretamente representada perante quem colime reformá-la. O não conhecimento da realidade conduz a reformas baseadas em meras intuições sempre unilaterais, calcadas num empirismo primário, com o risco sério, senão quase certo e inevitável fracasso, com o que, aquilo que estava imprestável, continuará a não prestar, ou não virá a ser bom como se esperava. É só o pleno e verdadeiro conhecimento da realidade que enseja condições para que se possa reformar para o bom – mesmo com a consciência de que não se irá, ao menos a curto prazo, atingir o ideal.
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Mas, por outro lado, somente poderá realmente se operar melhoria do Estado na medida em que haja melhoria das condições de vida da população, ou seja, em função de uma melhoria da Nação.
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Doutrina
Foro por Prerrogativa de Função nas Ações de Improbidade Administrativa EDUARDO DIAS DE VASCONCELOS Advogado em São Paulo.
ELISSON PEREIRA DA COSTA
Doutorando pela USP, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos, Especialista em Direito pela FGV, Professor de Direito Administrativo do Curso Prepara Saraiva e de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito Administrativo e Ambiental. Autor de diversos livros pela Editora Saraiva. Advogado concursado da Petrobras Transporte S/A.
RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar o foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa. Como referenciais legais para estudo do tema foram utilizadas a Constituição Federal e a Lei nº 8.429/1992. O foro por prerrogativa de função consiste na definição da competência processual pautada a partir do cargo exercido pelo agente público, e a questão que se coloca é sobre a sua aplicabilidade nas ações de improbidade administrativa. A discussão não é simples e provoca discussões na doutrina e jurisprudência do Direito Administrativo.
PALAVRAS-CHAVE: Improbidade administrativa; foro privilegiado por prerrogativa de função; efeitos; inexistência.
SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais; 2 Do foro por prerrogativa de função; 3 Foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa; Conclusão; Referências.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Recorrente tema debatido no universo jurídico, a improbidade administrativa vem ganhando, cada vez mais, uma maior relevância no atual estágio de evolução do Estado Democrático de Direito. Com efeito, diversos são os atos que poderão estar sujeitos ao conceito jurídico de improbidade administrativa, devendo o caso em concreto ser analisado não só à luz dos dispositivos constitucionais e legais da Lei nº 8.429/1992, como também em seus aspectos subjetivos, eis que o ato de improbidade administrativa pode estar afeto não só ao dano ao Erário e ao enriquecimento ilícito, mas também à violação dos princípios basilares que regem a Administração e que se encontram esculpidos no art. 37 da Constituição Federal. A doutrina de José dos Santos Carvalho Filho aduz que o dever de probidade “é o primeiro e talvez o mais importante dos deveres do administrador público. Sua atuação deve, em qualquer hipótese, pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade, quer em face dos administrados, quer em face da própria Administração”1.
1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 55.
Assim, temos que o dever de probidade é intrínseco ao administrador público, devendo sempre pautar a sua conduta atentando-se a princípios éticos e morais, que sejam aceitos tanto em seu aspecto legal quanto social. Sob este aspecto, a doutrina e a jurisprudência vêm destacando como conduta improba aquele ato, em sentido amplo, que viole os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que, por força do art. 37 da Constituição Federal, estão afetos à Administração Pública, ou, ainda, todo ato que dolosamente o agente público cause dano ao Erário. Neste sentido, imperiosa a lição de José Afonso da Silva: A probidade administrativa consiste no dever de o funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrente em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao Erário [...].2
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Com efeito, o administrador público, por gerir a res publica, deve guardar em si uma conduta honesta e moralmente aceita, mantendo uma postura ética e pautando-se pelos princípios administrativos emanados pelo art. 37 da Constituição Federal.
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Desrespeitando-se os valores intrínsecos à ideia de probidade, o agente público estará sempre sujeito a sanções tanto no âmbito administrativo como também nas esferas penal e civil, nos termos do art. 12 da Lei nº 8.429, de 1992, a Lei de Improbidade Administrativa. 2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 669.
Outrossim, no âmbito do tratamento processual dado ao administrador é que se insere o tema do foro por prerrogativa de função, objeto do presente estudo.
2 DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Surgido como um instituto jurídico que visava a pôr termo à irresponsabilidade penal de políticos e governantes, característica própria do Absolutismo, o foro privilegiado por prerrogativa de função consiste na definição da competência processual pautada a partir do cargo exercido pelo agente público. Desse modo, exercendo determinados cargos públicos, estaria o agente submetido ao foro privilegiado, em decorrência da função pública por ele exercida. Julio Fabbrini Mirabete afirma que a justificativa para a existência do foro privilegiado por prerrogativa de função consiste na ideia de que há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processadas por órgãos superiores, de instância mais elevada. O foro por prerrogativa de função está fundado na utilidade pública, no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência dos tribunais superiores.3
Neste sentido, diversos são os casos estabelecidos em nosso ordenamento jurídico em que há a previsão de julgamento em foro privilegiado decorrente do relevante cargo público exercido. É o caso, por exemplo, da hipótese prevista no art. 102, I, b, da Constituição Federal, que estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar o Presidente, o Vice Presidente, os 3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 7. ed. São Paulo, 1997. p. 187.
Não obstante as inúmeras hipóteses previstas em nosso ordenamento, estabelecendo o foro privilegiado por prerrogativa de função, nos atentaremos tão somente a sua incidência às ações relativas a atos de improbidade administrativa, tema que provoca profunda celeuma na doutrina administrativista.
3 FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA O foro privilegiado por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa decorria das disposições emanadas pelos parágrafos do art. 84 do Código de Processo Penal, que, acrescentados pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002, possuíam o seguinte teor: § 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.
Contudo, os referidos preceitos legais foram julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2797/DF, eis que o STF assentou entendimento de que a Lei nº 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84 do Código de Processo Penal, usurpou a competência do próprio Supremo Tribunal Federal em interpretar a Constituição Federal.
Ainda, segundo entendimento exposto neste importante julgado, as competências dos Tribunais Superiores, que compõem o Poder Judiciário brasileiro, se encontram taxativamente previstas na Constituição Federal, não podendo uma norma infraconstitucional alargar o campo de atuação destes Tribunais. Outro ponto a ser destacado é que, quando do julgamento da ADI 2797/DF, firmou-se posicionamento de que as ações de improbidade administrativa têm natureza cível, ao passo que a Constituição Federal estabelece foro por prerrogativa de função somente às ações de natureza criminal, fato que levaria ao rechaço da existência de foro privilegiado nas ações de improbidade. Boa parte da doutrina converge com o STF, aduzindo que a norma, neste caso, é inconstitucional, pois cria-se o foro privilegiado, para ações civis através de mera lei ordinária. Somente a Constituição pode estabelecer normas que excepcionem o direito à igualdade perante a lei, aplicável a todos os brasileiros. [...] Ademais, torna-se insustentável dar à ação de improbidade administrativa o caráter penal, isto é, transformar “à força” o que é civil em matéria criminal, somente para justificar o foro privilegiado. [...] Logo, as ações de improbidade administrativa devem continuar a ser propostas no juízo cível apropriado de primeira instância, sem qualquer foro privilegiado a qualquer autoridade.4
Todavia, embora o principal referencial jurisprudencial seja mesmo a ADI 2797/DF, eis que o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/1999 – a Lei da Ação Direta de (In)Constitucionalidade – preveja que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário, não há consenso 4 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 270.
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membros do Congresso Nacional, os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nas infrações penais comuns.
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acerca da (in)existência do foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa. Nesta toada, o STF, ao julgar a ADI 2797/DF, pronunciou-se no mesmo sentido do julgamento da questão de ordem suscitada nos autos do Inquérito nº 687/SP. Naquela oportunidade, em julgamento ocorrido no ano de 1999, a Suprema Corte interpretou a Constituição restritivamente, levando ao cancelamento da Súmula Vinculante nº 394, que possuía o seguinte teor: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.
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Contudo, o próprio STF já se posicionou contrariamente ao exposto na ADI 2.797 e ao julgamento da questão de ordem levantada nos autos do Inquérito nº 687/SP. A exemplo disto, no julgamento da questão de ordem na Pet 3211 QO/DF, em que se questionava atos de improbidade administrativa de um dos membros do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, houve posicionamento majoritário de que a Corte é competente para julgar e processar os seus próprios membros.
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Tal entendimento decorreu de interpretação sistemática da Constituição, pois se a Carta Magna impõe o foro privilegiado aos Ministros do Supremo em infrações penais comuns, não poderia o juízo de 1ª instância processar e julgá-los em ações de improbidade, impondo até mesmo a perda do relevante cargo público que exercem. Nesta esteira de pensamento e após a paradigmática decisão do STF, proferida durante o julgamento da questão de ordem na Pet 3211, o Superior Tribunal de Justiça vem, reiteradamente, modificando a sua jurisprudência, admitindo o foro por prerrogativa de função das autoridades elencadas no art. 105, I, a, da Constituição Federal, pois se àquelas autoridades é garantido o
foro privilegiado nas ações penais comuns e, em alguns casos, nos crimes de responsabilidade, também haveriam de ter esta prerrogativa nas ações que versem sobre atos de improbidade, isto tudo pautado em uma interpretação sistemática das competências constitucionais estabelecidas às Cortes Superiores. Seguindo esta linha de raciocínio, o Ministro Teori Zavascki, quando ainda ocupava uma das 33 cadeiras do STJ, nos autos do AI 1.404.254-AgRg/RJ, suscitou a remessa de autos que versavam sobre ato de improbidade administrativa de um parlamentar federal ao STF, pois, segundo o Ministro, há conclusão de que, por imposição lógica de coerência interpretativa, a prerrogativa de foro em ação penal perante o STF, assegurada aos parlamentares federais, se estende, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 53, § 1º e art. 102, I, c), à ação de improbidade, da qual pode resultar, entre outras sanções, a suspensão de seus direitos políticos e a própria perda do cargo.
Assim, após a paradigmática decisão do STF que reconheceu a sua competência para processar e julgar os seus próprios membros, desencadeou-se uma série de decisões dos outros Tribunais brasileiros, no sentido de que há o foro privilegiado nas ações de improbidade. É o caso, por exemplo, do julgamento no STJ do AgRg-AREsp 184147/RN, em que o Relator do caso, Ministro Humberto Martins, afirmou o seguinte: Esta Corte Superior admite a possibilidade de ajuizamento de ação de improbidade em face de agentes políticos, em razão da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei nº 8.429/1992.
Caso o foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade venha a ser reconhecido, alguns efeitos serão daí decorrentes.
Outro ponto relevante, decorrente do reconhecimento do foro privilegiado por prerrogativa de função, consistirá na diminuição das possibilidades de rediscussão da decisão proferida, eis que “qualquer senador julgado pelo Supremo, por exemplo, não terá direito a outro julgamento, como têm os demais cidadãos, que chegam a obter três ou até quatro revisões da primeira decisão”5. Contudo, não obstante as decisões proferidas pelo STJ e os efeitos decorrentes do reconhecimento do foro privilegiado nas ações de improbidade, o Supremo mantêm-se uniforme ao consignar que inexiste foro por prerrogativa de função em ação civil pública por improbidade6.
CONCLUSÃO Por todo o exposto, vimos que a jurisprudência dos Tribunais Superiores oscila quanto à (in)existência do foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade. 5 MENDES, Gilmar. A maldição do foro. Folha de S. Paulo, 11 mar. 2012. Acesso em: 4 nov. 2014. 6 Pet 3067-AgRg/MG, voto do Relator Ministro Roberto Barroso.
Todavia, o STF, Suprema Corte Judicial brasileira, em reiteradas decisões, pacificou o tema em seu âmbito de atuação quando do julgamento da ADI 2797/DF. Vale lembrar que a decisão proferida nos autos de referida ação, a despeito do que dispõe o art. 28 da Lei nº 9868/1999, possui eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, fato que, majoritariamente, vem sendo inobservado pelo STJ. Contudo, em consonância com as decisões do Supremo, forçoso afirmar que, enquanto não houver mutações na jurisprudência da Suprema Corte, o foro privilegiado por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa deve ser rechaçado, devendo a ação ser ajuizada na instância de piso. Por fim, importante se faz ressaltar que “a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. menos ainda quem deixa de exercê-lo”7.
REFERÊNCIAS CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. MENDES, GILMAR. A maldição do foro. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/opiniao/30572-a-maldicao-do-foro.shtml>. Acesso em: 1º nov. 2014.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
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O primeiro destes efeitos consiste na ideia de que, tramitando perante um Tribunal, o processo que apura ato de improbidade administrativa terá toda a sua instrução processual realizada por este mesmo Tribunal julgador, fato que é raramente observado no Poder Judiciário brasileiro, eis que, na maioria das vezes, o Tribunal recebe os autos processuais aptos a julgamento. Além disto, a instrução processual, a ser realizada por este Tribunal, pode se revelar morosa, haja vista o grande volume de julgamentos realizados por nossos Tribunais e a raridade destes mesmos Tribunais em realizar instruções processuais.
7 STF, Inq. 687-QO/SP.
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MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1997. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012
Doutrina
Greve Ambiental Trabalhista GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO Desembargador do Trabalho de Carreira do TRT da 8ª Região, Professor Titular de Direito Internacional e Direito do Trabalho da Universidade da Amazônia (Unama), Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Presidente Honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho.
RESUMO: Destina-se este artigo a examinar a possibilidade do exercício, no Brasil, da chamada greve ambiental trabalhista, como forma de paralisação do trabalho, com interrupção de sua prestação, a fim de obter atendimento a reivindicações estritamente ligadas a condições ambientais gerais de trabalho, conforme permite a Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente do trabalho; greve ambiental; Convenção nº 155 da OIT. ABSTRACT: This article is intended to examine the possibility of the exercise, in Brazil, the environmental labor strike call, as a form of work stoppage, interruption of its provision, in order to get attention to claims closely linked to environmental conditions general work, as permitted by the Convention nº 155 of the International Labor Organization. KEYWORDS: Environmental work; environmental strike; Convention nº 155 ILO. SUMÁRIO: 1 Tipos de meio ambiente, inclusive o do trabalho; 2 Greve tradicional e greve ambiental; 3 Previsões legais para paralisações ambientais; 4 Identificação da greve ambiental; 5 Possibilidades de seu regular exercício no Brasil; Conclusão.
1 TIPOS DE MEIO AMBIENTE, INCLUSIVE O DO TRABALHO Modernamente, o mundo inteiro tem olhado com preocupação para o meio ambiente do planeta. O homem tem, reconhecidamente, direito a um meio ambiente equilibrado, sadio, desenvolvido dentro de padrões sustentáveis. Trata-se de um direito que costumo enquadrar na terceira geração dos direitos fundamentais, os de solidariedade ou fraternidade. No princípio, falava-se em meio ambiente natural, especialmente flora e fauna, os mananciais hidrográficos, as belezas do planeta que o homem não deveria destruir. Adiante, acrescentou-se o meio ambiente artificial, aquele que o ser humano, usando sua própria capacidade criadora, concebeu e, com sua força de trabalho, construiu. Depois, olhou-se para o pretérito e todos passamos a conservar e preservar nossa memória, no que alguns chamam de meio ambiente arqueológico. A eles, foi somado o meio ambiente cultural, envolvendo muito dos usos e costumes do povo, seus falares, seus hábitos religiosos e alimentares, entre outros. Mais recentemente, o meio ambiente do trabalho, que se relaciona com o local no qual o trabalhador desenvolve sua atividade laborativa, direta ou indiretamente controlado por seu empregador. E, nesses últimos tempos, podemos identificar um novo tipo de meio ambiente, acerca do qual pouco ou nada se escreveu, mas que está a merecer bastante
Aqui, se trata de tema específico, dentro do meio ambiente do trabalho: a greve ambiental trabalhista, que, embora não prevista expressamente como tal na legislação interna brasileira e carente de exame pela grande maioria da doutrina, além de não existirem notícias de precedentes jurisprudenciais, está na ordem do dia de qualquer relação de trabalho, ainda que a quase totalidade dos empregadores e empregados desconheça esse direito trabalhista, expressamente consagrado na Convenção nº 115 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
2 GREVE TRADICIONAL E GREVE AMBIENTAL Ensina Amauri Mascaro Nascimento, reportando-se à greve tradicional, que se trata de “um direito individual de exercício coletivo, manifestando-se como autodefesa, e que exerce uma pressão necessária que leva à reconstrução do direito do trabalho quando as normas vigentes não atendem às exigências do grupo social”1. O Mestre das Arcadas Paulistas assinala, ainda, que: O que caracteriza doutrinariamente a greve é a recusa de trabalho que rompe com o quotidiano, bem como o seu caráter coletivo. Não há greve de uma só pessoa. Nem haverá, também, sem o elemento subjetivo, a intenção de se por fora do contrato para obter uma vantagem trabalhista.2 1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1318-19. 2 Idem, p. 1321.
Na França, Michel Despax escreveu que a greve é “l’arme syndicale per excelence”3, porque é o único recurso de que dispõe o grupo de trabalhadores para obter atendimento às suas reivindicações. A greve que estamos habituados a conhecer é a que está descrita anteriormente. Existe, todavia, outra que se chama de greve ambiental trabalhista, que, como anota Raimundo Simão de Melo, “é diferente da paralisação clássica do trabalho”4, e a conceitua como “a paralisação coletiva ou individual, temporária, parcial ou total da prestação de trabalho a um tomador, qualquer que seja a relação de trabalho, com a finalidade de preservar e defender o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador”5. Não se trata, de modo algum, do exemplo referido por Salvador Perez del Castillo, quando escreve: “A greve de um só é admitida teoricamente enquanto exista uma outra greve realizada em lugar distinto, isto é, requer um grupo de trabalhadores que estejam em outras empresas fazendo greve pela mesma causa, Trata-se, pois, de um só neste lugar e não de um único trabalhador participando da medida. Para este empregador haverá somente um grevista, entretanto, na mesma unidade de negociação, um grupo de grevistas está fazendo greve frente a um grupo de empregadores e, sendo assim, aquele indivíduo deverá ser reconhecido, também, como grevista”6. E não se trata dessa hipótese, porque, na greve ambiental, não há necessidade de, em outras empresas, existir qualquer tipo de paralisação pelo mesmo motivo. 3 DESPAX, Michel. Droit du travail. 5. ed. Paris: Presses Universitaires, 1981. p. 73. 4 MELO, Raimundo Simão de. A greve no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 109. 5 Idem, p. 110. 6 PEREZ DEL CASTILLO, Salvador. O direito de greve. Trad. Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1994. p. 24.
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atenção: o meio ambiente espiritual, que envolve, entre outras coisas, os sentimentos de serenidade, afeto, fé, amor, de que seriam exemplos manifestações religiosos como o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará, ou as peregrinações dos muçulmanos a Meca (o hadjdj), onde nasceu Maomé, o profeta do Islã.
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3 PREVISÕES LEGAIS SOBRE PARALISAÇÕES AMBIENTAIS Existem diversas normas legais que cuidam de proteção do meio ambiente do trabalho e de greve ambiental trabalhista, tanto no Direito internacional como em nível nacional, inclusive no Brasil, sem nunca esquecer que a proteção referida, como recordam Celso Fiorillo e Marcelo Rodrigues, “é coisa diversa da proteção do direito do trabalho”7.
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No Direito Internacional, a partir de 1972, na I Conferência das Nações sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, foi adotada a pioneira Declaração de 16.6, que equivale para o meio ambiente o mesmo que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 para a humanidade como um todo. Adiante, em Nova York, a 09.05.1992, foi aprovada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, e, por ocasião da II Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio de Janeiro, foi a vez da Convenção sobre Diversidade Biológica (5 de junho de 1992), ambas ratificadas pelo Brasil, não sendo, todavia, nenhuma direcionada a meio ambiente do trabalho, embora sejam normas de hard-law, e , portanto, de grande significado, diferente da de Estocolmo, que é norma de soft law.
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Especificamente quanto ao meio ambiente do trabalho, embora existam outras convenções ligadas ao tema8, a principal é a Convenção nº 155, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores, aprovada na 67ª reunião da Conferência Internacional do 7 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 65. 8 Vide os nossos Globalização do trabalho: rua sem saída (São Paulo: LTr, 2001. p. 209-16) e Avaliando o direito do trabalho (São Paulo: LTr, 2010. p. 22-28).
Trabalho, em Genebra, a 22.06.1981, e que entrou em vigor no plano internacional em 11.08.19839, e que é aplicável a todas as áreas da atividade econômica (art. 1, 1), e, para seus fins, trabalhadores são “todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos” (art. 3, b). O art. 13 da Convenção nº 155 dispõe: Art. 13. Em conformidade com a prática e as condições nacionais deverá ser protegido, de consequências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolve um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde.
Trata-se da consagração internacional da greve ambiental trabalhista, e essa norma, incorporada ao Direito brasileiro e, portanto, lei no Brasil, é o próprio direito à greve ambiental. No Direito estrangeiro, a Itália possui lei de greve negociada junto às centrais sindicais, a Lei nº 146, de 12.06.1990, que, embora não cuide expressamente da greve ambiental, dispensa os trabalhadores de pré-avisarem empregadores e usuários de seus serviços do movimento, caso este se destine a defender a Constituição e em protestos por graves lesões à incolumidade e à segurança dos trabalhadores. É assim o art. 2, 7, da Lei de Greve italiana: Art. 2, 7. As disposições do presente artigo em relação ao pré-aviso mínimo e à indicação da duração da greve não se aplicam em casos de abstenção ao trabalho em defesa da ordem constitucional ou em protesto a graves acontecimentos lesivos à incolumidade e à segurança dos trabalhadores.10 9 No Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2, de 17.03.1992, do Congresso Nacional; ratificada a 18.05.1992; promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29.09.1994; tendo entrado em vigor internamente a 18.05.1993. 10 Disponível em GIUGNI, Gino. Direito sindical. Trad. Eiko Lucia Itioka. São Paulo: LTr, 1991. p. 317.
O art. 161, § 6º, da CLT, admite a paralisação do trabalho quando houver laudo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego constando que existe grave e iminente risco para o trabalhador. É que o dispositivo consolidado admite que a SRTE interdite estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargue obra, determinando as providências que devem ser adotadas para prevenir os infortúnios do trabalho. Para desenvolver essa interdição, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) contará com o apoio de autoridades federais, estaduais e municipais (§ 1º), podendo a providência ser tomada a requerimento do serviço competente da Superintendência, de auditor-fiscal do trabalho ou de entidade sindical (§ 2º). Em decorrência da interdição ou embargo por motivo de irregularidades detectadas no ambiente de trabalho, os serviços podem ser paralisados e os trabalhadores receberão, pelos dias de paralisação, os seus salários normalmente, como se estivessem em efetivo exercício, como destaca o § 6º do mesmo dispositivo consolidado. No Estado de São Paulo, o § 2º do art. 229 da Constituição Estadual é expresso:
§ 2º Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco.
Esse dispositivo é praticamente repetido, na sua literalidade, pelo art. 9º da Lei Estadual nº 9.505, de 11.03.1997, que disciplina as ações e os serviços de saúde dos trabalhadores no Sistema Único de Saúde: Art. 9º Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação da adversidade.
Na esfera administrativa federal, a Portaria nº 3214/78 aprovou as normas regulamentares que cuidam de higiene, saúde e segurança do trabalho. A NR 22, que trata da “segurança e saúde ocupacional na mineração, com o objetivo de disciplinar os preceitos a serem observados na organização e no ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o desenvolvimento da atividade mineira com a busca permanente da segurança e saúde dos trabalhadores” (22.1.1), tem aplicação em minerações subterrâneas; minerações a céu aberto; garimpos, no que couber; beneficiamentos minerais e pesquisa mineral. É esta NR 22 que, no 22.5.1, reconhece entre os direitos dos trabalhadores os de: a) interromper suas tarefas sempre que constatar evidências que representem riscos graves e iminentes para sua segurança e saúde ou de terceiros, comunicando imediatamente o fato a seu superior hierárquico que diligenciará as medidas cabíveis e
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Em nosso país, de acordo com o art. 170 da Constituição de 1988, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, observado, entre outros, no inciso VI, o princípio da defesa do meio ambiente, considerando o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Antes, ao reconhecer os direitos trabalhistas, garante que deve haver redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII do art. 7º), e que ao Sistema Único de Saúde (SUS) compete, entre outras atribuições, colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200, VIII).
b) ser informados sobre os riscos existentes no local de trabalho que possam afetar sua segurança e saúde.
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É a alínea a do 22.5.1 da NR 22 que reconhece o direito à greve ambiental para os trabalhadores no setor minerário, o que não afasta a possibilidade de, por analogia, ser aplicada aos demais. Deve ser enfatizado um aspecto primordial nesse instituto. Comumente, a greve é causa de suspensão do contrato de trabalho, no qual, porque não há prestação de serviços e os empregados não recebem suas remunerações11. É assim a greve tradicional. No caso que se examina, trata-se de interrupção, como todas as normas anteriormente mencionadas referem, e, como tal, os obreiros têm direito a receber integralmente, sem desconto de qualquer natureza, todas as suas verbas remuneratórias, nos expressos termos do art. 21 da Convenção nº 155.
4 IDENTIFICAÇÃO DA GREVE AMBIENTAL Para que uma greve seja considerada efetiva e exclusivamente ambiental é indispensável que as reivindicações dos trabalhadores sejam, todas, ligadas a regularizar condições ou situações que estejam colocando em perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde.
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Esse requisito é essencial e indispensável. Ausente, a greve será apenas uma paralisação comum, igual a qualquer outro movimento paredista, mas nunca será uma greve ambiental.
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Não se deve cogitar de abuso do direito de greve no caso de greve ambiental, invocando o caput do art. 14 da Lei nº 7.783, de 28.06.1989. A paralisação em comento visa por fim a situações que causam dano ao trabalhador, e persistirá até que isso seja superado, salvo, evidente, que o que foi celebrado autonomamente (acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho) ou decidido 11 No sentido. inexiste divergência doutrinária. Vide, por todos: PEREZ DEL CASTILLO, S. Ob. cit., p. 99 e ss.
heteronomamente (sentença normativa da Justiça do Trabalho) efetivamente façam desaparecer aquelas condições. Pode, sim, ser perfeitamente admitida a hipótese de inexistência de abuso de direito, a partir das duas hipóteses do parágrafo único do mencionado dispositivo, na vigência de norma coletiva. Ou seja, exigir cumprimento de cláusula ou condição referente à saúde e segurança do trabalhador (inciso I), ou existência de fato superveniente ou acontecimento imprevisto que promova mudança substancial na relação de trabalho, com prejuízos à saúde e segurança dos trabalhadores (inciso II). Para que exista uma greve tradicional, é indispensável a paralisação coletiva do trabalho. Na ambiental, a paralisação pode ser também individual, como se constatou anteriormente, na conceituação feita por Raimundo Simão de Mello. Esse aspecto é característica desse tipo de manifestação. Devem ser observadas essas, então, duas peculiaridades da greve ambiental: a possibilidade de ser praticada individualmente e os requisitos que devem ser obedecidos para sua deflagração. Pode ser individual porque o que se pretende é defender a saúde do trabalhador e, em consequência, sua própria vida, o mais fundamental de todos os direitos. Assim, um só obreiro pode interromper seu trabalho se existirem riscos à sua saúde. Isso não significa que não possa ser praticada coletivamente. Ao contrário, a greve “individual” é uma exceção ao próprio instituto clássico da greve, como conceituado anteriormente. E, sendo praticada coletivamente, não deve ser exigida a observância aos requisitos da Lei nº 7.783/1989, porque, ao contrário, “são dispensados, como o aviso prévio ao empregador, porque se trata de proteger a vida e a saúde do trabalhador, e a comuni-
cação formal da deflagração do movimento é dispensável ante a gravidade e iminência do risco”12.
5 POSSIBILIDADES DE SEU REGULAR EXERCÍCIO NO BRASIL
Sua previsão efetiva não está na lei interna original brasileira, mas em tratado internacional, representado pela Convenção nº 155 da OIT, incorporada ao nosso ordenamento jurídico. É o seu art. 13 que confere ao empregado o direito de interromper sua atividade laboral se, considerando motivos razoáveis, constate a possibilidade de estar em perigo iminente e grave para a sua vida ou sua saúde.
Questão que deve ser esclarecida é acerca do efetivo direito de os trabalhadores brasileiros poderem, com fulcro na Convenção nº 155 da OIT, realizar uma greve ambiental.
Importante que, para a greve ambiental ser admitida, é imperioso que o trabalhador cumpra uma obrigação que é sua, e, pelo art. 19, f, da Convenção, é fundamental, qual a de que “informará imediatamente o seu superior hierárquico direto sobre qualquer situação de trabalho que, a seu ver e por motivos razoáveis, envolva um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde; enquanto o empregador não tiver tomado medidas corretivas, se forem necessárias, não poderá exigir dos trabalhadores a sua volta a uma situação de trabalho onde exista, em caráter contínuo, um perigo grave ou iminente para sua vida ou sua saúde”. Em outros termos, informada a condição danosa de trabalho, o empregado pode iniciar a paralisação, que durará até que aquela situação tenha desaparecido. 12 MELLO, R. S. de. Ob. cit., p. 119.
No rol dos primeiros estão: implantação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), de que trata a NR 9, e do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), objeto da NR 7; criação/instalação de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa); eliminação ou diminuição de agentes físicos, químicos ou biológicos causadores de doenças do trabalho pela longa exposição; diminuição da jornada de trabalho em certas condições causadoras de doenças profissionais tipo LER-DORT13; implementação de intervalos intra e interjornadas; estabilidade para acidentados acima dos limites do art. 118 da Lei nº 8.213/199114. De outro lado, seriam incomuns aqueles riscos que podem causar danos ao trabalhador se não forem eliminados15. A grande dúvida, certamente, é a possibilidade da prática individual desse tipo de greve, tendo em conta que, por tradição, 13 Trata-se de desgaste de estruturas do sistema músculo-esquelético. Por LER entenda-se as Lesões de Esforço Repetitivo. Por DORT, o Distúrbio Ósteo-Muscular Relacionado ao Trabalho. 14 MELLO, R. S. de. Op. cit., p. 113-4. 15 Idem, p. 114.
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Aquando dessa paralisação, nenhuma punição, decorrente do exercício desse direito, lhe poderá ser aplicada, inclusive não há faltas a descontar, porque, como prevê o art. 21 da mesma Convenção, “as medidas de segurança e higiene do trabalho não deverão implicar nenhum ônus financeiro para os trabalhadores”.
Sem dúvida, a resposta é afirmativa. E existem diversas situações que, coletiva ou individualmente, podem ser justificadoras de sua prática. É Raimundo Simão de Melo quem elenca alguns desses pressupostos para a greve ambiental trabalhista, chamando-os de riscos comuns e riscos incomuns.
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esse mecanismo sempre foi entendido como de exercício coletivo. Pois bem, inúmeros exemplos de greve individual podem ser encontrados. Vejamos: admitamos um posto de saúde, em uma cidade do interior, onde exista apenas um médico. Este profissional, porque o local de seu trabalho não possui as mínimas condições de higiene e existe constante falta de material para as diversas atividades que deve desenvolver, prejudicando sua atividade e, consequentemente, pondo em risco a saúde de terceiros (os pacientes), pode promover a interrupção de seu trabalho. Ele estará exercendo sua greve ambiental trabalhista individual.
reivindicações do trabalhador relativamente à sua segurança pessoal para manter incólumes sua saúde e sua vida.
Outro caso: o único responsável pelo sistema de manutenção de uma usina termoelétrica não possui condições de continuar exercendo sua atividade porque falta os equipamentos de proteção individual necessário e, por isso, paralisa seu serviço até que o material de segurança lhe seja fornecido. Igualmente estará exercendo sua greve ambiental trabalhista individual, porque a segurança de que trata a Convenção nº 155 não deve ser vista apenas no sentido de garantir a saúde do empregado, mas de proteger sua vida, indispensável para que se possa falar em saúde.
A greve ambiental trabalhista é perfeitamente compatível com o Direito brasileiro. Está implícita em diversas normas internas do ordenamento jurídico do Brasil, como o art. 161, § 6º, da CLT, e a NR 22 da Portaria nº 3214/74, especialmente no 22.5.1. E na legislação de alguns Estados, como São Paulo, no § 2º do art. 229 da sua Constituição, e o art. 9º da Lei Estadual nº 9.505/1997.
Igualmente poderia ser verificada a seguinte situação: em um determinado local, um estabelecimento bancário instalou um posto avançado de atendimento, designando um único empregado para trabalhar ali, no qual havia diversos caixas eletrônicos. Não foram colocadas câmeras de monitoramento, nem havia qualquer espécie de segurança para proteger o trabalhador. Ante o iminente risco para sua vida e segurança, esse empregado paralisou as atividades do posto até que condições mínimas de proteção fossem implementadas. Note-se que a falta de segurança e um eventual assalto no qual o bancário fosse vitimado poderia, como tem acontecido com bastante frequência, gerar indenização por danos morais. Isto poderia ser evitado se, em tendo havido a paralisação individual, fossem atendidas as
Esses exemplos podem ser, igualmente, vistos sob o aspecto coletivo, o que é mais comum, embora os casos hipotéticos individuais citados anteriormente devam ser considerados, desde que constatada alguma causa de possibilidade de dano à saúde do trabalhador ou de terceiros (caso do médico que paralisa no posto de saúde).
CONCLUSÃO
Porém, como podem ser suscitadas dúvidas, a greve ambiental está expressamente prevista no art. 13 da Convenção nº 155 da OIT, que, porque ratificada regularmente por nosso País, embora antes da Emenda Constitucional nº 45, e, portanto, fora do alcance da regra contida no § 3º do art. 5º da Constituição de 1988, equivale à lei ordinária federal. Com efeito, para sua implementação, os seguintes pontos precisam ser observados com rigor: 1. Não precisa haver intervenção do sindicato de trabalhadores; 2. Pode ser praticada individual ou coletivamente; 3. Deve ser destinada apenas a cuidar de temas ligados a condições ambientais de trabalho, sem qualquer outro tipo de reivindicação;
4. Trata-se de hipótese de interrupção do trabalho, com direito ao salário do período de paralisação, não se tratando de suspensão do contrato, que se aplica apenas às greves tradicionais; 5. É indispensável que haja pré-aviso ao empregador da condição danosa, motivo da paralisação que vai ser iniciada; 6. Retorno às atividades tão logo seja superada a situação de perigo para o trabalhador ou para terceiros.
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É certo que haverá alguma dificuldade para ser entendida a possibilidade da prática dessa greve. No entanto, o bem estar do trabalhador e de terceiros que dependam de sua atividade justifica a sua realização, devendo, para evitá-la, o empregador implementar todos os instrumentos indispensáveis à garantia da completa saúde, segurança, higiene do ambiente de trabalho. Os beneficiados serão todos: o trabalhador, que não correrá risco de adquirir doenças profissionais e danos maiores à sua saúde; ao empregador, que terá mão de obra mais qualificada e disposta a melhorar a produtividade; e à sociedade, que não sofrerá com atividades que, ao cabo, poderão também lhe atingir.
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Doutrina
Feminicídio: Aprovada a Lei nº 13.104/2015 e Consagrada a Demagogia Legislativa e o Direito Penal Simbólico Mesclado com o Politicamente Correto no Solo Brasileiro EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós-Graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na Graduação e na Pós-Graduação da Unisal, Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
Oriunda da CPMI de Violência contra a Mulher no Brasil e do Projeto de Lei do Senado nº 292, de 2013, vem a lume a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que cria mais uma forma qualificada de homicídio no Código Penal brasileiro, além de novas causas especiais de aumento de pena, bem como altera a redação da Lei nº 8.072/1980 (Lei dos Crimes Hediondos). O atual trabalho consiste em uma atualização dos comentários feitos anteriormente ao Projeto de Lei do Senado supramencionado, tendo em vista a edição da Lei nº 13.104/2015, que, aliás, não corresponde exatamente ao projeto original.
O art. 121 do CP, que prevê o crime de homicídio, era até então dotado de seis parágrafos, sendo que o seu § 2º, I a V, previa as qualificadoras que levavam a pena de reclusão do homicídio simples de 6 a 20 anos para 12 a 30 anos. A legislação inovadora cria um inciso VI no § 2º do art. 121 e ainda um § 2º-A para o fim de regular o que se convencionou chamar de “feminicídio” e que configura uma nova forma qualificada de homicídio, tendo por vítima mulher em situação da chamada “violência de gênero”. A pena cominada não difere das demais formas de homicídio qualificado, permanecendo nos limites da reclusão, de 12 a 30 anos. Não obstante, são criadas causas especiais de aumento de pena em um novo § 7º, incisos I a III. Esses aumentos apresentam a possibilidade de variância de 1/3 até a metade e se referem aos seguintes casos: I – vítima gestante ou nos 3 meses posteriores ao parto; II – vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; III – quando o feminicídio ocorre na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Anote-se que esses aumentos são específicos para a figura do feminicídio, não se estendendo para os demais casos de homicídio, ainda que qualificados. Outra alteração é a inclusão do novo inciso VI do § 2º do art. 121 do CP entre as formas qualificadas de homicídio que são consideradas como crime hediondos, de acordo com a nova redação dada ao art. 1º, I, da Lei nº 8.072/1990 pelo art. 2º da Lei nº 13.104/2015. Essa alteração é muito relevante porque, em caso de hipotético esquecimento do legislador (o que, diga-se de passagem acontecia
O PLS 292/2013 apresentou, na época, uma “Justificação” que fazia referência à violência contra a mulher em todo o mundo, e especialmente no Brasil, apontando dados e estatísticas de órgãos internacionais como a ONU. O foco é principalmente a situação em que a morte é imposta à mulher em circunstância de violência doméstica e familiar, bem como a disseminada impunidade desses crimes. Legislações semelhantes e com nomen juris também similares (v.g., “femicídio”, “assassinatos relacionados a gênero”, “violência feminicida”) são encontráveis em diplomas penais no México, na Guatemala, no Chile, em El Salvador, no Peru, na Nicarágua e na Argentina. Segundo o texto de justificação do PLS 292/2013, a primeira vez em que o termo “feminicídio” foi utilizado foi nas Conclusões Acordadas da 57ª Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher da ONU, cujo texto foi aprovado em 15 de março de 2013. Logo em abril do mesmo ano vem a aprovação, pela Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal do Escritório da ONU para Drogas e Crime, de um projeto de resolução contendo
recomendação à Assembleia Geral da ONU e incentivando os Países-membros a tomar providências quanto ao “feminicídio”. Nenhuma pessoa em sã consciência pode ser favorável ou sequer indiferente à prática de violência contra mulheres, pior ainda à prática de homicídio contra estas. Qualquer um que tenha uma mentalidade favorável ou indiferente a essas barbaridades somente pode ser classificado, sem peias, como alguma espécie de canalha ou psicopata. Essa conclusão não se altera se a vítima é um homem. A violência contra o ser humano (homem ou mulher), especialmente o homicídio, é inaceitável. Discute-se muito sobre a existência ou não de um conceito material de crime e o homicídio parece ser um exemplo inescapável de uma conduta criminosa não apenas convencionalmente, mas pela própria natureza, desde que se tome por base a necessidade humana de convívio social. De acordo com a letra da lei e conforme o supramencionado, o simples fato de ser uma mulher o sujeito passivo de um crime
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no projeto) certamente uma celeuma iria se criar. Alguns iriam defender a tese de que mesmo sem a alteração, tratando-se de nova modalidade de homicídio qualificado, por razoabilidade e isonomia, o crime deveria ser considerado hediondo. Outros, por seu turno, diriam que tal manobra seria impossível devido à flagrante violação do princípio da legalidade e utilização de analogia in malam parten no Direito Penal, já que não constaria do rol taxativo de crimes hediondos. Desse modo se pugnaria pela alteração urgente da Lei nº 8.072/1990 e, enquanto isso, ter-se-ia de conviver com uma situação absurda, ou seja, um crime de homicídio qualificado que não seria hediondo. No entanto, o legislador não cometeu esse olvido na edição da Lei nº 13.104/2015 e, assim, evitou qualquer discussão. O feminicídio é, sem qualquer margem de dúvida, crime hediondo.
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de homicídio não é suficiente para caracterizar o “feminicídio”. Este somente estará configurado se essa forma “extrema de violência” contra a mulher, que a leva à morte, for perpetrada em um contexto de “violência de gênero”. Portanto, tratar-se-ão de homicídios que ocorram em situações em que o agressor mate a mulher em uma atitude de exercício de um suposto “direito de posse” ou de “domínio pleno” sobre a vítima. Perceba-se que a qualificadora do feminicídio não é objetiva como pode parecer em uma análise perfunctória. Não basta que a vítima seja mulher (fato objetivo), mas a isso deve aliar-se o dolo específico de que a morte tenha por motivação a violência de gênero, o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher. Dessa forma, a qualificadora em estudo é de natureza subjetiva e, portanto, incompatível com o homicídio privilegiado (art. 121, § 1º, do CP), que prevê diminuições de pena, todas elas de natureza também subjetiva. Ou seja, na figura do feminicídio não é possível o reconhecimento do chamado “homicídio privilegiado-qualificado”, mas tão somente do homicídio qualificado.
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Como aduz Cunha: “A incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade”1.
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Obviamente, a vítima do “feminicídio” somente poderá ser uma mulher. Já o autor do crime em geral será um homem, mas nada impedirá que uma mulher atue como coautora ou partícipe. Além disso, tendo por base a Lei nº 11.340/2006, não é totalmente afastável a hipótese de que uma mulher possa ser sujeito ativo do crime de “feminicídio”, desde que esteja atuando em uma relação de “violência de gênero” contra a vitimada. Por exemplo, se uma mãe mata a própria filha porque não quer permitir que 1 CUNHA, Rogério Sanches. Lei do Feminicídio: breves comentários. Disponível em: <www.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 11 mar. 2015.
esta estude e pretende lhe impor um papel social estritamente feminino, segundo uma visão que divide de forma estanque as funções sociais de homens e mulheres (inteligência do art. 5º e seu parágrafo único da Lei nº 11.340/2006, que, aliás, não exclui da violência de gênero as relações homoafetivas). Este é o espírito da legislação sob comento, embora a “teoria de gênero” e o seu aviltamento à natureza humana em matéria sexual já tenha sido muito bem denunciada por autores como Jorge Scala, que sequer admitem a existência de uma “teoria”, mas de uma pura e simples “ideologia de gênero” no seio da qual o que seria sociologia, história, direito, filosofia se transforma imediatamente em puro jogo de poder, ou seja, política em seu sentido mais mesquinho, que é o de simples luta pelo Poder ao custo inclusive da verdade2. Falando em gênero e as suas polêmicas, uma questão bem posta é a seguinte: Poderá um transexual ser vítima de feminicídio? Um primeiro aspecto é induvidoso: não se tratando de transexual, mas de homossexual masculino que não tenha alterado o seu sexo anatômica e juridicamente, é claro e evidente que não poderá ser vítima de feminicídio. Isso seria realmente dar à “ideologia de gênero” uma amplitude paroxística e absurda. Como bem destaca Cunha sobre o tema do transexual, porém, podem surgir duas correntes de pensamento: Em eventual resposta à indagação inicial pode ser observadas duas posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual, geneticamente, não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de 2 SCALA, Jorge. Ideologia de gênero. São Paulo: Katechsis/Artpress, 2011. passim. O autor centraliza a sua crítica principalmente no fato de que a ideologia de gênero pretende fazer do sexo algo que pode ser objeto de “vontade”, e não resultado da natureza, bem como as terríveis consequências que essas distorções da realidade podem trazer consigo.
Analisando a questão sob o prisma estritamente jurídico, parece que realmente assiste razão ao entendimento de que o transexual devidamente reconhecido como mulher no registro civil e com alterações em sua genitália pode perfeitamente ser vítima de feminicídio e, não somente isso, passa a fazer jus a toda proteção jurídica diferenciada concedida às mulheres nas mais várias searas (v.g., Lei nº 11.340/2006, legislação trabalhista, civil, etc.). Este também é o entendimento de Rogério Greco: Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal.4
Não obstante, como já dito neste texto, há sim algo de bastante real e palpável no que diz respeito à violência contra a mulher, inclusive em situações que se adequariam ao que se convencionou chamar, por caminhos tortos ou não, de “violência de gênero”. Qualquer pessoa tem em sua experiência de vida o conhecimento de casos de crimes passionais que, realmente, em sua grande maioria têm por vítima mulheres. Dessa maneira, não se pode objetar que um criminoso que mata uma mulher porque a considera uma espécie de objeto, de propriedade, de
3 CUNHA, Rogério Sanches. Op. cit. 4 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 16. ed. Niterói: Impetus, v. I, 2014.
animal sobre o qual tem poder de vida e morte, deva ser tratado com exemplar rigor pela legislação penal. O grande problema, que torna a lei enfocada mais um triste exemplo de um Direito Penal meramente simbólico, totalmente inútil e demagógico, é o fato de que o homicídio de uma mulher nessas circunstâncias sempre foi, desde 1940, com a edição do Código Penal brasileiro, uma espécie de homicídio qualificado. Nessa situação, a qualificadora do “motivo torpe” estaria obviamente configurada e a pena é exatamente a mesma, ou seja, reclusão, de 12 a 30 anos (vide art. 121, § 2º, I, in fine, do CP). A grande questão que se impõe é: Para que serve, então, o alardeado “feminicídio”? E a resposta clara e evidente é: Para nada! Após o advento do “feminicídio”, o que melhorará na vida das mulheres em risco de sofrerem violência ou mesmo serem assassinadas por seus algozes? Rigorosamente nada! O que era um crime qualificado continua sendo e a pena continua a mesma. Afora o fato já mais do que repetido pelos estudiosos do Direito de que a seara criminal não é a panaceia para todos os males, a criação de um novo tipo penal ou, pior, a mudança do nome de uma conduta já prevista como crime, da mesma forma e com a mesma pena, não é e nunca será a solução para qualquer problema social ou conflitivo. Essa é base do Direito Penal simbólico: fingir que não se sabe dessas constatações há tempos disseminadas pela melhor doutrina e pela ciência criminal. Fingir que não sabe o que na verdade sabe e seguir produzindo leis inúteis, mas que rendem para certas pessoas e perante determinados grupos dividendos políticos. Enquanto isso, mulheres e homens continuarão sendo mortos entre 50 mil e 70 mil homicídios/ano no Brasil.
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conformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa portadora de transexualismo transmude suas características sexuais (por cirurgia e modo irreversível), deve ser encarada de acordo com sua realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação de registro civil.3
Em suma, de forma alguma age o Legislativo brasileiro seguindo o conselho corretíssimo de Karl Binding, no sentido de que “o
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legislador sábio deve fazer como o bom cirurgião: só recorre à faca onde há enfermidade”5. Na “Justificação” do PLS 292/2013, a ignorância jurídico-penal, mesclada com a demagogia típica de cultores do Direito Penal simbólico, resta mais do que evidente:
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A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional”. Envia, outrossim, mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade. Protege ainda a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas.6
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Note-se que, pelo que consta da passagem supra, a lei penal é, então, uma espécie de panfleto feminista. Utiliza-se a via da lei penal para denunciar uma situação fática. Essa não é a função da lei penal e, aliás, de nenhuma lei. As leis servem para regular a conduta humana, tornando o convívio social pacífico possível, sabendo-se sempre que haverá um grau suportável de conflito. Lei alguma tem por objetivo ou deveria ter o uso panfletário, a denúncia. Ora, isso é função de discursos políticos, de mobilização social, não de leis. O que fundamenta essa objeção é não somente a natureza das leis ao longo da história humana, mas simplesmente o fato de que a lei não exerce a contento essa função ali exposta.
5 LEITE, Alaor. Ciência em tempos de reforma penal: a hora e a vez da ciência jurídico-penal brasileira. Boletim IBCCrim., n. 264, p. 18, nov. 2014. 6 Justificação do PLS 292, de 2013. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 22 dez. 2014.
No seguimento, vem a “Justificação” alegar que a criação do “feminicídio” iria por cobro à impunidade, que iria impedir interpretações anacrônicas e moralmente inviáveis em casos de homicídios de mulheres. Mais ainda, iria impedir a ilação de que em um caso de morte de mulher se chegasse à conclusão de que houve um “crime passional”! As asneiras expostas nessa parte do enunciado são tão abrangentes que devem ser analisadas separadamente. Primeiro, a questão do combate à impunidade mediante a criação de uma nova qualificadora no homicídio ou em qualquer crime. Não há nada mais evidenciado pela ciência criminal e pela própria experiência mundial, e principalmente brasileira, do que o fato de que a criação de novas modalidades penais em nada, absolutamente nada, alteram a questão da impunidade. Uma afirmação como essa somente pode ser feita por alguém que desconhece completamente os mais básicos conceitos criminológicos como os de criminalização primária (previsão legal do crime) e criminalização secundária (efetiva aplicação adequada da lei)7. Como bem lembram os autores lusitanos Figueiredo Dias e Costa Andrade: Efetivamente, como agora se ganhou clara consciência, ao projetar-se sobre a realidade, a lei criminal sofre a refração devida aos second-codes das instâncias de criminalização secundária. O que vale também por dizer que a política criminal – formalmente legitimada através da (e plasmada na) lei criminal – sofre a concorrência das políticas informais daquelas instâncias, as quais podem inclusivamente frustrar as reformas legislativas mais audaciosas.8 7 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 161. 8 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia – O
Note-se que, para a superação desse nominalismo mágico, não seria preciso o esforço de leitura de obras filosóficas complexas ou grandes tratados de lógica ou ciência, nem mesmo da área jurídica. Bastaria aos nossos legisladores um simples passar de olhos pela Bíblia, mais especificamente na Carta de São Paulo aos Coríntios, onde afirma: “Deus nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito. Pois a letra mata, e o espírito dá vida” (grifo nosso)9. Ainda que não se olhe para o texto com um viés místico ou teológico, a mensagem é clara no sentido de que palavras ou nomes nada significam, mas sim o espírito que os anima. Ora, seja a qualificadora do homem delinquente e a sociedade criminógena. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1997. p. 391. 9 Paulo, 2Co, 3:6.
“motivo torpe”, seja o “inovador” [sic] “feminicídio”, dependem e sempre dependerão da disposição dos intérpretes e das circunstâncias concretas. Não há mágica, muito menos “nominalismo mágico” que seja capaz de transformar a realidade. Em seguida vem a afirmação de que a criação do “feminicídio” no Código Penal brasileiro iria ter o condão de evitar “interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis”. Certamente um dos alvos não expressamente mencionados nessa passagem é a questão da chamada “legítima defesa da honra” [sic] em casos de adultério, quando o homem traído tira a vida da mulher. Em primeiro plano, é preciso dizer que a honra é um bem jurídico passível de ser objeto de legítima defesa, desde que dentro dos estreitos limites impostos por essa excludente de ilicitude (art. 25 do CP), vez que não se faz distinção para tal fim entre bens jurídicos materiais e imateriais10. Com isso, obviamente não se pretende dizer que a chamada “legítima defesa da honra” [sic] do matador de mulher possa sequer ser passível de consideração quanto à caracterização dessa excludente. A situação claramente não satisfaz os requisitos da legítima defesa de acordo com o art. 25 do CP, com especial destaque para os “meios necessários” e a “injusta agressão atual ou iminente”. Ademais, como muito bem destaca Mirabete, “a honra, [...], é atributo pessoal ou personalíssimo, não se deslocando para o corpo de terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido adúltero”11. Acrescente-se a tudo isso o fato da absoluta ilogicidade dessa suposta “legítima defesa da honra” [sic], eis que se alguém viola os deveres de fidelidade conjugal assumidos civilmente (e até religiosamente, em muitos casos), o desonrado, quem comete uma desonra a si mesmo é o cônjuge infrator, e não 10 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 16. ed. Niterói: Impetus, v. I, 2014. p. 342. 11 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. 30. ed. São Paulo: Atlas, v. I, 2014. p. 170.
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A conclusão cristalina a que se chega é que somente se pode falar em colmatar uma situação de impunidade por meio de uma lei penal quando eventualmente se criminalize uma nova conduta, sem previsão anterior, a qual era praticada impunemente exatamente por falta de uma norma penal adequada. Fora isso, principalmente mediante a criação de novos nomen juris, uso de termos da moda internacional, como é o caso do “feminicídio” e outras estratégias meramente simbólicas, politiqueiras e midiáticas, nada de bom pode resultar. Perceba-se que tudo isso não passa de mudar nomes, como se os nomes dados às coisas tivessem um poder mágico. Digo “abracadabra” e um coelho sai da cartola; digo “feminicídio” e as mulheres ganham um halo protetor e não são mais vítimas de homicídio ou, se o são, todos os infratores são imediatamente presos e condenados a penas rigorosas. Antes, com o nomen juris de “motivo torpe” isso era impossível! O leitor poderá encontrar coisas similares na literatura fantástica brasileira (v.g., “Aventuras de Narizinho”, de Monteiro Lobato) ou universal (“As mil e uma noites”, de autor anônimo, ou “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll).
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aquele que foi traído. Portanto, sequer há qualquer bem jurídico a ser defendido nesses casos. O que há é violência injustificável motivada por amor próprio ferido e sentimentos mesquinhos de posse e orgulho. Muito longe de configurar alguma modalidade de legítima defesa, essas situações em que cônjuges, namorados, noivos, etc. matam uns aos outros por ciúmes são típicos exemplos de “motivo torpe” que qualifica o homicídio. Mas, hoje, com o advento do “feminicídio”, perceba-se que há uma diferença: se o homem traído mata a mulher, a qualificadora é a do “feminicídio”; se a mulher traída mata o homem traidor, a qualificadora é a do “motivo torpe”. As penas são as mesmas. Indaga-se: Qual a utilidade disso?
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Certamente se alegará com razão que a maior parte desses homicídios devido à traição amorosa ou ao mero desenlace de uma relação tem como vítimas mulheres, embora haja casos de homens vitimados. Pergunta-se: E daí? O que muda com a troca do nomen juris e a criação do novo inciso da qualificadora? Resposta: Nada!
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Mas se alegará ainda que as decisões judiciais são muito mais benéficas para os homens nessas situações do que para as mulheres, ou seja, os clássicos reconhecimentos da malfadada “legítima defesa da honra” [sic] normalmente envolvem homens matadores e mulheres vitimizadas. Isso também é verdade, mas também não altera o quadro no sentido de que a mera mudança nominal e topográfica da qualificadora é totalmente improdutiva. Além disso, é também preciso reconhecer que o anacronismo está presente na pretensão de que esse reconhecimento de “legítima defesa da honra” [sic] em casos que tais seja, hoje, algo natural e corriqueiro. Em termos doutrinários e jurisprudenciais, essa espécie de tese é praticamente indefensável na atualidade. É claro que, sendo o homicídio um crime submetido ao julgamento no Tribunal do Júri (crime doloso contra a vida, nos termos do art. 5º, XXXVIII, d, da CF), onde funcionam “Juízes Leigos” ou “Jurados”, um advogado ardiloso pode muito bem lograr, em
certos rincões, obter uma vitória com essa tese superada. E isso muda com o surgimento do “feminicídio”? Resposta: Não! Pelo simples fato de que o Júri continuará sendo formado por leigos, e mais: é dotado de soberania de veredictos pela Constituição Federal, de modo que até mesmo a apelação de suas decisões é limitada (art. 5º, XXXVIII, c, da CF). Um caso como esse, em que a autoria e a materialidade do crime estão plenamente comprovadas e não há de forma alguma os requisitos de uma verdadeira legítima defesa, a decisão dos jurados é absolutamente contrária à prova dos autos, o que enseja a possibilidade de apelação. No entanto, devido à soberania dos veredictos já mencionada, o Tribunal ad quem irá dar provimento ao recurso para submeter o réu a novo julgamento pelo Júri. O Tribunal não alterará diretamente o decisum. Nesse novo Júri, se a decisão for a mesma, não caberá nova apelação, pois o recurso com base nesse fundamento só é permitido uma única vez (vide art. 593, III, d e § 3º, do CPP). Enfim, com o nome de “motivo torpe” ou de “feminicídio” na qualificadora, se o Júri acatar a tese esdrúxula da suposta “legítima defesa da honra” [sic] e insistir nela, nada haverá a fazer. Então, novamente indaga-se: O que mudou? Resposta insistente: Nada, absolutamente nada! Ocorre que a enxurrada de besteiras não para por aí. Segue o texto da “Justificação” da legislação em comento afirmando que a criação do milagroso “feminicídio” será capaz de impedir o reconhecimento de que um homem que mata uma mulher por questões de relações amorosas cometeu “crime passional”. A coisa já degringola de início, porque, se é o “feminicídio” que tem o poder oculto de ocasionar esse prodígio, então estaríamos diante de uma situação muito estranha. Vejamos: um homem mata a sua namorada, por exemplo, porque a surpreende na cama com outro homem. Esse não é um “crime passional” porque existe o maravilhoso e miraculoso “feminicídio”, que tem o condão de anular as paixões humanas, digo (perdão pelo equívoco), as paixões humanas não, apenas as paixões dos
Há que compreender, porém, que também há um componente de profunda ignorância criminológica nessa afirmação esquisita de que o “feminicídio” acabaria com o fenômeno dos “crimes passionais”. Há uma indevida confusão entre o que seja um “crime passional” com aquilo que seja um crime que possa encontrar uma causa de justificação (v.g., legítima defesa, estado de necessidade, etc.) ou ao menos uma razão para abrandamento da pena (v.g., privilégios como domínio de violenta emoção, relevante valor moral – art. 121, § 1º, do CP). Ora, o fato de um crime ser catalogado criminologicamente como “passional” nada tem a ver com a sua justificabilidade ou possibilidade de abrandamento penal. Bem explica Rabinowcz que o “crime passional” tem como fator de impulsão o instinto sexual e o sentimento de posse sobre o outro, de modo a arrastar “atrás de si os inumeráveis males e os furores sem nome, é ele que alimenta o exército do crime”. E prossegue: O amor sexual é egoísta, profundamente egoísta. Trata-se o objeto do desejo como uma propriedade que se pode utendiet abutendi, de que se tem o direito de dispor livremente, que se pode sequestrar unicamente para nós, roubando-a ao mundo inteiro, para a gozarmos à nossa vontade.12 12 RABINOWCZ, Léon. O crime passional. São Paulo: AEA Edições Jurídicas, 2000. p. 62.
Será que uma mera mudança de nome e de posição topográfica de uma qualificadora do homicídio seria capaz de dar cabo de uma paixão destrutiva humana (comum a homens e mulheres) que configura uma categoria criminológica? É claro que não! Isso somente pode passar pela cabeça de pessoas que não têm a mais mínima noção sequer das diferenças entre Criminologia e Direito Penal. É interessante ainda salientar sobre este tema a relevante contribuição de Magalhães Noronha, expondo os equívocos interpretativos ocorridos perante os estudos dos homicidas passionais pela Escola Positiva, demonstrando o autor que o criminoso passional geralmente não merece qualquer consideração em termos de benefícios legais13: O assunto traz à baila a paixão amorosa. A Escola Positiva exaltou o delinquente por amor e foi o bastante para que por passional fosse tido todo matador de mulher, esquecendo-se dos característicos que aquela apontava. A verdade é que, via de regra, esses assassinos são péssimos indivíduos: maus esposos e piores pais. Vivem sua vida sem a menor preocupação para com aqueles por quem deviam zelar, descuram de tudo, e um dia, quando descobrem que a companheira cedeu a outrem, arvoram-se em juízes e executores. A verdade é que não os impele qualquer sentimento elevado ou nobre. Não. É o despeito de se ver preterido por outro. É o medo do ridículo – eis a verdadeira mola do crime. Esse pseudo – amor não é nada mais do que sensualidade baixa e grossa...14
O final do texto da “Justificação” anteriormente transcrito nos demonstra com clareza solar o simbolismo puro contido na 13 E lembremos que Magalhães Noronha não é um homem da atualidade, viveu entre os anos de 1906 a 1982. 14 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1990. p. 21.
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homens (homens aqui no sentido estrito e não genérico de ser humano). Por outro lado, se uma mulher surpreende o namorado nas mesmas condições e comete o mesmo ato tresloucado, então será possível afirmar que foi um “crime passional”, já que nesse caso não se trata da aplicação da “palavra mágica” do “feminicídio”! Perceba-se a que grau de insanidade se pode chegar pelas vias do politicamente correto mesclado com o Direito Penal simbólico.
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novel legislação ao asseverar que se trata de uma “mensagem positiva à sociedade” quanto à universalidade do direito à vida, de um não à impunidade, do respeito pela dignidade da vítima. Ora, uma lei não é uma poesia, uma música ou uma exortação. É preceito prático para aplicação e resultado, o resto é simbolismo e demagogia baratos. Observe-se que, ao afirmar que uma legislação deve ser pensada como aplicação prática e com vistas a resultados, não significa que ela deva estar vazia de conteúdos, inclusive éticos e morais, de valores e imbuída de intenções benéficas para a paz social. Significa que tudo isso deve ser autêntico e não malversado, contrafeito ou cosmético com alterações nominalistas inócuas e enganadoras.
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O fechamento se dá com a afirmação de que o advento do “feminicídio” irá obstar eventuais estratégias midiáticas ou defensivas de “desqualificação das vítimas mulheres “brutalmente assassinadas” com a injusta atribuição da responsabilidade do crime a elas próprias. Eis aí outra impossibilidade prática. Será que com a criação do miraculoso “feminicídio” doravante não será mais possível alegar, por exemplo, que uma mulher atacou um homem e que este a matou em legítima defesa, não da honra, mas em legítima defesa própria devido a um ataque físico? Aliás, isso não pode acontecer realmente? Ou será que antes podia e agora, com o advento do “feminicídio”, não pode mais? Um advogado de um suposto criminoso (não se pode olvidar a presunção de inocência – art. 5º, LVII, da CF) não poderá mais sustentar, no plenário do Júri, em face da “plenitude da defesa” constitucionalmente estabelecida (vide art. 5º, XXXVIII, a, da CF) a tese, por mais insustentável que seja, de “legítima defesa da honra” [sic]? É claro e evidente que o simples surgimento de um nomen juris jamais irá alterar essas coisas. A sociedade não evolui em saltos, muito menos por obra de pessoas que se julgam milagreiras, demiurgas de um mundo melhor erigido por palavras mágicas ou por um novo vocabulário politicamente correto.
Neste ponto, vale anotar que durante os debates do PLS 292/2013 constam das atas várias manifestações dos políticos envolvidos (que eles me perdoem por não dizer “políticos e políticas”) onde esse vocabulário politicamente correto, essa espécie de “novilíngua” militante, se faz ostensivamente presente em redundâncias medonhas. A língua portuguesa é uma expressão feminina (por isso se diz “a língua portuguesa”, e não “o língua portuguesa”). Bem, tendo isso em conta, metaforicamente pode-se afirmar que há uma violência, senão um assassinato da língua portuguesa, um verdadeiro “feminicídio” quando nessas discussões se constatam manifestações como: “Bom dia a todas e a todos”! “Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas”! Tudo isso repetido ad nauseam15. Observe-se ainda que, na descrição legal do “feminicídio”, no bojo do projeto – depois não constou da redação final dada à Lei nº 13.104/2015 –, uma das circunstâncias então previstas se refere à “mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte”, o que efetivamente ocorre com a língua portuguesa nesses casos. Mas isso não é novidade, já não choca mais ninguém e se sabe que a lei vem encabeçada pela designação da Presidente da República como “Presidenta” [sic], olvidando-se, inclusive, que não se trata de usar uma palavra que é masculina por força de alguma “tradição patriarcal machista e opressora” [sic], mas que toda palavra terminada em “ente” tem o significado de alguém que exerce uma dada função, pois que “ente” é o “ser”, aquele que age, que atua. Por isso há um Presidente, seja ele homem ou mulher. Presidente é aquele(a) que preside. Parturiente é aquela e sempre aquela que dá a luz, não vamos designá-la como “parturienta” [sic]. A chama é ardente e não “ardenta”. O médico atende ao paciente, e não à “pacienta”. E assim por diante16. 15 Confira o leitor: Justificação do PLS 292, de 2013. Disponível em: <www. senado.gov.br>. Acesso em: 22 dez. 2014. 16 Vide sobre o tema irreverente e esclarecedor artigo: FONTES, Hélio. Presidente ou Presidenta? Disponível em: <www.jusbrasil.com.br>. Acesso em:
Se um dia pudessem alguns compreender o texto de Paulo Queiroz, talvez toda essa confusão se desfizesse como névoas que se dispersam com o sol17. O autor chama a atenção para a insuficiência do próprio conceito de tipicidade com o desenvolvimento da ciência penal. A sua definição corrente é a de mera subsunção de uma conduta a uma descrição contida na lei penal. Essa descrição da tipicidade, embora não incorreta, torna-se “extremamente restritiva” e, por isso, “imprecisa”. Lembra-nos a definição correta de homem construída na Academia de Platão como “um bípede implume”. Ela é uma definição correta, realmente todo homem é um bípede e não tem penas, mas não é precisa, não é suficiente para definir a essência de um homem ou do homem em geral. Tanto é assim que os grandes inimigos da Academia, os Cínicos, ao saberem do fato, apresentaram uma galinha depenada e disseram sarcasticamente: “Eis aí o homem”!18 22 dez. 2014. Observe-se que a palavra “Presidenta” consta de dicionários e inclusive o seu uso é determinado para redação de textos legais pela Lei nº 2.749/1956. Entretanto, isso não significa que não se trata de uma palavra mal formada, agregada ao dicionário ideologicamente e objeto de uma legislação também ideológica. 17 QUEIROZ, Paulo. O que é tipicidade hoje? Boletim IBCCrim., n. 264, p. 16, nov. 2014. 18 A ESSÊNCIA do homem. O que é Filosofia? Disponível em: <http://www2. anhembi.br/html/ead01/filosofia/lu08/lo5/wo-essencia.htm>. Acesso em:
Sobre a noção corrente de tipicidade afirma Queiroz: Com efeito, sugere que a tipicidade seja uma simples descrição ou constatação quando, em verdade, é uma valoração complexa que envolve aspectos dogmáticos e político-criminais. Consequentemente, não é um ato descritivo, mas valorativo, atributivo. Não se trata de constatar algo preexistente, mas defini-lo socialmente, por meio do processo interpretativo. Afinal, não existem fenômenos jurídicos, nem jurídico-penais, mas uma interpretação jurídica e jurídico – penal dos fenômenos. Por conseguinte, não existem fenômenos criminosos, e sim uma interpretação criminalizante dos fenômenos; e, pois, tipificante, antijuridicizante e culpabilizante. A tipicidade não é um dado, mas um constructo.19
Trazendo à baila o ensinamento de Kaufmann, Queiroz lembra que a decisão sobre a tipicidade de um fato não se resume ao mero exercício de subsunção da conduta à norma, mas da realização de uma “analogia”, já que “o direito não é um saber lógico, mas analógico”20. Os crimes não são iguais uns aos outros, bem como não são também absolutamente diversos, apresentando pontos de semelhança e divergência, o que converge para o raciocínio analógico e não lógico ou direto21. Quem pensa que um nome ou mesmo uma alteração legal pode alterar todo um contexto da realidade do mundo da vida ou é por demais limitado sob o ponto de vista jurídico, social e filosófico, ou é mesmo mal intencionado e demagogo. A única dúvida que resta é qual é a pior hipótese: a incapacidade ou a má-fé? Afinal, que empecilho havia, que mal havia no nomen juris homicídio, sem a distinção do “feminicídio” e com a qualificadora 22 dez. 2014. 19 QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p. 16. 20 Idem, p. 16. Ver ainda no original: KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortez. Lisboa: Calouste, 2004. passim. 21 QUEIROZ, Paulo. Op. cit., p. 16.
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Essa construção verbal ou por categorias mentais da realidade efetivamente tem o poder de criar pessoas com o raciocínio embotado ao ponto de realmente acreditarem que uma mudança linguística pode operar milagres. No campo legal, isso gera uma crença equivocadíssima de que uma alteração vernacular, um neologismo importado da ONU, pode evitar toda a dinâmica da interpretação e aplicação da lei e da própria tipicidade frente ao mundo da vida.
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e mesma reação penal proporcionada pelo “motivo torpe”? “Homicídio” etimologicamente advém do latim tardio hominisexcidium, que tem o significado de “destruição do homem por outro homem”22. É mais que sabido que neste contexto a palavra “homem” é usada em sentido abrangente como sinônimo de “ser humano” (homem ou mulher). Entretanto, o politicamente correto, com a sua mania de atomizações e separações, vem emporcalhar algo adiafórico e que, por outro lado, ensejava uma visão do ser humano unificado, sem distinções, para criar uma divisão, uma atomização e um conflito artificial. Por isso, faz parecer que é premente a criação de um nomen juris especial para o assassinato de mulheres, devendo surgir o “feminicídio”. Agora já não lidamos com o ser humano que é humano e faz jus a esta consideração, a esta dignidade que lhe é inerente pelo simples fato de sua condição humana (masculina ou feminina). Não, agora há uma polarização entre homens e mulheres, vem a ideologia de gênero para dividir, para criar embate. E isso é uma verdadeira praga que tende a se alastrar com a criação aleatória de grupos conflitivos, onde nada disso havia ou, se havia, dever-se-ia pugnar pela eliminação do conflito e da polarização que somente geram violência e falta de solidariedade, e não por seu reforço. A continuar nessa senda, logo teremos o geronticídio para a morte de idosos, o infanticídio para a morte de crianças (e aí teremos que alterar o nomen juris do tipo penal do art. 123 do CP), o adolescenticídio para a morte de adolescentes, o homossexualicídio para a morte de homossexuais, o negricídio para a morte de negros, o branquicídio para a morte de brancos, o pobrecídio para a morte de pobres, o plutocídio para a morte de ricos, a mediocídio para a morte de pessoas da classe média23, o silvicolocídio para a morte de índios, e assim por diante, em uma insanidade infinita. 22 SILVA, Deonísioda. De onde vêm as palavras. 14. ed. São Paulo: A Girafa, 2004. p. 429. 23 E certa filósofa, a continuar com sua ladainha virulenta, passaria a praticar
Resta agora analisar como o legislador descreveu a conduta do feminicídio enquanto violência de “gênero”, perfazendo os seus contornos para uma diferenciação de qualquer outra morte que tenha por vítima pessoa do sexo feminino e, mesmo assim, configure um homicídio simples ou qualificado por outro motivo. Por exemplo, se há a morte de uma mulher, ainda que por um homem, em uma briga originada de um desentendimento no trânsito, temos um crime de homicídio qualificado por motivo fútil (art. 121, § 2º, II, do CP), e não o feminicídio, previsto no art. 121, § 2º, VI, do CP. Ou seja, não é todo homicídio de mulher que configura um feminicídio, mas apenas aqueles em que se revele a chamada “violência de gênero”. Para tanto, o inciso VI agora criado determina a qualificadora do feminicídio quando o homicídio é perpetrado “contra mulher”, mas não somente isso, adiciona um dolo específico: “por razões da condição de sexo feminino”. Ou seja, a morte deve ter por sujeito passivo uma mulher e (conjunção aditiva) deve dar-se especificamente devido à sua condição de mulher. A legislação ainda erige norma explicativa no § 2º-A, a fim de deixar bem claro o que seriam aquelas “razões de condição de sexo feminino” mencionadas no inciso VI. Segundo a lei, essas razões estariam presentes em dois casos: I – Violência doméstica e familiar; II – Menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Em linhas gerais, segue-se o critério da Lei Maria da Penha (art. 5º, I a III, da Lei nº 11.340/2006). No projeto, as hipóteses a serem incluídas no Código Penal eram mais restritas quanto às situações de violência doméstica e familiar contra a mulher. Enquanto apologia ao crime.
Assim sendo, pode-se dizer que a relação íntima de afeto entre a vítima e o agressor no presente ou no passado pode ter como exemplos: o namoro, o casamento, o noivado, a união estável. Como se fala que essa relação pode ser passada, ficam abrangidos os ex-namorados, ex-cônjuges, etc. No que diz respeito ao mesmo tema na Lei Maria da Penha, o STJ, por sua 6ª Turma, no HC 92875, já estabeleceu que a violência cometida por ex-namorado é abrangida por normas de especial proteção à mulher. No que tange ao parentesco, este pode ser consanguíneo (irmãos, pais, avós, netos, etc.) ou por afinidade (sogros, cunhados, etc.). É claro que neste caso, quando se fala em “presente ou passado”, somente se pode estar referindo ao parentesco por afinidade, já que o consanguíneo não se desfaz. Por outro lado, olvidou o legislador a menção do parentesco legal (v.g., filho adotivo). Na Lei Maria da Penha (art. 5º, II) também não há essa menção, mas isso não gera qualquer impedimento, já que, como já visto, a redação da Lei nº 11.340/2006 é bem ampla, admitindo pessoas que “são ou mesmo se consideram aparentados”, de modo que é mais que evidente que o parentesco legal está ali contido. Já, na legislação sob estudo, quando ainda em
projeto, não era assim. Somente se falava em consanguinidade e afinidade. Dessa forma, em se tratando de uma norma restritiva, que geraria uma qualificadora para o homicida, não seria possível aplicar a qualificadora do “feminicídio” em casos de parentesco legal por força do “princípio da legalidade”. Enfim, com a redação final dada à Lei nº 13.104/2015 ora vigente e a adoção da expressão aberta de violência doméstica e familiar, a situação fica equiparada à abertura possibilitada pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Assim sendo, a redação da Lei nº 13.104/2015 superou o projeto nesse aspecto. Mas será que aquele olvido do projeto era uma tragédia? Não, porque, como já visto, a norma que ora vem a lume é inútil. Se um filho adotivo matasse a própria mãe em situação de violência de gênero, o caso seria normalmente qualificado como “motivo torpe” (art. 121, § 2º, I, in fine, do CP) com a mesma pena, como sempre foi desde 1940. Observe-se, ainda, que, diversamente da Lei Maria da Penha, o projeto somente tutelava as relações familiares com a restrição supramencionada e as relações íntimas de afeto. Nada dizia a respeito da violência estritamente doméstica, conforme consta no inciso I do art. 5º da Lei nº 11.340/2006. Novamente, a superfluidade do “feminicídio” mostra a sua face porque se a morte da mulher se desse em circunstância de violência de gênero no âmbito doméstico, o crime continuaria, como sempre foi, qualificado por “motivo torpe”, embora não se pudesse aplicar o famigerado “feminicídio”. No entanto, atualmente, com a edição final da Lei nº 13.104/2015 esse suposto problema ou limite está totalmente superado, eis que, como já demonstrado, passa a legislação a fazer menção tanto à violência familiar como à doméstica (art. 121, § 2º-A, I, do CP). Em resumo, adota o Código Penal, para a caracterização do feminicídio, os mesmos critérios da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), coisa que, aliás, não poderia ser diversa.
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na Lei nº 11.340/2006 a violência doméstica se caracteriza, por exemplo, pelo mero convívio doméstico permanente “com ou sem vínculo familiar”, abrangendo até mesmo pessoas “esporadicamente agregadas”, no projeto era exigido o parentesco ou a relação íntima de afeto. Também o liame familiar da Lei Maria da Penha é bem mais aberto, admitindo os “laços naturais”, de afinidade ou mesmo aqueles criados por “vontade expressa” entre as pessoas. No Código Penal, se o projeto houvesse sido aprovado em seu formato original – o que não foi –, exigir-se-ia efetivo parentesco por afinidade ou consanguinidade. Quanto à relação íntima de afeto, entende-se que desde a redação projetada até a lei hoje aprovada se pode seguir os passos da Lei nº 11.340/2006, eis que o Código Penal não é específico.
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No projeto era prevista como caracterizadora da violência de gênero a circunstância de que no seio da conduta que ocasionasse o homicídio ocorresse a “prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte”. Aí então surgiria o “feminicídio”. Emergia aqui um problema gravíssimo de redação sob os pontos de vista jurídico, gramatical, filosófico e até médico. Nenhum óbice quando o legislador previa a circunstância do abuso sexual da vítima na prática da sua morte como ensejador do “feminicídio”. Porém, quando escrevia que essa violência sexual podia ser praticada “contra a vítima” (frise-se, “a vítima”) “antes ou após a morte” (frise-se, “após a morte”), penetrávamos no reino da absurdidade. Acontece que a violência sexual somente pode ser perpetrada contra “alguém”, ou seja, uma “pessoa”, uma “mulher” que para ser chamada de “alguém” ou “pessoa” tem necessariamente de estar viva. O cadáver, o morto, não é vítima de crime algum no ordenamento jurídico. Ele é coisa, objeto material, nunca sujeito passivo. Por isso é impossível praticar violência sexual contra “a vítima após a morte”! Nestes casos, a prática sexual sobre o cadáver constitui crime de vilipêndio a cadáver (art. 212 do CP), tem o cadáver como “objeto material” e a morta já não é vítima, já não é pessoa no mundo jurídico, gramatical, filosófico e mesmo médico. O cadáver é “coisa”, “res” sobre a qual se pode atuar de forma realmente abjeta, mas não é vítima de coisa alguma.
possa entender por vítima ou sujeito passivo de crimes ou mero objeto material destes.
Apenas para ilustrar no campo jurídico, o Código Civil estabelece, em seu art. 2º, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”, e, em seu art. 6º, que “a existência da pessoa natural termina com a morte”. Esse é um aprendizado de primeiro semestre de qualquer curso de Direito, mas o legislador brasileiro demonstrou uma atecnia avassaladora e vergonhosa na legislação projetada, mostrando-se incapaz de uma interdisciplinaridade muito simples e revelando, mesmo no campo penal, absoluto desconhecimento quanto ao que se
Para evitar exasperação de nossa parte e tédio do leitor, não iremos tecer novos comentários sobre a absurdidade da referência à “vítima” mutilada ou desfigurada “após a morte”. Remetemos o leitor às críticas anteriormente expostas ao referido projeto que, por felicidade, não se concretizou in totum. Apenas se faz mister esclarecer que eventual mutilação ou desfiguração do “cadáver” (objeto material e não vítima) configurará crime de destruição de cadáver (art. 211 do CP) ou mesmo vilipêndio a cadáver (art. 212 do CP), de acordo com as circunstâncias de
Portanto, acaso aprovado em seu formato original o projeto – o que felizmente não ocorreu –, teria sido preciso, com muita boa vontade, fazer uma releitura dessa sua disposição para compreender que o que ensejaria a caracterização do “feminicídio” seria a prática de atentado sexual contra a vítima (obviamente ainda viva). Por outro lado, também seria caracterizado o “feminicídio” quando houvesse práticas tais como a necrofilia ou o vampirismo (atos sexuais perpetrados em um cadáver), mas nesse caso esses atos não seriam perpetrados “contra a vítima”, mas no “cadáver”. Felizmente o legislador extirpou essa monstruosidade da redação final da Lei nº 13.104/2015, deixando apenas a caracterização do feminicídio pelas motivações específicas da condição de mulher da vítima em situação de violência doméstica e familiar ou em menosprezo ou discriminação à condição da mulher, o que, certamente, abrange os atos antes previstos (mal previstos) no projeto. Outra condição prevista no projeto para configuração do feminicídio que foi eliminada e substituída pela redação mais genérica supracitada foi a “mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte”.
Por fim, é preciso observar que não é somente na condição de violência doméstica e familiar contra a mulher que se caracteriza o feminicídio, mas em qualquer situação onde a motivação do agente seja o “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Seria um exemplo matar uma mulher por motivo de misoginia (ódio, desprezo ou repulsa ao gênero feminino). Cunha critica a norma explicativa do § 2º-A, I e II, do art. 121 do CP, alegando que mais confunde do que esclarece. Isso porque acaba não fazendo uma distinção entre o chamado “femicídio” que designaria a morte de mulheres, seja em relações domésticas, familiares ou quaisquer circunstâncias e o “feminicídio”, que teria uma conotação política, sendo “a conduta do agente” motivada “pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher”24. Quanto a isso, entende-se que o próprio nomen juris seria, então, equivocado ou ao menos insuficiente. Se o intento legislativo é abranger qualquer morte de mulher em circunstâncias de gênero, incluindo aquelas politicamente motivadas (misóginas), então o nomen juris deveria ser “feminicídio ou femicídio”. Se somente 24 CUNHA, Rogério Sanches. Op. cit.
tem por mira as mortes em geral de mulheres em situações de violência de gênero, então o nomen juris não deveria ser nem “femicídio” (porque este abrangeria mortes que não envolvem questão de gênero, mas que simplesmente têm uma mulher como vítima) e nem “feminicídio” (porque este estaria restrito à misoginia e a posturas políticas). Na verdade, tudo isso retorna a uma questão de nomes, uma discussão epidérmica e fútil. E, ademais, parece um tanto quanto evidente que o legislador tinha em mira tanto mortes em situações feminicidas como femicidas, ligadas às duas condições previstas no art. 121, § 2º, I e II, do CP. Embora considerando, como já exposto, tudo isso uma inutilidade nominalista, demagógica e simbólica, parece coerente que, ao criar essa nova tipificação, o faça o legislador de forma mais ampla possível e estabeleça, como o fez, os critérios que adota para a discriminação entre o “feminicídio” (nomen juris que adotou) e um homicídio comum de mulher. Mesmo porque se fosse seguir a senda do preciosismo vocabular entre “feminicídio” e “femicídio”, pretendendo ser abrangente, poderia cair em um exagero de discriminar toda e qualquer morte de mulher, violando o princípio da igualdade em detrimento dos homens. Como fez o legislador, trouxe critérios objetivos e práticos para uma discriminação positiva. Caso contrário, tendo, por exemplo, o “femicídio” como marco, a morte de uma mulher, em qualquer circunstância, seria mais importante do que a de um homem, o que se convolaria em uma flagrante infração aos mais comezinhos princípios de humanidade e igualdade entre os sexos. Vistas as circunstâncias que se devem agregar à violência de gênero letal para a configuração do “feminicídio”, chega o momento de esclarecer que, assim agindo o legislador, a qualificadora em estudo somente vai se perfazer nos casos em que a morte seja de uma mulher em situação de violência de gênero e ainda com a presença de uma ou mais das circunstâncias supradescritas que compõem os incisos I e II do § 2º-A do art. 121 do CP. Quer dizer que mesmo quando uma mulher for morta
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cada caso concreto e com o elemento subjetivo do autor. Sendo fato que essas circunstâncias já não compõem explicitamente as condições para o perfazer da qualificadora em estudo como se projetava, não se verifica óbice para que o autor de feminicídio venha a responder em concurso material por esses crimes contra o respeito aos mortos. Se o projeto houvesse sido aprovado em seu formato original, ainda se poderia cogitar de eventual bis in idem, uma vez que a mutilação ou desfiguração do cadáver seria elemento necessário para a configuração da qualificadora. No entanto, como hoje já não tem previsão expressa, não há qualquer razão para se reconhecer dupla apenação pelo mesmo fato.
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em situação de violência de gênero, se não for comprovada ao menos uma das circunstâncias dos incisos em estudo, não se configurará o “feminicídio”. As alterações e a redação mais generalizante da Lei nº 13.104/2015 em relação ao seu projeto foi produtiva, ao menos para quem considere relevante a criação da figura do “feminicídio” (já se deixou claro neste texto que não passa de demagogia). Mas, de qualquer forma, é melhor uma lei mais técnica. Um exemplo bem marcante dessa melhora entre o projeto e a Lei nº 13.104/2015: digamos que um homem, por razões de pura misoginia, saia pela cidade matando mulheres aleatoriamente. Ele mata as mulheres, mas não pratica qualquer abuso sexual, nem mutilação ou desfiguração. Neste caso, a misoginia que o motiva configura certamente a violência de gênero, conforme o vocabulário corrente, mas não estariam presentes as circunstâncias que deveriam, segundo o projeto, se agregar para a devida configuração do “feminicídio”. Assim sendo, a inutilidade da nova qualificadora não se resumiria ao fato de já haver o “motivo torpe” no Código Penal desde 1940, mas também porque não abrangeria um caso típico de violência de gênero, de morte de mulheres pelo simples fato de seu sexo e, então, seria necessário lançar mão do velho “motivo torpe”! Por sorte ou porque receberam eco as críticas deste meu texto ora ajustado e de outros autores, a redação foi adequada com uma descrição generalizante e ampla, conforme o art. 121, § 2º-A, I e II, do CP. Havia no projeto ainda um novo § 8º, em que o legislador se lembrou de deixar esclarecido que a pena do “feminicídio” não prejudica a aplicação das “sanções relativas aos demais crimes a ele conexos”, como, por exemplo, o estupro, o vilipêndio a cadáver, a destruição de cadáver, etc. Efetivamente, como bem aponta a “Justificação” do PLS 292/2013, “não fosse assim, estar-se-ia criando um benefício ao agressor e incentivando a
impunidade, propósito contrário ao deste projeto de lei”25. Isso porque, sem essa observação legal especialmente no caso das circunstâncias dos incisos II (abusos sexuais) e III (mutilação ou desfiguração) – na conformação do então projeto –, o propósito de aplicar penas por estupro, estupro de vulnerável, vilipêndio ou destruição de cadáver, lesões graves26, etc., sofreria o óbice do non bis in idem, já que tais circunstâncias já qualificariam o crime e não poderiam ser novamente utilizadas. Com a observação constante do § 8º, a legislação estabelecia claramente a regra do concurso material de crimes. Entretanto, com o advento da Lei nº 13.104/2015, a qual, conforme já destacado anteriormente, não faz mais menção àquelas circunstâncias de abusos sexuais e mutilações ou desfigurações de cadáver, a questão do bis in idem restou superada, de modo que não há mais necessidade do § 8º. Portanto, bem fez o legislador ao não mantê-lo na Lei nº 13.104/2015, pois que configuraria uma espécie de redundância ou obviedade. Outro dispositivo que não era previsto no projeto e foi implantado pela Lei nº 13.104/2015 foram as causas especiais de aumento de pena alocadas no art. 121, § 7º, I a III, do CP. O § 7º é explí25 Justificação do PLS 292, de 2013. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 22 dez. 2014. 26 Pode causar estranheza a menção às lesões corporais graves já que se está tratando de homicídio. No entanto, pensa-se na hipótese de eventual tentativa de homicídio em que o agente deliberadamente provoque lesões graves mutilantes ou desfiguradoras na vítima de forma independente de seu animus necandi, ou seja, quando as lesões não são meio para o homicídio, mas apenas perpetradas com o fim de mutilar ou desfigurar a vítima. Também, obviamente, nestes casos se está tratando de lesões contra a vítima ainda viva. As post mortem somente poderão configurar os crimes de vilipêndio ou destruição de cadáver, conforme já exaustivamente esclarecido neste texto. É claro também que as lesões corporais, ainda que graves, quando praticadas como meio para a morte, compondo o animus necandi do agente, serão absorvidas pelo crime de homicídio consumado ou tentado.
Para dizer a verdade, está neste dispositivo do § 7º e seus incisos a única verdadeira inovação e tratamento mais gravoso que o feminicídio enseja para o matador de mulheres por questões de gênero. Até aqui, tudo era mais do mesmo, pois que, como já visto e repetido exaustivamente, a qualificadora do “motivo torpe” sempre existiu. Agora, realmente esses aumentos de pena não eram previstos e podem ter uma efetiva atuação intensificadora da reação punitiva. Observe-se que o aumento mínimo eleva a pena que seria de reclusão, de 12 a 30 anos, para reclusão, de 16 a 40 anos. Já, o aumento máximo, eleva a pena de reclusão, de 12 a 30 anos, para reclusão, de 18 a 45 anos. O que é um incremento penal considerável. Malgrado isso, não se afasta a característica meramente simbólica da legislação o uso espúrio do Direito Penal como panaceia para todos os males, como tem sido comum ocorrer não somente no Brasil, mas especialmente por aqui. As circunstâncias que ensejam o aumento de pena são as seguintes: a) Quando a vítima é morta “durante a gestação”. Aqui é importante ressaltar que já havia a previsão de uma agravante genérica para todo e qualquer crime cometido contra “mulher grávida” (vide art. 61, II, h, do CP). Porém, isso não torna a alteração legal inútil ou redundante. Com o seu advento, a agravante é afastada pelo princípio da especialidade (inteligência do art. 61, caput, do CP) e a nova norma vigorante traz maior rigor punitivo, eis que o aumento gravita entre 1/3 e metade, enquanto que é
sabido que as agravantes genéricas não têm quantum de incremento legalmente previsto, mas normalmente não costumam ultrapassar, na prática forense, o patamar de 1/6. Um problema novo pode surgir com este aumento de pena. Consistiria em decidir se a aplicação do aumento impediria o concurso (formal ou material) com o crime de aborto provocado sem o consentimento da gestante (art. 125 do CP). Podem surgir duas correntes de pensamento: uma vislumbrando o impedimento do concurso de crimes por configurar bis in idem; outra permitindo o concurso, ainda que com o aumento sendo aplicado, porque bens jurídicos diversos são afetados e inclusive sujeitos passivos diversos (vida da mulher e vida intrauterina). Tende-se a defender a segunda opção. Mas, mesmo que a primeira corrente prospere no futuro doutrinário-jurisprudencial, fato é que o aumento será mais gravoso do que até mesmo o concurso material. Mesmo o aumento mínimo acrescentaria à pena mínima 4 anos, enquanto que a pena mínima do art. 125 do CP é de apenas 3 anos. Na pena máxima, o aumento, ainda que de apenas 1/3 (mínimo), acrescentaria 10 anos, o que é o mesmo quantum da pena máxima do art. 125 do CP. Por outro lado, o aumento máximo acrescentaria 6 anos à pena mínima e 15 anos à pena máxima, superando a variação de 3 a 10 anos da pena prevista para o crime do art. 125 do CP. Quanto ao concurso formal, nem é preciso dizer que os aumentos sobreditos o superam imensamente em termos de rigor penal. b) Quando a vítima é morta “nos 3 meses posteriores ao parto”. Trata-se de um período em que a parturiente ou puérpera se encontra em uma fase de readaptação física, hormonal, biológica, fisiológica, psicológica, etc., de modo que se apresenta mais fragilizada sob variados aspectos. Isso justificaria o maior rigor, unido ao fato de que a criança recém-nascida ficaria sem os cuidados
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cito em estabelecer que essas causas especiais de aumento de pena são aplicáveis somente aos casos de feminicídio, não abrangendo outros casos de homicídio, sejam simples ou qualificados. O aumento em estudo é variável entre 1/3 até a metade, o que é interessante, pois enseja um elastério de individualização ao julgador.
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mais intensos da genitora justamente em sua fase mais tenra. Há discussão acerca de quando se iniciaria o parto e isso é relevante para a contagem do prazo inicial desses 3 meses que aumentam a pena. O tema, no caso de parto normal, é polêmico na área médico-legal. Basicamente encontram-se 4 posicionamentos principais: o início do parto ocorreria com as dores da dilatação, com a efetiva dilatação, com o desprendimento do feto ou com o rompimento do saco amniótico. Tem prevalecido a última tese. Obviamente que se o parto não é natural, mas por intervenção cirúrgica cesariana, então o início se dará no momento em que este procedimento começar, mais especificamente com a incisão feita pelo médico. Estes seriam, então, os termos iniciais a partir dos quais se contariam os 3 meses de especial proteção da parturiente.
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Anote-se que, diferentemente da questão da morte da gestante, o homicídio da mulher até 3 meses após o parto não encontra previsão de agravante genérica, constituindo-se em real novidade da Lei nº 13.104/2015.
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c) Contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência. As duas primeiras causas de exasperação já tinham previsão geral no § 4º, in fine, do art. 121 do CP em caso de homicídio doloso. Mas, naquele dispositivo, aplicável tanto a homens como a mulheres mortos em situações que não envolvam violência de gênero, o aumento é fixo de apenas 1/3. A mudança é que para o feminicídio esse aumento passa a ser variável entre 1/3 e metade. Neste ponto é questionável se o simples fato da presença da violência de gênero é suficiente para emprestar tratamento divergente para hipossuficientes etários assim considerados por lei, sem violar a isonomia. Não parece que a violência contra jovens de tenra idade e idosos comporte uma estratificação com base
no sexo da pessoa ou mesmo na situação de violência de gênero. Se havia um intento em incrementar o aumento de pena já previsto, o mais correto seria então incrementá-lo de forma geral. No mesmo inciso, há ainda o aumento para o caso da mulher vitimizada ser pessoa com “deficiência”. Essa deficiência pode ser tanto física como mental. Este caso não era anteriormente previsto de forma genérica como aumento de pena no § 4º do art. 121 do CP, nem como agravante genérica no art. 61 do CP. Trata-se de outra inovação da Lei nº 13.104/2015 e que merece também as mesmas críticas quanto à violação da isonomia arroladas supra para os casos etários, eis que somente o sexo da pessoa vitimada e/ou a situação de violência de gênero não parecem ser suficientes para um tratamento desigual que não configure uma discriminação negativa. Afinal, também os deficientes são hipossuficientes que merecem proteção especial, sejam do sexo masculino ou feminino. d) Quando a vítima for morta “na presença de descendente ou de ascendente” desta. Essa é uma crueldade que merece realmente uma reação penal mais gravosa a tal ponto que até mesmo em meio aos mais celerados dos homens, entre criminosos pertencentes a organizações, há frequentemente uma regra moral de não atacar um desafeto ou um indivíduo jurado de morte na presença de seus familiares próximos, especialmente ascendentes e descendentes. Ora, se até mesmo criminosos reconhecem a abjeção ínsita a esse tipo de conduta, nada mais natural que a legislação também o faça. Novamente, apenas uma objeção quanto à restrição desse novo aumento somente ao feminicídio. Ele obviamente, pela crueldade que abriga, deveria se espraiar indistintamente para qualquer caso de homicídio. Não há diferença alguma considerável entre matar um pai na frente dos filhos ou uma mãe na frente dos
Cunha entende que quando a lei indica que a morte deve dar-se “na presença” de descendente ou ascendente, não exige que essa “presença” seja física, ou seja, que o ascendente ou descendente esteja realmente fisicamente no local da ação criminosa. Bastaria que a execução da vítima fosse disponibilizada ao ascendente ou descendente ao vivo mediante filmagem, Skype, por telefone ou outros meios virtuais hoje disponíveis27. O autor sob comento não vislumbra, ao que parece, a possibilidade de outro entendimento. No entanto, com todo o respeito, ousa-se discordar. Quando o legislador escreve “na presença”, a ampliação para uma virtualidade configura analogia in malam partem ou, no mínimo, uma “interpretação ampliativa ou extensiva” prejudicial ao réu. Isso é inviável na seara penal. Em querendo abranger tais hipóteses de “presença virtual”, deveria então o legislador ser expresso a respeito. No seu silêncio, a causa especial de aumento se torna inaplicável. Entende-se que não somente a causa de aumento deveria ser generalizada, conforme supraexposto, como deveria ter o legislador atentado para o mundo virtual hoje acessível e que permite que a crueldade também seja perpetrada sem a presença física. No entanto, conforme já explicado, houve um lapso na elaboração legislativa, lapso este que não pode ser consertado por via da violação do princípio da legalidade estrita. O ajuste deve ser feito por lei e, portanto, o vislumbre de Cunha se apresenta como mais viável em termos de uma sugestão de lege ferenda. 27 CUNHA, Rogério Sanches. Op. cit.
Para a incidência desses aumentos de pena no feminicídio é necessário que o autor do crime tenha conhecimento das respectivas circunstâncias, pois, do contrário, haveria aplicação de responsabilidade objetiva no Direito Penal, o que é vedado de forma absoluta. Então, o autor do crime teria de saber, por exemplo, que a mulher estava grávida, que ela estava no período de 3 meses pós-gestacional, que a vítima era menor de 14 anos, maior de 60 ou deficiente; finalmente que as pessoas presentes no momento da execução da vítima eram ascendentes e/ou descendentes desta. Finalmente, é de salientar que, em virtude de seu art. 3º, a Lei nº 13.104/2015 entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, em 09.03.2015. Assim sendo, com relação à aplicação da lei penal no tempo, as suas normas somente poderão incidir sobre casos ocorrentes dali para diante, pois que se trata de lei penal mais gravosa (lexgravior) para a qual é vedada a retroatividade. Contudo, quanto a tratar-se de crime qualificado e hediondo, na prática, não há diferença alguma. Isso porque os crimes de homicídio que configuram doravante feminicídio já eram qualificados por “motivo torpe”, conforme já esclarecido, o que os tornava também hediondos. A única real diferença prática incidirá sobre as novas causas especiais de aumento de pena previstas no novo § 7º, incisos I a III do art. 121 do CP. Estas realmente somente serão aplicadas aos casos de feminicídio ocorridos após a publicação da Lei nº 13.104/2015. Estas parecem ser, ao menos inicialmente, as observações necessárias à presente alteração do Código Penal brasileiro, a qual entra para o inglório rol das legislações penais simbólicas e praticamente inúteis (neste caso ainda com generosas pitadas do nauseante “politicamente correto” que marcou inclusive os seus debates, mediante violência terrível contra até mesmo a língua portuguesa).
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filhos, inclusive não há diferença se a morte dessa mãe é referente a um caso de violência de gênero ou se faz parte de uma execução sumária do crime organizado, por exemplo. A distinção é novamente odiosa, injusta e inconstitucional por violação da isonomia e até mesmo do princípio de humanidade.
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REFERÊNCIAS
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Doutrina
ISS e os Problemas Decorrentes de Alteração da Jurisprudência KIYOSHI HARADA Professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, Parecerista na Área do Direito Público, Vice-Presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário e Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Academia Paulista de Direito. Autor de 27 obras jurídicas, entre as quais Direito tributário e financeiro (2014). Sócio fundador da Harada Advogados Associados, Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
A jurisprudência do STJ tem variado muito quanto ao local da ocorrência do fato gerador do ISS: local do estabelecimento prestador x local da prestação do serviço. Na vigência do Decreto-Lei nº 406/1968, fixou-se o entendimento de que o fato gerador ocorre no local da execução do serviço, não apenas no caso de construção civil, como prescrevia a lei vigente, como também na generalidade dos casos. Na vigência da Lei Complementar nº 116/2003, o STJ alterou o seu entendimento fixando o local do estabelecimento prestador como
regra geral. Porém, mais tarde evoluiu o seu entendimento fixando como sendo o local da ocorrência do fato gerador praticamente o local da execução do serviço ao conferir ao estabelecimento prestador um conceito demasiadamente amplo, sem respaldo na doutrina acerca do conceito de estabelecimento em geral. Mais recentemente, a Corte Especial decidiu, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 05.03.2013, em regime de repercussão geral, que, em relação ao leasing, o fato gerador ocorre em local distinto, conforme se trate de situação ocorrida na vigência do Decreto-Lei nº 406/1968 ou daquela ocorrida na vigência da Lei Complementar nº 116/2003 que rege atualmente o ISS no âmbito nacional, conforme se verifica de sua ementa a seguir transcrita: RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO – QUESTÃO PACIFICADA PELO STF POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RE 592.905/SC, REL. MIN. EROS GRAU, DJE 05.03.2010 – SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA NA VIGÊNCIA DO DL 406/1968: MUNICÍPIO DA SEDE DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR – APÓS A LEI Nº 116/2003: LUGAR DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – LEASING – CONTRATO COMPLEXO – A CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO É O NÚCLEO DO SERVIÇO NA OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO, À LUZ DO ENTENDIMENTO DO STF – O SERVIÇO OCORRE NO LOCAL ONDE SE TOMA A DECISÃO ACERCA DA APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO, ONDE SE CONCENTRA O PODER DECISÓRIO, ONDE SE SITUA A DIREÇÃO GERAL DA INSTITUIÇÃO – O FATO GERADOR NÃO SE CONFUNDE COM A VENDA DO BEM OBJETO DO LEASING FINANCEIRO, JÁ QUE O NÚCLEO DO SERVIÇO PRESTADO É O FINANCIAMENTO – IRRELEVANTE O LOCAL DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO, DA ENTREGA DO BEM OU DE OUTRAS
ATIVIDADES PREPARATÓRIAS E AUXILIARES À PERFECTIBILIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA, A QUAL SÓ OCORRE EFETIVAMENTE COM A APROVAÇÃO DA PROPOSTA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – BASE DE CÁLCULO – PREJUDICADA A ANÁLISE DA ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 148 DO CTN E 9 DO DL 406/1968 – RECURSO ESPECIAL DE POTENZA LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTES OS EMBARGOS À EXECUÇÃO E RECONHECER A ILEGITIMIDADE ATIVA DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC PARA EXIGIR O IMPOSTO – INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA – ACÓRDÃO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO Nº 8/STJ
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1. O col. STF já afirmou (RE 592. 905/SC) que ocorre o fato gerador da cobrança do ISS em contrato de arrendamento mercantil. O eminente Ministro Eros Grau, Relator daquele recurso, deixou claro que o fato gerador não se confunde com a venda do bem objeto do leasing financeiro, já que o núcleo do serviço prestado é o financiamento.
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2. No contrato de arrendamento mercantil financeiro (Lei nº 6.099/1974 e Resolução nº 2.309/1996 do Bacen), uma empresa especialmente dedicada a essa atividade adquire um bem, segundo especificações do usuário/consumidor, que passa a ter a sua utilização imediata, com o pagamento de contraprestações previamente acertadas, e opção de, ao final, adquiri-lo por um valor residual também contratualmente estipulado. Essa modalidade de negócio dinamiza a fruição de bens e não implica em imobilização contábil do capital por parte do arrendatário: os bens assim adquiridos entram na contabilidade como custo operacional (arts. 11 e 13 da Lei nº 6.099/1974). Trata-se de contrato complexo, de modo que o enfrentamento da matéria obriga a identificação do local onde se perfectibiliza o financiamento, núcleo da prestação dos serviços nas operações de leasing financeiro, à luz do entendimento que restou sedimentado no Supremo Tribunal Federal. 3. O art. 12 do DL 406/1968, com eficácia reconhecida de lei complementar, posteriormente revogado pela LC 116/2003, estipulou que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador.
4. A opção legislativa representa um potente duto de esvaziamento das finanças dos Municípios periféricos do sistema bancário, ou seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo altamente perverso de sua descapitalização em favor dos grandes centros financeiros do País. 5. A interpretação do mandamento legal leva à conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que traduziria verdadeira quebra do princípio da legalidade tributária. 6. Após a vigência da LC 116/2003 é que se pode afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo. 7. O contrato de leasing financeiro é um contrato complexo no qual predomina o aspecto financeiro, tal qual assentado pelo STF quando do julgamento do RE 592.905/SC. Assim, há se concluir que, tanto na vigência do DL 406/1968 quanto na vigência da LC 116/203, o núcleo da operação de arrendamento mercantil, o serviço em si, que completa a relação jurídica, é a decisão sobre a concessão, a efetiva aprovação do financiamento. 8. As grandes empresas de crédito do País estão sediadas ordinariamente em grandes centros financeiros de notável dinamismo, onde centralizam os poderes decisórios e estipulam as cláusulas contratuais e operacionais para todas suas agências e dependências. Fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além de providenciarem a aprovação do financiamento e a consequente
9. O tomador do serviço ao dirigir-se à concessionária de veículos não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora o bem a ser adquirido e posteriormente a ele disponibilizado. Assim, a entrega de documentos, a formalização da proposta e mesmo a entrega do bem são procedimentos acessórios, preliminares, auxiliares ou consectários do serviço cujo núcleo – fato gerador do tributo – é a decisão sobre a concessão, aprovação e liberação do financiamento. 10. Ficam prejudicadas as alegações de afronta ao art. 148 do CTN e ao art. 9º do Decreto-Lei nº 406/1968, que fundamente a sua tese relativa à ilegalidade da base de cálculo do tributo. 11. No caso dos autos, o fato gerador originário da ação executiva refere-se a período em que vigente a DL 406/1968. A própria sentença afirmou que a ora recorrente possui sede na cidade de Osasco/SP e não se discutiu a existência de qualquer fraude relacionada a esse estabelecimento; assim, o Município de Tubarão não é competente para a cobrança do ISS incidente sobre as operações realizadas pela empresa Potenza Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, devendo ser dado provimento aos embargos do devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais. 12. Recurso especial parcialmente provido para definir que: (a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro; (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/1968, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/2003, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento – núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo; (d) prejudicada a análise da alegada violação ao art. 148 do
CTN; (e) no caso concreto, julgar procedentes os embargos do devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão/SC para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/STJ.
Como se verifica da ementa anteriormente transcrita, na vigência do Decreto-Lei nº 406/1968, o fato gerador do leasing ocorria no local do estabelecimento prestador, porém, na vigência da Lei Complementar nº 116/2003, ele ocorre no local do estabelecimento que autoriza o financiamento, porque este é o elemento nuclear do leasing, assim entendido o local no qual se perfectibiliza a operação. Irrelevante o local da celebração do contrato, da entrega do bem ou de outras atividades preparatórias e auxiliares à perfectibilização da relação jurídica. Na verdade, o leasing não está abrangido nas 20 hipóteses excepcionais do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003 em que o imposto é devido no local da prestação do serviço. Nesse particular, nada mudou em relação ao que dispunha o Decreto-Lei nº 406/1968. Dar relevância jurídica ao local no qual é aprovado o financiamento acaba criando uma situação de difícil identificação do sujeito ativo do imposto, além de desconsiderar a autonomia de cada estabelecimento da mesma empresa para os efeitos fiscais. Na verdade, o que importa é o estabelecimento da empresa que foi procurado pelo tomador de serviço e concretizou a operação de leasing com a firmatura do respectivo contrato. Não importa que o gerente local tenha solicitado autorização de financiamento junto a outra filial, sucursal ou matriz da empresa. Autorização ou aprovação do financiamento, por si só, não concretiza o fato gerador do leasing, mas somente a sua efetiva contratação. Realmente, o tomador pode desistir do leasing depois de ultimada a etapa de autorização do financiamento pelo agente competente, localizado no mesmo ou em outro estabelecimento da mesma
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liberação do valor financeiro para a aquisição do objeto arrendado, núcleo da operação. Pode-se afirmar que é no local onde se toma essa decisão que se realiza, se completa, que se perfectibiliza o negócio. Após a vigência da LC 116.2003, assim, é neste local que ocorre a efetiva prestação do serviço para fins de delimitação do sujeito ativo apto a exigir ISS sobre operações de arrendamento mercantil.
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empresa. Nos financiamentos em geral cada estabelecimento de uma determinada instituição financeira dispõe de autonomia decisória de acordo com o volume da operação. Há casos em que somente o estabelecimento-matriz, às vezes, localizado em outro Estado da Federação, pode autorizar a operação. Nem por isso pode-se afirmar que o financiamento ocorreu perante o estabelecimento-matriz que, às vezes, nem exerce atividade operacional limitando-se a traçar diretrizes para as sucursais e filiais.
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A inovação jurisprudencial introduzida pelo STJ acerca do local da concretização do fato gerador do leasing cria um problema relacionado com a ação de repetição de indébito.
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Como se sabe, a repetição de indébito é sempre cabível quando há declaração de inconstitucionalidade de um determinado tributo, respeitado o período abrangido pela prescrição quinquenal. Diferente a hipótese de pagamento de tributo em Município diverso daquele em que o pagamento deveria ter sido efetuado. Neste caso, o tributo é devido, não comportando em tese a repetição de indébito, salvo se posteriormente o mesmo tributo tiver sido pago em outro Município reputado como legítimo titular. A ação de repetição não pode, pois, ser ajuizada de forma generalizada ante a mudança de entendimento jurisprudencial acerca do local da ocorrência do fato gerador. No caso de dúvida, deve o contribuinte aparelhar a ação de consignação em pagamento. De fato, se ajuizada a ação de repetição de indébito do ISS fundada na alteração superveniente da jurisprudência do STJ e julgada procedente a ação, o contribuinte beneficiado pela ação poderá ficar exonerado de pagar o ISS a outro eventual Município competente para tributar em razão da decadência operada.
Se o ISS era devido no local do estabelecimento prestador do serviço na vigência do Decreto-Lei nº 406/1968, no nosso entender, não cabe a propositura de ação de repetição de indébito do ISS pago nesse período a pretexto de que houve alteração jurisprudencial fixando a tese de pagamento do imposto no local da perfectibilização da operação de leasing que pode ocorrer em local distinto do estabelecimento prestador. É que, no caso, estamos diante de ato jurídico perfeito e acabado de conformidade com as disposições do Decreto-Lei nº 406/1968 aplicável ao caso. De fato, se o ISS foi pago de acordo com o local da ocorrência do fato gerador, como entendia o tribunal competente para interpretar e aplicar uniformemente a lei federal em todo o território nacional, não há lugar para repetição, mesmo porque, em relação àquele período, nenhum outro Município poderia pleitear o seu pagamento. Como se vê, a brusca alteração da jurisprudência do STJ, sem que houvesse, data venia, alteração legislativa, como no caso do leasing, pode criar situação de insegurança jurídica para os contribuintes e prejudicar a receita do Município competente para exercer o poder de cobrança do ISS, podendo até beneficiar o contribuinte com a repetição do que foi pago como se tratasse de imposto indevido. Não se confunde o conceito do imposto indevido a ensejar repetição de indébito, com o conceito de imposto devido pago a Município diferente daquele em que o pagamento deveria ter ocorrido segundo ulterior reconhecimento da jurisprudência do STJ. Para evitar insegurança jurídica, é de todo conveniente que o STJ faça a modulação dos efeitos da decisão sempre que implicar alteração da jurisprudência consolidada.
Doutrina
Retrocesso Social Prejudica Capital e Trabalho GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla, Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Advogado e Consultor Jurídico, Ex-Juiz do Trabalho, Ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, Ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.
Foram publicadas duas Medidas Provisórias (nºs 664 e 665) na Edição Extra do Diário Oficial da União de 30 de dezembro de 2014, restringindo, substancialmente, a concessão de direitos e benefícios previdenciários aos trabalhadores e seus dependentes. Sofreram limitação, entre outros, o seguro-desemprego, o abono anual do PIS/Pasep, a pensão por morte (inclusive quanto a servidores públicos federais) e o auxílio-doença. Além disso, em caso de doença ou acidente sofrido pelo empregado (segurado) que gere incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, o empregador (empresa) passa a ficar obri-
gado a pagar o salário integral relativo aos primeiros 30 dias de afastamento. Anteriormente, esse período era de apenas 15 dias, o que significa ter dobrado.
Trata-se de nítida transferência, ao empregador, de dever do Estado, a ser coberto pelo sistema previdenciário, o qual integra a Seguridade Social, garantida constitucionalmente (arts. 194 e 201 da Constituição da República). Além do manifesto retrocesso social das medidas indicadas, vedado nos planos internacional e constitucional, em evidente e profunda perda aos trabalhadores, nota-se que o setor patronal também foi injustamente prejudicado. O sistema previdenciário recebe contribuições patronais e dos beneficiários, entre outras fontes de custeio (art. 195 da Constituição da República). Não se revela justo, razoável, equânime, nem adequado, portanto, reduzir e limitar o acesso previdenciário, nem muito menos transferir dever estatal, de natureza previdenciária, aos empregadores.
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Impressiona o prejuízo social sofrido, por meio de medidas provisórias publicadas no penúltimo dia de 2014, nitidamente desfavoráveis a praticamente todos os setores da sociedade, certamente desagradando não só trabalhadores como empregadores.
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Evidentemente, o grupo profissional de maior vulnerabilidade, que mais necessita de proteção social, ou seja, integrado pelos trabalhadores e seus dependentes, acaba sendo o maior afetado. Exemplificativamente, observa-se provável tendência de aumento de despedidas arbitrárias de empregados com afastamentos por doença, principalmente quando mais constantes, incentivando, desastrosamente, até mesmo a discriminação, pois o
empregador passa a ter o dever, que seria do sistema público de previdência, de remunerar o longo período inicial, de 30 dias, de incapacidade laboral. Além disso, a própria estabilidade acidentária também passa a sofrer nítida restrição, pois exige o recebimento do auxílio-doença acidentário (art. 118 da Lei nº 8.213/1991)1, o qual, entretanto, não será mais devido após 15 dias de afastamento do empregado, e sim o dobro, ou seja, 30 dias. Se há necessidade de economia de recursos públicos, qual o motivo de se afetar, justamente, as classes sociais que mais necessitam e têm direito à cobertura trabalhista e previdenciária? Seria justo, enquanto isso, outros setores mais favorecidos da sociedade obterem e aprovarem ampliações financeiras? Espera-se, assim, que as promessas e determinações constitucionais de melhoria, justiça, segurança, proteção e bem-estar sociais, valorização do trabalho e da livre-iniciativa, bem como de promoção da dignidade da pessoa humana, prevaleçam, concluindo-se, com a máxima brevidade, pela manifesta inconstitucionalidade, formal e material, das medidas provisórias em questão, a serem prontamente rejeitadas pelo Congresso Nacional e julgadas inválidas pelo Poder Judiciário. Somente assim poderemos ter, efetivamente, a esperança de um feliz 2015.
1 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Acórdão na Íntegra
Superior Tribunal de Justiça Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 632.437/MG (2014/0325731-7) Relator: Ministro Mauro Campbell Marques Agravante: Exxel Brasileira de Petróleo Ltda. Advogados: Sidonio Vilela Gouveia e outro(s) Agravado: Estado de Minas Gerais Procuradores: Sérgio Adolfo Eliazar de Carvalho e outro(s)
A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques. Brasília (DF), 10 de março de 2015. Ministro Mauro Campbell Marques Relator
EMENTA PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – AFERIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM LEI LOCAL – SÚMULA Nº 280/STF – DISCUSSÃO ACERCA DO REPASSE DA VERBA REFERENTE DA PARCELA DO ICMS AO FISCO MINEIRO – QUESTÃO ATRELADA AO REEXAME DE MATÉRIA DE FATO – ÓBICE DA SÚMULA Nº 7/STJ 1. Por ofensa a direito local não cabe recurso especial. Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula nº 280/STF. 2. O reexame de matéria de prova é inviável em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 3. Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se de agravo regimental (fls. 1.259/1.273e) apresentado em face de decisão monocrática assim ementada: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – AFERIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM LEI LOCAL – SÚMULA Nº 280/STF – DISCUSSÃO ACERCA DO REPASSA DA VERBA REFERENTE DA PARCELA DO ICMS AO FISCO MINEIRO – QUESTÃO ATRELADA AO REEXAME DE MATÉRIA DE FATO – ÓBICE DA SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
O agravante alega, em síntese, que: a) mesmo que a decisão recorrida tenha se dado em respeito à lei local, o fato é que este respeito estava direta e frontalmente violando o dispositivo de lei federal, mais precisamente o art. 136, do Código Tributário Nacional; b) a situação em tela não implica em reapreciação de provas, seja porque houve direta afronta ao art. 333, I e II, do CPC, e isto implica em anulação do acórdão recorrido, seja porque a afronta ao art.
136, do CTN, determina a exclusão da responsabilidade solidária objetiva, sem a necessidade de reapreciação de provas. Requer a reconsideração da decisão agravada ou o julgamento colegiado da controvérsia. É o relatório. EMENTA PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – AFERIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM LEI LOCAL – SÚMULA Nº 280/STF – DISCUSSÃO ACERCA DO REPASSE DA VERBA REFERENTE DA PARCELA DO ICMS AO FISCO MINEIRO – QUESTÃO ATRELADA AO REEXAME DE MATÉRIA DE FATO – ÓBICE DA SÚMULA Nº 7/STJ 1. Por ofensa a direito local não cabe recurso especial. Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula nº 280/STF. 2. O reexame de matéria de prova é inviável em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 3. Agravo regimental não provido.
VOTO
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O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator):
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Não há como acolher a irresignação, porquanto o agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões consideradas na decisão agravada, fundamentada na orientação pacificada desta Corte acerca dos temas trazidos a exame. Com efeito, quanto à alegação de ausência de responsabilidade solidária formulada pela ora agravante, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu a questão com base em legislação local (art. 389-A do Anexo IX, do RICMS/2002 e art. 21, XII, da Lei Estadual nº 6.763/1975). Ocorre que, na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, nesses casos, não há a abertura da via especial, em virtude do óbice contido na Sú-
mula nº 280/STF, segundo a qual “por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”, aplicável à espécie por analogia.
A corroborar esse entendimento: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO – ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932 – INAPLICABILIDADE – RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO – SÚMULA Nº 85/STJ – ANÁLISE DE LEI LOCAL – SÚMULA Nº 280 DO STF 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica ao reconhecer que, nas causas em que se discute recebimento de vantagens pecuniárias nas quais não houve negativa inequívoca do próprio direito reclamado, tem-se relação de trato sucessivo, aplicando-se a Súmula nº 85 do STJ, que prevê a prescrição apenas em relação ao período anterior a cinco anos da propositura da ação. 2. O Tribunal de origem, ao apreciar a matéria controvertida, sustentou toda a sua fundamentação na análise da Lei Estadual nº 5.625/1991. Todavia, o exame de normas de caráter local é inviável em recurso especial, em virtude da vedação prevista na Súmula nº 280 do STF, segundo a qual “por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”. Agravo regimental improvido. (AgRg-AREsp 498.211/PA, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 13.08.2014)
Outrossim, verifica-se que o Tribunal a quo, soberano na análise do material cognitivo presente nos autos, solucionou a controvérsia nos seguintes termos, in verbis (fls. 1.010/1.011e): Notadamente que, uma vez que decidido por este Tribunal que a diligência não deveria emanar de ordem judicial, com o trânsito em julgado do julgamento, descabe renovar o pleito perante o mesmo juízo, sob pena de ofensa ao citado instituto. [...] Observa-se que foi realizada perícia técnica nos documentos apresentados aos autos, e na qual o perito oficial constatou que dentre os valores pagos pela apelante na aquisição dos produtos, não se encontra a parcela de ICMS que deveria ser repassada ao Estado de Minas Gerais, devida à falta de informações sobre o destinatário final ou o ente da Federação ao qual se destinaria a comercialização. [...]
E neste sentido, a apelante não se desincumbiu do ônus de demonstrar que o valor do imposto, correspondente à comercialização do combustível, foi repassado à apelada, ônus que lhe impõe o art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Maria Caetana Cintra Santos Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi
[...] Vislumbra-se, portanto, que o perito constatou que não obstante a empresa autuada tenha encaminhado a documentação necessária ao atendimento da legislação tributária, as operações não foram levadas ao conhecimento da substituta tributária, face à quebra da cadeia de informações. É certo que houve retenção antecipada do ICMS/ST quando o produto foi adquirido da refinaria localizada no Estado de São Paulo, contudo, inexistem provas de que os valores decorrentes da venda do combustível a clientes estabelecidos no território mineiro, promovida pela apelante, tenham sido recolhidos ao Estado de Minas Gerais.
Assim, no presente caso, fica evidente que eventual reforma do acórdão recorrido implicaria, necessariamente, em reexame do contexto probatório dos autos, providência vedada em sede de especial em virtude do óbice da Súmula nº 7/STJ. Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto.
AUTUAÇÃO Agravante: Exxel Brasileira de Petróleo Ltda. Advogados: Sidonio Vilela Gouveia e outro(s) Agravado: Estado de Minas Gerais Procuradores: Sérgio Adolfo Eliazar de Carvalho e outro(s) Assunto: Direito Tributário – Impostos – ICMS/Imposto sobre Circulação de Mercadorias
AGRAVO REGIMENTAL Agravante: Exxel Brasileira de Petróleo Ltda. Advogados: Sidonio Vilela Gouveia e outro(s) Agravado: Estado de Minas Gerais Procuradores: Sérgio Adolfo Eliazar de Carvalho e outro(s)
Número Registro: 2014/0325731-7
AgRg-AREsp 632.437/MG
Números Origem: 0024063041966 10024063041966001 10024063041966002 10024063041966003 10024063041966004 10024063041966005 10024063041966006 10024063041966007 24063041966 30419667020068130024 Pauta: 10.03.2015
Julgado: 10.03.2015
Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques
CERTIDÃO Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.
Abril/2015 – Ed. 217
CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA
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Pesquisa Temática
Ação Civil Pública Ação civil pública – área de preservação permanente – construção irregular – danos ambientais – ocorrência – indenização – cabimento “Constitucional, administrativo e ambiental. Ação civil pública. Dano ambiental. EIA/Rima. Área de preservação permanente. Loteamento Praia da Ilhota. Balneário Santa Marta Pequeno. Município de Laguna. Manutenção da sentença. Apelo desprovido. 1. Hipótese de manutenção da sentença que: a) determinou a suspensão de toda e qualquer obra dentro do loteamento Praia da Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC; b) condenou a requerida a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia da Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC, no prazo de 6 meses, custeando as reparações ambientais que se mostrarem necessárias, segundo as orientações do próprio estudo de impacto ambiental; c) proibiu a alienação dos imóveis cuja outorga de uso foi cancelada pela Secretaria do Patrimônio da União, conforme fl. 655 e planta juntada à fl. 680, do volume III dos anexos; d) condenou a recorrente ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), os quais reverterão em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis nºs 7.789/1989 e 7.347/1985. 2. Apelação desprovida.” (TRF 4ª R. – AC 2006.72.16.004049-5 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 11.05.2011)
Ação civil pública – aterro sanitário – autorização dos órgãos competentes – obrigatoriedade “Ação civil pública. Ambiental. Liminar. Aterro sanitário. Autorização dos órgãos competentes. requisitos. Se não demonstrados, em análise que a fase permite, os requisitos necessários fixados pela legislação processual civil de regência para deferimento da liminar, impõe-se a reforma da interlocutória.” (TJSC – AGI 2010.053634-8 – 3ª CDPúb. – Relª Desª Sônia Maria Schmitz – DJe 09.03.2011)
Ação civil pública – concessionária de prestação de serviços de energia elétrica – preservação da bacia hidrográfica – compensação financeira – Lei Estadual nº 12.503/1997 – regulamentação – necessidade “Administrativo. Ação civil pública. Concessionária de prestação de serviços de energia elétrica. Preservação da bacia hidrográfica. Lei Estadual nº 12.503/1997. Necessidade de regulamentação. Verossimilhança das alegações. Ausência. Modo diverso de compensação. Redução do perigo de dano irreparável. Reforma da decisão. 1. Verificada a aparente falta de regulamentação da Lei Estadual nº 12.503/1997 – que determinou a aplicação de percentual da receita bruta apurada pela concessionária de energia elétrica na preservação ambiental – e a adoção pela Cemig de outras formas de compensação financeira para a proteção e preservação das bacias hidrográficas, cabe indeferir a liminar que a obrigou ao imediato cumprimento daquele normativo. 2. Recurso provido.” (TJMG – AI 1.0040.09.098896-1/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Edgard Penna Amorim – DJe 04.02.2011)
Ação civil pública – construção em desacordo com projeto aprovado – saneamento das irregularidades – ausência de dano ambiental – exigências desarrazoadas do município – não cabimento “Administrativo. Ação civil pública. Construção em desacordo com o projeto aprovado. Alterações na obra. Saneamento das irregularidades. Levantamento do embargo. Observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Ausência de danos ao meio
ambiente. Compete ao Município, juntamente com a sociedade diretamente interessada, definir a política urbana, que é limitada pelo princípio da legalidade, principalmente no que se refere à legislação ambiental. Definido o modo de ocupação das áreas, também incumbe àquele a fiscalização do cumprimento das diretrizes locais, bem como a iniciativa de tomar as providências necessárias à manutenção do meio ambiente equilibrado, conforme pré-estabelecido. Não é razoável, por outro lado, que, sanadas as irregularidades, continuem sendo feitas exigências desarrazoadas, sem a comprovação da efetiva ocorrência ou iminência de danos ao meio ambiente ou imóveis vizinhos.” (TJSC – AC 2010.048757-1 – 3ª CDPúb. – Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros – DJe 16.02.2011)
Ação civil pública – dano ambiental – condenação prevista no art. 3º da Lei nº 7.347/1985 – cumulação – possibilidade “Administrativo. Recurso especial. Dano ambiental. Condenação. Art. 3º da Lei nº 7.347/1985. Cumulatividade. Possibilidade. Obrigação de fazer ou não fazer com indenização. Recurso parcialmente provido. 1. Não há falar em vícios no acórdão nem em negativa de prestação jurisdicional quando todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia foram analisadas e decididas. 2. O Magistrado não está obrigado a responder a todos os argumentos das partes, quando já tenha encontrado fundamentos suficientes para proferir o decisum. Nesse sentido: HC 27.347/RJ, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 01.08.2005. 2. O meio ambiente equilibrado – elemento essencial à dignidade da pessoa humana –, como ‘bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’ (art. 225 da CF), integra o rol dos direitos fundamentais. 3. Tem o meio ambiente tutela jurídica respaldada por princípios específicos que lhe asseguram especial proteção. 4. O direito ambiental atua de forma a considerar, em primeiro plano, a prevenção, seguida da recuperação e, por fim, o ressarcimento. 5. Os instrumentos de tutela ambiental – extrajudicial e judicial – são orientados por seus princípios basilares, quais sejam, princípio da solidariedade intergeracional, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, da informação, da participação comunitária, entre outros, tendo aplicação em todas as ordens de trabalho (prevenção, reparação e ressarcimento). 6. ‘É firme o entendimento de que é cabível a cumulação de pedido de condenação em dinheiro e obrigação de fazer em sede de ação civil pública’ (AgRg-REsp 1.170.532/MG). 7. Recurso especial parcialmente provido para, firmando o entendimento acerca da cumulatividade da condenação prevista no art. 3º da Lei nº 7.347/1985, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que fixe o quantum necessário e suficiente à espécie.” (STJ – REsp 1.115.555 – Proc. 2009/0004061-1/MG – 1ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – J. 15.02.2011 – DJE 23.02.2011)
“Ação civil pública. Dano causado ao meio ambiente. Indenização devida. Condenação que observou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 1. O direito ambiental encontra princípios específicos, adotados pelo art. 225 e seus parágrafos da Constituição. Tais princípios são também adotados por legislação específica, especialmente a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. 2. Entre estes princípios está o do ‘poluidor-pagador’, conforme o § 3º do art. 225 da Constituição, no sentido de que o causador de danos ao meio ambiente ficará sujeito a sanções penais e administrativas, sem prejuízo da obrigação de reparar os danos causados. 3. O § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/1981 estabelece a ‘responsabilidade objetiva’ do causador de danos ao meio ambiente. Portanto, a apuração da responsabilidade do poluidor independe de culpa, bastando que se comprove o nexo entre sua conduta e o prejuízo ambiental. 4. É fato incontroverso que a apelante provou danos ao meio ambiente, sujeitando-se ao pagamento de indenização. 5. No caso dos autos, decidiu o Juízo de Primeiro Grau parcialmente procedente o pedido para condenar a apelante unicamente a iniciar a recuperação das áreas degradadas em 60 (sessenta) dias, contados da intimação da sentença, sob pena de multa diária no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), cujo valor deverá ser revertido ao Fundo de Recuperação dos Bens lesados, bem como ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários periciais 6. Observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 7. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AC 0201509-62.1992.4.03.6104/SP – 3ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Rubens Calixto – DEJF 24.01.2011)
Ação civil pública – dano ambiental – negativa de prova pericial – cerceamento de defesa – não configuração “Apelação cível. Ação civil pública. Dano ao meio ambiente. Prova do prejuízo. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa. Não configurado. Extensão do dano a ser apurado na execução de sentença. Apelo desprovido. Não há cerceamento de defesa ante a negativa de prova pericial para apurar a extensão do dano ambiental se os documentos apresentados são suficientes para constatar o prejuízo ao meio ambiente e a responsabilidade dos recorrentes pela regeneração da área. A extensão da área degradada, caso necessária, poderá ser aferida na fase de execução.” (TJMT – APL 97866/2010 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Mariano Alonso Ribeiro Travassos – DJMT 27.06.2011)
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Ação civil pública – dano ambiental – demonstração de culpa – desnecessidade – princípio do poluidor-pagador – observância – pagamento de indenização – exigibilidade
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Ação civil pública – tutela do meio ambiente – prescrição – inaplicabilidade –obrigação de investimento em bacia hidrográfica explorada por concessionária de serviço público – lei estadual – regulamentação – constitucionalidade “Constitucional e administrativo. Ação civil pública. Defesa do meio ambiente. Impropriedade da via eleita. Hipótese afastada. Prescrição. Inocorrência. Inteligência da Lei Estadual nº 12.503/1997. Inconstitucionalidade afastada. Obrigação de investimento de percentual de receita operacional na proteção e preservação ambiental da bacia hidrográfica explorada por concessionária de serviço público. Recurso não provido nos termos de precedente deste tribunal de justiça. 1. Tratando-se de ação civil pública que busca a tutela do meio ambiente, direito fundamental indisponível, sem interesse patrimonial direto, não há que se falar em prescrição, aplicando-se a regra geral da imprescritibilidade das ações coletivas. 2. ‘Não incorre no vício de inconstitucionalidade a lei estadual que se limita a fixar obrigação de investimento em bacia hidrográfica explorada por concessionária de serviço público, para fins de proteção ambiental, sendo manifesta a competência dos Estados membros para legislar sobre meio ambiente, nos termos do art. 24, VI, da CF/1988. A Lei Estadual nº 12.503/1997 não foi revogada pela Lei Estadual nº 13.199/1999, nem tampouco culmina em bis in idem diante da incidência da Lei Federal nº 9.433/1997, porquanto a obrigação por ela instituída é distinta daquelas estipuladas pelos demais diplomas legais, tendo finalidades e objetivos diversos. É incontroversa a obrigação da Copasa de efetuar o investimento mencionado na Lei nº 12.503/1997, aplicando 0,5% do valor total da receita operacional apurada no exercício anterior ao investimento na proteção e na preservação ambiental da bacia hidrográfica em que ocorrer a exploração [...] (TJMG – 3ª Câmara Cível, Apelação nº 1.0095.07.000078-1/001, Rel. Desembargador Dídimo Inocêncio de Paula, rejeitaram as preliminares e deram parcial provimento, v.u., DJ 25.05.2010).” (TJMG – AC 1.0430.07.001693-5/001 – 5ª C.Cív. – Rel. Mauro Soares de Freitas – DJe 12.01.2011)
Ação civil pública – esgotamento sanitário – cumprimento de normas ambientais – fiscalização – omissão do município – reconhecimento “Ação civil pública. Direito ambiental. Esgotamento sanitário. Omissão do município na fiscalização do cumprimento das normas ambientais. Dever de fiscalizar. Obrigação de fazer consistente na lacração das ligações irregulares e clandestinas. Necessidade, também, de conscientização dos usuários acerca do funcionamento do sistema, à luz do princípio da educação ambiental (art. 225, § 1º, VI, CF). Pedido procedente. Sentença mantida.” (TJSC – AC 2008.023558-0 – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva – DJe 11.03.2011)
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Ação civil pública – exploração de recursos minerais – ausência de autorização dos órgãos competentes – dano ambiental – regra da responsabilidade objetiva – observância
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“Ambiental. Ação civil pública. Exploração de recursos minerais sem autorização dos órgãos competentes. DNPM. Ibama. Patrimônio da união. Arts. 176 e 225 da CF. Código de mineração. Lei nº 6.938/1981. Resolução nº 237/1997 do Conama. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, visando à paralisação das atividades de extração de argila desenvolvidas na propriedade do demandado, localizada no Distrito de Praia Grande, Município de Fundão/ES, sem autorização dos órgãos competentes, causando evidente degradação ambiental à região apontada. As atividades de mineração submetem-se às disposições contidas no § 1º do art. 176, e no § 1º, inciso IV, do art. 225 da Constituição Federal. A nível infraconstitucional, a extração mineral é regulada pelo Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/1967), com as modificações perpetradas pela Lei nº 7.805/1989, que exige a autorização Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para execução dessa atividade, além do respectivo licenciamento ambiental. O ordenamento jurídico pátrio estabelece sanções àqueles que exercem atividade minerária sem a outorga do poder público. Leis nºs 7.805/1989 e Decreto nº 6.514/2008. Em questões ambientais prevalece a regra da responsabilidade objetiva dos causadores de danos ambientais, na dicção dos §§ 2º e 3º do art. 225 da Constituição Federal, e do § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/1981. Nesse caso, incabível a denunciação à lide. Com relação ao perdimento do produto mineral referente ao seu respectivo período de atuação sem concessão de lavra, ou seu equivalente monetário, o MPF não trouxe qualquer elemento jurídico (causa de pedir específica) ou fático (provas) que pudesse viabilizar tal condenação. A condenação do Réu à reparação dos danos ambientais causados, mediante o plantio de 555 mudas nativas na área em questão, conforme sugerido pelos técnicos do Ibama, revela-se suficiente e proporcional para desestimular condutas idênticas por parte do mesmo, sendo desnecessário o perdimento da máquina apreendida. Aplicada multa administrativamente, como dá conta o AI 425942, constante no PA em apenso, a aplicação de nova multa consubstanciaria bis in idem. Recursos não providos. Remessa de ofício prejudicada. Sentença confirmada.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2007.50.01.012918-4 – ES – 7ª TEsp – Rel. Des. Fed. Sérgio Feltrin Correa – DEJF2 24.01.2011)
Ação civil pública – lesão ao patrimônio público – anulação do termo de acordo de regime especial – possibilidade – limitação à atuação do Parquet – inadmissibilidade “Ação civil pública. Legitimidade ativa. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Termo de acordo de regime especial. Tare. Possível lesão ao patrimônio público. Limitação à atuação do Parquet. Inadmissibilidade. Afronta ao art. 129, III, da CF. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. I – O Tare não diz respeito
apenas a interesses individuais, mas alcança interesses metaindividuais, pois o ajuste pode, em tese, ser lesivo ao patrimônio público. II – A Constituição Federal estabeleceu, no art. 129, III, que é função institucional do Ministério Público, entre outras, ‘promover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’. Precedentes. III – O Parquet tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular termo de acordo de regime especial – Tare, em face da legitimação ad causam que o texto constitucional lhe confere para defender o Erário. IV – Não se aplica à hipótese o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/1985. V – Recurso extraordinário provido para que o TJDF decida a questão de fundo proposta na ação civil pública conforme entender. Republicado por haver saído com incorreção no diário da justiça eletrônico do dia 25.11.2010. Primeira Turma, acórdãos. Primeira ata de publicação de acórdãos, realizada nos termos do art. 95 do RISTF.” (STF – RE 576.155 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJe 01.02.2011 – p. 49)
Ação civil pública – licenças de instalação e operação de sistema de disposição oceânica de esgotos sanitários – exibição pela Sabesp sob pena de multa diária – alegação de morosidade no processo de licenciamento – inadmissibilidade “Agravo de instrumento. Ação civil pública ambiental. Antecipação parcial de tutela para determinar à Sabesp a exibição de licenças de instalação e operação de sistema de disposição oceânica de esgotos sanitários sob pena de multa diária. Aduzida existência de coisa julgada sobre a matéria. Descabimento. Feito com causa de pedir distinta e que foi extinto sem apreciação do mérito. Agravo desprovido. Agravo de instrumento. Ação civil pública ambiental. Antecipação parcial de tutela para determinar à Sabesp a exibição de licenças de instalação e operação de sistema de disposição oceânica de esgotos sanitários sob pena de multa diária. Alegada morosidade do processo de licenciamento. Inadmissibilidade. Irregularidade presente por mais de 22 anos. Agravo desprovido agravo de instrumento. Ação civil pública ambiental. Antecipação parcial de tutela para determinar à Sabesp a exibição de licenças de instalação e operação de sistema de disposição oceânica de esgotos sanitários sob pena de multa diária. Aduzida ilegalidade da ordem de exibição do licenciamento e da contratação de auditoria independente para averiguar a qualidade da água. Inadmissibilidade. Ordem que emana do dever de estrito cumprimento da Constituição Federal, da qual o Poder Judiciário é guardião. Contratação de auditoria que é extensão do deferimento do pedido liminar e garantia de seu cumprimento. Agravo desprovido agravo de instrumento. Ação civil pública ambiental. Antecipação parcial de tutela para determinar à Sabesp a exibição de licenças de instalação e operação de sistema de disposição oceânica de esgotos sanitários sob pena de multa diária. Alegado periculum in mora reverso. Inocorrência. Não há nos autos comprovação robusta da impossibilidade da Sabesp de arcar com os custos decorrentes de eventual descumprimento da decisão combatida. Agravo desprovido.” (TJSP – AGI 990.10.096440-2 – São Sebastião – C. Res. Meio Ambiente – Rel. Renato Nalini – DJe 13.01.2011 – p. 1191)
Ação civil pública – parcelamento de solo – Município – loteamento clandestino – regularização – prescrição – não cabimento
Ação civil pública – parque estadual – liminar impeditiva de realização de obras – ocorrência de fato superveniente modificativo do direito requerido – revisão e adequação de ofício pelo Tribunal – admissibilidade
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“Apelações cíveis. Ação civil pública. Parcelamento do solo urbano. Poder Público municipal. Lei nº 6.766/1979. Atividade vinculada. Poder Judiciário. Ingerência. Loteamento clandestino. Regularização. Ônus. Prescrição. Fato consumado. 1. A Lei nº 6.766/1979 é aplicada aos Municípios, não apenas porque versa sobre assunto de interesse local, como também porque ao referido ente federativo incumbe promover o adequado ordenamento territorial e executar a política de desenvolvimento urbano. Leitura do art. 30, inciso VIII, e do art. 182, caput, da CR/1988, c/c art. 6º, caput, da Lei nº 6.766/1979. Precedente da 3ª Seção do STJ. 2. Em tema de parcelamento do solo urbano a atividade do Poder Público municipal é vinculada e, não, discricionária, detalhe que autoriza a ingerência do Estado-juiz caso seja constatada a clandestinidade do loteamento. Precedentes do STJ. 3. O ônus de regularizar parcelamento espúrio incumbe ao loteador ou a quem faça as suas vezes, antes mesmo de caber ao Município, já que este somente se comprometerá caso aqueles inertes permanecerem. Inteligência do art. 18, caput, art. 38, § 3º, e art. 40, caput, da Lei nº 6.766/1979. Precedentes do STJ. 4. Ao contrário do que sucede no campo penal, não há falar em prescrição em tema de parcelamento clandestino do solo urbano, exatamente em virtude da perenidade dos ilícitos ocorridos, o que termina por fazer com que a ilegalidade seja constantemente renovada. Precedente do STJ. 5. A teoria do fato consumado não prescinde de lei que, expressamente, convalide os vícios então existentes, a exemplo da EC 57/2008. 6. Não há falar em aplicação da teoria do fato consumado em loteamento irregular, não somente pela ausência de lei específica que regule a hipótese, como também porque se tem como inconcebível que o decurso do tempo chancele irregularidades de envergadura constitucional. Apelações conhecidas porém desprovidas.” (TJGO – AC 200902936934 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Alan S. de Sena Conceição – DJe 22.06.2011)
“Ação civil pública. Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. ‘Ilha do Papagaio Grande’. liminar que impede a realização de obras ou ‘qualquer outra degradação do meio ambiente’. Superveniência de fato modificativo do direito vindicado. Edição da Lei nº 14.661/2009. Agravo de instrumento. Recurso provido. 1. A superveniência de fato modificativo do direito vindicado deve ser considerada pelo Tribunal, de ofício (CPC, art. 462). 2. A Lei nº 14.661, de 2009, ‘reavalia e define os atuais limites do Parque Estadual
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da Serra do Tabuleiro, criado pelo Decreto nº 1.260, de 1º de novembro de 1975, e retificado pelo Decreto nº 17.720, de 25 de agosto de 1982, institui o Mosaico de Unidades de Conservação da Serra do Tabuleiro e Terras de Massiambu, cria o Fundo Especial de Regularização, Implementação e Manutenção do Mosaico – FEUC’. Fundada a decisão impositiva de restrições à ocupação da ‘Ilha do Papagaio Grande’ em lei posteriormente revogada, deve ela ser revista e adequada ao novo ordenamento.” (TJSC – AGI 2009.062353-7 – 1ª CDPúb. – Des. Newton Trisotto – DJe 13.01.2011)
Ação civil pública – política nacional de resíduos sólidos – construção de aterro sanitário – medidas acautelatórias – descumprimento – majoração da multa – possibilidade “Processo civil e ambiental. Ação civil pública. Construção de aterro sanitário. Descumprimento de medidas acautelatórias. Majoração da multa. Descumprimento. Possibilidade. Dilação de prazo. Implementação de medidas. Não apreciação de matéria pelo Juízo a quo. Necessidade. Observância da lei. Política nacional de resíduos sólidos. Impõe-se a majoração da multa arbitrada para eventual descumprimento de decisão, quando verificados a inércia e o descaso do ente público com a decisão judicial que determinou o cumprimento de várias medidas acautelatórias, além de estar comprovada a prática de novo dano ambiental. A Lei nº 12.305/2010, que institui a política nacional de resíduos sólidos, fixa prazos máximos para implementação de políticas públicas, visando ao gerenciamento de resíduos sólidos, os quais não obstam de forma alguma o cumprimento da ordem judicial anterior à lei. Todavia, é salutar que o Juízo a quo observe as adequações que se fizerem pertinentes entre o que foi determinado in limine com a nova lei em vigência, e assim poder deliberar sobre a necessidade de dilação de prazo para cumprimento das medidas anteriormente determinadas.” (TJRO – AI 000288433.2011.8.22.0000 – Rel. Des. Rowilson Teixeira – J. 31.05.2011 – DJERO 03.06.2011)
Ação civil pública – recomposição florestal – averbação no cartório imobiliário da área de reserva legal – obrigatoriedade – aplicação retroativa – inadmissibilidade
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“Ação civil pública. Pederneiras. LF 4.771/1965, arts. 20 e 16. Recomposição florestal e averbação no cartório imobiliário da área de reserva legal. 1. Reserva legal. Recomposição florestal. O art. 16 do Código Florestal, seguindo legislação mais antiga, reservou 20% das áreas privadas para preservação da cobertura florestal. A obrigação de recompor a cobertura decorre da LF 7.803/1989, de 18.07.1989, que, ao acrescentar o § 2º ao art. 16 do Código Florestal, desvinculou a reserva legal da preexistência de matas ao estabelecê-la em no mínimo 20% ‘de cada propriedade’ e ao determinar sua averbação no cartório imobiliário e criou condições para a recomposição florestal ao nela vedar o corte raso (que implica na não exploração e na recomposição da vegetação); e da LF 8.171/1991, que, ao cuidar da política agrícola, determinou no art. 99 a recomposição das matas na reserva legal. Obrigação que decorre, ainda, do dever genérico de reparar o dano ambiental (CF, art. 225 § 3º; LF 6.938/1981, art. 14, § 1º; CE, art. 194, § 1º; Lei nº 9.989/1998, art. 1º). 2. Reserva legal. Averbação. A obrigação de averbar a reserva legal na matrícula do imóvel foi instituída pela LF 7.803/1989. Seu cumprimento não implica em aplicação retroativa às propriedades adquiridas antes dela ou em que as matas já haviam sido derrubadas, mas simples aplicação imediata da lei nova. Jurisprudência pacificada. 3. Multa. A multa diária foi fixada em R$ 100,00, conforme tem decidido a Câmara. O valor não é excessivo. Procedência parcial. Recurso do réu desprovido, com observação.” (TJSP – APL 9067078-19.2004.8.26.0000 – Ac. 5183529 – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Castilho Barbosa – DJESP 22.06.2011)
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Ação civil pública – recomposição florestal – averbação no cartório imobiliário da área de reserva legal – obrigatoriedade – aplicação retroativa – inadmissibilidade “Ação civil pública. Assis. LF 4.771/1965, arts. 20 e 16. Recomposição florestal e averbação no Cartório Imobiliário da Área de Reserva Legal. 1. Reserva legal. Recomposição florestal. O art. 16 do Código Florestal, seguindo legislação mais antiga, reservou 20% das áreas privadas para preservação da cobertura florestal. A obrigação de recompor a cobertura decorre da LF 7.803/1989, de 18.07.1989, que, ao acrescentar o § 2º ao art. 16 do Código Florestal, desvinculou a reserva legal da pré-existência de matas ao estabelecê-la em no mínimo 20% ‘de cada propriedade’ e ao determinar sua averbação no cartório imobiliário e criou condições para a recomposição florestal ao nela vedar o corte raso (que implica na não exploração e na recomposição da vegetação); e da LF 8.171/1991, que, ao cuidar da política agrícola, determinou no art. 99 a recomposição das matas na reserva legal. Obrigação que decorre, ainda, do dever genérico de reparar o dano ambiental (CF, art. 225, § 3º; LF 6.938/1981, art. 14, § 1º; CE, art. 194, § 1º; LE 9.989/1998, art. 1º). 2. Reserva legal. Averbação. A obrigação de averbar a reserva legal na matricula do imóvel foi instituída pela LF 7.803/1989. Seu cumprimento não implica em aplicação retroativa às propriedades adquiridas antes dela ou em que as matas já haviam sido derrubadas, mas simples aplicação imediata da lei nova. Jurisprudência pacificada. Procedência parcial. Recurso do réu desprovido, com observação.” (TJSP – APL 0016564-69.2007.8.26.0047 – Ac. 5183498 – Câmara Reservada ao Meio Ambiente – Rel. Des. Ivan Sartori – DJESP 22.06.2011)
Jurisprudência Comentada
A Delimitação do Dever de Informar TATIANA MACHADO CASA NOVA Advogada em Porto Alegre/RS.
COMENTÁRIO O presente estudo analisa, sucintamente, o alcance do dever de informar nas relações contratuais, a partir de interessante julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Após a contextualização da causa, discorre o trabalho acerca da interpretação de normas atinentes ao vínculo obrigacional, enfatizando-se o papel do intérprete na resolução de debates semelhantes.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA CAUSA EMENTA APELAÇÃO CÍVEL – SEGUROS – AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL – APROPRIAÇÃO INDÉBITA – Tratando-se o segurado de parte hipossuficiente na relação de consumo, não lhe é exigível conhecer as diferenças entre os tipos penais, pois este dever cabe exclusivamente aos profissionais do Direito, os quais, não raro, também fazem confusão nesse aspecto. Ora, é certo que, no momento da contratação, não foram explicadas ao segurado, leigo em Direito, as diferenças entre furto, roubo e apropriação indébita, tampouco foram especificados, com clareza, os casos de exclusão securitária. Portanto, com base no art. 47 do CDC, cabível a indenização, inclusive porque presumida a boa-fé da parte autora. Apelo improvido. (TJRS – AC 70020746129 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack – J. 07.05.2008)
Fora promovida ação indenizatória fundada em alegado inadimplemento de um contrato de seguro. Em síntese, o autor afirmou que havia segurado um equipamento contra furto, tendo-lhe sido subtraído o bem, quando o remetera para a assistência técnica. A seguradora rejeitou o pagamento da indenização, ao argumento de que não ocorrera nem roubo nem furto qualificado – as figuras protegidas pela apólice –, mas apropriação indébita, tipo penal não previsto no contrato. O relatório da sentença de 1º grau, proferida pelo Dr. Eduardo Kothe Werlang, bem explicou o caso, merecendo transcrição seus trechos mais importantes: “A. propôs ação ordinária de cobrança contra R. dizendo que, apesar do seguro contratado, Apólice nº 03 18 0024779, após evento constatado em 27.10.2005 quando foi feita a ocorrência policial relativa ao furto do aparelho Sonda Gama Probe, eis que levada para conserto e não mais entregue desde 06.07.2004, sendo impossível contatar com o responsável, Sr. H, a empresa ré recusou-se a pagar a indenização sob a alegação de não se tratar de furto qualificado. Arguiu o desconhecimento de tal cláusula pelo fato de ela não se encontrar redigida com destaque no contrato nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Alegou tratar-se de furto qualificado por abuso de confiança, conforme art. 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, pois a máquina foi entregue para orçamento e conserto sem maiores exigências em face da confiança existente entre as partes que já se conheciam de longa data e anteriores prestações de serviços. Requereu a
procedência da ação com a condenação da requerida ao pagamento do valor do equipamento segurado, R$ 40.000,00 com a incidência de IGPM e juros desde a data do fato [...] Em contestação, a requerida alegou não ter procedido ao pagamento do bem pelo fato de o evento não caracterizar furto qualificado mediante destruição ou rompimento de obstáculo no local de risco da apólice, única qualificadora indenizável contratualmente, razão pela qual a hipótese de furto por abuso de confiança, se fosse o caso, como pretendido pela autora também não estaria coberta tal qual a apropriação indébita que de fato ocorreu, eis que inexiste previsão de cobertura para tais eventos danosos. Requereu a improcedência da ação (fls. 166/171).
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Dentro desse contexto, foi proferida sentença de procedência, pelos seguintes fundamentos:
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De acordo com a apólice acostada pela requerente às fls. 56/59, a qual não foi impugnada pela ré, não se vislumbra qualquer exclusão a ser observada no item referente à cobertura contratada por roubo e furto qualificado de bens. A folha 57 refere cláusula adicional de exclusão para atos de terrorismo, os quais encontram-se detalhados na folha seguinte, 58, bem como menciona cláusula de exclusão e interpretação de datas por equipamentos eletrônicos descritos na folha subsequente, 59. Inexiste qualquer observação ou cláusula de exclusão relativa a determinado tipo de furto qualificado como, por exemplo, o ocorrido por abuso de confiança. No que diz respeito à apropriação indébita, não há referência constante da apólice e anexos, fls. 55/64, nem das condições gerais, fls. 80/119, quanto a sua definição legal ou exclusão, eis que para uma pessoa alheia à área jurídica tal figura confunde-se com o furto e o roubo, sendo necessárias tais distinções. Assim, o contrato de seguro avençado entre as partes litigantes não exclui expressamente o delito de apropriação indébita previsto no art. 168 do Código Penal. O contrato de seguro caracteriza-se por ser de adesão, portanto as cláusulas devem ser claras e de fácil entendimento pelo aderente. Verifica-se, nos autos e pelos depoimentos de fls. 200/205 e 238/239, a inexistência de prova que a empresa autora tenha tomado conhecimento das condições gerais, que tenha recebido cópia do manual do segurado, fls. 80/119, e de que tenha compreendido o fato dele integrar a apólice, bem como a diferença de cobertura entre roubo, furto e a inexistência de cobertura para dano proveniente de apropriação indébita tal é exigível face ao previsto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Além disso, a apólice descreve furto qualificado de bens, o que quer dizer que todas as formas de furto qualificado previstas nos incisos do art. 155 do Código Penal estão abrangidas pela cobertura, inclusive aquela denominada pela autora como furto por abuso de confiança. Se a própria seguradora interpreta de forma diversa o que redigiu é porque
a cláusula está pouco clara, permitindo a dubiedade de sua exegese. Nesse caso, a empresa autora compreendeu que os prejuízos decorrentes de furto estavam absorvidos pelo seguro nos exatos termos descritos na apólice de fls. 57/59, a qual não faz qualquer ressalva para limitar ou excluir a cobertura pretendida e entendida pela demandante ao contratar, uma vez que, para ela, furto por abuso de confiança e apropriação indébita são a mesma coisa, inclusive porque inexiste orientação ou diferenciação nesse sentido feita pela seguradora que conste de seu material de divulgação, apólice ou manual do segurado. [...] Como o contrato securitário caracteriza-se como uma relação de consumo, de acordo com o art. 47 do CDC, as cláusulas contratuais são interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Então, ainda que o fato delituoso seja enquadrado como apropriação indébita, a falta de previsão contratual expressa da exclusão da mesma leva a concluir que está englobada dentro do roubo ou furto, porquanto, em contratos de adesão, inviável dar interpretação extensiva à cláusula restritiva de direitos.
Interposta a apelação pela ré, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso. Dentro das premissas fáticas assinaladas nos julgados, traçamos alguns comentários.
2 ANÁLISE DO JULGADO: O DEVER DE INFORMAÇÃO E A BOA-FÉ OBJETIVA Uma questão preliminar foi implicitamente resolvida pelo Tribunal de Justiça, ao eleger o Código de Defesa do Consumidor (CDC) como o diploma correto para a aplicação no caso concreto. Ocorre que a ação fora proposta por uma clínica médica, razão pela qual se poderia cogitar inviável o aproveitamento do CDC1. 1 Por uma interpretação mais restrita, exemplificativamente: “Processual civil. Ação revisional. Conta-corrente. Pessoa jurídica. Pretensão de incidência do Código de Defesa do Consumidor. Almejada inversão do ônus da prova. Hipossuficiência não discutida. Relação de consumo intermediária. Inaplicabilidade da Lei nº 8.078/1990. I – Cuidando-se de contrato bancário celebrado com pessoa jurídica para fins de aplicação em sua atividade produtiva, não incide na espécie o CDC, com o intuito da inversão do ônus probatório, porquanto não discutida a hipossuficiência da
Vencido esse tema, o Tribunal debruçou-se sobre a natureza do contrato entabulado e concluiu ser um típico contrato de adesão, no qual, pela diversa capacidade de negociação, não é dada a escolha ao aderente de questionar as cláusulas nele contidas. Como se sabe, em tais contratações, na maior parte dos casos, o aderente não recebe informações ou esclarecimentos prévios acerca das cláusulas ali subscritas, pois elas não são negociadas, mas apresentadas para o aceite formal. E, não raras vezes, essas cláusulas estão redigidas de forma confusa (ao menos para o aderente, que não possui a qualificação técnica para desvendar a linguagem do contrato)2. Esse vício na fase pré-contratual mostrar-se-á relevante na hipótese de ocorrer o sinistro. Consoante preleciona a Professora Dra. Claúdia Lima Marques, recorrente nos autos. Precedentes. II – Nessa hipótese, não se configura relação de consumo, mas atividade de consumo intermediária,que não goza dos privilégios da legislação consumerista. III – A inversão do ônus da prova, em todo caso, que não poderia ser determinada automaticamente, devendo atender às exigências do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/1990. IV – Recurso especial não conhecido” (REsp 716.386/SP, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho, DJe 15.09.2008). 2 Nessa linha, o Juiz Eduardo Kothe Werlang, prolator da sentença de 1º grau, ao fundamentar: “O contrato de seguro caracteriza-se por ser de adesão, portanto as cláusulas devem ser claras e de fácil entendimento pelo aderente, verifica-se nos autos e pelos depoimentos de fls. 200/205 e 238/239, a inexistência de prova que a empresa autora tenha tomado conhecimento das condições gerais, que tenha recebido cópia do manual do segurado, fls. 80/119, e de que tenha compreendido o fato dele integrar a apólice, bem como a diferença de cobertura entre roubo, furto e a inexistência de cobertura para dano proveniente de apropriação indébita tal é exigível face o previsto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor”.
o elemento essencial do contrato de adesão, portanto, é a ausência de uma fase pré-negocial decisiva, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais e sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor e bens ou serviços.3
Aliás, o art. 46 do CDC refere, expressamente, que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Como detectado pela sentença de 1º grau, primeiro houvera a aceitação e apenas posteriormente a remessa do contrato, quando, inclusive, já efetuada a primeira prestação pelo aderente. Dessa forma, não havendo prévia discussão acerca das cláusulas contratuais, e não contendo o contrato informações claras e precisas que possam ser bem compreendidas pelo “homem comum”4, a interpretação deve ser a mais favorável ao contratante-consumidor, diante de dúvidas objetivas5. Esse postulado interpretativo também 3 Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 59. 4 Expressão utilizada pela Professora Cláudia Lima Marques, ao referir: “Além do que deverá o contrato de adesão ser redigido de tal forma a possibilitar a compreensão pelo homem comum” (MARQUES, Cláudia Lima (Org.). A proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p. 63). 5 Em verdade, o contrato de adesão deve ser visualizado dentro de uma nova lógica. Segundo assevera Antonio Tulio: “Il professionista che predispone un texto conttratuale e lo impone al consumatore è per definizione un contraente forte, sì che va comunque salvaguardata la posizione di chi è chiamato ad aderire a tale texto, irrilevante essendo che l’operazione negoziale rientri i una contrattazione standardizzata o meno” (Il contratto per adesione, tra il dirritto comune dei contratti e la novella sui contratti dei consumatori. Milano: Giuffrè, 1997. p. 107).
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No entanto, diante do princípio da vulnerabilidade, no cotejo entre a condição da clínica médica e a empresa seguradora, razoável se mostrou a adoção da teoria maximalista para corrigir o desequilíbrio dos contratantes.
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foi recepcionado pelo Código Civil, quando impõe, no seu art. 423, que seja adotada a interpretação mais favorável ao aderente, “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias”. Como se vê, a redação é semelhante àquela proposta no art. 47 do CDC, aplicado pelo julgador6. No caso em tela, não se poderia exigir do consumidor conhecer a diferença entre os tipos penais “furto, roubo e apropriação indébita”. Aí residia sua vulnerabilidade. E, justamente, dessa vulnerabilidade decorre o imperativo constitucional de proteção. Nesse compasso, refere Cristiano Heineck Schmitt que a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo é um dos indicativos da necessidade de sua proteção, exercida principalmente por meio de intervenção estatal nas relações de consumo. Essa fragilidade pode ser vista, ao menos sob três enfoques, todos eles direcionados à manutenção da igualdade entre cosumidor e fornecedor nas relações de consumo.7
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Assim, no intuito de proteção do consumidor de boa-fé, e a fim de restabelecer o equilíbrio da relação, a empresa foi condenada a cumprir o contrato, porque não se poderia exigir, no caso concreto, o conhecimento da diferença entre as figuras penais da apropriação indébita, furto e roubo.
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É justamente nesse ponto que surge o debate quanto à extensão do dever de informar. No caso em comento, a intenção do consumidor era a de proteger o bem (aparelho de imagem) de forma ampla, caso fosse subtraído ou desaparecesse. Não houve, por parte da seguradora, qualquer informação acerca da extensão da previsão contratual dessa proteção, especialmente na fase pré-contratual. Daí a conclusão de que o contrato escrito inovou nesse aspecto, prevendo cobertura apenas ao caso de “furto qualificado”, alterando o acordo de vontades primitivo. 6 “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” 7 Cláusulas abusivas nas relações de consumo. São Paulo: RT, v. 27, 2006. p. 160.
O dever de informação, além de se tratar de direito básico do consumidor, com previsão expressa no estatuto consumerista (art. 6º, inciso III, da Lei nº 8.060/1990), decorre, ainda, da cláusula geral de boa-fé (prevista, entre outras normas, no art. 422 do Código Civil de 2002, nos arts. 4º, inciso III, e 51, inciso IV, do CDC)8. A conexão entre a boa-fé e o dever de informar é bem realizada pelo Professor Bruno Miragem: O princípio da boa-fé impõe ao fornecedor, neste sentido, um dever de informar qualificado, uma vez que não existe simplesmente o cumprimento formal do oferecimento de informações, senão o dever substancial de que estas sejam efetivamente compreendidas pelo consumidor. Neste âmbito é que podem se desenvolver, de acordo com as peculiaridades da relação de consumo de que se trate, modos específicos sobre como devem ser cumpridas as exigências do princípio da boa-fé. É o caso do dever de esclarecimento, pelo qual o fornecedor é obrigado a informar sobre os riscos do serviço, as situações em que o mesmo é prestado, sua forma de utilização, entre outros aspectos relevantes da contratação.9
Destarte, se, no momento do encontro de vontades, não são prestados esclarecimentos ao consumidor (que não possui o conhecimento técnico do profissional do direito) quanto ao efetivo alcance da proteção contratual (no caso acerca das diferenças entre furto, roubo e apropriação indébita), não poderia a seguradora eximir-se do pagamento da indenização. Cabia, à seguradora, adimplir o dever de informar, no plano do direito material. E, dentro do processo, o ônus de demonstrar que tais esclarecimentos foram repassados ao consumidor. Este segundo tema não foi debatido no caso analisado, porém é de fundamental importância em tantos outros litígios. 8 Em que pese não haja menção no acórdão em exame, o art. 765 do Código Civil é específico ao tema: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. 9 MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor. São Paulo: RT, 2008. p. 73.
Não se pode olvidar, ademais, do dever de transparência, também associado à boa-fé. Aliás, o imperativo de transparência, “numa perspectiva de amplitude máxima, desdobrar-se-ia em deveres de informação e de lealdade, complementando ou integrando (como subprincípio) o princípio da boa-fé”10.
teloso por parte do Judiciário, a proteção do consumidor e o reequilíbrio das forças dos sujeitos nas relações consumeristas não passarão de garantias formais preconizadas pela Constituição Federal, no art. 17014, inciso V, e art. 5º.
Exsurge, ainda, do dever de boa-fé, a necessidade de se tutelar a confiança despertada na parte contratante. Isso porque
SÍNTESE
Na mesma linha, o ilustre Professor Dr. Ruy Rosado de Aguiar Junior, ao referir-se à boa-fé objetiva como um princípio geral do Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade. O princípio gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avença.12
Como se observa, é fundamental o papel desempenhado pelo julgador na aplicação do princípio da boa-fé, uma vez que, em se tratando de cláusula geral, depende de intervenção judicial para aplicação ao caso em concreto13. Sem um trabalho cau10 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do consumo. Coimbra: Almedina, 2005. p. 121. 11 USTÁRROZ, Daniel. Responsabilidade contratual. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 67-68. 12 Cláusulas abusivas no Código do Consumidor. In: MARQUES, Cláudia Lima (Org.). Op. cit., p. 18. 13 Nessa linha, a lição de Mário Júlio de Almeida Costa: “Contudo, insiste-se,
Como se observa, a relação obrigacional necessariamente projeta nos envolvidos expectativas que devem ser garantidas pelo Direito, quando legítimas. O comportamento das partes, sua efetiva condição de influenciar a redação, a correspondência entre o acordado e o escrito, os usos e costumes, a função social do contrato são alguns dos critérios que devem guiar o intérprete na resolução dos litígios concretos. No caso concreto, a tutela do aderente foi justificada pelo excessivo tecnicismo utilizado na redação do contrato. Como ponderou o julgador, frente ao leigo, “não lhe é exigível conhecer as diferenças entre os tipos penais, pois este dever cabe exclusivamente aos profissionais do Direito, os quais, não raro, também fazem confusão neste aspecto”. Dentro desse contexto, correta a interpretação oferecida pela Corte para salvaguardar a utilidade do contrato. o ditame da boa-fé não se apresenta pronto para imediata e formal execução, self-executing. Visto que consagrado através de uma cláusula geral, carece ainda de uma mediação concretizadora. O legislador enuncia um princípio, estabelece um projecto ou plano de regulamentação que envia ou comete ao juiz. E este deverá partir das exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determina expectativas dos sujeitos jurídicos” (Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 2000. p. 104-105). 14 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor; [...].”
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o vínculo contratual encerra uma série de fases, desencadeadas a partir da soma de atividades dos interessados. Uma vez reconhecido que, em última análise, a satisfação negocial de um parceiro depende do escorreito adimplemento do par, a relação obrigacional assume nova dinâmica. E surge a necessidade de proteger as esperanças geradas a partir do entretenimento havido. Essa é a função principal do princípio da boa-fé objetiva: resguardar a integral utilidade do vínculo, protegendo os interessados de danos oriundos de comportamentos inesperados.11
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Medidas Provisórias
Medida Provisória nº 672, de 24.03.2015 Dispõe sobre a política de valorização do salário-mínimo para o período de 2016 a 2019. (DOU de 25.03.2015)
Medida Provisória nº 671, de 19.03.2015 Institui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais, e dá outras providências. (DOU de 20.03.2015)
Medida Provisória nº 671, de 19.03.2015 Institui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais, e dá outras providências. (DOU de 20.03.2015 – Rep. Parcial DOU – Ed. Extra de 20.03.2015)
Medida Provisória nº 670, de 10.03.2015 Altera a Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, para dispor sobre os valores da tabela mensal do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física; a Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988; e a Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995. (DOU de 11.03.2015)
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Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação
2 .156-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene
2.187-13, DE 24.08.2001
2.157-5, DE 24.08.2001
Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA
2.189-49, DE 23.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.158-35, DE 24.08.2001
Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação
2.190-34, DE 23.08.2001
Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999
2.159-70, DE 24.08.2001
IR. Alteração na Legislação
2.192-70, DE 24.08.2001
Proes. Bancos Estaduais
2.161-35, DE 23.08.2001
Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997
2.196-3, DE 24.08.2001
Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea
2.162-72, DE 23.08.2001
Notas do Tesouro Nacional – NTN
2.197-43, DE 24.08.2001
SFH. Disposições
2.163-41, DE 23.08.2001
Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998
2.198-5, DE 24.08.2001
Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica
2.164-41, DE 24.08.2001
Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT
2.199-14, DE 24.08.2001
IR. Incentivos Fiscais
2.165-36, DE 23.08.2001
Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte
2.200-2, DE 24.08.2001
Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil
2.166-67, DE 24.08.2001
Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965
2.206-1, DE 06.09.2001
Programa Nacional de Renda Mínima
2.167-53, DE 23.08.2001
Recebimento de Valores Mobiliários pela União
2.208, DE 17.08.2001
Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação
2.168-40, DE 24.08.2001
Cooperativas. Recoop. Sescoop
2.209, DE 29.08.2001
Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE
2.169-43, DE 24.08.2001
Servidor Público. Vantagem de 28,86%
2.210, DE 29.08.2001
Orçamento. Crédito Extraordinário
2.170-36, DE 23.08.2001
Tesouro Nacional. Administração de Recursos
2.211, DE 29.08.2001
Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes
2.172-32, DE 23.08.2001
Usura. Agiotagem
2.213-1, DE 30.08.2001
Programa Bolsa-Renda. Estiagem
2.173-24, DE 23.08.2001
Anuidades Escolares
2.214, DE 31.08.2001
Administração Pública Federal. Recursos
2.174-28, DE 24.08.2001
União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV
2.215-10, DE 31.08.2001
Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração
2.177-44, DE 24.08.2001
Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998
2.220, DE 04.09.2001
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU
2.178-36, DE 24.08.2001
Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola
2.224, DE 04.09.2001
Capitais Brasileiros no Exterior
2.225-45, DE 04.09.2001
Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990
2.179-36, DE 24.08.2001
União e Banco Central. Relações Financeiras
2.180-35, DE 24.08.2001
Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação
2.226, DE 04.09.2001
Alteração da CLT
2.181-45, DE 24.08.2001
Operações Financeiras do Tesouro Nacional
2.227, DE 04.09.2001
Plano Real. Correção Monetária. Exceção
2.183-56, DE 24.08.2001
Reforma Agrária. Alteração na Legislação
2.228-1, DE 06.09.2001
2.184-23, DE 24.08.2001
Carreira Policial. Gratificação
Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines
2.185-35, DE 24.08.2001
Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento
2.229-43, DE 06.09.2001
Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação
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DOU 24.11.2014
ART 1º
NORMA LEGAL Lei nº 12.800/13
663 664 664 664 664 664 664 665 665 665
19.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra
1º 1º 2º 3º 4º 6º 6º 1º 2º 4º
Lei nº 12.096/09 Lei nº 8.213/91 Lei nº 10.876/04 Lei nº 8.112/90 Lei nº 10.666/03 Lei nº 8.112/90 Lei nº 8.213/91 Lei nº 7.998/90 Lei nº 10.779/03 Lei nº 7.859/89
ALTERAÇÃO 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 13, 14, 15, 16, 22 e 23-A 1º 25, 26, 29, 43, 60, 74, 75 e 77 2º 215, 217, 218, 222, 223 e 225 12 216 e 218 17, 59, 60 e 151 3º, 4º, 9º e 9º-A 1º e 2º Revogada
MP 665 665 665 668 668 668 668 668 668 668 670 670
DOU 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 11.03.2015 11.03.2015
ART 4º 4º 4º 1º 2º 4º 4º 4º 4º 4º 1º 2º
NORMA LEGAL Lei nº 7.998/90 Lei nº 8.900/94 Lei nº 10.779/03 Lei nº 10.865/04 Lei nº 11.941/09 Lei nº 4.380/64 Lei nº 9.430/96 Lei nº 10.150/00 Lei nº 13.097/15 Lei nº 8.177/91 Lei nº 11.482/07 Lei nº 7.713/88
ALTERAÇÃO 2-Bº, 3º e 9º Revogada 2º 8º, 15, 17, 10 44 a 53 74 28 169 18 e 18-A 1º 6º, 12-A e 12-B
Abril/2015 – Ed. 217
Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.03.2015)
70
Abril/2015 – Ed. 217
MP 670 670 671 671 671 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41
DOU 11.03.2015 11.03.2015 20.03.2015 20.03.2015 20.03.2015 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
ART 3º 4º 32 33 37 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º
NORMA LEGAL Lei nº 9.250/95 Lei nº 7.713/88 Lei nº 10.671/03 Lei nº 9.615/98 MP 669 de 2015 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90
2.164-41
27.08.2001
1º e 2º
CLT
2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra
3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º
Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65
2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44
25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001
3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º
Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98
2.178-36
71
25.08.2001-extra
16
Lei nº 9.533/97
ALTERAÇÃO 4º, 8º e 10 12 10 e 37 18-A, 23 e 89 Revogada 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º
MP 2.178-36 2.180-35
DOU 25.08.2001-extra 27.08.2001
ART 32 1º
NORMA LEGAL Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92
ALTERAÇÃO Revogada 1º e 4º
2.180-35
27.08.2001
4º
Lei nº 9.494/97
2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10
27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001
6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41
Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92
2.217-3
05.09.2001
1º
Lei nº 10.233/01
2.220 2.224 2.225-45 2.225-45
05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
15 4º 1º 2º, 3º e 15
Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90
2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1
05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001
4º 5º 1º 3º 51 52 e 53
Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91
2.229-43 2.229-43
10.09.2001 10.09.2001
72 74
Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93
1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º
Normas Legais
Lei nº 13.112, de 30.03.2015 Altera os itens 1º e 2º do art. 52 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para permitir à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento do filho. (DOU de 31.03.2015) Lei nº 13.111, de 25.03.2015 Dispõe sobre a obrigatoriedade de os empresários que comercializam veículos automotores informarem ao comprador o valor dos tributos incidentes sobre a venda e a situação de regularidade do veículo quanto a furto, multas, taxas anuais, débitos de impostos, alienação fiduciária ou quaisquer outros registros que limitem ou impeçam a circulação do veículo. (DOU de 26.03.2015) Lei nº 13.110, de 25.03.2015 Altera a Lei nº 11.145, de 26 de julho de 2005, que institui a Fundação Universidade Federal do ABC – UFABC, e dá outras providências. (DOU de 26.03.2015) Lei nº 13.109, de 25.03.2015 Dispõe sobre a licença à gestante e à adotante, as medidas de proteção à maternidade para militares grávidas e a licença-paternidade, no âmbito das Forças Armadas. (DOU de 26.03.2015) Lei nº 13.108, de 25.03.2015 Institui o dia 8 de agosto como Dia Nacional do Elos Internacional da Comunidade Lusíada. (DOU de 26.03.2015) Lei nº 13.107, de 24.03.2015 Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 9.504, de 30 de setembro de 1997, para dispor sobre fusão de partidos políticos. Mensagem de veto (DOU de 25.03.2015) Lei nº 13.106, de 17.03.2015 Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 – Lei das Contravenções Penais. (DOU de 18.03.2015) Lei nº 13.105, de 16.03.2015 Código de Processo Civil. Mensagem de veto (DOU de 17.03.2015) Lei nº 13.104, de 09.03.2015 Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. (DOU de 10.03.2015) Lei nº 13.103, de 02.03.2015 Dispõe sobre o exercício da profissão de motorista; altera a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, e 11.442, de 5 de janeiro de 2007 (empresas e transportadores autônomos de carga), para disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional; altera a Lei nº 7.408, de 25 de novembro de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012; e dá outras providências. (DOU de 03.03.2015)
Indicadores
I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Maio/2015 – Atualização: Abril/2015)
1 – Índice de Atualização Monetária até 28 de fevereiro de 2015 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º abril/2015 a 1º maio/2015 (Banco Central) = 0,10740%
Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997
Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009
JAN
0,002881640 0,000229389 0,008909217 2,330881185 1,770881699 1,615987804
JAN
1,149593128 1,129062058 1,097951321 1,076024810 1,060694477 1,043632711
FEV
0,002296493 0,000180963 0,006298937 2,282910389 1,748974050 1,604053645
FEV
1,148123530 1,126943404 1,095403413 1,073674537 1,059624256 1,041715954
MAR
0,001828273 0,000143167 0,004503745 2,241375460 1,732300656 1,593510944
MAR
1,147597930 1,125860327 1,094609821 1,072900975 1,059366830 1,041246352
ABR
0,001471210 0,000113796 0,003175005 2,190987138 1,718315288 1,583509530
ABR
1,145561123 1,122901481 1,092345389 1,070891982 1,058933726 1,039751190
MAIO
0,001215073 0,000088751 0,002175108 2,117577093 1,707053854 1,573735062
MAIO
1,144560776 1,120656806 1,091412231 1,069531537 1,057923409 1,039279357
JUN
0,001014166 0,000068970 0,001485324 2,050979730 1,697061555 1,563798685
JUN
1,142794017 1,117832044 1,089355528 1,067728145 1,057145350 1,038812930
JUL
0,000837808 0,000053021 2,781024827 1,993442985 1,686773921 1,553645611
JUL
1,140785094 1,114496357 1,087249526 1,066710503 1,055935249 1,038131915
AGO
0,000677345 0,040669918 2,647935561 1,935560062 1,676962016 1,543489450
AGO
1,138562620 1,111633899 1,085349080 1,065145804 1,053918049 1,037041984
SET
0,000549704 0,030500914 2,592680357 1,886428043 1,666504699 1,533872073
SET
1,136284370 1,107794284 1,082711594 1,063586586 1,052261789 1,036837727
OUT
0,000438430 0,022657045 2,530948004 1,850540511 1,655544991 1,524005660
OUT
1,134324258 1,104880714 1,081067291 1,063212335 1,050192909 1,036837727
NOV
0,000350548 0,016594920 2,467890923 1,820430589 1,643352956 1,514083868
NOV
1,133068817 1,102565327 1,079044083 1,061999531 1,047567705 1,036837727
DEZ
0,000284328 0,012187809 2,397849732 1,794611513 1,630074370 1,491217539
DEZ
1,131771807 1,100442573 1,077662520 1,061373321 1,045875478 1,036837727
Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015
JAN
1,471956981 1,365529546 1,291530459 1,265011893 1,236749015 1,203033515
JAN
1,036285387 1,029196776 1,016913402 1,013975821 1,012042586 1,003420020
FEV
1,455280917 1,358515531 1,288760912 1,263282459 1,233552880 1,197193604
FEV
1,036285387 1,028461427 1,016035547 1,013975821 1,010904307 1,002539790
MAR
1,448817741 1,347335342 1,285767645 1,262817742 1,232110079 1,192286154
MAR
1,036285387 1,027922795 1,016035547 1,013975821 1,010361743 1,002371392
ABR
1,435901805 1,331867038 1,282891402 1,260644391 1,229947830 1,187793918
ABR
1,035465299 1,026678461 1,014951579 1,013975821 1,010093058 1,001074000
MAIO
1,429156188 1,323802434 1,281224529 1,258698443 1,227055660 1,182844895
MAIO
1,035465299 1,026299756 1,014721237 1,013975821 1,009629638 1,000000000
JUN
1,422692894 1,316219692 1,278039654 1,256402995 1,224481800 1,177370124
JUN
1,034937481 1,024690991 1,014246570 1,013975821 1,009020190
JUL
1,415737376 1,312141556 1,275310490 1,254573826 1,222547729 1,172485549
JUL
1,034328261 1,023550756 1,014246570 1,013975821 1,008551214
AGO
1,407989211 1,308304300 1,273340632 1,251518869 1,219309244 1,166112743
AGO
1,033139118 1,022294356 1,014100540 1,013763944 1,007489320 1,032200847 1,020176470 1,013975821 1,013763944 1,006883176
SET
1,402730375 1,304462657 1,270767328 1,247233375 1,216291624 1,161422917
SET
OUT
1,396429684 1,300930631 1,269449639 1,245207423 1,213918414 1,157528989
OUT
1,031476751 1,019154258 1,013975821 1,013683863 1,006004934
NOV
1,384122071 1,297990682 1,267781239 1,241590669 1,210567563 1,153821760
NOV
1,030990123 1,018522774 1,013975821 1,012752131 1,004961784
DEZ
1,375680893 1,295402467 1,266265520 1,239201488 1,207375262 1,151776206
DEZ
1,030643827 1,017866250 1,013975821 1,012542535 1,004476622
OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Justiça do Trabalho - 2ª Região
TABELA PARA ATUALIZAÇÃO DIÁRIA DE DÉBITOS TRABALHISTAS
ANO TX PRO RATA DIE TX ACUMULADA COEFICIENTE TX PRO RATA DIE TX(%) ACUMULADAACUMULADO COEFICIENTE 2015 (%)
ANO 2015
1º ABRIL ABRIL
(%)
0,005367% 0,005367%
(%)
0,000000% 0,000000%
ACUMULADO
1,00000000 1,00000000
1º 02 ABRIL 0,005367% 0,005367% 02 ABRIL 0,005367% 0,005367% 1,00005367 1,00005367 03 ABRIL - 0,010735% 03 ABRIL 0,010735% 1,00010735 1,00010735 04 ABRIL 0,010735% 04 ABRIL - - 0,010735% 1,00010735 1,00010735 05 ABRIL 0,010735% 05 ABRIL - - 0,010735% 1,00010735 1,00010735 06 ABRIL 0,005367% 0,010735% 06 ABRIL 0,005367% 0,010735% 1,00010735 1,00010735 07 ABRIL 0,005367% 0,016103% 07 ABRIL 0,005367% 0,016103% 1,00016103 1,00016103 08 ABRIL 0,005367% 0,021471% 08 ABRIL 0,005367% 0,021471% 1,00021471 1,00021471 09 ABRIL 0,005367% 0,026839% 09 ABRIL 0,005367% 0,026839% 1,00026839 1,00026839 10 ABRIL 0,005367% 0,032208% 10 ABRIL 0,005367% 0,032208% 1,00032208 1,00032208 11 ABRIL - 0,037577% 1,00037577 11 ABRIL 0,037577% 1,00037577 12 ABRIL 0,037577% 12 ABRIL - - 0,037577% 1,00037577 1,00037577 13 ABRIL 0,005367% 0,037577% 13 ABRIL 0,005367% 0,037577% 1,00037577 1,00037577 14 ABRIL 0,005367% 0,042946% 14 ABRIL 0,005367% 0,042946% 1,00042946 1,00042946 15 ABRIL 0,005367% 0,048316% 15 ABRIL 0,005367% 0,048316% 1,00048316 1,00048316 16 ABRIL 0,005367% 0,053686% 16 ABRIL 0,005367% 0,053686% 1,00053686 1,00053686 17 ABRIL 0,005367% 0,059056% 17 ABRIL 0,005367% 0,059056% 1,00059056 1,00059056 18 ABRIL 0,064426% 18 ABRIL - - 0,064426% 1,00064426 1,00064426 19 ABRIL 0,064426% 19 ABRIL - - 0,064426% 1,00064426 1,00064426 20 ABRIL 0,005367% 0,064426% 20 ABRIL 0,005367% 0,064426% 1,00064426 1,00064426 21 ABRIL 0,069797% 21 ABRIL - - 0,069797% 1,00069797 1,00069797 22 ABRIL 0,005367% 0,069797% 1,00069797 22 ABRIL 0,005367% 0,069797% 1,00069797 23 ABRIL 0,005367% 0,075168% 23 ABRIL 0,005367% 0,075168% 1,00075168 1,00075168 24 ABRIL 0,005367% 0,080539% 24 ABRIL 0,005367% 0,080539% 1,00080539 1,00080539 25 ABRIL 0,085911% 25 ABRIL - - 0,085911% 1,00085911 1,00085911 26 ABRIL 0,085911% 26 ABRIL - - 0,085911% 1,00085911 1,00085911 27 ABRIL 0,005367% 0,085911% 27 ABRIL 0,005367% 0,085911% 1,00085911 1,00085911 28 ABRIL 0,005367% 0,091283% 28 ABRIL 0,005367% 0,091283% 1,00091283 1,00091283 29 ABRIL 0,005367% 0,096655% 29 ABRIL 0,005367% 0,096655% 1,00096655 1,00096655 30 ABRIL 0,005367% 0,102027% 1,00102027 30 ABRIL 0,005367% 0,102027% 1,00102027 1º MAIO - 0,107400% 1,00107400 1º MAIO 0,107400% 1,00107400 TR ABR/2015(1ºABR-1ºMAI)= 0,10740% (BANCO CENTRAL 02/04/15)
TR ABR/2015 (1º ABR-1º MAIO) = 0,10740% (BANCO CENTRAL, 02.04.2015).
Abril/2015 – Ed. 217
74
2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.
Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.
Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
Nº Meses
% Efetivo
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940
33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –
38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –
Abril/2015 – Ed. 217
II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989
75
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.10.1989
NCz$
381,73
Decreto nº 98.211/89
02.10.1989
01.09.1990
Cr$
6.056,31
Port. 3.588/90
03.09.1990
01.11.1989
NCz$
557,33
Decreto nº 98.346/89
31.10.1989
01.10.1990
Cr$
6.425,14
Port. 3.628/90
01.10.1990
01.12.1989
NCz$
788,18
Decreto nº 98.456/89
01.12.1989
01.11.1990
Cr$
8.329,55
Port. 3.719/90
01.11.1990
01.01.1990
NCz$
1.283,95
Decreto nº 98.783/89
29.12.1989
01.12.1990
Cr$
8.836,82
Port. 3.787/90
03.12.1990
Cr$
12.325,50
Port. 3.828/90
31.12.1990
01.02.1990
NCz$
2.004,37
Decreto nº 98.900/90
01.02.1990
01.01.1991
01.03.1990
NCz$
3.674,06
Decreto nº 98.985/90
01.03.1990
01.02.1991
Cr$
15.895,46
MP 295/91
01.02.1991
01.04.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.143/90
24.04.1990
01.03.1991
Cr$
17.000,00
Lei nº 8.178/91
04.03.1991
Cr$
42.000,00
Lei nº 8.222/91
06.09.1991
01.05.1990
Cr$
3.674,06
Port. 3.352/90
23.05.1990
01.09.1991
01.06.1990
Cr$
3.857,76
Port. 3.387/90
04.06.1990
01.01.1992
Cr$
96.037,33
Port. 42/92
21.01.1992
01.07.1990
Cr$
4.904,76
Port. 3.501/90
16.07.1990
01.05.1992
Cr$
230.000,00
Lei nº 8.419/92
08.05.1992
01.08.1990
Cr$
5.203,46
Port. 429/90
01.08.1990
01.09.1992
Cr$
522.186,94
Port. 601/92
31.08.1992
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
Vigência
Moeda
Valor
Norma Legal
DOU
01.01.1993
Cr$
1.250.700,00
Lei nº 8.542/92
24.12.1992
03.04.2000
R$
151,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.03.1993
Cr$
1.709.400,00
Port. Interm. 4/93
01.03.1993
01.04.2001
R$
180,00
MP 2.142/01 (atual 2.194-6)
30.03.2001
01.05.1993
Cr$
3.303.300,00
Port. Interm. 7/93
04.05.1993
01.04.2002
R$
200,00
Lei nº 10.525/02
28.03.2002
01.07.1993
Cr$
4.639.800,00
Port. Interm. 11/93
01.08.1993
01.04.2003
R$
240,00
Lei nº 10.699/03
10.07.2003
01.08.1993
CR$
5.534,00
Port. Interm. 12/93
03.08.1993
01.05.2004
R$
260,00
Lei nº 10.888/04
25.06.2004
01.09.1993
CR$
9.606,00
Port. Interm. 14/93
02.09.1993
01.05.2005
R$
300,00
Lei nº 11.164/05
19.08.2005
01.10.1993
CR$
12.024,00
Port. Interm. 15/93
04.10.1993
01.04.2006
R$
350,00
MP 288/06
31.03.2006
01.11.1993
CR$
15.021,00
Port. Interm. 17/93
03.11.1993
01.04.2006
R$
350,00
Lei nº 11.321/06
10.07.2006
01.12.1993
CR$
18.760,00
Port. Interm. 19/93
02.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
MP 362/07
30.03.2007-extra
01.01.1994
CR$
32.882,00
Port. Interm. 20/93
31.12.1993
01.04.2007
R$
380,00
Lei nº 11.498/07
29.06.2007
01.02.1994
CR$
42.829,00
Port. Interm. 02/94
02.02.1994
01.03.2008
R$
415,00
MP 421/08
29.02.2008-extra
01.03.1994
URV
64,79
Port. Interm. 04/94
03.03.1994
01.02.2009
R$
465,00
MP 456/09
30.01.2009-extra
01.07.1994
R$
64,79
Lei nº 9.069/95
30.06.1994/30.06.1995
01.01.2010
R$
510,00
MP 474/09
24.12.2009
01.09.1994
R$
70,00
Lei nº 9.063/95
01.09.1994/20.06.1995
01.01.2011
R$
540,00
MP 516/10
31.12.2010
01.05.1995
R$
100,00
Lei nº 9.032/95
29.04.1995
01.03.2011
R$
545,00
Lei nº 12.382/11
28.02.2011
01.05.1996
R$
112,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2012
RS
622,00
Decreto nº 7.655/11
26.12.2011
01.05.1997
R$
120,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2013
R$
678.00
Decreto nº 7.872/11
26.12.2012
01.05.1998
R$
130,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2014
R$
724,00
Decreto nº 8.166/13
24.12.2013
01.05.1999
R$
136,00
Lei nº 9.971/00
19.05.2000
01.01.2015
R$
788,00
Decreto nº 8.381/14
29.12.2014
Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:
R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);
II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)
Abril/2015 – Ed. 217
III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Fevereiro/2015)
76
8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)
9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo
Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)
Até R$ 1.399,12
8,00*
De R$ 1.399,13 até 2.331,8
9,00*
De R$ 2.331,89 até 4.663,75
11,00*
* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.
Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.
IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$
Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
-
-
De 1.787,78 até 2.679,29
7,5
134,08
De 2.679,30 até 3.572,43
15,0
335,03
De 3.572,44 até 4.463,81
22,5
602,96
Acima de 4.463,81
27,5
826,15
Até 1.787,77
Abril/2015 – Ed. 217
Dedução por dependente
TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.
179,71
V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014) Recurso Ordinário
R$ 7.485,83
Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória
R$ 14.971,65
Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.
77
VI – Indexadores Indexador
Outubro
Novembro
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
Março
INPC IGPM UFIR SELIC
0,38 0,28
0,53 0,98
0,62 0,29
1,48 0,76
1,16 0,27
1,51 0,98
Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.
0,95
0,84
0,96
0,94
Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75
TDA
0,82
1,04
Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23
(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.
VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.
Mês/Ano 1998
JAN 11.230,659840 140.277,063840 FEV 14.141,646870 180.634,775106 MAR 17.603,522023 225.414,135854 ABR 21.409,403484 287.583,354522 MAIO 25.871,123170 369.170,752199 JUN 32.209,548346 468.034,679637 JUL 38.925,239176 610.176,811842 AGO 47.519,931986 799,392641 SET 58.154,892764 1065,910147 OUT 72.100,436048 1445,693932 NOV 90.897,019725 1938,964701 DEZ 111.703,347540 2636,991993
JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359
13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849
18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230
1999
2000
2001
2002
19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011
2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960
Abril/2015 – Ed. 217
Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997
78
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2004
2005 2006 2007
31,052744 32,957268 31,310481 33,145124 31,432591 33,290962 31,611756 33,533986 31,741364 33,839145 31,868329 34,076019 32,027670 34,038535 32,261471 34,048746 32,422778 34,048746 32,477896 34,099819 32,533108 34,297597 32,676253 34,482804
2008
2009
34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658
39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135
Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
2010
2011 2012 2013
41,495485 44,178247 46,864232 41,860645 44,593522 47,103239 42,153669 44,834327 47,286941 42,452960 45,130233 47,372057 42,762866 45,455170 47,675238 42,946746 45,714264 47,937451 42,899504 45,814835 48,062088 42,869474 45,814835 48,268754 42,839465 46,007257 48,485963 43,070798 46,214289 48,791424 43,467049 46,362174 49,137843 43,914759 46,626438 49,403187
2014
2015
49,768770 52,537233 55,809388 50,226642 52,868217 56,635366 50,487820 53,206573 57,292336 50,790746 53,642866 58,157450 51,090411 54,061280 51,269227 54,385647 51,412780 54,527049 51,345943 54,597934 51,428096 54,696210 51,566951 54,964221 51,881509 55,173085 52,161669 55,465502
Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.
Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967
NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990
NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970
Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993
Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986
CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994
Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988
R$ (real): de jul./1994 em diante
Exemplo: Atualização, até abril de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988. Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 58,157450 (abril/2015) = R$ 97,42
Abril/2015 – Ed. 217
Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:
79
Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)
Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Site do TJSP * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.
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Jornal Jurídico Abril/2015 – Edição 217