Jornal Juridico Maio 2015

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GESTÃO AMBIENTAL E LICENCIAMENTO AMBIENTAL – Toshio Mukai – p. 1

As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa – Carlos Athayde Valadares Viegas e Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas – p. 8 A Prisão Domiciliar e a Falta de Vagas no Sistema Prisional. Os Direitos e as Garantias dos Apenados na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e nos Tribunais Superiores – Adriano Marcos Lehnen – p. 21 Uma Crítica Imanente das Reformas da Previdência Social no Brasil – Marcus Orione Gonçalves Correia – p. 37 Estudo de Caso: o Recurso Extraordinário nº 567.935/SC e a Invalidade da Inclusão dos Descontos Incondicionais na Base de Cálculo do IPI – Hugo Barroso Uelze – p. 55 Trasladação de Registro de Casamento de Pessoas do Mesmo Sexo – Tiago Machado Burtet – p. 69 Acórdão na Íntegra – Tribunal Regional Federal da 4ª Região – p. 78 Pesquisa Temática – Parcelamento – p. 83 Jurisprudência Comentada – Empregada de Autarquia – Dispensa sem Justa Causa –Estabilidade – Luís Rodolfo Cruz e Creuz – p. 86 Medida Provisória – p. 96 Normas Legais – p. 99 Indicadores – p. 100

Jornal Jurídico Maio/2015 – Edição 218


Doutrina

Gestão Ambiental e Licenciamento Ambiental

determinados e diferentes e/ou idênticos dispositivos constitucionais.

TOSHIO MUKAI

Segundo o referido art. 24 da CF, tanto a União como os Estados e o Distrito Federal detêm competência legislativa para disciplinar por seus poderes correspondentes, concorrentemente, “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição” (VI) e “proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”. Os municípios atuarão aqui com base no art. 30, II, da CF (suplementar à legislação federal e estadual no que couber).

Mestre e Doutor em Direito do Estado (USP), Membro de Comissão de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (OAB/SP), Membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB (RJ), Membro da Comissão de Direito Administrativo do IAB (RJ), Consultor Jurídico da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB. Foi Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito Mackenzie/SP.

I – Esta abordagem é parte da palestra que proferi por ocasião da realização do II Congresso Internacional de Sustentabilidade e Cooperativismo – Uma Nova Ordem Mundial, realizando-se esse evento nos dias 17 a 19.11.2014 na sede do CREA – M. B. H./MG. A palestra referida tem o título “Gestão e Licenciamento Ambiental para uma Nova Era”. Por essa razão, essa abordagem, devendo ter pouco tempo para o seu desenvolvimento, terá que apenas indicar os principais aspectos, assuntos e eventuais legislações respectivas que se enquadrem no tema “Gestão Ambiental”.

Assim, temos em primeiro lugar o art. 24 da Constituição Federal, que nos traz o aspecto essencialmente legislativo da proteção ambiental.

O § 1º dispõe que à União compete legislar sobre normas gerais apenas quando estivermos tratando de competência concorrente, não significando que a União não tenha competências específicas sobre certas matérias em especial, notadamente quando se tratar de legislações restritivas para o exercício do poder de polícia e de legislações de gestões ambientais.

II – Dessa forma, vamos considerar, em primeiro lugar, um aspecto constitucional importante para o tema.

O § 2º dá competência aos Estados para legislar sobre normas gerais; e o § 3º dispõe que inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender às suas peculiaridades.

A proteção, conservação e recuperação do meio ambiente envolve dois tipos de atuações destacadas, cada uma delas centradas em

O § 4º dispõe que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for contrária.


O outro dispositivo legal constitucional que tem a ver, com maior propriedade, sobre a gestão ambiental, porque se trata de uma disposição que se refere à atuação administrativa, embora não prescinda da atuação legislativa, porque há que se atender sempre ao princípio da legalidade constitucional do art. 23, que dispõe sobre as competências comuns.

IX – promover a construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

Vê-se, por esses incisos, que os assuntos neles tratados exigem a gestão ambiental. III – Vamos agora indicar (quando possível, com as referências das legislações respectivas) os temas que devem ser objeto de gestão ambiental:

O art. 23 foi alvo de interpretações absurdas, entendendo-se, inconstitucionalmente, que sobre qualquer matéria ambiental, era lícita a atuação conjunta, independente dos três níveis de Governo, o que levou a um caos total nos níveis administrativos e judiciais.

1) Saneamento básico (Lei nº 11.445/2007): em especial esgotamento, colheita e reciclagem de resíduos sólidos;

Essa interpretação é inconstitucional por ofensas ao princípio federativo insculpido no art. 18 da CF.

3) Recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997): em especial competências e propriedades da água, Código das Águas, uso múltiplo, planos de recursos hídricos, outorgas, cobrança, sistema nacional de recursos hídricos, Conselho Nacional, Agência Nacional de Águas (ANA), Comitês de Bacias Hidrográficas, Agências de Águas, Lei nº 9.984 (de 17.07.2000) e Convenção da ONU;

O art. 23 tornou comum, no sentido de que os diversos níveis de Governo, dentro de suas competências e das suas autonomias constitucionais, atuassem para:

2) Áreas protegidas (Lei nº 9.985/2000), em especial estações ecológicas e reserva biológica, reserva particular do patrimônio natural, áreas de proteção ambiental, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva da bioesfera;

4) Gerenciamento costeiro (Lei nº 7.661/1988);

[...]

5) Agrotóxicos (Lei nº 7.802, de 11.07.1989);

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

6) Exploração mineral (Lei nº 7.805, 1989);

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural; [...] VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; [...]

7) Política agrícola (Lei nº 8.171, de 17.01.1991); 8) Política energética e petróleo (Lei nº 9.478/1991); 9) Organismos geneticamente modificados (Lei nº 11.105/2005); 10) Código florestal (Lei nº 12.651, de 25.05.2012): em especial manejo sustentável, exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal, áreas de uso restrito, uso sustentável dos Apicuns e salgados, da exploração florestal (Capítulo VII), Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente e controle da origem dos produtos florestais.

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Observando-se sempre as normas gerais baixadas pela União, os Estados e Municípios legislarão e atuarão nas matérias elencadas nos incisos VI e VII, em temas de gestões ambientais.

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IV – A LC 140/2011 traça, superiormente, e em termos de normas gerais e específicas, regras sobre gestão ambiental e licenciamentos ambientais e repressões. Com relação à gestão ambiental, de modo geral, a LC traz as seguintes referências sobre o assunto: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar: I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizadas, democráticas e eficiente; [...] III – harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente; [...].

O Capítulo II traz os instrumentos de cooperação, e entre eles citamos:

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I – consórcios públicos;

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Apontamos: [...] II – exercer gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; [...] IV – promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e gestão ambiental; [...] VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionadas à proteção e gestão ambiental, divulgando os resultados; VII – promover a articulação da Política Nacional do Meio Ambiente com as de Recursos Hídricos, Desenvolvimento Regional, Ordenamento Territorial e outros; [...] XV – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessivas em: a) Florestas públicas federais, terras devolutas federais ou unidades de conservação instituídas pela União, exceto em APAS; [...].

O art. 8º indica as ações administrativas dos Estados:

II – convênios, acordos de cooperação técnica, nos termos do art. 241 da Constituição;

[...]

[...]

II – exercer a gestão dos recursos naturais no âmbito de suas atribuições;

V – delegação de atribuições de seu ente federativo a outro; [...].

O § 1º dispõe que os instrumentos previstos no inciso II poderão ser firmados com prazo indeterminado.

[...] IV – promover, no âmbito estadual, a integração de programas e ações de órgãos, e entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e gestão ambiental; [...]

O Capítulo III trata das “ações de cooperação”.

X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;

O art. 7º dispõe sobre as ações administrativas da União.

[...]


[...] XVI – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessivas em: a) florestas públicas estaduais ou unidades de conservação do Estado, exceto em APAs; b) imóveis rurais, observadas as atribuições previstas nos incisos XV do art. 7º; e c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado; [...].

O art. 9º traz as ações administrativas dos Municípios: I – executar e fazer cumprir, em âmbito Municipal, as Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e demais Políticas Nacionais e estaduais relacionadas à proteção ambiental; II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas atribuições; [...] IV – promover, no Município, a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e municipal relacionados à proteção e gestão ambiental; [...] X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; [...]. Art. 19. O manejo e a supressão de vegetação em situações ou áreas não previstas nesta Lei Complementar dar-se-ão nos termos da legislação em vigor.

V – Licenciamento ambiental pela LC 140/2011.

Quanto ao licenciamento ambiental, situamos em primeiro lugar que esse instrumento se constitui no principal veículo de exercício do poder de polícia em matéria ambiental, ou seja, na fase preventiva; após, ou em não havendo licenciamento, virá a fase repressiva, ou seja, a de aplicação de sanções. O art. 23, como foi denominado de competências comuns, foi muito mal aplicado, entendendo alguns que a competência, por ser comum, admitia a aplicação simultânea e cumulativa da obrigatoriedade de obtenção de licenças pelos três níveis de Governo, qualquer que fosse o âmbito da questão ambiental, local, regional ou nacional. Isto gerou sobreposições de atuações ambientais, conflitos de atribuições e desmedidas exigências ilegais e inconstitucionais, embora o art. 10 da Lei nº 6.938/1981 concedesse, inconstitucionalmente, ao Estado, o monopólio do licenciamento ambiental, o que agora foi corrigido, dando-se competência aos quatro níveis de Governo, pela nova redação àquele art. 10 da Lei nº 6.938/1981, dada pelo art. 20 da LC 140/2011 (a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais dependerão de prévio licenciamento ambiental). De que Poder? Hely L. Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello são unânimes na resposta à seguinte indagação: A quem compete o exercício do poder de polícia? Ao nível de Governo que detenha competência para legislar sobre a matéria. Faremos aqui um parêntese, para relembrarmos algumas considerações e requisitos indispensáveis sobre o poder de polícia. A definição mais simples e sumária do que se possa entender por “poder de polícia” seria esta: trata-se de uma faculdade inerente ao Poder Público de impor restrições e limitações, por

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XII – controlar a produção e comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substancias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei;

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meio de leis, às liberdades, às atividades e às propriedades dos cidadãos, em benefício da coletividade. Celso Antônio Bandeira de Mello1 o define assim: [...] a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.

E adiante nos fornece a seguinte lição imperiosa2: Polícia administrativa da União, Estados e Municípios. 46. As três entidades jurídicas de capacidade política, União, Estados e Municípios, desempenham atividade de polícia administrativa. O problema que se coloca é o de se saber quais os campos em que se incidirá a atuação de cada uma delas. 47. Como critério fundamental, procede o dizer-se que é competente para dada medida de polícia administrativa quem for competente para legislar sobre a matéria. (g.n.)

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Hely Lopes Meirelles3 também deixou lição idêntica:

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Em princípio, tem competência para policiar, a entidade que dispõe do poder de regular a matéria. Assim sendo, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos a regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento municipal. (g.n.)

A regra, entretanto, é a exclusividade do policiamento administrativo; a exceção é a concorrência desse policiamento. Em qualquer hipótese, a entidade que detém a competência não pode demitir-se desse poder, que é de natureza irrenunciável (STF, ADI/MC 2.544, DJU 08.11.2002). (g.n.)

E além4: “As condições de validade do ato de polícia são as mesmas do ato administrativo comum, ou seja, a competência, a finalidade e a forma, acrescidas da proporcionalidade, da sanção e da legalidade dos meios empregados” (g.n.). Em complemento, o autor5 leciona: A legalidade dos meios empregados pela Administração é o último requisito para a validade do ato de polícia. Na escolha do modo de efetivar as medias de polícia não se compreende o poder de utilizar meios ilegais para sua consecução, embora lícito e legal o fim pretendido. Em tema de polícia adverte Bonnard6: “Lafin ne justifie pas tous de moyens”. (g.n.)

E a LC 140/2011 seguiu essas lições, distribuindo as atribuições para o licenciamento e para a aplicação de sanções de acordo com as atribuições nacionais, regionais e locais. Assim, o art. 7º fixa as competências, exemplificadamente, da União; o art. 8º, as dos Estados-membros; e o art. 9º, as do Município. O art. 10 traz as competências do Distrito Federal. Seguiu-se a lição da doutrina publicística no sentido de que não cabe à União atuar sobre questões regionais do Estado ou locais, do Município, porque, fosse assim, poderia, também o Município, atuar em nível nacional, o que, de fato, é impossível.

Mais à frente, o saudoso autor lembrou:

1 Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, p. 844. 2 Idem, p. 851 e 852. 3 Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, p. 126.

4 Idem, p. 136 5 Idem, p. 137 6 Citou o autor, aqui, Roger Bonnard, Précis de droit administratif (Paris, 1935, p. 321).


Resta-nos acentuar algumas disposições importantes da LC 140/2011 sobre os licenciamentos. Assim, o art. 13 reza: “Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”. É óbvio que, como vimos, pelas lições dos grandes mestres do Direito Público brasileiro, o exercício do poder de polícia (o licenciamento ambiental) só pode ser exercido, em cada caso, pelo Poder que tem competência para legislar sobre a matéria, porque as restrições e limitações às atividades e aos empreendimentos que visam à proteção ambiental devem, obrigatoriamente, provir da lei. Então, se o Estado pretender licenciar uma atividade ou aplicar uma sanção ao poluidor, ele terá que fazê-los com fulcro na sua lei, que estabelece as restrições e limitações a que se sujeitam os empreendedores e as infrações a que também elas se sujeitam. Não pode a União licenciar ou aplicar sanções, assim como os Estados, senão com base na sua legislação, nem com base na legislação municipal, porque haveria invasão sobre a autonomia municipal quando o assunto é local. Outro artigo assaz importante é o art. 17: Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar outro auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometida pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

Corretíssima essa disposição, posto que é da doutrina pacífica que o exercício do poder de polícia administrativa é efetuado

em duas fases distintas, mas que são interligadas, sucessivas e que devem ser exercidas pelo mesmo ente, ou seja, somente quem tem o poder de licenciar tem o poder de aplicar sanções (exercer a fase repressiva). E, se assim é, as sanções devem ser aplicadas com base na legislação do ente que tem o poder para licenciar. Daí não poder a União ou o Município aplicar sanções com base em sua legislação ou o Município aplicar sanções com base em legislação do Estado ou da União (como, aliás, tem ocorrido frequentemente, quando o Município ou o Estado-membro aplica sanções previstas no Decreto federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008). Outra disposição importante está no art. 14, § 1º: “As exigências de complementação oriundas da análise do empreendimento ou atividade devem ser comunicadas pela autoridade licenciadora de uma única vez ao empreendedor, ressalvadas aquelas decorrentes de fatos novos”. O § 3º do mesmo artigo diz: O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela depende ou decorra, mas instaura a competência supletiva referida no art 15.

Esta parte final da disposição é inconstitucional porque inexiste competência supletiva no texto constitucional. As competências são estanques, em matéria de poder de polícia, porque só quem pode exercê-las é quem pode legislar sobre a matéria. Todo o art. 15, portanto, é absolutamente inconstitucional. Já o § 4º é muito bem redigido e tem a seguinte redação: A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.

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A LC 140/2011 distribui as competências, licenciadoras e repressivas, em completo cumprimento da Constituição.

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Temos que fazer aqui uma crítica ao que dispõe o inciso XIV do art. 9º da LC 140/2011, que estabelece, aliás, competências do Município. Dispõe o inciso XIV referido: Observadas as atribuições dos demais entes federativos previstos nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; [...].

Essa norma é absolutamente inconstitucional e ilegal. Inconstitucional, porque invade a autonomia municipal estabelecida no art. 18, no art. 30 e no art. 29 da Constituição. Não pode a lei federal submeter o Município às decisões administrativas ditadas por um simples órgão administrativo estadual. Isto é absolutamente invasor da autonomia municipal.

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É ilegal, porque a disposição faz depender uma licença ambiental não da Lei Municipal ambiental (que seria o correto), mas sim de uma deliberação administrativa impositiva de condições extralegais, ferindo o princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal).

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Doutrina

As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa CARLOS ATHAYDE VALADARES VIEGAS

Mestre em Direito pela Universidade FUMEC-BH, Professor de Direitos Humanos e Direito Tributário no Instituto J. Andrade – MG, Servidor Público do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

CLÁUDIA MARA DE ALMEIDA RABELO VIEGAS

Doutoranda em Direito Privado pela PUC-Minas, Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais (2011), Graduada em Administração de Empresas e em Direito, sendo ambos pela Universidade FUMEC, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação a distância pela PUC-Minas, Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Damásio de Jesus, Professora de Direito Civil nas Faculdades Del Rey Uniesp, Tutora em educação a distância do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Servidora do TRT da 3ª Região – Assistente do Desembargador Federal Sércio da Silva Peçanha.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Antecedentes históricos da instituição das Independent Regulatory Agency; 2 O contexto sociopolítico brasileiro nos anos 1990: reforma do Estado e a instituição das agências reguladoras; 3 A juridicidade como fundamento da ação normativa das agências reguladoras; 4 Legitimidade democrática e protagonismo das agências reguladoras; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Recentemente, o Senado da República, mediante a votação do Decreto Legislativo nº 273/2014, revogou a Resolução nº 52/2011 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, que proibia a venda de substâncias químicas utilizadas no tratamento da obesidade. A partir da promulgação do decreto legislativo, a proibição da venda de tais componentes deixará de viger, restabelecendo a sua comercialização. Não foi sem surpresa que a comunidade jurídica recebeu a decisão do Senado brasileiro, já que, via de regra, o Parlamento Brasileiro utiliza-se do decreto legislativo para limitar atos emanados diretamente pelo Presidente da República, e não por instâncias que, em tese, situam-se em patamares inferiores a este. Surpreendeu, também, pelo simbolismo político da decisão, pois esta manifestação do Parlamento reconhece, mesmo que de maneira transversa, a autonomia daquelas instituições em face do governo e, mais que isso, as equipara em matéria de poder político ao próprio Poder Executivo. Este caso paradigmático servirá para ilustrar e balizar o objeto de estudo deste trabalho, qual seja, o alcance do poder normativo das Agências Reguladoras. O que se pretende aqui é verificar a fonte do poder normativo das referidas instituições, a sua legitimidade para inovar no ordenamento jurídico pátrio, o sistema de controle jurídico a que se submete a sua produção normativa e, por fim, a eficácia dos sistemas de controle políticos estabelecidos na Constituição, especialmente a fiscalização exercida pelas instâncias parlamentares.


1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA INSTITUIÇÃO DAS INDEPENDENT REGULATORY AGENCY

Note-se que o modelo administrativo anteriormente descrito é o mais comumente encontrado e está em pleno funcionamento na quase totalidade das organizações estatais do mundo ocidental. Contudo, há um movimento que caminha no sentido de mitigar a estrutura governamental atual com a implementação de uma proposta de Administração Pública menos centralizada, menos ligada à figura do eleito, livre de compromissos políticos eleitorais e, portanto, mais voltada para os aspectos técnicos da Administração Pública. Este é o modelo representado pelas agências independentes de regulação.

O modelo tradicional de Administração Pública no Estado Moderno é chamado de piramidal. Neste, o governo assume a posição de principal responsável pelos negócios públicos, figurando no topo da pirâmide, de onde emana suas ordens para os órgãos a ele subordinados, aos quais incumbe a plena execução dos planos e políticas decididas.

A proposta de funcionamento das agências independentes passa, necessariamente, pela transferência a estas do poder regulamentar sobre matérias específicas. Além disso, caracteriza-se também pela instituição da autonomia administrativa e funcional destas instituições em face da estrutura governamental tradicional.

Este arquétipo administrativo funda-se na ideia da responsabilidade política do governante eleito, detentor da legitimidade popular frente à sociedade. Em razão dessa correspondência entre legitimidade popular e responsabilização política, natural é a centralização do poder administrativo no governo, que responde diretamente à sociedade por seus atos.

Importante destacar desde já o posicionamento jurídico que aqui se adotará sobre a referida autonomia das agências reguladoras. Entende-se não existir uma independência absoluta destas em face do governo, já que, no caso brasileiro, elas devem seguir as determinações legais1 que as subordinam às políticas públicas

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Entretanto, antes de se adentrar nas questões propostas, é necessário apresentar, mesmo que de maneira sintética, um pequeno histórico sobre o desenvolvimento da ideia e da concepção teórica das agências independentes, bem como sobre a consolidação destas como instituições da Administração Pública contemporânea.

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Assim, a centralização no governo das ações administrativas referentes a ordenar os serviços, propor políticas públicas, restringir liberdades mediante o Poder de Polícia, entre tantas outras situações de poder, corresponde ao próprio esteio do princípio democrático, pois permite o controle do povo sobre os atos dos governantes, seja de forma direta pela via eleitoral e judiciária, ou, indiretamente, pela atuação de seus representantes eleitos nas instâncias de controle político, e, ainda, mediante as instituições de fiscalização constitucionalmente legitimadas.

1 É o que ocorre, por exemplo, com a Anvisa, que deve se submeter às políticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde: “Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. [...]

Art. 2º Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:

[...]

III – normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde;


estabelecidas, limitando seu espaço de ação. Reconhece-se, porém, que os governos não podem interferir diretamente nas agências e que precisam de justificativas fundamentadas em acontecimentos de grande relevância para intervir nas decisões daquelas.

Surgiram, assim, as Quasi Autonomous non Governmental Organizations – Quangos (Filho, 2002, p. 223), que se referem a uma variedade enorme de organizações administrativas descentralizadas, abrangendo, inclusive, instituições privadas que atuam no interesse público, semelhantes às OSCIP e ONGs da atualidade.

O modelo de Administração Pública fundado em instituições autônomas surge nos países de tradição do common law, notadamente na Inglaterra e nos Estados Unidos antes de se espraiar para os países de tradição romano-germânica. Foi na Inglaterra que surgiu o embrião deste novo modelo, ainda no século XIX (Caringella, 2001, p. 619); isto se deve em muito ao modelo bastante peculiar de governo adotado o qual fazia constituir, para cada nova lei que definia um interesse ou serviço público, o respectivo órgão que tinha por finalidade materializar seu mandamento.

Nos Estados Unidos, ainda no século XIX, mais precisamente em 1887, foi instituído o órgão responsável pela regulação e fiscalização dos serviços interestaduais de transportes por ferrovia, a chamada Interstate Commerce Comission. Desde então, demonstrou um novo potencial para a intervenção na economia, que tradicionalmente adota a doutrina econômica liberal, o que veio efetivamente aflorar com o advento do New Deal, propicionando que as agências reguladoras se tornassem um componente representativo da Administração Pública estadunidense. Assim ensina Gustavo Binenbojm:

§ 1º A competência da União será exercida:

I – pelo Ministério da Saúde, no que se refere à formulação, ao acompanhamento e à avaliação da política nacional de vigilância sanitária e das diretrizes gerais do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; (grifo nosso)

II – pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVS, em conformidade com as atribuições que lhe são conferidas por esta Lei; e (grifo nosso)

III – pelos demais órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, cujas áreas de atuação se relacionem com o sistema.

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

[...]

III – estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;

[...].”

É importante destacar que a implantação das agências independentes nos Estados Unidos representou um duro golpe ao liberalismo e ao sistema administrativo de Estado mínimo até então adotado. A partir de então, o Estado, mediante as agências de regulação, mudou sua postura de não intervenção para uma nova posição de potencial intervenção em áreas como a política de preços, livre concorrência, defesa dos usuários dos serviços públicos e tudo o que se referia à boa ordem dos serviços prestados aos cidadãos, seja de forma direta pelos órgãos do Estado, seja indiretamente mediante as concessionárias.

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[...]

Nesse sentido, a efetivação das propostas do Governo Roosevelt, voltadas à revisão do capitalismo liberal e dos standards jurídicos erigidos pelo sistema de common law, dependia da reformulação institucional do País. É nesse contexto que se dissemina a criação de agências reguladoras, enquanto entidades politicamente neutras e tecnicamente especializadas, capazes de, pronta e eficientemente, responder às demandas econômicas e sociais de um país em rápida transformação. (Binenbojm, 2008, p. 247)

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Este abandono das teses liberais clássicas do Estado mínimo fez-se acompanhar de uma reestruturação política da Administração Pública norte-americana, a qual objetivava o reequilíbrio de forças entre os poderes constitucionais, evitando uma hipertrofia do Poder Executivo em detrimento dos demais poderes.

Este modelo europeu continental inova na relação entre o governo e a soberania popular, pois a estrutura supranacional não poderia ser submetida a esta ou aquela manifestação de cunho nacionalista ou patriótica, o que subverteria os próprios fundamentos comunitários.

Em sentido político oposto ocorreu à implantação das “autoridades administrativas independentes” (Lombarte, 2002, p. 57) na Europa continental, que teve o condão de ser parte de uma ampla reforma do Estado social. Destinou-se a modernização do modelo administrativo, objetivando a redução do papel do Estado na economia e a adoção do modelo contratualista de Administração Pública com a assunção pelas entidades privadas de responsabilidades até então a cargo dos órgãos públicos.

Além da criação das agências independentes para a implementação de políticas públicas no âmbito social e econômico, houve a criação de agências destinadas a promover a defesa dos direitos humanos e fundamentais, como é o caso da Agencia de Protección de Datos (Espanha), a Commission Nationale de L’Informatique et des Libertés (França), Autorità per le Garanzie nelle Cominicazioni (Itália), Alta Autoridade para a Comunicação Social (Portugal), todas elas voltadas para a defesa do sigilo das comunicações e dos dados pessoais (Lombarte, 2002, p. 139).

Ainda referente ao modelo europeu continental, é importante destacar a questão do direito emanado das instâncias comunitárias ali estabelecidas, nas palavras de Marçal Justen Filho:

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Nesse contexto, o modelo das autoridades independentes se exterioriza como forma mais eficiente para impor a difusão do Direito e das políticas comunitárias. A neutralização das influências políticas equivale, nesse caso, à eliminação das rejeições de cunho nacionalístico ao prosseguimento do projeto comunitário e à preponderância do interesse supranacional também no tocante à legislação derivada e no âmbito interno de cada Estado. (Filho, 2002, p. 271)

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Destarte, para fazer face à normatização comunitária, houve a necessidade, primeiramente, de adaptar o direito nacional ao comunal e afastar a influência política pátria da implementação das decisões tomadas na instância supranacional. Daí o imperativo de se criarem instituições singulares que fossem dotadas de verdadeira autonomia para promover os diversos objetivos comunitários no sentido do desenvolvimento social e econômico, de maneira independente das instituições administrativas nacionais já estabelecidas.

Existe ainda uma grande variedade de “autoridades independentes” criadas nos diversos países europeus pertencentes à Comunidade Europeia, que se destinam a cumprir as mais variadas funções sociais, econômicas e de promoção de direitos, porém, o que se pretendeu destacar, nessa passagem, é justamente a utilização das agências independentes para tratar de assuntos que se imiscuem com a política e o direito político, não ficando circunscritas em sua atuação aos aspectos econômico e social. Na próxima seção, relatar-se-á, de maneira sucinta, o contexto que propiciou o surgimento das agências reguladoras no Brasil.

2 O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO BRASILEIRO NOS ANOS 1990: REFORMA DO ESTADO E A INSTITUIÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Em meados dos anos 1980, o Estado – entendido aqui como sendo a instituição sociopolítica cuja função é a de possibilitar o desenvolvimento econômico e social, a segurança e a vida


Havia um movimento de retomada da ideologia liberal o qual pretendia reorientar a atuação do Estado para fora das atividades que se considerava não serem pertinentes a ele, ou que poderiam ser executadas pelo mercado ou por instituições privadas sem a interferência direta do Estado, mas, tão somente, sob sua supervisão. Tal movimento iniciado na Inglaterra thatcherista e fortalecido com a entusiasmada adesão do Presidente Norte-Americano Ronald Reagan representou uma virada paradigmática para todo o mundo ocidental. O modelo adotado pugnava pela abstração governamental da regulação das instituições financeiras, não interferência estatal e flexibilização da legislação trabalhista, enfraquecimento das entidades sindicais e a desestatização da economia mediante a privatização de companhias estatais. No Brasil, este novo paradigma veio a ser adotado a partir dos anos de 1990. Foi o advento da redemocratização do País que veio a legitimar o projeto neoliberal, capitaneado pelo primeiro Presidente eleito democraticamente após o fim da Ditadura Militar, Fernando Collor de Mello. Foi a mudança de paradigma de um Estado gerencial, empreendedor, instituidor de grandes obras e projetos de desenvolvimento para o Estado regulador ao qual cumpre apenas fiscalizar e orientar o mercado na busca pelo crescimento econômico e social. Naquele momento, foram lançadas as bases para a abertura da economia, com o fim dos monopólios da indústria nacional

e a permissão para a importação de produtos que concorreriam com os similares nacionais. Contudo, para alcançar o sucesso deste novo paradigma, havia a necessidade de prover os investidores estrangeiros da estabilidade jurídica necessária para garantir o retorno financeiro aos seus investimentos. Afugentam, a qualquer investidor capitalista, a súbita alteração de regras pré-estabelecidas, o descumprimento de contratos, a relativização do direito de propriedade, a anistia política a devedores e, principalmente, a interferência de políticos populistas nas decisões econômicas de qualquer país. Para tanto, a fim de garantir um ambiente seguro, necessário para a atração de investimentos estrangeiros, o governo brasileiro propõe várias ações de cunho reformista com as quais pretende propiciar o ambiente ideal para a imersão de dólares no País. Entre as diversas ações destacam-se a reforma do Judiciário2, que pretendeu dar maior agilidade às demandas judiciais, especialmente àquelas referentes aos direitos patrimoniais, e a reforma administrativa, esta capitaneada pelo então economista Luis Carlos Bresser Pereira. Adotou-se, então, o modelo de agências reguladoras, Autarquias de natureza especial nasceram como “entidades com reforçado grau de autonomia, investidas de funções técnicas e, sobretudo, imunizadas das ingerências político-partidárias” (Binenbojm, 2008, p. 253). Estas encaixavam-se perfeitamente no novo modelo administrativo, o qual combinava uma diminuição 2 O Banco Mundial, em sua cruzada em favor da doutrina neoliberal nos anos 1990, produziu o intitulado Documento Técnico nº 319, o qual continha propostas de reforma e funcionamento para o Poder Judiciário da América Latina. Muitas daquelas propostas foram colocadas em prática nos países latino-americanos, inclusive o Brasil, que chegou a emendar a Constituição para tanto: EC 45/2004. O documento na íntegra pode ser consultado em: http://www.anamatra.org.br/documentos-historicos/ documento-319-do-banco-mundial/documento-319-do-banco-mundial.

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harmônica entre as pessoas de uma determinada comunidade – vinha passando por um momento de verdadeira crise referencial. Aquele Estado que havia adotado o modelo social, desde o final da Segunda Guerra Mundial até o final dos anos 1970, mostrava sinais de fissuras em suas fundações, notadamente no que se referia aos custos assumidos pela sociedade para fazer face aos sistemas de segurança previdenciários e assistenciais implementados nos países do capitalismo central.

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do intervencionismo do Estado na economia, com a adoção de instâncias de regulação e fiscalização do desempenho das entidades privadas, ora incumbidas de prestação de serviços públicos, bem como a verificação da adequação da atividade econômica às normas, permitindo ao Estado atuar pontualmente para sanar quaisquer desequilíbrios de ordem capitalista em desfavor dos cidadãos.

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Assim, para atingir o propósito pretendido e reformar as estruturas estatais, os diversos governos da época enviaram para o Congresso Nacional projetos de leis que criaram dez agências reguladoras cuja competência abrange uma gama enorme de assuntos e temas de interesse público, a saber: Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, Lei nº 9.472/1997; Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, Lei nº 9.427/1996; Agência Nacional do petróleo – ANP, Lei nº 9.478/1997; Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Lei nº 9.782/1999; Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Lei nº 9.961/2000; Agência Nacional de Águas – ANA, Lei nº 9.984/2000; Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, Lei nº 10.233/2001; Agência Nacional de Transporte Aquaviários – Antaq, Lei nº 10.233/2001; Agência Nacional de Cinema – Ancine, MP 2.228-1/2001; Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, Lei nº 11.182/2005.

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Nesse sentido, é preciso perquirir qual é o fundamento de legitimidade utilizado para dar às agências reguladoras o poder de inovar na ordem jurídica, ou seja, criar o Direito. Isto é o que se investigará na próxima seção.

3 A JURIDICIDADE COMO FUNDAMENTO DA AÇÃO NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS A questão da legitimidade normativa das agências reguladoras passa, necessariamente, pela investigação das fontes de

poder que delegam àquelas a competência para criar normas referentes ao seu mister. O processo de criação e atribuição de competências às agências reguladoras tem fulcro na Constituição Federal. O art. 61, § 1º, II, alíneas a e b3 reserva ao Presidente da República a iniciativa de lei sobre a “criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública”. Portanto, as leis que criaram as agências reguladoras são fruto do exercício legítimo da competência constitucional do Presidente da República, combinado com a manifestação do 3 CF/1988, art. 61:

“A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º – São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

[...]

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

[...]

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

[...].”


Ocorre que, em um dado momento histórico, o chefe do Executivo Federal entendeu que havia necessidade de promover a descentralização de atribuições da Administração Pública e resolveu adotar o modelo agências reguladoras, conforme já foi explicitado neste trabalho. Contudo, é preciso diferenciar a questão da constitucionalidade fundante da criação destas instituições e a verificação da juridicidade das normas por elas emanadas. Em que pese a Constituição brasileira determinar que a Administração Pública reger-se-á pelo princípio da legalidade, conforme preceitua o caput do art. 37, já, há muito tempo, está superada a visão positivista a qual restringe a atuação administrativa à subordinação à lei strictu sensu. No passado, mais precisamente à época do Estado moderno liberal, a lei era tida como limite para a atuação da Administração Pública; o princípio da legalidade na sua configuração original, liberal, previa a atuação do Estado limitada pela lei, melhor dizendo, tratava a lei de impor um limite protetivo ao particular em face do Estado que não podia alcançar a esfera jurídica do cidadão sem que houvesse expressa permissão legislativa. 4 CF/1988, art. 48:

“Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

[...] IX – organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 69, de 2012) [...].”

Lado outro, aquilo que a lei não vedava podia o Estado fazer, sem ser admoestado pelos administrados. É o que demonstra Maria João Estorninho: No Estado de Direito Liberal, afirmava-se a sujeição da Administração Pública à lei, no sentido de esta aparecer como um limite da ação administrativa. Tratava-se, assim, do princípio da legalidade na sua primeira configuração, ou seja, na sua formulação negativa. Assim, neste período da monarquia limitada, a Administração Pública, que continuava a depender do Rei, era limitada pela lei de forma negativa. Ou seja, podia fazer tudo aquilo que o Rei entendesse, mas só podia ofender os direitos dos particulares com fundamento numa lei anterior. (Estorninho, 2009, p. 176)

Com a mudança do paradigma liberal para o do Estado Social, houve uma alteração no entendimento sobre o papel da lei na atividade administrativa pública. Como bem apontado na lição de Diogo Freitas do Amaral, no tempo do liberalismo “considera-se permitido tudo o que não estiver proibido” na lei; já no período do Estado Social, vale a máxima “o que não for permitido considera-se proibido” (Princípio da legalidade, 1985, p. 978). Ocorre que, com as transformações do Estado e do Direito que vieram a suceder o período liberal, não havia mais espaço para ações administrativas à margem do Direito. Isto é, deixou de viger a liberdade de agir de maneira antijurídica, porquanto, no período do Estado Social, a Administração Pública só está legitimada para agir se e quando a lei autoriza. Hoje em dia, pelo contrário, a regra geral não é esse princípio de liberdade, mas sim o princípio da competência, o que significa que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça. Assim, o princípio da legalidade é agora não apenas um limite da ação administrativa, mas também o seu verdadeiro fundamento, só podendo a Administração Pública agir se e na medida em que a norma jurídica lho permitir. (Estorninho, 2009, p. 176)

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Congresso Nacional constante no art. 48, IX4, também da Constituição Federal.

A autora supracitada identifica, então, duas dimensões diferentes do princípio da legalidade, uma que faz referência à legalidade

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negativa, expressa no princípio da prevalência da lei, e a outra dimensão é revelada mediante o princípio da legalidade positiva, que reporta ao princípio da precedência da lei (Estorninho, 2009, p. 177). O princípio da prevalência de lei informa que nenhum ato de natureza inferior à lei pode contrariá-la, sob pena de ser declarado ilegal. Já o princípio da reserva de lei significa que nenhum ato de categoria inferior à lei (regulamentos) pode ser praticado sem fundamento na própria lei.

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Entretanto, na contemporaneidade, o princípio da legalidade passa por mais uma transformação. Há uma nova hermenêutica que redefine o princípio da legalidade, eis que utiliza na busca da solução para o caso concreto outras espécies normativas diferentes da lei. No paradigma atual do Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade tem o condão de abranger todo o ordenamento jurídico, ou seja, seu alcance vai muito além daquele anteriormente possibilitado pela lei, mas alcança toda a juridicidade. Nas palavras de Gustavo Binenbojm:

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[...] pelas razões já estudadas acima, atinentes à crise da lei formal, assim como em virtude da emergência do neoconstitucionalismo, não mais se pode pretender explicar as relações da Administração Pública com o ordenamento jurídico à base de uma estrita vinculação positiva à lei. Com efeito, a vinculação da atividade administrativa ao direito não obedece a um esquema único, nem reduz a um tipo específico de norma jurídica – a lei formal. Essa vinculação, ao revés, dá-se em relação ao ordenamento jurídico como uma unidade (Constituição, leis, regulamentos gerais, regulamentos setoriais), expressando-se em diferentes graus e distintos tipos de normas, conforme a disciplina estabelecida na disciplina constitucional. (Binenbojm, 2008, p. 140-141)

Neste trabalho, o Direito é entendido como uma rede normativa constituída de múltiplas fontes, com diferentes níveis hierárquicos, cujas hipóteses de legitimação não são necessariamente as tradicionais. Possui, além de todo o exposto, gradação de coercitividade que não se refere, necessariamente, à sua eficá-

cia. Trata-se de uma rede formada, além da lei, pelos princípios gerais, normas constitucionais, tratados e acordos internacionais e mesmo de dispositivos de caráter regulamentar e outros atos constitutivos de direitos. É o que a doutrina francesa tem chamado de bloc légal (Princípio da legalidade, 1985, p. 976). Um Direito que, mesmo não sendo constituído mediante o processo legislativo tradicional, apesar de ultrapassar a barreira da lei, tem legitimidade, uma vez que ancorado na eficácia, na satisfação das necessidades sociais, no atendimento aos anseios populares. Um Direito cuja eficácia é conferida pelo povo, cuja legitimidade advém da manifestação soberana do povo, não somente nos momentos eleitorais, mas na aceitação e utilização dos meios normativos que lhe são apresentados e materializados, mediante os regulamentos e práticas contratuais, considerados nas relações jurídicas cotidianas. Esta relação entre soberania popular e eficácia torna-se o novo paradigma de legitimação do Direito na era contemporânea5. Esta nova face da legitimidade, ancorada na soberania popular, se afasta do Direito igualitário e abstracionista do modelo sociojurídico do Estado Moderno. Na contemporaneidade “o povo, como uma figura pensada coletivamente, é o novo agente da legitimidade, seja nas formas de deliberação direta ou representativa, o povo é o ‘detentor de toda a soberania’” (Bittar, 2009, p. 130). Assim, são duas as fontes de legitimação do Direito criado a partir das agências reguladoras. A primeira fonte é o poder conferido pela Constituição aos governantes para criar estruturas administrativas e atribuir competências a estas mesmas 5 É importante esclarecer que não se pretende aqui defender o abandono do marco legislativo e, muito menos, do paradigma constitucional, mas este trabalho apenas reconhece que há um Direito vigente, simultâneo ao tradicional, que tem eficácia junto à sociedade.


Há de se concluir, então, que todo o Direito, todas as regras e princípios da ordem jurídica são fontes legítimas e inspiradoras da ação administrativa, devendo ser consideradas para permitir a tomada de decisões de cunho administrativo e social. Além disso, em que pese a subordinação hierárquica entre a lei e as normas criadas pelas agências reguladoras (considerando o modelo tradicional positivista da validade normativa), estas têm conseguido uma adesão espontânea do povo à produção normativa infralegal, em razão da percepção popular sobre o seu desempenho que ocorre, majoritariamente, em favor dos interesses populares. Há, na realidade, uma verdadeira ocupação de espaço normativo que se dá, em parte, pela omissão do legislador, mas, também, pela eficácia social das normas criadas pelas agências reguladoras. Na próxima seção, abordar-se-á com maior especialidade a questão da legitimação performática das instâncias administrativas não eleitas.

4 LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA E PROTAGONISMO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Como se viu, a combinação entre as transformações por que passa o Direito contemporâneo, especialmente a nova configuração do princípio da legalidade, e o reconhecimento popular

da eficácia normativa das agências reguladoras demonstram um reforço da legitimidade política das instâncias administrativas e a elevação do patamar das estruturas burocráticas quanto à tomada de decisões na Administração Pública. O Estado contemporâneo vive uma dicotomia, quase esquizofrênica, entre a promoção direta do bem-estar social, mediante o planejamento e a execução de políticas públicas, e a promoção do bem-estar social indiretamente mediante o financiamento e a regulação dos agentes privados contratados para a implantação de políticas públicas. Seja qual for a ideologia que guie o governo provisório do Estado Democrático, não há como prescindir de um aparelho administrativo composto por servidores cada vez mais qualificados e dedicados exclusivamente à complexidade administrativa. A administração do Estado contemporâneo exige, cada vez mais, a especialização de seus componentes para fazer face aos inúmeros desafios de origem técnica e científica que se apresentam cotidianamente na busca pelo bem-estar social. Essa especialização administrativa, que se contrapõe à dominação da estrutura governamental pelos partidos políticos, afasta, indubitavelmente, o centro decisório da política partidária e o aproxima das instâncias técnicas e burocráticas. Assim, sempre que a realidade técnica e científica demanda a manifestação dos servidores públicos sobre o objeto da decisão administrativa, a legitimidade política da decisão fica relativizada, uma vez que a manifestação técnico-administrativa pode referendar, modificar ou inviabilizar a implementação de decisões políticas em razão do emprego de argumentação técnico-racional, diminuindo a participação do eleito e ampliando a participação do técnico na decisão. Nas palavras de Paulo Otero: A tradicional ideia oitocentista de que a Administração Pública é um simples instrumento ao serviço da política, destituída de uma lógica de atuação autônoma, mostra-se hoje desmentida pelo simples fato de que

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instituições. A outra fonte, e esta a mais polêmica, pois foge do quadro tradicional positivista, é a crença do povo soberano na eficácia das agências reguladoras, na sua importância para a regulação das relações entre concessionários de serviços e usuários, consumidores e empresas. Funda-se mais na performance das agências em favor do que o povo considera uma atuação justa do que, friamente, na competência legalmente atribuída. As agências vêm ocupando um espaço jurídico deixado pelo legislador e vêm fazendo isto com grande competência política.

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a concretização do processo decisório ou implementador de diversas políticas se encontra nas mãos de quem, agindo a priori, aconselha o decisor ou, atuando a posteriori, executa a decisão. (Otero, 2011, p. 294)

razões pelas quais são elas que ditam materialmente a decisão, ou, em alternativa, demonstram a inviabilidade da opção política. (Otero, 2011, p. 296)

A notória especialização dos servidores públicos, a sua experiência, o seu conhecimento técnico, dão-lhes incomensurável vantagem sobre os políticos, eventuais ocupantes de cargos eletivos, pois daqueles dependem para viabilizar as suas escolhas. Dos servidores técnicos surgem as diversas hipóteses de ação, pois são eles que desenham os quadros conjunturais e é a partir de sua opinião que são tomadas decisões no sentido da efetivação ou supressão da política pretendida. Este relacionamento entre o político e o burocrata funciona com a seguinte lógica: “O que deve ser feito depende do que pode ser feito e dos seus efeitos” (Beetham, 1988, p. 73-74).

É, pois, evidente que o procedimento de decisão política está condicionado, na prática, ao aval dos servidores e técnicos burocratas profissionais da Administração Pública e que a questão da legitimidade política e democrática da decisão está relativizada e se mantém apenas por ficção jurídica.

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Isto se dá como já foi referido em razão das exigências técnicas da Administração Pública contemporânea que limitam ou condicionam o espaço político-democrático (o que se pretende fazer) às possibilidades racionalmente colocadas. Além disso, a demanda por soluções técnicas passa a configurar a própria normatividade habilitante da atuação administrativa, que deve ser adequada à necessidade de prover a sociedade de respostas cada vez mais rápidas, complexas, especializadas e individualizadas, diferentes da já citada generalidade e abstração legalista da modernidade positivista.

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Mirando na lição de Otero: Na realidade, a crescente complexidade técnica dos problemas que são colocados no âmbito da atividade legislativa e da atividade administrativa mostra-se particularmente propensa para que a respectiva decisão seja condicionada por obstáculos de índole técnica que, escapando na sua generalidade ao político-legislador ou ao político-administrador, remetem a verdadeira decisão final para estruturas compostas por técnicos sem qualquer legitimidade político-democrática: são essas estruturas que controlam a informação, possuem elenco de soluções possíveis e têm a percepção sobre o sucesso das diferentes opções,

A implantação das agências reguladoras segue, portanto, a lógica de afastar da esfera político-partidária o núcleo de decisões sobre determinadas matérias, privilegiando as decisões técnicas sobre as políticas. Contudo, não foi apenas em razão da maior complexidade das tratativas administrativas que as agências reguladoras assumiram o atual protagonismo na administração política brasileira. Além da questão da especialização técnica das agências, há outra que remete à crise por que vem passando todo o sistema político contemporâneo. O Estado Democrático traz em sua matriz a marca da pluralidade partidária, é da essência mesmo da democracia a multiplicidade de opiniões, a divergência, o debate, as manifestações contraditórias, o conflito de valores, a discordância entre as diversas formas de viver e pensar. É sobre o resultado destes conflitos permanentes que se constroem as políticas públicas, os planos e metas governamentais, ou deveria ser assim. Há uma crescente contestação ao sistema político adotado constitucionalmente, que pode ser percebido, sem maiores esforços científicos, com a verificação empírica da reação da população em face dos acontecimentos institucionais. Veja-se que as recentíssimas eleições gerais, em especial para os cargos legislativos, não desperta no eleitor, nem mesmo no candidato, qualquer sentimento recíproco de compromisso ou lealdade de


Ainda repercute o episódio das manifestações populares, em meados do ano de 2013, que agitaram as ruas das metrópoles brasileiras. Naquela oportunidade, restou demonstrada a intolerância de parte da população com o descaso dos políticos para com a necessidade de melhoramentos nos serviços públicos, tendo havido, inclusive, a emergência de grupos dispostos a utilizar de práticas violentas que colocam em risco a própria democracia. Esse fenômeno é descrito por Rodolfo Viana Pereira como sendo um isolamento das classes políticas. Nas palavras do autor: O isolamento, a clausura e a crescente burocratização das instâncias de decisão, a perda da capacidade de mobilização e de conquista da “capital social” por parte dos partidos políticos, a impressão generalizada de queda no desempenho dos poderes e das agências estatais, o enfraquecimento da legitimidade governamental e parlamentar em face dos altos níveis de abstencionismo e desinteresse popular pela política oficial são alguns dos fatores que colocaram em questão a capacidade global das estruturas e atores políticos tradicionais em cumprir de modo razoável as funções deles esperadas. (Pereira, 2010, p. 136)

Em razão do exposto, o poder decisório tem sido cada vez mais atribuído a estruturas administrativas, tais como as agências reguladoras, em uma aposta que estas pautem sua ação de maneira imparcial e objetiva, uma vez que não se encontram subordinadas à hierarquia governamental, mas, ao contrário disto, localizam-se fora de qualquer “indirizzo politico o amministrativo”6 (Caseta, 1999, p. 216), sendo esta a razão de sua designação como agência reguladora independente.

6 “Endereço político ou administrativo” (tradução livre do autor).

Entende-se que, na mesma medida em que as agências reguladoras crescem em confiança popular, aumentando o seu protagonismo, na mesma proporção, a estrutura de Administração Pública comandada pelos partidos políticos, pelas razões já expostas, não corresponde mais aos anseios de legitimidade da população. Há um risco inerente à desconsideração da autoridade eleita em favor da autoridade técnica, é o risco de “fazer emergir um setor da Administração sem cabeça e politicamente irresponsável” (Otero, 2011, p. 320), segundo o administrativista lusitano: Os efeitos decorrentes do surgimento das autoridades administrativas independentes em sistema de organização administrativa inseridos no contexto de modelos políticos de matriz parlamentar são, todavia, revolucionários: subtraídas estas estruturas a quaisquer poderes intra-administrativos por parte do governo, encontrando-se este isento de responsabilidade política por tais setores da atividade administrativa que, deste modo, representam espaço a descoberto de um efetivo controle político-parlamentar, há aqui um corte abrupto nas ideias de legitimação democrática e responsabilidade política da Administração Pública, fazendo-se ressuscitar a velha teoria da impermeabilidade de certos setores da Administração Pública ao parlamento e substituindo-se hoje [...] a então legitimidade monárquica por uma moderna legitimidade tecnocrática ou de prestígio das autoridades administrativas independentes. (Otero, 2011, p. 320)

É, portanto, com cautela que se compreende a informação sobre a legitimidade fulcrada no prestígio popular das agências reguladoras e sobre a sua independência em face da instância política. Na próxima e derradeira seção, tratar-se-á da questão com maior detença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As agências reguladoras surgiram para ser uma instituição puramente técnica e politicamente neutra. Contudo, tornaram-se uma instância administrativa que rivaliza e, em muitos casos,

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uns para com os outros, uma vez que os candidatos são, majoritariamente, escolhidos na antevéspera do pleito e os eleitos abandonam imediatamente suas palavras empenhadas durante o processo eleitoral (com raras e honrosas exceções).

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protagoniza a cena decisória quanto à execução de políticas públicas. Isto se dá, como já foi dito, em razão da eficácia normativa fundada na aceitação popular. Resta, portanto, em sede de conclusão, um desafio a ser enfrentado que se materializa na forma de duas questões ainda a serem respondidas. A primeira delas é como conciliar e encontrar fundamentos para garantir uma base de legitimidade democrática a esta interposição normativa entre a instância política e a técnico-administrativa. A outra questão demanda refletir sobre a autonomia das agências reguladoras e a sua suposta independência em face dos órgãos de controle político. Estariam mesmo as agências reguladoras fora do alcance do controle político-democrático?

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Considerando toda a argumentação apresentada nas seções antecedentes, tem-se que a criação normativa das agências reguladoras está fundada em uma composição de dois fatores: primeiramente, na delegação de competências do Poder Executivo para aquelas instituições, o que é constitucionalmente permitido. Esta delegação garante a legitimidade positivista do Direito criado pelas agências nos moldes kelsenianos.

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Somando-se à legitimação pelo direito positivo, há também aquela advinda do reconhecimento social do desempenho das agências reguladoras. Este reconhecimento garante a estas instituições o espaço político necessário para continuar sua produção normativa e torná-la eficaz. Assim, considerada legítima a atuação das agências na seara da criação normativa, há de se considerar, de maneira simultânea, que esta legitimidade tem caráter político e foi conquistada mediante a ocupação de espaço social. Portanto, as agências reguladoras devem prestar contas e se submetem ao controle

político exercido pelos poderes republicanos, como foi o caso do Decreto Legislativo nº 273/2014. No Estado Democrático de Direito, e isso é um fato, não há espaço para a incompetência administrativa, nem para a improvisação e muito menos para decisões populistas. No Estado Democrático de Direito, durante o processo para a tomada de decisões públicas, devem prevalecer a técnica e a razão, sempre em busca do melhor interesse da sociedade. Por outro lado, neste mesmo Estado Democrático de Direito, não há espaço para a arbitrariedade administrativa, ou para a imunidade política em nome da autoproclamada melhor decisão. No Estado Democrático de Direito, todos os órgãos públicos submetem-se aos controles jurídicos e políticos conforme determina a melhor hermenêutica constitucional. Portanto, mesmo que o Texto Constitucional não trate explicitamente das agências reguladoras, estas, como órgãos públicos de decisão e gestão, submetem-se aos controles constitucionais, mormente aquele exercido pelo Parlamento brasileiro no uso de suas competências constitucionais.

REFERÊNCIAS AMARAL, Diogo Freitas do. Princípio da legalidade. Lisboa/São Saulo: Verbo, 1985, Polis, v. 3. BEETHAM, David. A burocracia. Lisboa: s.n., 1988. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. CARINGELLA, Francesco. Corso di diritto amministrativo. Milano: Giuffrè, v. 1, 2001. CASETA, Elio. Manuale di diritto amministrativo. Milano: s.n., 1999.


ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado. Coimbra: Almedina, 2009. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. LOMBARTE, Artemi Rallo. La constitucionalidad de la administraciones independientes. Madrid: Tecnos, 2002. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. 2ª reimpressão da edição de maio de 2003. Coimbra: Almedina, 2011.

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PEREIRA, Rodolfo Viana. Direito constitucional democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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Doutrina

A Prisão Domiciliar e a Falta de Vagas no Sistema Prisional. Os Direitos e as Garantias dos Apenados na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e nos Tribunais Superiores*

examinados em pesquisa que abrangeu processos de execução dos anos de 2012 e 2013. Por fim, foram apreciadas as decisões dos Tribunais Superiores e a audiência pública realizada em meados de 2013 pelo Supremo Tribunal Federal. PALAVRAS-CHAVE: Prisão domiciliar; falta de vagas no sistema prisional; dignidade; individualização; vedação de penas cruéis; precariedade do sistema prisional brasileiro; Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre; Tribunais Superiores. SUMÁRIO: Introdução; 1 Do conceito da prisão domiciliar e suas possibilidades jurídicas; 1.1 Da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro; 1.2 A prisão domiciliar e a Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre; 2 A concessão da prisão domiciliar e a Constituição Federal da República brasileira; 2.1 Da dignidade da pessoa humana; 2.2 Da individualização da pena; 2.2.1 Da fiscalização da prisão domiciliar; 2.3 A prisão domiciliar e o Supremo Tribunal Federal; 2.3.1 Do Recurso Extraordinário nº 641.320; 2.3.2 Da audiência pública; Referências.

ADRIANO MARCOS LEHNEN

Advogado, formado pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

RESUMO: O objetivo do presente artigo é fazer uma análise dos contornos da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional. O estudo foi realizado à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena, da vedação a penas cruéis e do respeito à integridade física do apenado no cumprimento da pena. Foram também levados em consideração elementos de processos de execução da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre, * Artigo escrito a partir do trabalho de conclusão apresentado na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre em 2 de junho de 2014, o qual auferiu nota máxima com indicação de publicação de artigo científico. Banca composta pelos Professores Renata Jardim da Cunha Rieger (orientadora do trabalho), Fabiano Clementel e Lucio Antônio Machado Almeida.

INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil prevê uma gama de direitos e de garantias fundamentais a seus indivíduos, que são essenciais para a consolidação do Estado Democrático brasileiro. Entre tais direitos e garantias, existem inúmeros direcionados a indivíduos que devem cumprir algum tipo de sanção criminal, pena imposta por atos que infligiram a lei. Nesta percepção do respeito às garantias constitucionais, vem sendo concedida a prisão domiciliar pelo Judiciário gaúcho nos casos em que inexistem vagas nas prisões no regime aberto e semiaberto, assim demonstrando a fragilidade do sistema prisional brasileiro. Esta situação (concessão da prisão domiciliar frente à falta de vagas) também vem sendo ratificada pelo Superior Tribunal


residência, podendo ser aplicada na forma preventiva ou durante a execução de sua pena restritiva de liberdade. Na concepção de Marcão1, “a prisão-albergue domiciliar é a modalidade de prisão aberta na letra da lei. Trata-se de um regime em residência particular, conforme dispõe o art. 117 da Lei de Execução Penal”.

No intuito de compreender e de analisar este instituto (prisão domiciliar), será realizada uma breve consideração sobre o conceito e o amparo legal para a prisão domiciliar. Nesta linha, pretende-se identificar as razões que levam o Judiciário (Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e Tribunais Superiores) a conceder a prisão domiciliar sem previsão expressa em lei. Para tanto, foi realizada pesquisa qualificativa em Porto Alegre nos processos em que houve a concessão da prisão domiciliar durante o período compreendido entre janeiro de 2012 a novembro de 2013. Com isto, objetivou-se analisar elementos concretos e próximos à nossa realidade. Elementos que podem trazer condições de uma melhor compreensão da concessão do benefício aos apenados, o que tem sido objeto de severas críticas pela sociedade.

No Direito brasileiro, a prisão domiciliar está disciplinada pelos arts. 317 e 318 do Código de Processo Penal, na forma de prisão preventiva, e pelo art. 117 da Lei de Execuções Penais, quando em substituição à pena definitiva. A prisão domiciliar poderá ser concedida em casos muito especiais, na forma das modalidades estipuladas em lei, observando os requisitos por ela definidos e a particularidade de cada caso concreto. Neste sentido, Marcão2 refere que, “levando em conta certas situações especialmente particulares, o legislador houve por bem abrandar o rigor punitivo, mesmo em pena a ser resgatada no regime aberto”.

Logo depois, tratar-se-á da concessão da prisão domiciliar sob a ótica da Constituição da República Federativa do Brasil, analisando-se quais seriam os princípios que justificariam a concessão da prisão domiciliar por parte do Judiciário gaúcho com amparo pelos Tribunais Superiores, em especial o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Neste ponto, far-se-á especialmente importante a análise da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena.

1 DO CONCEITO DA PRISÃO DOMICILIAR E SUAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS A prisão domiciliar pode ser conceituada como a possibilidade de que o indivíduo possa vir a cumprir a sua detenção em sua

Inicialmente, pode se verificar que os motivos justificadores da concessão de prisão domiciliar na prisão preventiva e na execução da pena têm semelhanças. Poder-se-ia citar como exemplo o fato de o Superior Tribunal de Justiça utilizar os mesmos requisitos para hipóteses de doença grave, exigindo comprovação documental, com laudos médicos que comprovem a alegação. Ainda, no caso de pedido de prisão domiciliar justificado pelo motivo de ter filho menor de seis anos sob a sua responsabilidade, deverá ser comprovada pelo requerente que esta é a única pessoa responsável para cuidar e educar o mesmo3 e, assim, 1 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 186. 2 Idem, p. 187. 3 BRASIL. Superior Tribunal Justiça, Habeas Corpus nº 424.658/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, Paciente: Elaine Cristina Martins Santos, Julgado em 06.09.2012, Diário da Justiça eletrônico 30.10.2012. BRASIL. Superior Tribunal Justiça, Recurso em Habeas Corpus nº 40.043/SP, 5ª Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, Paciente: S.P.F., Julgado em 03.04.2014,

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de Justiça e, algumas vezes, pelo Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento de que a falta de vagas adequadas no sistema prisional violaria os direitos fundamentais garantidos pela Constituição brasileira e por inúmeros tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

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haver a concessão de tal benesse. Uma diferença crucial entre as duas modalidades é o momento em que será aplicada. A primeira, no caso de uma prisão cautelar. E a segunda, durante a execução da pena.

1.1 Da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro

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Ressalta-se que, atualmente, inexiste hipótese legal de cumprimento de pena privativa de liberdade em regime domiciliar por ausência de estabelecimento prisional que atenda a todos os requisitos da Lei de Execuções Penais. Assim, dado que a concessão de prisão domiciliar por falta de vagas não se enquadra nas situações previstas no art. 117 da Lei de Execução Penal, poder-se-ia – em um primeiro momento – afastar a possibilidade jurídica de deferimento de tal benefício. Por outro lado, levando em conta o caos do sistema prisional brasileiro e considerando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a vedação constitucional no art. 5º, de cumprimento de penas cruéis e, em consequência, assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, faz-se necessário refletir acerca da taxatividade das hipóteses.

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Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal vem ratificando a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e tem concedido prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional, mesmo que esta hipótese não esteja prevista na Lei de Execução Penal, visto que o rol estabelecido pela lei não é, no entendimento da Corte, taxativo. Além disso, a permanência dos apenados nestas condições afrontam os direitos fundamentais garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Diário da Justiça eletrônico 14.14.2014.

Esse entendimento pode ser extraído do Habeas Corpus nº 113.3344, em que o Ministro Dias Toffoli consignou que, ao aplicar a prisão domiciliar, o Juízo da Vara de Execução Criminal observou a necessidade de respeitar o direito do réu de não cumprir a sua pena em regime mais severo do que aquele que lhe foi imposto, sendo, assim, a decisão totalmente legal, não extrapolando a sua competência. Também foi observado pelo Ministro que esta decisão é condicionada à falta de vagas adequadas. Quando estas vierem a surgir, a decisão poderá ser revista5. Por fim, o Ministro mencionou que a ineficiência do Estado em criar vagas que respeitem os termos das condenações e o previsto na Lei de Execução Penal não justifica que o apenado seja prejudicado, vindo a cumprir uma pena mais severa do que aquela aplicada pelo juiz na condenação.

1.2 A prisão domiciliar e a Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Conforme abordado anteriormente, realizou-se uma pesquisa junto à Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, que tinha por objetivo analisar como a modalidade de prisão domiciliar em resposta à falta de vagas em presídios tem sido aplicada. Foram analisados 34 processos em que houve a concessão da prisão domiciliar, sendo 17 processos referentes ao ano de 2012 e os outros 17 processos correspondentes ao ano de

4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 113.334, 1ª Turma, Relatora Ministra Rosa Weber, Relator p/o Acórdão Ministro Dias Toffoli, Paciente: Rodinei de Souza, Julgado em 18.02.2014, Diário de Justiça eletrônico 20.03.2014. 5 Nas palavras do Ministro Dias Toffoli, “a decisão é condicional, pois estabelece o regime mais brando apenas enquanto não houver vaga em casa prisional que atenda a todos os requisitos da condenação”.


2013, com o preenchimento de um questionário previamente elaborado. No momento, pode ser constatado que, durante o ano de 2012, 23,52% das concessões de prisão domiciliar foram concedidas para mulheres e 76,47% para homens. Em 2013, o percentual de mulheres beneficiadas com a concessão da prisão domiciliar diminuiu em relação ao ano anterior, ficando em 17% das mulheres e 83% dos homens beneficiados. Esses números são o reflexo de que a maioria dos apenados no Estado do Rio Grande do Sul é do sexo masculino6. No que tange ao tipo de delito cometido pelos beneficiários, pode-se observar que a imensa maioria foi condenada por crimes patrimoniais como roubo e furto e, em segundo lugar, por crimes de homicídio no ano de 2012 e tráfico de drogas em 2013, como pode se observar no gráfico a seguir:

furto e roubo 10 táfico de drogas

8 6

homicídio

4 2

porte de armas

0 2012

2013 corupção de menor

contra a liberdade Figura 1. Dado coletado junto aos processos de crimes execuções de penas que sexual tramitam junto à Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.

O levantamento desses dados teve como objetivo fundamental consubstanciar, no decorrer do artigo, se a observância dessas condições especiais, peculiares a cada caso, foi considerada pelo Judiciário gaúcho no momento da concessão da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional.

6 Notícia sobre a proporção de presos em relação ao sexo masculino e feminino. Portal do Fórum. Disponível em: <http://www.revistaforum.com. br/blog/2012/11/pesquisa-revela-em-numeros-realidade-carceraria-do-pais/>. Acesso em: 20 mar. 2014. “Nos últimos 20 anos, a população carcerária do país cresceu 350% até chegar a mais de meio milhão de presos, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.”

O Brasil tem hoje a 4ª maior população carcerária do mundo, são 514.582 pessoas privadas de liberdade por crimes como tráfico de drogas e roubo. A informação é de “Direito Direito”, equipe que presta serviço de informação jurídica para leigos, e foi divulgada no infográfico “O Brasil atrás das grades”, na última semana. O infográfico mostra que, destas, quase 515 mil pessoas 93,7% são homens e 6,3% são mulheres. Quanto à escolaridade dos detentos, 275,9 mil terminaram o ensino fundamental, 89,2 mil terminaram o ensino médio, 58,4 mil são apenas alfabetizados, 26,6 mil são analfabetos e 5,6 mil concluíram o ensino superior.

Para uma melhor compreensão da prisão domiciliar, é necessário analisar a prisão domiciliar do ponto de vista constitucional. Para tanto, será imprescindível trazer considerações acerca da dignidade da pessoa humana, com a respectiva vedação a penas cruéis e com a garantia da integridade do preso7, bem como a individualização da pena e a justificativa dada pelo Poder Executivo sobre a falta de verba para fazer um investimento

7 Para aprofundamento do tema, ver: LEHNEN, Adriano Marcos. A prisão domiciliar e a falta de vagas no sistema prisional. Os direitos e garantias dos apenados na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e nos Tribunais Superiores. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Porto Alegre, 2014. p. 36-38.

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2 A CONCESSÃO DA PRISÃO DOMICILIAR E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA BRASILEIRA

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adequado no sistema prisional previsto na Lei de Execuções Penais, amparado no princípio da reserva do possível8-9.

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8 Idem, p. 38-44. 9 Parece, contudo, que o melhor entendimento acerca da aplicação da reserva do possível é do atual julgado: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS EM CADEIA PÚBLICA – Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública – superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente –, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil pública que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. De fato, evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF) e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição –, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como ‘supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social’, como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive, precedentes do STF (RE-AgR 795.749, Segunda Turma, DJe 20.05.2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda Turma, DJe 15.09.2011) e do STJ (AgRg-REsp 1.107.511/RS, Segunda Turma, DJe 06.12.2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial de políticas públicas. Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio

da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Ademais, também não há como falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei nº 4.320/1964 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que a ação civil pública analisada objetiva obrigar o Estado a realizar previsão orçamentária das obras solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade de previsão orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto, recorrentemente, a invocação da teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias. Não se pode deixar de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia, situação completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da


A dignidade da pessoa humana é um fundamento constitucional que justifica a concessão de prisão domiciliar em resposta à falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto no sistema prisional brasileiro, um dos principais fundamentos dos Estados modernos, que foi consagrado somente após a Segunda Guerra Mundial. Neste ponto, aqui cabe mencionar os escritos de Sarlet, no sentido que desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas10 a dignidade da pessoa humana vem sendo reconhecida e expressa nas Constituições11. reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna, entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais. Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político” (REsp 1.389.952/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em 03.06.2014). 10 Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo I: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 21 maio 2014). 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 97. Afirma que “o valor fundamental da dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecido expressamente nas constituições. De modo especial, após ter sido consagrado pela Declaração Universal da Organização das Nações Unidas (ONU) em seu art. 1º”.

No Brasil, a dignidade da pessoa humana foi consagrada pela Constituição da República Federativa do Brasil como fundamento do Estado Democrático de Direito. E, neste sentido, Comparato nos ensina que hoje se reconhece a vigência dos direitos humanos, independente de sua declaração em Constituições, leis ou tratados, isto pela simples razão de estar diante da exigência do respeito à dignidade da pessoa humana exercida contra todos os poderes estabelecidos pela sociedade, sejam oficiais ou não12. Bonavides entende que o princípio da dignidade da pessoa humana é o mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo um dos fundamentos da estruturação do Estado brasileiro. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas é também da ordem política, social, econômica e cultural13. Por se tratar de um núcleo da Constituição brasileira, do princípio da dignidade da pessoa humana surgem os demais princípios constitucionais que servem para nortear a legislação interna e a sua aplicação. Por esta razão, é um dos princípios fundamentais que regem o Estado brasileiro, estando expresso no art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil. No entanto, apesar de ser um dos pilares da Constituição da República Federativa do Brasil, este princípio é constantemente desrespeitado dentro do sistema penitenciário brasileiro. Atualmente, o sistema abriga um número de presos muitas vezes maior do que a sua capacidade, com celas desprovidas de instalações sanitárias, atendimento médico, entre outros requisitos mínimos para uma vida digna de um ser humano, como fica 12 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 277. 13 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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2.1 Da dignidade da pessoa humana

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muito bem evidenciado na notícia do próprio Conselho Nacional de Justiça14. A despeito da impossibilidade de se reduzir o conteúdo da dignidade da pessoa humana a uma fórmula geral e abstrata, é possível se chegar a situações que integram o âmbito da proteção do princípio. Entre elas, pode-se situar a garantia de condições justas e adequadas de vida para o indivíduo e a sua família, que correspondem justamente à proteção contra as necessidades de ordem material e a garantia de uma existência com dignidade15.

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É nesta realidade que o Judiciário vem concedendo tal pedido, em virtude da falta de vagas no regime aberto. É necessário,

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14 Notícia veiculada no site do Conselho Nacional de Justiça sobre o sistema prisional. CNJ apresenta radiografia do sistema penitenciário brasileiro em SP. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content &view=article&id=7484:judiciario-do-es-desenvolve-sistema-de-controle-de-presos-provisorios&catid=1:>. Acesso em: 20 abr. 2013. “O déficit de vagas no sistema penitenciário brasileiro, estatísticas, irregularidades na execução da pena e sugestões sobre o assunto foram apresentadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quarta-feira (16/09), em São Paulo, no Curso de Direito Penal e Processual Penal da Justiça Federal promovido pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região. O juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador nacional dos mutirões carcerários, Erivaldo Ribeiro dos Santos, apresentou a juízes federais uma radiografia do sistema penitenciário, que revela as principais dificuldades relacionadas à manutenção das prisões no país. Os dados foram colhidos com base em informações dos mutirões carcerários realizados pelo Conselho, bem como em estatísticas do Departamento Penitenciário (Depen). O juiz revelou que o Brasil possui atualmente um déficit de 170 mil vagas nos presídios e que, para sanar essa falta de vagas, seria necessário um investimento na ordem de R$ 3 bilhões. Segundo Erivaldo Ribeiro, o déficit de vagas pode ser ainda maior, pois os mutirões têm encontrado, em alguns Estados, quantidade de presos bem superiores às informadas pelas estatísticas do Depen. ‘Na Bahia, por exemplo, encontramos 5.800 presos a mais que estavam nas delegacias e não faziam parte das estatísticas oficiais’, relatou.” 15 Nessa linha: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 117 e 118.

contudo, trazer a observação feita por Nucci: “Infelizmente, em muitos locais, na ausência de casa do albergado, passou-se a deferir a todo e qualquer condenado, sujeito ao regime aberto, o cumprimento da pena em sua própria residência. O que não condiz com o objetivo da Lei de Execução Penal, mas é fruto da desastrada ação do Estado no trato da questão”16. Cabe ressaltar, em relação ao sistema prisional caótico, que a falta de vagas se dá por inexistência de estabelecimentos adequados, albergues, para o cumprimento da pena quando há a progressão de regime para o aberto. É competência do Estado garantir condições para que sejam dadas condições adequadas, como foi defendido no acórdão do Habeas Corpus nº 248.358/RS17, julgado do Superior Tribunal de Justiça, tendo como Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis de Moura. Em seu voto, defendeu que é dever do Estado proporcionar as condições necessárias para o cumprimento da pena pelo apenado. Referiu, ainda, que o não cumprimento pelo Estado das garantias gera violação ao princípio da dignidade da pessoa humana18. Assim, fica evidente a necessidade de o Poder Público buscar alternativas à falta de vagas no sistema prisional ou outras hipóteses 16 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1033. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. 18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. Transcreve-se trecho do seu voto: “Entendimento diverso, em meu sentir, implica ofensa ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e ao princípio que lhe é correlato, em sede de execução penal, o princípio da humanidade da pena”.


2.2 Da individualização da pena O princípio constitucional da individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do 19 Notícia sobre o grave problema da falta de vagas em casas prisionais, vinculada no site Estadão.com.br São Paulo, 14 maio 2013. Se não houver vaga, o preso deve cumprir prisão domiciliar? Disponível em: <http://www. estadao.com.br/noticias/impresso,se-nao-houver-vaga-o-preso-deve-cumprir-prisao-domiciliar,1031498,0.htm>. Acesso em: 22.05.2013. No mesmo sentido notícia vinculada no site G1 Brasil, 26 abr. 2013. “Falta de vagas pode levar 23 mil do semiaberto à prisão domiciliar. Regra já é adotada por alguns juízes; STF vai decidir se valerá para todos. Maioria ainda fica no regime fechado, onde preso é ‘animal’”, afirma detenta. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/04/falta-de-vagas-pode-levar-23-mil-do-semiaberto-prisao-domiciliar.html?active=1>. Acesso em: 22 maio 2013. E ainda notícia vinculada no site do Estadão, 16 maio 2013. “O colapso do sistema prisional”. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/ impresso,o-colapso-do-sistema-prisional,1032327,0.htm>. Acesso em: 22 maio 2013. 20 A título meramente exemplificativo: BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 107810/PR, Relator Ministro Marco Aurélio, Paciente: Ellen Regina Lima Bove, Julgado em 17.04.2012, Diário da Justiça eletrônico 03.05.2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 110417/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Paciente: Paulo José de Almeida, Julgado em 14.02.2012, Diário da Justiça eletrônico 06.03.2012.

Brasil21, garante aos indivíduos no momento de uma condenação em um processo penal que a sua pena seja individualizada, isto é, levando em conta as peculiaridades aplicadas para cada caso em concreto. Cabe aqui salientar que, para Nucci, o conceito de individualização de pena quer dizer particularizar o que antes era um caso genérico, levando em conta as peculiaridades de cada caso, de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos daquele sentenciado, tornando ele único e diferente dos demais infratores22. A aplicação do princípio da individualização da pena pode ser dividida em três etapas diferentes. O primeiro momento é uma etapa que se chama de fase in abstrato. Aqui, o legislador faz a aplicação deste princípio para elaboração do tipo penal incriminador, com a determinação das penas em abstrato estabelecendo os patamares mínimo e máximo de pena que poderá ser aplicado pelo juiz a cada caso concreto. A segunda fase, a individualização judiciária, é o momento em que o juiz faz a aplicação do tipo penal ao ato que o acusado cometeu, verificando qual será a pena mais adequada, levando em conta as características pessoais de cada réu. E a última fase, quanto à aplicação da sanção, é aquela em que o magistrado responsável pela execução da pena do apenado vai determinar o cumprimento individualizado da sanção aplicada23. Na fase da execução, a individualização da pena está intimamente ligada aos princípios da personalidade e da proporcio21 A regulamentação da individualização da pena está expressa na Constituição da República Federativa do Brasil no art. 5º, inciso XLVI: “A lei regulará a individualização da pena”. 22 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 34. 23 Idem, p. 36.

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de cumprimento de penas. E uma das soluções que está sendo adotada pelo Judiciário é a concessão de prisão domiciliar, que tem gerado muita discussão e repercussão na mídia19. Verificam-se decisões concedendo a garantia dos princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana. E, em sentido oposto, verificam-se outras que negam o pedido, com o argumento de que não existe previsão legal. Além de gerar uma sensação de impunidade perante a população, tal discussão acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal por meio de diversos recursos20.

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nalidade. Em relação à personalidade, faz referência no sentido de que a pena seja dirigida individualmente ao apenado, não sendo permitido que a pena aplicada passe para outra pessoa, inclusive com vedação constitucional24. Dessa forma, garante ao apenado o direito de ser identificado e registrado o motivo de sua prisão, momento em que ela foi efetivada, bem como a autoridade competente que a determinou. Determina, ainda, que seja classificado de acordo com suas condições individuais, assim como mecanismos que garantem condições para que este apenado possa retornar ao convívio familiar e em sociedade, como, por exemplo, acesso à formação profissional e assistência social, acesso à saúde e garantia do livre desenvolvimento individual25.

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Esta última e terceira etapa do princípio da individualização da pena que tem relação direta com este artigo. Isto porque é neste momento em que está sendo concedida a prisão domiciliar, muitas vezes de forma indiscriminada. No curso da pesquisa desenvolvida na Vara de Execução Criminal de Porto Alegre, observou-se que, algumas vezes, o Juiz das Execuções Criminais não está analisando algumas das circunstâncias pessoais do condenado, como a natureza e gravidade do delito e o processo de ressocialização do apenado. Falta, assim, atenção à individualização da pena.

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Por outro lado, não concedendo a prisão domiciliar, também está sendo violado o princípio da individualização da pena, no momento em que um apenado estará cumprindo pena em um regime mais severo do que aquele que deveria estar. No caso de uma progressão para o regime semiaberto, na falta de vagas, ele fica obrigado a cumprir pena no regime fechado. 24 A Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5º, inciso XLV, prevê que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. 25 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 132.

O Superior Tribunal de Justiça já possui um entendimento pacífico26 de que deixar o preso cumprir pena em regime mais severo é constrangimento ilegal. Neste sentido, cabe citar, por exemplo, o Habeas Corpus nº 248.358/RS27, de relatoria da Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura, referindo-se que a mistura de diversos presos que estão cumprindo pena em diferentes regimes viola o princípio da individualização da pena. E, por fim, no mesmo julgado, a Relatora manifesta a sua opinião em consonância com o entendimento da Corte Cidadã de que a ausência de vagas no sistema prisional brasileiro não justifica que o apenado venha a cumprir pena em outro regime: “Afinal, carência de vagas em estabelecimento prisional é falha do sistema carcerário estatal, que deve ser arrogado ao Poder Público, sendo inadmissível que o apenado sofra, injustamente, as consequências dessa deficiência”28. 26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 272.506/SP, Ministra Relatora Assusete Magalhães, Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Paciente: Anderson Lourenço, Julgado em 05.09.2013. 27 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. Nas palavras da Ministra Relatora, “a mistura indiscriminada entre presos dos regimes aberto e semiaberto, a administração prisional passa a tratar todos eles como se fossem de um mesmo regime, desprezando a individualização da pena”. 28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013.


A partir do levantamento de dados coletados dos questionários, preenchidos por meio da análise dos processos da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, pode ser observado que a prisão domiciliar foi concedida a todos os detentos em que houve a progressão dos regimes fechado e semiaberto para o aberto. Parece que se observou apenas o lapso temporal para a progressão de regime, sem a análise da história do crime e do preso.

Deixou-se, assim, de analisar as condições pessoais inerentes ao apenado, como, por exemplo, se o cidadão era reincidente. No mesmo sentido, cabe mencionar a decisão do Processo de Execução Penal nº 528609, que concedeu a prisão domiciliar a um preso condenado pelo crime de homicídio qualificado a uma pena de 17 (dezessete) anos e 9 (nove) meses de prisão no regime fechado. Da mesma forma que ao caso citado anteriormente (Processo de Execução Penal nº 475033), foi concedida a benesse após o cumprimento de 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses da pena, pela mesma justificativa de ter atingido o requisito temporal para progressão, devido à falta de vagas e à precariedade do sistema prisional.

O órgão judiciário concedeu o benefício com base na mera constatação de o apenado ter atingido o requisito temporal para a progressão de regime ou ser condenado a cumprir pena nestes regimes, sem fazer uma análise de todas as circunstâncias específicas do crime. A saber: a espécie de crime, o bem jurídico e os valores violados pela conduta punida, a gravidade da conduta, a extensão da pena, o processo de ressocialização do apenado e a sua aptidão para o retorno ao convívio social.

Para condenados com penas bem menores, também foram somente observados os mesmos requisitos, como, por exemplo, no Processo de Execução Criminal nº 436828, em que o apenado foi condenado a uma pena de 3 (três) anos por porte de arma de fogo de uso restrito. Pena essa que foi substituída por prestação de serviços à comunidade, mas que não foi cumprida pelo apenado. Este não cumprimento da prestação de serviço à comunidade ocasionou a conversão de tal medida à pena original, que era a pena privativa de liberdade. E, em consequência da falta de vagas no regime aberto, o Judiciário concedeu ao apenado o benefício de cumprir a sua pena na modalidade de prisão domiciliar.

Desta forma, concedeu-se prisão domiciliar, por exemplo, no Processo de Execução Penal nº 475033. Neste processo, o preso foi condenado a vinte anos de prisão no regime fechado pelo crime de tentativa de homicídio doloso combinado com roubo. Após o cumprimento de 7 (sete) anos de pena privativa de liberdade, foi concedida a prisão domiciliar em virtude de o apenado ter atingido o requisito temporal para a progressão e em resposta à falta de vagas e à precariedade no sistema prisional.

Do mesmo modo, no Processo de Execução Criminal nº 731064, em que o apenado foi condenado a uma pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão no regime semiaberto. Cumpridos 11 (onze) meses e 5 (cinco) dias, sobreveio decisão que concedeu para o réu a prisão domiciliar, pelo preenchimento do requisito temporal para a progressão de regime, além de ser justificada a medida pela falta de vagas e a precariedade do sistema prisional.

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Por se tratar de um princípio fundamental, para entender a concessão da prisão domiciliar, a individualização da pena foi um dos principais pontos a serem analisados nos processos da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre em que houve a concessão de tal benesse. A pergunta inicialmente formulada foi: “Houve análise de cada caso antes da concessão da prisão domiciliar ou ela foi aplicada indiscriminadamente a todos os presos que atingiram um requisito temporal?”

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A partir da análise dos processos da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, conjuntamente com o entendimento consolidado do Superior Tribunal Justiça, parece necessário dimensionar um meio termo na concessão da prisão domiciliar. No caso de progressão de regime, deve ser respeitado o direito ao apenado de mudar para um regime mais brando; contudo, não se pode deixar de observar as peculiaridades de cada caso concreto e as condições pessoais de cada apenado para conceder a prisão domiciliar. Por fim, como mais um elemento que evidencia o desrespeito à individualização da pena é que, por meio da análise dos processos de execução criminal da Comarca de Porto Alegre, foi constatado que, na grande maioria dos processos, foi concedida a prisão domiciliar de forma indiscriminada. Muitas decisões são iguais, padronizadas, citam-se, a título exemplificativo, os Processos de Execuções Criminais nºs 73106-4, 74086-1, 684961, 46098-2, processos que têm textos iguais, que justificam a concessão da prisão domiciliar.

benefício29, para constatar se o mesmo estava recolhido à residência e somente saindo para o exercício de alguma atividade laborativa, de estudo ou tratamento médico seu ou de algum familiar. Assim, verificou-se que a única forma efetiva de fiscalização da prisão domiciliar era a apresentação trimestral do apenado na Vara de Execução Criminal. Como consequência desta fiscalização falha, é possível que o apenado não cumpra as condições impostas a ele para a concessão da prisão domiciliar e que essa notícia da inobservância das condições não chegue ao Judiciário, prejudicando, assim, 29 Condições para a concessão da prisão domiciliar extraídas do Processo de Execução Criminal nº 46098-2, da Comarca de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, nos seguintes termos:

“Ante o exposto, defiro o cumprimento da pena nas condições da prisão domiciliar, quais sejam:

a) Poderá o apenado pernoitar em sua residência, recolhendo-se ao lar a partir das 19h até às 6h do dia seguinte;

b) Poderá ausentar-se de sua residência apenas para desenvolver atividade laborativa, estudo, tratamento médico seu e de seus filhos, devendo nela permanecer nos horários e dias de folga;

2.2.1 Da fiscalização da prisão domiciliar

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Na pesquisa, observou-se que, na Comarca de Porto Alegre, a Vara responsável pela execução e fiscalização das penas de restrição a liberdade impostas aos condenados de um processo penal é Vara de Execuções Criminais (VEC).

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Observou-se que a condição para manter o benefício de prisão domiciliar era de inteira responsabilidade do apenado para efetivar o seu cumprimento, não havendo indicação de profissional técnico para fazer o acompanhamento ao apenado, o que garantiria uma melhor ressocialização ao convívio familiar e comunitário. E mais: percebeu-se que não existia nenhuma fiscalização no sentido de se ter um profissional que realizasse alguma visita ao apenado, no local informado, pelo menos no juízo, como estipulado no item “f” da decisão que concedeu o

c) Não poderá mudar de residência sem prévia comunicação a este juízo, devendo obter autorização na hipótese de transferência para outra Comarca;

d) Deverá se apresentar trimestralmente ao juízo da execução, durante o período do benefício, informando suas atividades laborativas, estudantis ou tratamento médico;

e) não se envolver em novos delitos;

f) Por fim, o apenado deverá se apresentar, em 48h, neste juízo, para indicar seu endereço e comprometer-se com as condições, mediante fiscalização.

Oficie-se à casa prisional, com cópia desta decisão, para que seja dado conhecimento ao apenado das condições elencadas.”


2.3 A prisão domiciliar e o Supremo Tribunal Federal A discussão sobre a possibilidade de concessão da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que já apreciou por diversas vezes este tema. Isto porque é um assunto de suma importância para a sociedade brasileira, visto que, por um lado, o Estado tem o dever de garantir os direitos fundamentais aos apenados, conforme preceitua o art. 5º da Constituição Federal, assim devendo ser respeitados e cumpridos durante a execução da pena do mesmo e, por outro lado, existe o dever de o Estado brasileiro garantir segurança pública para a sua população. Uma das primeiras decisões em que a Corte se manifestou sobre a questão foi no julgamento do Habeas Corpus nº 68.01230, de 19.12.1990, no qual se afirmou que a inexistência de casa de albergado não autoriza a concessão de prisão domiciliar ao condenado a cumprir pena em regime aberto (muito menos, portanto, se estiver o apenado no regime semiaberto). Como se pode constatar, o voto do Ministro Celso de Mello aponta que, naquele momento, não era adequada a concessão de prisão domiciliar em resposta à falha no sistema prisional pelo simples motivo de que a falta de recursos do Estado brasileiro para investir na construção de novas casas de albergado não justificaria a concessão desta benesse e, assim, trazendo a discussão contemporânea sobre a reserva do possível na garantia dos direitos fundamentais, ao consignar que a eficácia plena do 30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso em Habeas Corpus nº 68.012, Relator p/o Acórdão Ministro Celso de Mello, Recorrente: José Raimundo Alves Pereira, Recorrido: Ministério Público Federal, Julgado em 19.12.1990.

direito a cumprir pena em regime aberto em casa de albergado está condicionada ao materialmente possível. No tocante à possibilidade de concessão da prisão domiciliar, o Superior Tribunal de Justiça possui um entendimento consolidado, diverso ao do Supremo Tribunal Federal, de que é possível a concessão de tal benesse em resposta à falta de vagas no sistema prisional, como pode se observar no julgado recente do Habeas Corpus nº 248.358/RS, em que a Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura faz a seguinte referência: “Possível é a concessão, em caráter excepcional, da prisão domiciliar, no caso de inexistir no local casa de albergado, enquanto se aguarda surgimento de vaga em estabelecimento prisional adequado”.

2.3.1 Do Recurso Extraordinário nº 641.320 O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpôs recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que manteve a concessão da prisão domiciliar ao apenado pela falta de vagas adequadas no sistema prisional, sob a argumentação de que tal decisão contraria a separação dos poderes, o princípio da legalidade, da igualdade, da individualização da pena e da segurança jurídica. O Supremo Tribunal Federal acabou reconhecendo e declarando repercussão geral sobre o tema da prisão domiciliar no Recurso Extraordinário nº 641.32031. 31 “Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Verifica-se, ademais, que na jurisprudência desta Corte, encontram-se posicionamentos divergentes sobre o assunto (RHC 82.329, Rel. Sydney Sanches, DJ 11.04.2003; Rcl 1.950, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 28.10.2004; HC 94.810, Relª Min. Cármen Lúcia, DJe 06.03.2009; HC 94.526, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 29.08.2008). Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo

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qualquer possibilidade de aplicação de uma sanção em resposta ao não cumprimento das mesmas.

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Desta forma, revela-se um tema com manifesta importância jurídica e social que transcende os interesses subjetivos do processo, visto que esta decisão afeta, de alguma forma, toda a sociedade brasileira. Seja no tocante à segurança jurídica, isto porque não se sabe em que momento o apenado poderá ser colocado em liberdade, ou, ainda, à própria insegurança pública e sensação de impunidade, quando o apenado não estiver cumprindo toda a pena estipulada na sentença condenatória.

2.3.2 Da audiência pública

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Para subsidiar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 641.320, com repercussão geral declarada, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes convocou uma audiência pública para ouvir a opinião dos mais diversos segmentos da sociedade brasileira sobre a concessão da prisão domiciliar. Foram convocados defensores públicos, juízes, promotores, advogados, secretários de segurança pública, representantes do Ministério da Justiça, da Ordem de Advogados do Brasil, do Conselho Nacional de Justiça, entre outros especialistas.

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A audiência pública foi realizada nos dias 27 e 28 de maio de 2013, e, em uma avaliação do Ministro Gilmar Mendes, a audiência proporcionou uma constatação unânime de que a progressão de regime parece pura ilusão, diante da escassez de unidades apropriadas. O Ministro Gilmar Mendes ainda ressaltou o crescente número de habeas corpus impetrados nos Tribunais Superiores relativos a pedidos de progressão e regime prisional e liberdade provisória. “Não se cuida aqui de um problema pontual. São Paulo, por exemplo, que tem a maior população carcerária do país, há cerca de 6 mil presos configurada a repercussão geral da matéria constitucional.”

que teriam direito à progressão de regime para o semiaberto por falta de estrutura adequada”, afirmou. Segundo ele, é preciso repensar o modelo de concessão de cautelares32. Até o presente momento, o Supremo Tribunal Federal ainda não realizou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 614.320, com repercussão geral reconhecida, assim estando em aberto a discussão sobre a possibilidade de os magistrados concederam a prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro. A decisão do Tribunal sobre este tema poderá trazer uma maior segurança para a sociedade, consolidando, assim, o entendimento de que a concessão garante aos apenados o direito de que o Estado brasileiro deverá tomar todas as medidas necessárias para que o mesmo possa cumprir a sua pena, nos moldes definidos pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal. Para finalizar, insta citar a afirmação do Defensor Público Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Nilton Arnecke Maria, na audiência pública33: “A agressão aos direitos fundamentais de uma pessoa, mesmo que esta pessoa seja um condenado, é a violação e a transgressão dos direitos fundamentais de toda a sociedade”. 32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícia STF: Ministro Gilmar Mendes encerra audiência pública sobre regime prisional, terça-feira, 28 maio 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=239699>. 33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Nilton Arnecke Maria. Defensor Público Geral do Estado do Rio Grande do Sul. Fala na audiência pública sobre o regime prisional realizada pelo Supremo Tribunal Federal.


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Doutrina

Uma Crítica Imanente das Reformas da Previdência Social no Brasil MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA

Professor Livre-Docente do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da Área de Concentração em Pós-Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP.

SUMÁRIO: Introdução; Sobre a crítica imanente; Sobre o Estado a partir da crítica imanente; A(s) reforma(s) da Previdência Social no contexto da crítica imanente ao Estado; O derradeiro golpe – A reforma previdenciária realizada como último ato do primeiro governo Dilma Rousseff; Conclusão.

INTRODUÇÃO Pretendemos, aqui, realizar um breve estudo sobre as reformas da previdência realizadas pelos sucessivos governos a partir da gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Para a realização desta análise, utilizaremos pressupostos de uma crítica imanente, conforme se verá no momento oportuno. Sustentamos que, desde meados dos anos 90, a previdência social brasileira tem passado por sucessivas reformas pontuais,

supressivas dos direitos de seus segurados, culminando com a última grande reforma promovida pelo Governo Dilma Rousseff1. Assim, é impreciso dizer reforma da previdência, como se ela se realizasse em um único ato, com a atuação apenas do poder constituinte. Seja por uma sucessão de emendas constitucionais ou de atos infraconstitucionais, a previdência brasileira vem sendo, nos últimos vinte anos – portanto, nos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma – reformada de forma intensa, com prejuízos incomensuráveis para a maior parte da população pobre2. Aliás, embora sem atentar para uma análise marxista do fenômeno, já observávamos tal prática, ainda em seu estágio inicial, na nossa tese de livre-docência, publicada pela Editora LTr em 2002, sob o título Teoria e prática do poder de ação na defesa dos direitos sociais. Não raro, ouvimos que a reforma é fato indispensável por conta do envelhecimento da população. Assim, os anos dourados de captação de recurso seriam substituídos pelos anos nefastos da necessidade de pagamento de valores pre-

1 Nesta linha de raciocínio, temos a recente edição de medidas pelo governo Dilma, em que foram introduzidas significativas mudanças em benefícios como o auxílio-doença, a pensão por morte e o seguro-desemprego no apagar das luzes de 2014 (Medidas Provisórias nºs 664 e 665, editados em 30 de dezembro de 2014). A despeito de mencionar um realinhamento nos critérios de concessão de benefícios para acomodá-los à realidade, o governo promoveu intensas reduções nos direitos sociais, em verdadeiro atentado à previdência social brasileira. O tema será objeto de análise em item deste artigo. 2 Como já é sabido e decantado por muitos, esta contínua reforma da previdência se integra a projeto concebido no Consenso de Washington, e que vem sendo mundialmente aplicado. No caso brasileiro, há especificidades, no entanto, que merecem ser destacadas – o que se pretende fazer aqui.


3 A Revista Poli – Saúde, Educação, Trabalho, a. VII, n. 37, p. 02, nov./dez. 2014, menciona, somente para o ano de 2013, uma perda de arrecadação, em vista das desonerações (verdadeiras renúncias de crédito da previdência social brasileira), no valor de 19,04 bilhões de reais – segundo dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP).

Embora tenhamos dito que, sem razão, cria-se uma situação de alarmismo quanto ao destino futuro da previdência social, isto não é bem assim. Na perspectiva da leitura de luta de classes, é frequente, na lógica burguesa, buscar a ruptura dos interesses e evitar as convergências da classe trabalhadora. O trabalhador de hoje, com medo de que não haverá dinheiro para sustentar os seus benefícios previdenciários no futuro, passa a ser um dos mais contundentes defensores da redução dos direitos dos trabalhadores que já se encontram na inatividade. Não percebe, no entanto, que o trabalhador inativo foi alguém que já esteve sujeito à contribuição e não ganha, em geral, pouco mais do que um salário-mínimo, o que certamente ocorrerá com o futuro trabalhador inativo – que, hoje na atividade, é aquele que defende as reformas para que se tenha dinheiro para a sua previdência no futuro. Assim, por mais que se apresentem contas em sentido contrário ao déficit previdenciário, o trabalhador na atividade está rendido ao fetiche da mercadoria, e terá dificuldades de perceber, individualmente, que tomou a aparência pelo real. Somente a retomada da perspectiva de classe será suficiente para que se possa ultrapassar a limitação que é imposta ideologicamente ao trabalhador na ativa4.

4 Aqui interessante a seguinte colocação de autor que se encontra bastante na moda: “Outra crença otimista muito difundida na atualidade é a ideia de que o aumento da expectativa de vida faria com que a ‘luta de classes’ fosse substituída pela ‘luta de gerações’ – uma forma de conflito muito menos polarizada e aguerrida do que os conflitos de classe, pois, afinal, todos seremos jovens e velhos em algum momento de nossas vidas” (PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Trad. Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 28). Embora critique esta visão otimista, o autor não perceberá que a luta de classes é fator decisivo para a incidência da luta de gerações no seio da classe trabalhadora – dado que seria importante inclusive para as suas conclusões referentes à concentração típica do capitalismo. As duas não são antagônicas e sucessivas, sendo que, em matéria de direitos sociais, a luta de gerações é sentida essencialmente na classe trabalhadora como fator de ruptura (em questões envolvendo trabalhadores ativos x inativos, por exemplo).

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videnciários. Se a questão fosse tão simples assim, não haveria qualquer dificuldade de responder que, ainda captando recursos da população que trabalha, necessariamente a conclusão seria de que a previdência brasileira, neste instante, se encontraria inexoravelmente superavitária. No entanto, não é o que dizem alguns “analistas” que já consideram a previdência brasileira deficitária. Foge à lógica tal resposta, já que é delineado um quadro catastrófico para o presente e, sem razões suficientes, tenta-se conceber uma lógica permeada pelo terror para o futuro, em que a população estará envelhecida. No entanto, poderiam responder, não é apenas o fato de haver muito ingresso, em dado momento, que determina o superávit. Diriam que os generosos valores pagos pela previdência poderiam ser o indicativo da razão do déficit. Não obstante, ao nos depararmos com o fato de que o valor médio do benefício da previdência social não chega sequer a um salário-mínimo e meio, pode-se constatar a falácia desta assertiva. Elevado ingresso proveniente dos trabalhadores e baixo valor dos benefícios, certamente, não correspondem a uma possibilidade de déficit. Apenas um dado poderia corroborar a diminuição de ingressos na previdência social brasileira: as várias desonerações concedidas a setores diversos e incidentes sobre a folha salarial. Segundo dados oficiais, somente em parte do ano passado foram despendidos mais de 3,7 bilhões de reais com as desonerações, conforme dados oficiais referentes a período de 20133. No entanto, a política de desoneração, pouco criticada por estes “estudiosos” que defendem a existência de déficit, tem papel de destaque, quando se tenta entender o papel assumido, no modelo político/ econômico brasileiro, pelo sistema previdenciário.

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Frisamos, por fim, que, aqui, não abordaremos a questão da previdência dos servidores públicos, mas apenas a do setor privado – que, segundo dados destacados pelos arautos da catástrofe, corresponde a um déficit de cerca de mais de 20 bilhões de reais no primeiro semestre de 2014. No entanto, assistindo à sucessiva investida contra a previdência pública brasileira, continuamos a frisar que não há razões para a crença em tal déficit. O ingresso é grande neste momento, ninguém pode negar. A saída é pequena, também ninguém pode negar. Além disto, outros indícios, que serão apontados abaixo, nos levam a esta assertiva. Não obstante, o discurso do déficit, como dito, tem papel importante para a cisão da classe trabalhadora, e jamais será abandonado, em especial pelo próprio Estado, enquanto persistir a lógica de acumulação do capital.

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Para ultrapassar algumas dificuldades decorrentes da relação aparência/essência promovida pelo fetiche da mercadoria, buscaremos fazer uma análise crítica imanente do fenômeno. Por crítica imanente entende-se aquela que opera a partir do materialismo histórico-dialético5, focando-se essencialmente na análise marxista da teoria do valor.

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É claro que não se pretende esgotar a crítica imanente, em vista mesmo das limitações do artigo. No entanto, deixaremos consignadas aqui algumas provocações que, talvez, possam ser desenvolvidas de forma mais acurada no futuro, por quem tiver interesse na tarefa. 5 Para os que desejam entender um pouco mais do método materialista histórico-dialético e sua relação com o direito, sugerimos a leitura de artigo que escrevemos intitulado “Que fazer”, publicado na obra Direito: teoria e experiência – Estudos em homenagem a Eros Roberto Grau, tomo I, pela Editora Malheiros, em 2013, e organizado por José Augusto Fontoura Costa, José Maria Arruda de Andrade e Alexandra Hansen Matsuo.

SOBRE A CRÍTICA IMANENTE Para a realização da crítica imanente, dois aspectos preliminares se acentuam: a) a utilização do materialismo histórico-dialético (aqui sugerimos leituras como, por exemplo, o Anti-Düring e Luwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, ambos de autoria de Engels, além de trechos das obras Contribuição à crítica da economia política ou os Grundrisse de Marx, além da própria leitura d’O capital); b) a análise crítica da teoria do valor-trabalho em seus mais variados aspectos (veja-se que, ainda aqui, para a realização desta crítica, é indispensável que a noção de mais-valia se realize com a utilização do método, o materialismo-histórico dialético). Por fim, se não é possível, a priori, dizer exatamente os resultados quando se realiza a crítica imanente, é viável perceber o que se evita com a sua utilização: a) evita-se o individualismo metodológico – a solução individualizante na compreensão dos fatos postos em observação, em especial a título de se realizar ciência. Isso aparece, em Marx, com frequência, com o nome de “robinsonada” (em referência ao solitário Robinson Crusoé na ilha em que se perdeu, na medida em que as soluções pensadas se dariam na perspectiva de indivíduos isolados); b) evita-se a abstração utópica – ou seja, soluções que remontam a um vazio terminológico e de ação e que, no fundo, nada expressam e não se embasam necessariamente no real. Na verdade, aqui, partimos da distinção entre socialistas utópicos e socialistas científicos, para perceber que a elaboração científica da crítica imanente requer uma construção materialista histórico-dialética a partir da teoria do mais-valor, com o que não haverá espaços para elucubrações que constituam idealizações. Assim, por exemplo, são evitadas determinações muito abertas, resolvendo-se tudo a partir apenas de expressões como “o capitalismo é ruim e o socialismo é bom” – as determinações precisam ser mais “fechadas” e baseadas em fatos históricos e na sua dialética constante.


Em qualquer análise envolvendo a previdência social, é indispensável que compreendamos o papel do Estado na produção do chamado “bem comum”. São corriqueiras decisões judiciais, principalmente do Supremo Tribunal Federal, possibilitando a imediata e total mudança das regras do jogo em matéria previdenciária, sob o fundamento de que a relação é de natureza institucional. O Estado, atuando em nome do interesse comum, alegam tais julgados, poderia, a qualquer instante e para evitar a falência do sistema previdenciário, promover modificações nas disposições sobre o tema, em especial nos casos em que promovem diminuição dos direitos dos segurados. Nestas hipóteses, sequer haveria direito adquirido dos segurados, que vêm sua condição emergir para uma imediata piora de suas condições de vida. Tudo em nome do bem comum! Como se pretende demonstrar, esta visão dita institucionalista pelos Tribunais, e que permeou todas as reformas da previdência social nos últimos vinte anos, é insuficiente, especialmente se posta à luz de premissas marxistas de análise. A primeira vez em que o Estado emerge em O capital de Marx já se faz evidenciar a sua relação intrínseca com a lógica de acumulação, pela extração de mais-valor, típica do capitalismo. Já a partir deste instante, Marx deixa claro que, sendo o dinheiro o equivalente universal, é importante que tenha garantias de sua existência e de sua circulação, fazendo-se indispensável

6 Aqui devem ser destacados dois autores na atualidade que trabalharam o tema do estado de forma bastante consistente, a partir de bases marxistas, e que podem ser tidos como referências: MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013; e HIRSCH, Joacquim. Teoria materialista do Estado. Trad. Luciano Cavini Martorano. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

um agente que as promova. Sem produção e circulação de mercadorias, não há capital. Sem a garantia de que estas se consolidarão no processo diário de troca, a partir do equivalente universal (dinheiro), também não se pode falar em capital. Sem um agente garantidor de tal produção e circulação, o Estado, não há capitalismo. No entanto, para melhor compreender o Estado e o seu comprometimento intrínseco com o processo do capital, é indispensável que se entenda como, na teoria marxista, se concretiza a lógica desse modo de produção. Seria muito simples reduzir o Estado a uma realidade que somente se concretizou com o advento da sociedade capitalista. No entanto, assim como o Direito, o Estado, embora forma concretizada na sua mais completa plenitude apenas no capitalismo, tem sido urdido com a própria transformação paulatina das relações de produção e a concretização plena desse modo de produção. A dialética histórico-materialista nos possibilita entender a dinamicidade do fenômeno. Assim, por exemplo, até se chegar ao direito nos moldes atuais, há várias protoformas, que não podem ser desprezadas para a sua compreensão enquanto forma específica do capitalismo. O mesmo se dá com as formas trabalho e Estado. Nesses moldes, veja-se, por exemplo, a lenta passagem do trabalho artesanal, que caracterizava o feudalismo, para o trabalho manufaturado e, depois, para o trabalho da época industrial, com a introdução da maquinaria (O capital, Livro I, em seus capítulos X a XIII). A transformação é lenta e não se processa instantaneamente. No caso do Estado, isso também se dá. Até o advento do capitalismo, formas anteriores ao Estado foram importantes, como se percebe, ainda que de forma indireta, do capítulo 24 do Livro I

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SOBRE O ESTADO A PARTIR DA CRÍTICA IMANENTE6

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d’O capital, em que se descreve “a assim chamada acumulação primitiva”.

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No entanto, não dissentimos da conclusão segundo a qual, em sua expressão mais evoluída, o Estado é forma específica do capitalismo. Não obstante, sendo forma histórica, com a superação do capitalismo, o Estado também será superado. Este o elemento dialético, que não permite ver a leitura que fazemos como estática, já que é mediada por elementos históricos, que se transformam constantemente.

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Somente essa constatação faz possível a compreensão da captura da produção do bem comum pela racionalidade do capital. Ou melhor, no capitalismo, processa-se à mágica que faz com vejamos o Estado como a única maneira de expressão da satisfação dos interesses coletivos e, mais, como uma expressão eterna desses interesses (e não se perceba, por exemplo, no caso previdenciário, a ruptura na classe trabalhadora provocada pela ideia de direitos dos que se encontram na atividade e dos que se encontram na inatividade. Os que estão na atividade passam a defender o fim dos direitos dos que se encontram na inatividade, na crença, difundida a partir do próprio Estado, de que, se não for assim, não haverá, no futuro, possibilidade de que gozem de seus direitos previdenciários). Trata-se do que, em Marx, aparece sob o nome de fetiche da mercadoria (item 4 do capítulo I do Livro I d’O capital). Para entendermos tal proposição, é necessário que lembremos a mudança processada e a transformação do modo de produção para caracterizá-lo como capitalista. Começamos com o próprio Marx, segundo o qual “[...] toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas [...]”7. 7 MARX, K. O Capital – Crítica da economia política – Livro III. Trad. Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 1080.

Esta ilação é importante, na medida em que a riqueza do capitalismo se apresenta (isto é, apenas aparece) como uma enorme coleção de mercadorias. No entanto, atrás desta aparência, há a essência: a riqueza do capitalismo não se expressa nesses moldes (mas sim pelo valor trabalho). No entanto, é importante que as pessoas não notem que o valor trabalho é que compõe a riqueza do capitalismo. É indispensável ainda que elas não se apresentem como ilusão (aparência) de que a opulência do capital é proveniente das mercadorias. Esse caráter ilusório não é percebido pelos clássicos da economia política, que, embora partam do valor trabalho para a construção de suas teorias (ainda que com algumas diferenças fundamentais que não poderemos identificar neste trabalho), mesmo antes de Marx, não operam com tal categoria a partir da relação entre essência e aparência – e mais ainda não se preocupam com o caráter fetichista da mercadoria. Veja-se que esta relação não nos dá espaço para idealizações, para processos não mediados pela história. Além disso, para a lógica do capital, é importante que a mercadoria individual se apresente como a sua forma elementar. No entanto, a forma elementar da sociedade capitalista não se compõe da mercadoria individual, mas da sua consideração como um fenômeno social que tem na sua coletivização (ou melhor, na sua difusão) a mais adequada maneira de se entender o fenômeno do capitalismo. Esse jogo de essência e aparência oculta a relação entre o valor de uso e o seu valor de troca da mercadoria e irá desembocar, no fim do capítulo I do Livro I d’O capital, no que Marx chamou do “caráter fetichista da mercadoria”. Trata-se de conceito chave para a construção do pensamento marxista, ou, como lembra David Harvey: No restante d’O capital, como veremos, o conceito de fetichismo aparece várias vezes (em geral, mais implícita do


da mais-valia para o modo de produção capitalista. Ele não cria as relações de produção e nem indica a dinâmica das forças produtivas: elas simplesmente são constatadas por Marx a partir da movimentação do capital. Não há como se atribuir a O capital as mazelas do capitalismo, que ali estão apenas dissecadas.

Na dialética entre valor de uso e valor de troca, Marx constrói o seu método próprio, embora não desprezando a dialética hegeliana, e desvenda o primeiro grande mistério do capital: a mercadoria não é a fonte da riqueza do capital, que busca esconder o lugar de onde ela realmente é proveniente, isto é, da exploração do trabalho assalariado. O capital não se explica pela mercadoria particular, mas pelo conjunto de mercadorias. Não se explica essencialmente pelo trabalho concreto, mas por sua passagem para o trabalho abstrato.

Constate-se ainda que, no Livro I, dinheiro e circulação de mercadorias estão ordenadas apenas para indicar como se dá o processo de produção do capital. O processo específico de circulação de mercadorias, depois de explicado como se produz o capital, é objeto de apreciação do livro II d’O capital (“O processo de circulação de mercadoria”, em que se analisa coisas como os ciclos desta circulação e as rotações das mesmas, por exemplo). Por fim, no livro III, já sabedor de como se processa a formação do capital e como se dá, no seu interior, a circulação de mercadorias, Marx se dedicou a entender de forma global o já explicado na sua gênese: o processo global de produção de mercadorias, discorrendo sobre temas como a forma pela qual se processa a acumulação capitalista pela mais-valia no capital comercial ou financeiro, por exemplo, ou a análise de fenômenos como o da concorrência.

Isto tudo somente ficará claro da relação estabelecida na dualidade entre valor de uso e valor de troca. Essa dualidade que se comunica como duas janelas. Marx passa de uma janela para outra e vai estabelecendo a relação dialética, na perspectiva não das ideias, mas no plano dos fatos sociais, como indispensável para a construção de seu pensamento. Portanto, há de se entender que: a) o capital é um processo em que o capitalista busca a acumulação, em seu poder, de dinheiro; b) para processar a esta acumulação, é indispensável a captação do mais-valor (realização da mais-valia). Verifique-se que a obra O capital pretende apenas explicar como se processa o capitalismo, sendo um texto de constatação científica deste processo. Marx constata como se dá a concepção do valor de uso e de troca na lógica do capital, bem como a importância da acumulação do dinheiro e da extração 8 HARVEY, David. Para entender o capital – Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 46.

Em uma apertada síntese: Marx pretende demonstrar no Livro I que, para que a acumulação capitalista se processe, não basta a circulação simples (Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria – M-D-M), sendo que o ambiente ideal para tal concentração é a passagem para a circulação complexa, em que o dinheiro tem fundamental papel: onde Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro – D-M-D – passa para Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro acrescido de algum valor – D-M-D’. Perceba-se que Marx não está aqui se ocupando especificamente do processo de circulação de mercadoria, o que fará no Livro II d’O capital, mas de como tal circulação realiza a produção do capital. Logo, circulação e produção, neste compasso, são faces de uma mesma moeda, sendo que uma surge da outra e a outra depende da primeira. É um desdobramento hegeliano

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que explicitamente) como ferramenta essencial para desvendar os mistérios da economia política capitalista. Por essa razão, considero o conceito de fetichismo fundamental tanto para a economia política como para o argumento de Marx em seu conjunto.8

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que, para dar certo, observado método próprio de Marx, tem que ser analisado no processo material e histórico.

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Ainda em apertada síntese. Não bastaria, para que se produzisse o capital, que a mercadoria fosse trocada por dinheiro e, depois, trocada novamente por mercadoria (M-D-M). Trata-se de uma troca rudimentar de mercadorias, que faria com que a lógica de equivalentes fosse preservada, e não haveria qualquer acumulação típica do capitalismo. Necessário se faz que o dinheiro se universalize como mercadoria, como equivalente universal e, depois, alguém busque a sua acumulação com a apropriação de mais-valor. Ou seja, em D-M-D, para que haja o processo de acumulação do capital, o segundo D deve vir agregado de algum valor (D’) (“O mais-valor é, no fundo, valor para além do equivalente”)9. E esse valor agregado não pode ser algo contingencial, mas deve qualificar o capital. Caso contrário, aqui estaríamos numa troca de equivalentes e ninguém teria vantagens (“O equivalente, segundo sua determinação, é somente a identidade do valor consigo mesmo. O mais-valor como consequente jamais pode brotar do equivalente; portanto, tampouco pode brotar originariamente da circulação; tem de brotar do próprio processo de produção do capital”)10.

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Para que alguém tenha vantagens e acumule dinheiro, é necessário que descubra aquela mercadoria que é a formadora de todos os demais valores. Ora, se a equivalência é tratada a partir de trabalho abstrato necessário para a concepção de mercadorias, o único valor capaz de gerar valor é a força de trabalho. Logo, somente se apropriando dela, alguém consegue alcançar o D’:

9 MARX, K. Grundrisse – Manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. Trad. Mário Duyaer, Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011. p. 255. 10 Idem.

A coisa também pode ser expressa da seguinte maneira: se o trabalhador precisa de somente meia jornada para viver uma jornada inteira, então só precisa trabalhar meia jornada para perpetuar sua existência como trabalhador. A segunda metade da jornada de trabalho é trabalho forçado, trabalho excedente. O que aparece do ponto de vista do capital como mais-valor, aparece do ponto de vista do trabalhador exatamente como mais-trabalho acima de sua necessidade imediata para a conservação de sua vitalidade. O grande papel histórico do capital é criar esse trabalho excedente, trabalho supérfluo do ponto de vista do simples valor-de-uso [...].11

Não basta apenas aumentar o preço da mercadoria para se ter D’, já que qualquer um poderia fazê-lo e, no final, o sistema se constituiria apenas de um grande jogo com jogadores mais ou menos habilidosos. Este fato, que não deixa de existir no capitalismo, não é o fundamento das vantagens obtidas pelo capitalista – já que, no grande jogo das vantagens recíprocas, alguém perderia aqui, mas ganharia ali. O que fundamenta a acumulação do capitalista é o acúmulo de dinheiro pela extração da mais-valia (D’): [...] o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, que o capital incita continuamente em sua ilimitada mania de enriquecimento e nas condições em que exclusivamente ele pode realizá-lo, avançou a tal ponto que a posse e a conservação da riqueza universal, por um lado, só requer um tempo de trabalho de toda a sociedade e, por outro lado, a sociedade que trabalha se comporta cientificamente com o processo de sua reprodução em uma abundância constantemente maior; que deixou de existir, por conseguinte, o trabalho no qual o ser humano faz o que pode deixar as coisas fazerem por ele. Consequentemente, capital e trabalho comportam-se aqui como dinheiro e mercadoria; o primeiro é a forma universal de riqueza, e a segunda é só a substância que visa o consumo imediato [...] Por isso o capital é produtivo, i.e., uma relação essencial para o desenvolvimento das forças produtivas sociais. Só deixa de sê-lo quando o desenvolvimento dessas forças produtivas encontra um limite no próprio capital.12

11 Ibidem. 12 Idem, p. 255 e 256.


O antigo possuidor de dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor de força de trabalho, como trabalhador. O primeiro, com um ar de importância, confiante e ávido por negócios; o segundo, tímido e hesitante, como alguém que trouxe a sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da [...] despela.13

De tudo isso se depreende o conceito de capital: Até aqui o capital foi considerado, de acordo com seu aspecto material, como processo de produção simples. Mas tal processo, sob o aspecto da determinabilidade formal, é processo de autovalorização. A autovalorização inclui tanto a conservação do valor pressupostos quanto sua multiplicação.14

Quando Harvey fala da relação D-M-D, acentua que: É nesse ponto d’O capital que vemos pela primeira vez a circulação de capital cristalizando-se a partir da circulação de mercadorias, mediada pelas contradições da forma-dinheiro. Há uma grande diferença entre

13 MARX, K. O capital, cit., nota 1, p. 251. 14 MARX, K. Grundrisse, cit., p. 243.

a circulação de dinheiro como mediador da troca de mercadorias e o dinheiro usado como capital. Nem todo dinheiro é capital. Uma sociedade monetizada não é necessariamente uma sociedade capitalista. Se tudo se resolvesse pelo processo de circulação M-D-M, o dinheiro seria simples mediador e nada mais. O capital surge quando o dinheiro é posto em circulação com o intuito de conseguir mais dinheiro.15

E, para conseguir mais dinheiro, é necessária uma forma de captação de valor que não seja equivalente ao próprio dinheiro – já que o dinheiro não é o gerador do valor, mas o trabalho. O dinheiro, na sociedade capitalista, gera riqueza, mas não valor. Para se gerar a riqueza concentradora do capital, é necessário se apoderar do valor que gera todos os valores: a força de trabalho. A ideia do movimento, partindo da produção, baseado no mais-valor e na circulação como a sua concretização, é um salto em relação aos clássicos da economia política: Ora, essa definição do capital como processo é de extrema importância. Ela marca um distanciamento radical em relação à definição que encontramos na economia política clássica, em que o capital era tradicionalmente entendido como um estoque de recursos (máquinas, dinheiro etc.), assim como em relação à definição predominante na ciência convencional, na qual o capital é visto como uma coisa, um “fator de produção”. Na prática, a ciência econômica convencional tem uma grande dificuldade de medir (valorar) o fator de produção que é capital. Assim, eles simplesmente o rotulam de K e o inserem em suas equações. Mas, na realidade, se você pergunta “o que é K e como obtemos uma medida dele?”, a questão está longe de ser simples. Os economistas lançam mão de todos os tipos de medidas, mas não conseguem chegar a um consenso sobre o que o capital realmente “é”. Ele existe, com efeito, na forma de dinheiro, mas também existe como máquinas, fábricas e meios de produção; e como atribuir um valor monetário independente aos meios de produção, independentemente do valor das mercadorias que ajudam a produzir? Como ficou evidenciado na assim chamada controvérsia sobre o capital do início dos anos 1970,

15 HARVEY, David. Para entender..., cit., p. 80.

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Para isso, é importante que a força de trabalho apresente-se como uma mercadoria como outra qualquer. Daí a relevância de que o trabalhador seja tido como livre e igual, para, como proprietário, vender a única mercadoria que possui: a força de trabalho. Isso não ocorreu sempre na história da humanidade; as condições foram criadas historicamente. A passagem histórica para a abstração do trabalho foi essencial, como visto, para que o valor de troca se concretizasse e, com tudo isso, se consolidasse o fenômeno do capitalismo. De um lado, o possuidor do dinheiro, com a capacidade de organizar os meios de produção, que passam a depender dele para ser ordenados – já que o dinheiro, equivalente universal e única forma nesta sociedade de se obter a propriedade dos meios de produção; do outro, o trabalhador, que possui apenas a mercadoria força de trabalho. Ou como diz Marx:

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toda a teoria econômica contemporânea corre o perigoso risco de estar fundada numa tautologia: o valor monetário de K na forma física de riqueza é determinado por aquilo que deveria explicar, a saber, o valor das mercadorias produzidas.16

Assim, “o capital é dinheiro usado de uma certa maneira. A definição de capital não pode ser divorciada da escolha de lançar o dinheiro-poder nesse modo de circulação”17. A finalidade do capitalista seria a constante produção de mais-valor e de concentrar riqueza. Aqui, deve-se desconfiar do nível de intencionalidade do capitalista, já que o processo como um todo o coloca nesta posição independentemente de uma vontade manifesta. Não se trata de mero ato individual, mesmo que comum a muitos indivíduos, de ganhar dinheiro e acumular. Trata-se de processo em que as pessoas nele se encontram para ganhar mais dinheiro, a partir da extração da mais-valia, e concentrar riquezas.

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Ao analisar o mais-valor a partir das trocas de equivalentes, Marx estreita o foco para mostrar que não se pode debruçar apenas sobre as relações meramente individuais:

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Os indivíduos podem ludibriar uns aos outros vendendo por um valor maior e, de fato, isso acontece o tempo todo. Mas, quando considerado de maneira sistemática, em termos sociais, o resultado é apenas roubar de Pedro para pagar Paulo. Um capitalista pode perfeitamente ludibriar o outro, mas nesse caso o ganho do primeiro é igual à perda do segundo, e nenhum mais-valor é agregado. É preciso, portanto, encontrar uma forma em que todos os capitalista ganhem mais-valor. Uma economia saudável ou de funcionamento adequado é aquela em que todos os capitalistas têm uma taxa de lucro constante e rentável.18 16 Idem, p. 93. 17 Ibidem. 18 Idem, p. 100.

Para a produção de mais-valor, “[...] o trabalhador já tem de estar privado de acesso aos meios de produção”19. No entanto, a força de trabalho é uma mercadoria peculiar, especial, diferente de qualquer outra. Antes de tudo, é a única mercadoria que tem capacidade de criar valor. É o tempo de trabalho incorporado nas mercadorias, e são os trabalhadores que vendem sua força de trabalho ao capitalista. Este, por sua vez, usa essa força para organizar a produção de mais-valor [...] Assim, o trabalhador, lembre-se, está sempre no circuito M-D-M, ao passo que o capitalista opera no circuito D-M-D’. Há, portanto, regras diferentes para um e outro pensarem na sua respectiva posição. O trabalhador pode se contentar com a troca de equivalentes, porque o que lhe importa são valores de uso. O capitalista, por outro lado, tem de solucionar o problema da obtenção de mais-valor a partir da troca de equivalentes.20

Assim, como lembra Marx, em O capital: A esfera da circulação ou da troca de mercadorias, em cujos limites se move a compra e a venda da força de trabalho, é, de fato, um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem. Ela é o reino exclusivo da liberdade, da igualdade, da propriedade e de Bentham. Liberdade, pois os compradores e vendedores de uma mercadoria, por exemplo, a força de trabalho, são movidos apenas pelo livre-arbítrio. Eles contratam com pessoas livres, dotadas dos mesmos direitos. O contrato é o resultado, em que suas vontades recebem uma expressão legal comum a ambas as partes. Igualdade, pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um dispõe apenas do que é seu. Bentham, pois cada um olha para si mesmo. A única força que os une e os põe em relação mútua é a de sua utilidade própria, de uma vantagem pessoal, de seus interesses privados. E é justamente porque cada um se preocupa apenas consigo mesmo e nenhum se preocupa com o outro que todos, em consequência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma providência todo-astuciosa, realizam em conjunto a obra de sua vantagem mútua, da utilidade comum, do interesse geral.21

19 Idem, p. 102. 20 Idem, p. 105. 21 MARX, K. O capital, cit., nota 1, p. 251.


Assim, caso sejam descumpridos os preceitos de igualdade e de liberdade, é preciso que existam mecanismos jurídicos para que eles sejam restabelecidos. Neste processo jurídico, mas também social, há um produtor neutro da norma aplicável a sujeitos iguais e livres (o legislativo). Há um agente neutro (o executivo) que as coloca em andamento no nosso cotidiano. Há um último agente que, quando descumpridas as cláusulas de igualdade e liberdade, as faz cumprir ou impõe sanções pelo descumprimento (o Judiciário). A respeito do tema, muito já discorreu Pasukanis: É por isso que, em uma sociedade de proprietários de mercadorias e no interior do ato da troca, a função da coação não pode aparecer como função social, dado que ela é impessoal e abstrata. A subordinação a um homem enquanto tal, como indivíduo concreto, significa na sociedade de produção mercantil a subordinação ao arbítrio, pois isto significa a subordinação de um produtor de mercadorias a outro. Por isso a coação não pode surgir sob sua forma não mascarada, como um simples ato de oportunidade. Ela deve aparecer como uma coação proveniente de uma pessoa coletiva abstrata e que não é exercida no interesse do indivíduo do qual provém – pois cada homem é um homem egoísta na sociedade de produção mercantil –, mas no interesse de todos os membros partícipes das relações jurídicas. O poder de um homem sobre um outro homem é transposto para a realidade como o poder de uma maneira objetiva, imparcial.22

22 PASUKANIS, E. B. A teoria geral do direito e marxismo. Trad. Paulo Lessa. Rio de Janeiro: Renovar, 1989. p. 119.

Ou ainda: O Estado jurídico é uma miragem, mas uma miragem muito conveniente para a burguesia, pois ela substitui a ideologia religiosa em decomposição e esconde, dos olhos da massa, a realidade da dominação burguesa. A ideologia do Estado jurídico convém mais do que a realidade religiosa, porque não reflete inteiramente a realidade objetiva, ainda que se apoie sobre ela. A autoridade como “vontade geral”, como “força do direito”, se realiza na sociedade burguesa na medida em que esta representa um mercado. Deste ponto de vista, os regulamentos baixados pela polícia podem figurar, igualmente, como encarnação da ideia kantiana de liberdade limitada pela liberdade do outro.23

E, por fim: Os proprietários de mercadorias, livres e iguais, que se encontram no mercado, não são como na relação abstrata de apropriação e alienação. Na vida real, são vinculados por todos os tipos de relações de dependência recíproca; como, por exemplo, o pequeno comerciante e comerciante atacadista, o camponês e o proprietário fundiários, o devedor arruinado e o seu credor, o proletário e capitalista. Todas estas inúmeras relações concretas de dependência constituem o fundamento real da organização do Estado.24

Logo, numa perspectiva materialista histórico-dialética, todo aperfeiçoamento posterior do Estado burguês [...] pode ser remetido a um princípio único segundo o qual nenhum dos dois trocadores pode, no mercado, regular as relações de troca por sua própria autoridade; nesta hipótese, exige-se uma terceira parte que encarne a garantia recíproca que os possuidores de mercadorias acordam mutuamente, devido a sua qualidade de proprietários, e que personifique, em consequência, as regras das relações de troca entre os possuidores de mercadorias.25

E, portanto,

23 Idem, p. 122. 24 Ibidem. 25 Idem, p. 125.

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Neste processo, entra o Estado. Há necessidade de um ente neutro que nos faça crer que a relação efetivamente se estabelece entre sujeitos livres e iguais, que atuam como proprietários, enfim, um agente que processe a “obra de sua vantagem mútua, da utilidade comum, do interesse geral”. Caso contrário, o próprio capitalista teria que promover o que o capital entende por interesse geral e, com certeza, seria mais fácil duvidar de sua neutralidade, enquanto parte interessada diretamente no processo de acumulação de riquezas.

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a burguesia jamais perdeu de vista, em nome da pureza histórica, o outro aspecto da questão, a saber, que a sociedade de classe não é somente um mercado no qual se encontram os proprietários independentes de mercadorias, mas que é, também, um campo de batalha de uma feroz guerra de classes, no qual o Estado representa uma arma muito poderosa.26

Assim,

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quanto mais a dominação da burguesia for ameaçada, mais estas correções se tornam comprometedoras e mais rapidamente o “Estado jurídico” se transforma em uma sombra material até que a agravação extraordinária da luta de classes force a burguesia a rasgar inteiramente a máscara do Estado de direito e a revelar a essência do poder de Estado como violência de uma classe social contra a outra.27

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Aqui é indispensável a leitura do capítulo 2 do livro I de O capital (“O processo de troca”). Nesse, resta claro que a passagem para o trabalho assalariado é indispensável para a concretização da lógica do capital. Estando o capital centrado na produção de mais-valor e no processo constante de autovalorização pela sua extração, nada mais correto do que pensar que isso somente se pode dar por meio da disponibilidade livre e igual da única mercadoria que o trabalhador possui: a força de trabalho. Aqui a lógica é a que o trabalhador não pode ser pensado como um escravo ou servo, tendo que ser visto como um proprietário que possui liberdade e igualdade na disposição de sua única mercadoria. A dimensão jurídica e, portanto, a estatal, é indispensável, como visto, para que tudo isto aconteça. Torna-se indispensável a presença de um agente, o Estado, que faça aparentar que, de forma neutra, realiza a promoção da igualdade e liberdade, não individualmente considerada, mas de forma generalizada. Portanto, a universalização da aparência de liberdade e igualdade, como condição indispensável à lógica de 26 Idem, p. 125 e 126. 27 Idem, p. 126.

produção e circulação do capital, não se realiza sem a presença do Estado. O Estado é, pois, na sua mais acabada estruturação, forma típica do capitalismo. Logo, Estado ou Direito evoluíram no tempo e possuem características incipientes nos modos de produção anterior. No entanto, a mais bem-acabada manifestação de ambos somente se pode dar no capitalismo. Merecem, pois, ser considerados como forma típica do capitalismo neste sentido. Em outro momento da humanidade, outras figuras que não se confundem com a atual de Estado ou Direito apareceram. No entanto, para a universalização da figura do sujeito de direito e de seus correlatos discursos de igualdade e liberdade, forma estatal e jurídica coincidem e são indispensáveis ao advento e andamento do capitalismo. Em se tratando de formas históricas, não existiram antes (mesmo que existissem suas protoformas) e não existirão eternamente, compondo outro modo de produção. Logo, são apenas formas transitórias, como o devem ser à luz do materialismo histórico-dialético. Não se trata de formas transcendentais, eternas – que sempre teriam existido e que, inexoravelmente, sempre existirão. Já aqui ficam claras as limitações da teoria institucionalista no sentido de que o Estado é o grande produtor do bem comum. A limitação mais clara emerge, como visto, de sua inexorável ligação com o capital, como forma específica mesmo desse. Não há, em vista desta ligação, como aquele que se liga inexoravelmente à lógica de autovalorização do capital produzir de forma plena e desinteressada o bem comum – mesmo havendo luta de classes no interior do Estado, isto não impede esta conclusão. Logo, mais do que dizer que a saúde, previdência, assistência, educação passaram, com o capitalismo, a ser tratadas como valor de troca (e realmente o foram), há que se entender a limitação inerente às políticas públicas a elas correspondentes no modo de produção capitalista. Sendo o Estado o promotor de tais políticas públicas, encontra-se limitado por sua posição específica na lógica do capital antes desnudada. Não se trata de


A(S) REFORMA(S) DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO CONTEXTO DA CRÍTICA IMANENTE AO ESTADO Se verificarmos a situação da previdência social brasileira, percebemos que insistentemente o Estado tem assumido papel importante na extração da mais-valia pelo capital, em especial a partir das mais sucessivas reformas previdenciárias. Em síntese, o trabalhador tem tido os valores vertidos para um sistema, que não se organiza a partir da lógica do que efetivamente seja uma previdência tendente à proteção social deste na intempérie – um sistema que, inserido num contexto de cumprimento de metas fiscais e geração de valores para atender ao superávit primário, viabiliza instrumentos para suposta geração de empregos (precarizados, nas poucas oportunidades em que isto se dá) por meio de desonerações previdenciárias ao capital. Isto tudo culmina com a última reforma promovida, no final de 2014, pelo governo Dilma, que desfere o golpe mais violento à proteção social previdenciária. Tracemos o percurso pelo qual isto se deu. 28 Quem desejar entender melhor esta relação, sugerimos a leitura de artigo que escrevemos com Pablo Biondi chamado Uma leitura marxista do trabalho doméstico, publicado na Revista LTr, São Paulo, v. 75, p. 311/317, 2011.

Em 1988, na contramão do que vinha ocorrendo no restante do mundo, a Constituição brasileira desenhava um sistema de segurança social jamais visto na história do nosso constitucionalismo. Portanto, ensaiava-se, nesta parte do texto constitucional (mais especificamente entre os arts. 194 e 204 da Constituição de 1988), esboços de um estado de bem-estar social inédito na história do País. A isto devem ser agregadas as disposições referentes à proteção do trabalhador nas relações de trabalho (arts. 6º a 11 da Constituição de 1988). Não há que se desprezar a habilidade do pequeno grupo dos constituintes de esquerda no processo legislativo que levou a tais avanços e muitos outros. No entanto, é de se perceber que, em vista das lutas travadas no seio da assembleia constituinte, com destaque para a atuação do grupo conhecido como “centrão” (que congregava partidos que se diziam de centro, mas que, na realidade, expressavam uma forte tendência à direita), tais disposições típicas do Welfare State tiveram que conviver com um grande número de disposições de cunho liberal. Essa tensão pode ser vista, por exemplo, do art. 170 do texto constitucional, que versa sobre os princípios da ordem econômica. Esta esquizofrenia constitucional não tardaria a revelar a dificuldade, em vista das questões conjunturais, da sobrevivência (pelo menos com a pujança desejada pelos constituintes de esquerda) das disposições concernentes ao estado social. Já quando da edição do texto constitucional, o mundo dava uma guinada para o neoliberalismo que de ninguém é desconhecida. Assim, no início dos anos 80, após as eleições de Reagan e Thatcher, o aprofundamento da opção por um Estado enxuto e em que se abandonavam às políticas de proteção social já se iniciavam e se alastrariam para o restante do mundo – inclusive para a América Latina. O Brasil, certamente e a despeito do seu texto constitucional, não estaria infenso a esta nova realidade.

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uma questão que possa ser vislumbrada de forma individual – no sentido de que se o gestor for bom a política pública será boa ou coisas do gênero –, mas de tema que deve ser pensado na lógica da estruturação do capitalismo, a partir, especialmente, da posição do Estado na reprodução típica do capital. O Estado é elemento indispensável para a produção tanto da mais-valia absoluta, quanto da relativa28. Isto não é elidido sequer pela luta de classes existente (e ela se processa ali também) no interior do Estado.

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Portanto, sem nunca havermos tido um estado de bem-estar social, e antes mesmo de começarmos a concretizar o nosso a partir de 1988, o desenho constitucional estava fadado ao insucesso. Aqui não estamos, de forma alguma, reduzindo a importância da resistência constitucional, que, até hoje, rende, para os defensores do estado social, possibilidades na luta travada entre trabalho e capital. No entanto, a realidade dos fatos foi mais forte do que a promessa constitucional, sendo que mesmo a constituição acabou, em várias oportunidades, rendendo-se à força do capital. Neste contexto, por exemplo, e a despeito da constituição social brasileira, a intensificação da terceirização, os múltiplos atentados ao direito de greve e as reformas previdenciárias podem ser colocadas em um mesmo pote do enfraquecimento deliberado dos direitos sociais. Nesta toada, a atuação conjugada do Judiciário/Legislativo/ Executivo, enfim do Estado (já que, embora não aparente, todos fazem parte de um único conjunto com um propósito semelhante: o reforço da lógica de acumulação do capital), a partir de meados dos anos 90, intensifica o seu papel de destaque na saga de desconstrução dos direitos sociais.

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Daí não surpreender decisões que intensificam as possibilidades de terceirização e os julgados que aparecem em matéria previdenciária.

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Cada um dos três poderes fornece uma pequena contribuição neste processo. Senão vejamos. O Legislativo lança uma série de leis que reduzem os direitos previdenciários (como exemplo, podemos citar legislações que restringiram o acesso à aposentadoria especial – como as alterações nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991 pelas Leis nºs 9.032/1995 e 9.528/1997 –, que modificaram a data de início das pensões por morte – alterações promovidas no art. 74 da Lei nº 8.213/1991 pela Lei nº 9.528/1997 –, a edição de normas refe-

rentes ao fator previdenciário – constantes da Lei nº 9.876/1999 que deu nova redação ao art. 29 da Lei nº 8.213/1991 –, as sucessivas reformas da previdência constantes também de emendas constitucionais – Emendas Constitucionais nºs 20/1998 e 41/2003, por exemplo). O Judiciário corrobora a atuação do Legislativo (veja-se a interpretação referente aos reajustes dos coeficientes das pensões, a convalidação dos abusos referentes às emendas constitucionais supressivas de direitos fundamentais sociais como no caso da limitação dos beneficiários do auxílio-reclusão, a não concessão de liminar em ação de inconstitucionalidade das normas referentes ao fator previdenciário). O Executivo utiliza-se da máquina administrativa, com as suas portarias, ordens de serviço e instruções normativas, para reduzir direitos previdenciários (como exemplo, salta aos olhos a alta programada no caso dos benefícios por incapacidade e a dificuldade imposta aos administrados para demonstrar os seus direitos às pensões, mormente no caso de uniões estáveis). Todas essas reformas, que não precisam ser processadas necessariamente por atuação do poder constituinte, ainda que derivado, provocam uma fissura na Constituição de 1988, a ponto de não reconhecermos mais o desejado estado social desenhado naquele texto constitucional. E, em contrapartida, promovem a “economia” de bilhões de reais, a custas dos direitos sociais, aos cofres públicos. A contabilidade desta economia com o uso do direito nunca foi, nestes vinte anos, realizada. Mas, se isto se fosse processado, certamente teríamos mais dúvidas a respeito sobre a existência de um déficit – fato agravado pelo desvio de valores autorizados pela constante reedição em emendas constitucionais sucessivas da desvinculação das receitas da União (DRU), que permite que percentual dos valores destinados à “deficitária” seguridade social seja destacado para outras


A fragilidade do estado social revela a sua faceta no estado capitalista. Ao mitigar a luta de classes, ao cumprir tal papel em momentos de tensão social, é abandonado ao menor sinal de que o seu intento foi obtido: a ilusão provocada pela colaboração entre trabalho e capital. E, para a sua sobrevivência, o capitalismo não descarta a hipótese de que, em novos momentos de tensão entre as classes, vários dos mecanismos do estado social venham a ser novamente ativados – não nos arriscamos a afirmar o restabelecimento do Welfare State nos mesmos moldes de seu auge, mas apenas de alguns de seus mecanismos, com roupagem jurídica inclusive, de proteção ao trabalhador. O processo aqui destacado é dialético e efetivamente muito mais complexo do que a simplificação que promovemos, mas a luta pelos direitos sociais (como um dos mecanismos mais importantes legados pelos modelos de Welfare) demonstra um pouco do que estamos falando. Não estamos aqui propugnando que não lutemos pela consolidação dos direitos sociais, já que sempre defendemos a interpretação de proteção do segurado no sistema de previdência social como única forma de resgatar os postulados de fundamentalidade dos direitos sociais. Não obstante, há que se perceber que, na luta pelo socialismo, tais direitos não representam mais do que mais um dos fatores de intensificação de mais-valia do capital perpetrado pela atuação do Estado. Aliás, o papel do Estado na acumulação do capital fica tão evidente no estado social quanto no estado liberal. No estado social, quando, na figura do estado “máximo”, ajuda a promover a acumulação a partir da lógica da colaboração das classes. Além disto, os direitos sociais emergem como elemento importante para mitigar as vontades individuais, embora aparentem (no velho jogo aparência/essência) aumentar a liberda-

de de sujeitos supostamente iguais. Por fim, no estado social, vários gastos que deveriam ser promovidos diretamente pelo capitalista (preservação da saúde do trabalhador ou proteção dos familiares no momento de seu falecimento, por exemplo) são substituídos pela atuação do Estado e se transformam em gastos decorrentes da responsabilidade conjunta de toda a sociedade. O capital exonera-se, com enorme diminuição de custos, transferindo a responsabilidade para o conjunto dos “cidadãos”. Tudo isto transformando o trabalhador, que recebe a proteção estatal, num sujeito mais “livre” e “igual”, para, novamente e após o gozo de seu benefício previdenciário, voltar a vender a sua força de trabalho. No caso específico da proteção social previdenciária, urge destacar que as relações jurídicas dali decorrentes nada mais representam do que trocas de equivalentes. Uma doença do trabalhador corresponde a um benefício previdenciário por incapacidade de tal montante. Uma morte corresponde a uma pensão para os dependentes do segurado. E assim por diante. Nesta troca de equivalentes, é possível perceber o quanto barato é, para o capital, cada uma destas contingências, o que é acentuado pelas constantes reformas da previdência social – na sua quase totalidade em detrimento dos interesses dos trabalhadores. E, por fim, saindo deste contexto, há os trabalhadores que ganham mais do que os outros e que podem entrar em outra troca de equivalentes, agora promovida de forma mais lucrativa pela previdência privada. Enfim, para todo lado que se olhe, nada mais há do que a acumulação tipicamente capitalista. Assim como passa a se dar com a previdência pública no percurso mencionado, a previdência privada representa não mais do que um instrumento do sistema financeiro – no seu caso específico, a noção de previdência é substituída pela de investimento do seu beneficiário, acentuando o seu caráter aleatório e de imprevidência, que alimenta o mercado financeiro.

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finalidades que não a própria seguridade. Estamos aqui falando, certamente, de algumas dezenas de bilhões de reais.

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Na realidade, de tudo quanto exposto, fica claro que o estado de bem-estar social, enquanto uma variação da forma Estado na lógica do capital, encontra-se atrelado também ao capitalismo. Portanto, não basta que nos rendamos aos seus encantos, na medida em que somente a superação da lógica de acumulação do capital poderá ensejar o verdadeiro conceito de liberdade e igualdade – bem distantes das atuais liberdade e igualdade burguesas.

O DERRADEIRO GOLPE – A REFORMA PREVIDENCIÁRIA REALIZADA COMO ÚLTIMO ATO DO PRIMEIRO GOVERNO DILMA ROUSSEFF Saiu na imprensa que o governo iria economizar cerca de 20 bilhões de reais com os seus gastos, com a implementação de medidas de redução de acesso a benefícios previdenciários como a pensão por morte e o seguro-desemprego.

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Os que defendem o maior controle dos gastos públicos, para geração de superávit primário sentiram-se contemplados, na medida em que, finalmente, o governo petista tomava as medidas necessárias, para estes, para recolocar o Brasil no trilho do crescimento econômico.

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Apesar de a candidata à presidência Dilma Rousseff dizer que os direitos dos trabalhadores não seriam diminuídos, a mudança nas regras da pensão por morte, do auxílio-doença e do seguro-desemprego pode ser considerada o ápice da determinação do papel da nossa previdência num estado de mínimos de proteção social. Tais medidas afetam de forma mais sensível do que quaisquer outras nos últimos vinte anos a vida de todos os trabalhadores. Além disto, consolidam conceitos que inviabilizam o advento de qualquer instrumental de proteção social típico de estados de bem-estar social.

Trata-se, na realidade, no pior de todo o conjunto de medidas já adotado em relação à previdência social por qualquer governo no chamado Brasil democrático – considerado, para fins jurídicos, o Estado de Direito que foi conformado a partir da Constituição de 1988 –, já que, além de tudo, é a que atinge, em maiores proporções, a população mais pobre. Somente a introdução do fator previdenciário, pelo governo Fernando Henrique Cardoso (e mantido pelos governos Lula e Dilma), pode ser considerado tão prejudicial aos trabalhadores quanto esta reforma produzida como um dos derradeiros atos do fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff e com o qual ela se credencia para iniciar a sua nova gestão. Isto dá a dimensão histórica do que foi feito por este governo. Sem sermos técnicos, já que, para esta finalidade, estamos produzindo material próprio29, apontaremos algumas questões sobre o quadro nebuloso em que o Brasil foi lançado com as medidas tomadas pelo atual governo. Inicialmente, o auxílio-doença, aquele que é pago ao trabalhador que se encontra afastado do trabalho que acometido de doença incapacitante, terá, por medida legal, um método de seu cálculo, que possibilita a consolidação da sua redução. Já houve tentativa anterior neste sentido, mas, por resistência, inclusive junto ao Supremo, não foi o governo Lula bem-sucedido. É triste perceber que este benefício, que acomete o trabalhador em um de seus momentos de maior fragilidade, vem sendo, pouco a pouco, destruído, existindo de forma quase que assistencial. Além disto, desconsidera o valor efetivamente contribuído pelo trabalhador. Na lógica antes mencionada, tanto faz o que é contribuído pelo trabalhador, para que seja contemplado com um benefício me29 A respeito do tema, os que desejarem poderão consultar a 8ª edição da obra Curso de direito da seguridade social, que escrevemos juntamente com a Professora Érica Paula Barcha Correia, editada pela Saraiva e que será publicada no início de 2015.


obsta que a lei verse sobre pensão, mas não pode fazê-lo de forma a modificar ou dificultar o acesso ao benefício na forma como previsto no texto constitucional. Diga-se, de passagem, que a limitação da percepção do benefício para os que estiverem casados ou em união estável apenas após dois anos possui elevada carga moral.

Nas pensões por morte, as mudanças não foram menos perversas. Além de criar um período extremamente longo de contribuições para que o dependente do segurado faça jus ao benefício, várias limitações lhe foram impostas – tanto no universo dos seus beneficiários, quanto na redução de seus valores. Sob o nome de solidariedade social – que supostamente seria uma forma de coagir a todos contribuírem, para serem, no gozo do benefício, prejudicados, sob o nome de interesse comum –, mais uma vez o Estado mostra a sua real função na acumulação típica do capital. Aqui fica bem clara a farsa que representa a noção de instituição, atribuída pelos tribunais à noção de Estado e da proteção previdenciária. Sob a suposta alegação de bem comum, de que a previdência necessita de corrigir suas distorções (para evitar a sua falência), esconde-se o ataque aos trabalhadores com extensa diminuição de direitos básicos.

É brutal ainda a diminuição do valor da pensão por morte nos moldes da nova legislação. Trata-se, de novo, de disposição que tende à abolição inconstitucional de direito fundamental social. Estamos diante de caso exemplar de indevido retrocesso social. Havia disposição semelhante na Lei Orgânica da Previdência Social. Essa disposição também consta de disposições posteriores, como as Consolidações das Leis da Previdência Social de 1976. Percebe-se assim o retrocesso na lógica histórica, já que estamos retornando ao modelo previdenciário dos anos 60/80, de antes das conquistas da Constituição de 1988, que veio exatamente para retirar do sistema os desvios que possuía, atingindo a proteção social. Frise-se: um modelo previdenciário distorcido quanto à proteção do segurado, típico do Brasil dos tempos da ditadura militar, em que tanto direitos e liberdades individuais, quanto direitos e liberdades sociais eram amplamente desconsiderados. Perceba-se que a Constituição de 1988 consertou um desacerto teórico da legislação previdenciária anterior à sua edição, tendo sido devidamente regulamentada neste aspecto (valor do benefício) pela Lei nº 8.213/1991. Sendo a pensão por morte benefício para os dependentes do segurado, a lógica, na perspectiva do conceito de contingência, é prover os dependentes na mesma medida em que eram providos quando o segurado se encontrava vivo. Com o seu falecimento, para que se atenda plenamente à contingência, é indispensável que os segurados percebam o mesmo montante que ele percebia (ou perceberia) a título de pensão por morte. Logo, a redução promovida nos valores das pensões por morte por esta disposição também não atende à contingência previs-

Na restrição aos dependentes da pensão por morte, há problemas técnicos sérios. Na forma do art. 201, IV, da Constituição, esposa e companheira são dependentes necessárias, que sequer precisam demonstrar dependência (perceba-se da interpretação literal desta disposição, que se fala em pensão por morte ao cônjuge e ao companheiro ou dependente). Logo, ambos são casos de situação em que a pensão deverá se dar imediatamente, não havendo como se impor limites temporais de dois anos de casamento ou de união estável. Não há sentido, portanto, em se conceber o benefício apenas após alguns anos de casamento ou concubinato. Além disto, cria uma restrição ao casamento e seus efeitos legais, que conspira contra os próprios dispositivos da constituição que regula a família. Logo, nada

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lhor. Se o trabalho realmente fosse o valor considerado central, certamente isto jamais se daria. No entanto, embora posto como central, isto somente faz parte de uma aparência. A essência é outra: os valores vertidos não possuem função de proteção social, mas sim de um complexo sistema que considera apenas a intensificação da captação de mais-valor pelo capital.

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ta constitucionalmente a partir do conceito de dependência ali previsto – o que vale tanto para os dependentes legais como os beneficiários necessários, que são, por disposição literal da Constituição, o(a) cônjuge e o(a) companheira.

CONCLUSÃO

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Na realidade, a tese que defendemos é de que, no capitalismo brasileiro, a previdência social somente teve espasmos (ainda assim, na nossa avaliação, singelos) de sistema que tendia à proteção social. O mais consistente desses espasmos não sobreviveu mais de cinco anos – indo da regulamentação da Constituição de 1988, com entrada em vigor da Lei de Benefícios (Lei nº 8.213/1991) e de seu decreto regulamentador, do final de 1991, até meados de 1995 (quando a proteção social legalmente alcançada passou a ser corroída de forma sistemática por atos dos três poderes).

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Em geral, a previdência social pátria foi moldada a um Estado tipicamente liberal, em que a finalidade de proteção social não era o mais importante. A relação previdenciária protetiva, sob o viés normativo, é função secundária nestes modelos. O mínimo de proteção social é acoplado à dinâmica de que os valores vertidos para o sistema, ou que dele são poupados (desonerações das contribuições previdenciárias por parte das empresas), são pensados na lógica de fatores como o ajuste fiscal ou em função do superávit primário. Assim, nesta dinâmica, não importa, por exemplo, se o direito às pensões será reduzido a direitos mínimos. Não tem qualquer importância se os doentes, afastados por incapacidade dos ambientes laborais, serão protegidos precariamente. O que importa é a geração de valores para o cumprimento de compromissos como superávit primário, ajuste fiscal e controle de inflação. A previdência social passa, com o tempo, a ser uma peça-chave

para o cumprimento de metas ligadas a esta tríade. Não está em jogo, portanto, se os valores economizados implicarão a redução do déficit da previdência (embora se queira fazer crer o contrário) – que, neste modelo, existirá sempre, inclusive como forma de ameaçar e romper o pacto entre trabalhadores ativos e inativos. Com a significativa redução de direitos, certamente superiores aos vinte bilhões hoje apontados como valor do déficit do regime geral de previdência social, a previdência brasileira não tinha como ser considerada deficitária. No entanto, não é isto que interessa. Não estamos diante de um modelo em se pretende realmente a proteção previdenciária efetiva dos segurados – sequer o conceito de previdência é, neste quadro, importante. O que interessa é, com o os valores vertidos pelos trabalhadores e os de que são desonerados os capitalistas, que se contribua para que metas fiscais e superávit primário sejam alcançados. A relação previdenciária, em modelos que se afastam do Welfare, como o nosso, não é uma relação de proteção previdenciária centrada nas contingências (morte, doença, nascimento de filho, desemprego) – embora se esforce para fazer parecer que é disto que se trata. Seu intento é reforçar o estado mínimo na proteção social, embora máximo na captação de recursos dos trabalhadores. Dos trabalhadores, mas não do capital – que gozará, nesta lógica, das desonerações, que, como visto acima, alcança nos últimos anos o próprio valor do déficit apontado. No plano jurídico, que opera essencialmente com a aparência (embora travestida de essência), precisamos encarar este fato e, se desejamos aumentar a proteção ao trabalhador brasileiro, mudar de tática. Nesta linha, a relação jurídico-previdenciária não pode ser percebida apenas a partir da perspectiva apenas dos direitos sociais, mas prioritariamente a partir da lógica dos direitos individuais. Há que se buscar mecanismos que reforcem


o direito de propriedade do trabalhador30. O direito opera essencialmente, na sua aplicação, a partir da lógica da subjetivação, sendo que qualquer ilusão conceber-se em sentido contrário. Logo, pelo direito, nada mais se faz do que buscar as migalhas decorrentes da única propriedade do trabalhador vendida no mercado, a sua força de trabalho. Quando nem sequer isto conseguirmos obter pelo confronto jurídico, devemos os juristas evidenciar as contradições daí provenientes. Outro dado importante, neste processo, é fazer tudo isto consciente das limitações do estado social e estar sempre disposto a apontá-las, mesmo nos momentos em que se conseguir alcançar maior proteção para o trabalhador.

30 Esta linha já é a adotada por países como a Alemanha. Em workshop que organizamos em meados de 2014 na Faculdade de Direito da USP, no qual discutimos os modelos de seguridade social da Alemanha e do Brasil, os nossos convidados alemães insistiram na tese do respeito ao direito de propriedade do trabalhador pelos anos de trabalho e do respeito jurídico à sua proteção pela previdência social alemã. A relação de equivalência entre o trabalho despendido e o benefício previdenciário, embora nunca, por óbvio, corresponda ao verdadeiro valor da força de trabalho, alcança patamares mais significativos naquele país, a partir da consideração do direito de propriedade pelos anos trabalhados. É interessante perceber que os juristas alemães falaram insistentemente em respeito ao direito de propriedade do trabalhador ao direito social no lugar da expressão direito adquirido.

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Fora do direito, o mais importante: a luta social – a partir da percepção de que, tratado como livre e igual para vender a sua única mercadoria, o trabalhador nunca será, de fato, livre e igual, enquanto for vigente a lógica do capital.

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Doutrina

Estudo de Caso: o Recurso Extraordinário nº 567.935/SC e a Invalidade da Inclusão dos Descontos Incondicionais na Base de Cálculo do IPI*-** HUGO BARROSO UELZE

Advogado em São Paulo, Secretário Geral da 116ª Subseção da OAB/SP, Coordenador do Núcleo Jabaquara da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, Especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP, Especialista em Bioética pela FMUSP.

RESUMO: O estudo dos precedentes jurisprudenciais se justifica pela sua importância para a certeza das relações, o que ultrapassa o sentido meramente pragmático, para irradiar efeitos futuros, como aqueles ligados * Dedico esse trabalho à memória da Dra. Marlene Rossi Severino Nobre, paradigma de médica humanista, como forma de expressar o profundo agradecimento pelas lições de que a vida continua, desde o início orgânico-material – no momento da concepção –, e segue em sua trajetória, à luz de experiências diversas ou fases distintas – ovócito, zigoto, feto, bebê, criança, jovem, adulto e velho –, com a mesma dignidade e importância, até o seu exaurimento natural, daí a percepção do embrião humano como pessoa e não coisa. ** Logo após iniciadas as atividades relativas ao presente trabalho, sobreveio a triste notícia do falecimento da Dra. Marlene Rossi Severino Nobre, daí a nossa singela homenagem, embora o tema aqui versado não se refira à defesa do direito fundamental à vida, mas sim a outro direito constitucional: o de propriedade.

à segurança jurídica, bem como ao conhecimento técnico-científico e, nesse sentido, pesquisar e classificar fenômenos recentes ou não, avaliar situações e entendimentos, revisar teorias, propor modelos novos, enfim, buscar soluções mais adequadas para os rumos da sociedade, o que legitima a análise do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC, inicialmente, para descrever o seu objeto e os argumentos nele veiculados, tais como a discussão sobre o caráter formal ou material da declaração de inconstitucionalidade, a função dúplice ou tríplice do art. 146 da Constituição Federal (CF) e a desnecessidade ou indispensabilidade da lei complementar nacional – ou, simplesmente, lei nacional – para a definição dos tributos, o que, todavia, deve ser confrontado com outros argumentos, como o da supremacia e rigidez da constituição e de seus princípios e normas – o que alcança as regras de competência tributária, normas informadas pelos princípios federativo e da autonomia municipal –, daí o interesse despertado pela compreensão do tema sob outro ponto de vista, o da visão dicotômica das “normas gerais de direito tributário”, tal como ditado pela Escola de Interpretação Sistemática, para, assim, identificar os limites do gênero normativo infraconstitucional denominado lei complementar e, mesmo, de sua espécie, a lei complementar nacional ou, simplesmente, lei nacional, como prevista pelo art. 146 da Lei Maior e, assim, evitar o desrespeito – mesmo que indireto – ao sistema constitucional. PALAVRAS-CHAVE: Estudo de caso; Recurso Extraordinário (RE) nº 567. 935/SC; descontos incondicionais; supremacia da Constituição e segurança jurídica; base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); art. 153, inciso IV, da Constituição Federal (CF); função dúplice ou tríplice do art. 146 da CF; diferenças de competências entre a lei complementar e a lei ordinária; hierarquia entre a lei complementar nacional e a lei ordinária. SUMÁRIO: Introdução; 1 Elementos trazidos a contexto pelo relatório; 2 Premissas enunciadas pelo voto do Relator; 3 Controvérsia quanto ao caráter formal ou material da inconstitucionalidade no caso concreto; 4 Alcance [lógico-jurídico-sistêmico] e sentido [finalístico] da lei nacional versus o conteúdo-significado [literal-histórico] do artigo 146 da CF; Conclusão; Referências.


Inicialmente, é preciso proceder à delimitação do tema e, sob esse enfoque, parece importante lembrar que a regra de competência ou norma de estrutura relativa ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se encontra encartada no art. 153, inciso IV, da Constituição Federal (CF), razão pela qual se vê amparada pela rigidez e supremacia da Lei Maior de 1988. Ao analisar a controvérsia referente à validade [ou não] da inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo do IPI diante do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC, o Supremo Tribunal Federal (STF) parece, todavia, focalizar aspecto diverso, pois invoca como fundamento outra norma de estrutura, aquela indicada pelo art. 146 da CF para edição de lei complementar nacional ou, simplesmente, lei nacional – norma infraconstitucional, portanto –, face ao entendimento de que haveria ofensa ao campo de competência daquele preceito magno e, nesse sentido, decidir que deve prevalecer a orientação constante do art. 47, inciso II, alínea a, do Código Tributário Nacional (CTN). Posto isso, parece importante oferecer uma descrição mais aproximada acerca do objeto da controvérsia, dos motivos que levaram ao reconhecimento da inconstitucionalidade no caso concreto, para, posteriormente, proceder a uma análise mais detida sobre o assunto.

1 ELEMENTOS TRAZIDOS A CONTEXTO PELO RELATÓRIO Inicialmente, se afigura oportuno sintetizar o que parece ser o cerne do relatório constante do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC: [...] O recurso extraordinário foi interposto contra acórdão mediante o qual o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da contribuinte para, ante precedente do

Órgão Especial, reconhecer o direito de excluir o valor dos descontos incondicionais da base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados. [...] [...] 2. A determinação de não exclusão do valor dos descontos incondicionais da base de cálculo do IPI é inconstitucional, consoante o já declarado por este Regional na Arguição de Inconstitucionalidade na AMS 96.04.59407-9/PR. 3. Os juros do contrato de financiamento, despesa estranha ao ciclo de industrialização, não podem integrar o preço do produto e, em consequência, a base de cálculo do IPI. [...].

Para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), portanto, a declaração de inconstitucionalidade decorre da circunstância de que a inclusão dos descontos incondicionais não guarda pertinência com conteúdo material relativo ao processo produtivo, razão pela qual não pode ser incluído na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em virtude do disposto pelo art. 153, inciso IV, da Constituição Federal (CF). O acordão relativo ao RE 567.935/SC, no entanto, focaliza a questão sob prisma diverso. Confira-se: No extraordinário formalizado com alegado fundamento na alínea b do permissivo constitucional e admitido na origem, a União argui a transgressão dos arts. 146, inciso III, alínea a, e 150, inciso I, da Constituição Federal. Aduz ser plenamente possível que a lei ordinária verse os elementos integrantes do conceito de valor da operação, base de cálculo prevista no Código Tributário Nacional [...]. Assevera ter a Lei nº 7.798, de 1989, objetivo esclarecer o conceito jurídico indeterminado previsto na lei complementar fiscal, inexistindo contradição entre os diplomas. Pleiteia a declaração de constitucionalidade [...]. Sob o ângulo da repercussão geral, sustenta a relevância jurídica e econômica do tema, ante a circunstância de o debate acerca da constitucionalidade, ou não, do art. 15 da Lei nº 7.798, de 1989, repercutir em inúmeras ações de idêntico objeto em trâmite no Judiciário.

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INTRODUÇÃO

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Quer dizer, enquanto para o acórdão do TRF4 a invalidade da inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo do IPI decorre da circunstância de se tratar de despesa estranha ao processo produtivo, tal como decorre do aspecto ou critério material veiculado pelo art. 153, inciso IV, da CF; o argumento da União, evidentemente, em sentido contrário, reside na permissão para que o art. 15 da Lei Federal ordinária nº 7.798, de 10 de julho de 1989, esclareça um conceito indeterminado, previsto no Código Tributário Nacional (CTN), daí porque não haveria contradição entre tais diplomas. De qualquer sorte, parece importante registrar que a circunstância de o reconhecimento da invalidade ter derivado dos argumentos deduzidos pela União em seu recurso, e não pelos fundamentos invocados pelo TRF4, não traz, em si, nenhum prejuízo à declaração de inconstitucionalidade e, mesmo, à presença de repercussão geral, embora – o que não se afigura desejável – pareça deslocar o eixo do debate, o que, no entanto, não afasta a importância do presente estudo de caso1 e, mesmo, de outros precedentes jurisprudenciais, tanto para a aplicação em casos análogos – com apoio nos princípios da segurança

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1 “É o tipo de pesquisa no qual um caso (fenômeno ou situação) individual é estudado em profundidade para se obter uma compreensão ampliada sobre outros casos (fenômenos ou situações) similares possibilitando a criação de um modelo ou de novos procedimentos padrão.

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[...]

Os estudos de casos interpretativos também utilizam a descrição, mas o enfoque principal é interpretar os dados num esforço para classificar e contextualizar a informação e talvez teorizar sobre o fenômeno.

O estudo de caso envolve profunda e exaustiva investigação de um ou poucos objetos, de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento. Esse tipo de pesquisa, normalmente, é realizado a partir de um caso particular e, posteriormente, é realizada uma análise comparativa com casos, fenômenos ou padrões existentes.” [CAJUEIRO, Roberta Liana Pimentel. Manual para elaboração de trabalhos acadêmicos. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013. p. 31-32]

jurídica e na certeza do direito2 –, porque úteis à compreensão do sistema3, mas também às questões ligadas ao desenvolvimento acadêmico ou técnico-científico, inclusive sob o prisma das estruturas formais atinentes à lógica jurídica4.

2 PREMISSAS ENUNCIADAS PELO VOTO DO RELATOR Ao decidir a controvérsia, o Relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC, Ministro Marco Aurélio, salienta os aspectos que reputa importantes ao deslinde da questão: Na Constituição de 1988, foram previstas diferentes funções concernentes à lei complementar em matéria tributária, incluída aí de criação de tributos [...]. Nesses casos, as normas complementares eventualmente editadas terão âmbito federal. [...] Depois de muita divergência doutrinária acerca da função dúplice ou tríplice da lei complementar tributária sob a égide da ordem constitucional anterior, na Carta de 1988, presente a redação inequívoca do art. 146, estabeleceu-se expressamente cumprir a aludida espécie normativa três funções: evitar conflitos de competência (inciso I), regular as limitações ao poder de tributar (inciso II) e dispor sobre normas gerais (inciso III). No âmbito desta última, atuando entre a rigidez da Carta e a mutabilidade constante da lei ordinária, a lei complementar com caráter de lei nacional, explicita princípios e conceitos indeterminados da primeira a fim de balizar a confecção da segunda. A ação posterior do legislador ordinário deve, portanto, observar as normas gerais contidas na lei complementar.

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 164-166. 3 MEDINA, José Miguel Garcia. O que precisamos é de uma jurisprudência íntegra. Revista Consultor Jurídico, 12 ago. 2013. Disponível em: <http:// www.conjur.com.br/2013-ago-12/processo-precisamos-jurisprudencia-integra>. Acesso em: 7 jan. 2015. 4 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 4-8.


O Supremo, levando-se em conta a sistemática legislativa descrita assentou que a incidência dos impostos apenas pode ocorrer se formuladas, previamente, tanto as normas gerais por meio de lei complementar [...] do legislador ordinário de cada ente tributante [...]

minando fosse incluídos nesta os valores de descontos incondicionais concedidos quando da saída dos produtos, o que não ocorria até então. Eis a redação do preceito legal: “Art. 15. O art. 14 da Lei nº 4.502, com a alteração introduzida pelo art. 27 do Decreto-Lei nº 1.593, de 21 de dezembro de 1977, mantido o seu inciso I, passa a vigorar com a seguinte redação:

[...]

‘Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável:

Tal vinculação não se dá tão somente nos níveis estadual e municipal. As leis ordinárias federais, [...] não podem inovar no trato dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos federais, revelando disciplina dissociada das normas gerais precedentes.

[...] § 1º O valor da operação corresponde ao preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário.

A sujeição de todo e qualquer diploma ordinário à lei complementar de normas gerais, incluído o federal, decorre do caráter nacional do ato complementar. [...].

Conclui-se, pois, que existem leis ordinárias nas esferas federal, estadual e municipal, bem como há diferença nos campos de aplicação da lei ordinária e da lei complementar, sendo certo que à última enquanto gênero se divide em dois tipos distintos, conforme a finalidade e a abrangência: a primeira diz respeito à instituição de tributos, enquanto a outra se refere à expedição de leis nacionais, como aquela mencionada no art. 146 da CF, e, por essa razão, havidas pelo aresto em patamar superior às regras de competência tributária, porque dessas últimas emanam “[...] normas instituidoras, propriamente ditas, [...] de competência do legislador ordinário de cada ente tributante”.

3 CONTROVÉRSIA QUANTO AO CARÁTER FORMAL OU MATERIAL DA INCONSTITUCIONALIDADE NO CASO CONCRETO Aqui, se afigura oportuno destacar os fundamentos invocados pelo acórdão do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC para declarar a inconstitucionalidade formal no caso concreto: O art. 15 da Lei nº 7.798, de 1989, deu nova redação ao § 2º do art. 14 da Lei nº 4.502, de 1964, versada a base de cálculo do [...] IPI, deter-

§ 2º Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente.’” [...] Sendo o “valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria” a base de cálculo do imposto, tal como definida na alínea a do inciso III do art. 146 da Constituição, revela-se, a toda evidência, que a legislação ordinária, ao impossibilitar a dedução do desconto incondicional, como se este compusesse o preço final cobrado, acabou por disciplinar de forma inovadora a base de cálculo [...] IPI, ampliando o alcance material desse elemento da obrigação tributária para além do previsto na norma complementar competente [...]. Assim, dispondo o legislador ordinário incorreu, desenganadamente, em inconstitucionalidade formal, por invadir área reservada à lei complementar pelo art. 146, inciso III, alínea a, da Carta da República. Sob o pretexto de disciplinar a base de cálculo [...], veio a extrapolar as balizas quantitativas possíveis versadas no Código Tributário Nacional [...]. Quanto ao caso, consideradas as premissas teóricas elaboradas deve-se manter intacto o acórdão impugnado. [...]. [destaque do original]

Destarte, embora sem prejuízo ao reconhecimento da invalidade no caso concreto5, merece ser destacada a contradição lógica 5 No sentido da inconstitucionalidade formal se posicionaram os Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, enquanto pela inconstitucionalidade material se manifestaram os Ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.

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[...]

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representada pelo fato do aresto, de um lado, consignar que “consideradas as premissas teóricas elaboradas deve-se manter intacto o acórdão impugnado” – fundamento ligado à falta de pertinência entre a inclusão dos descontos incondicionais e comportamento de “industrializar produtos”6, ou seja, aspecto ou critério material da hipótese de incidência tributária7 –, e, de outra parte, declarar a inconstitucionalidade formal do art. 15 da Lei nº 7.798, de 10 de julho de 1989, face ao seu alcance material.

– do art. 15 da Lei Federal ordinária nº 7.798, de 10 de julho de 1989, parece oportuno, a partir de agora, priorizar um enfoque mais analítico, na busca por uma maior compreensão do tema e, mesmo, na tentativa de desenvolver uma argumentação coerente, em termos lógico-jurídicos, tanto sobre o sentido [finalístico] do art. 146 da Constituição Federal (CF), quanto à desnecessidade ou, então, à indispensabilidade da lei complementar, de caráter nacional, para a definição dos “fatos geradores”, base de cálculo e contribuintes dos tributos.

4 ALCANCE [LÓGICO-JURÍDICO-SISTÊMICO] E SENTIDO [FINALÍSTICO] DA LEI NACIONAL VERSUS O CONTEÚDO-SIGNIFICADO [LITERAL-HISTÓRICO] DO ARTIGO 146 DA CF

Ora, em que pese à complexidade do tema – ou, justamente, em face dela –, parece possível perceber que qualquer interpretação extremada acerca das mencionadas questões importaria em prejuízo ao sistema constitucional tributário9, pois significaria esvaziar o papel das regras magnas de competência discriminadas pelos arts. 153, 155 e 156 da CF10 – em clara ofensa aos princípios federativo e da autonomia municipal11, o que não se coaduna com a supremacia formal e material da constituição12

Feita a apresentação dos elementos que levaram ao reconhecimento da inconstitucionalidade formal – embora controversa8 Sobre a questão, parece interessante trazer à baila excerto do voto do Ministro Luís Roberto Barroso e, mesmo, de manifestação que se seguiu, confira-se:

“[...] Presidente, eu estou acompanhando a conclusão do eminente Relator.

Eu fiquei na dúvida sobre a indigitação da inconstitucionalidade formal para ser sincero, mas o resultado é basicamente o mesmo. [...]

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Mas, pois, então, quando uma lei ordinária vulnera um aspecto material da Constituição, eu não considero que a lei ordinária seja formalmente inconstitucional por invadir esfera da Constituição; eu a considero materialmente inconstitucional por contrariedade à Constituição. Mas isso é uma questão irrelevante para a conclusão produzida pelo Ministro Marco Aurélio. De modo, que eu estou aderindo à conclusão.” 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 288-289. 7 Ataliba, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 108-109. 8 “Controle de constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo com a constituição verificando os seus requisitos formais e materiais.

[...]

Assim, sendo a inobservância das normas constitucionais do processo legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato normativo produzido, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto concentrado.” [MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 676] 9 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 155-156. 10 Ataliba, Geraldo; LOPES FILHO, Osiris de Azevedo; Lima Gonçalves, José Arthur. Lei complementar em matéria tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 13, n. 48, p. 88-89, abr./jun. 1989. 11 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 187-189. 12 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 552-553.


Dito de outro modo, o estudo do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC traz subjacente uma série de questões relevantes para a compreensão da construção escalonada do ordenamento jurídico14 e, entre eles, a percepção quanto à existência de atributos ou propriedades, que caracterizam o gênero15, lei complementar, como norma infraconstitucional, de “natureza

13 MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 22-23. 14 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 7. ed. Tradução de Maria Celeste Santos e revisão de Cláudio de Cicco. Brasília: Universidade de Brasília, 1996. p. 48-49. 15 Aqui, parece de bom alvitre trazer à colação os subsídios desenvolvidos por Eurico Marcos Diniz de Santi, ao citar lição de Pontes de Miranda, senão vejamos:

“‘O cindir é desde o início!’, afirma categoricamente Pontes de Miranda no precioso livro O problema fundamental do conhecimento. Nada é por acaso. Conceituar e classificar são expedientes lógicos que recortam e reorganizam a realidade.

[...]

Um nome geral denota uma classe de objetos que apresentam um mesmo atributo. Neste sentido, atributo significa a propriedade que manifesta um dado objeto. Todo nome cuja significação está constituída de atributos é em potencial o nome com número identificado de objetos. Portanto, todo o nome cria uma classe de objetos [...].

O atributo ou os atributos que distinguem determinada espécie de todas as demais do mesmo gênero denomina-se diferença. O gênero compreende a espécie. Disto decorre que o gênero denota mais que a espécie ou é predicado a um número maior de indivíduos. Segue-se que a espécie deve conotar mais que o gênero. Este excesso de conotação que a espécie conota sobre e ademais do gênero, é a diferença ou a diferença específica.” [SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O ISS versus ICMS na prestação de serviços. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Oliveira Rocha, n. 186, p. 24-25, mar. 2011]

ontológico-formal”16, ou seja, com objeto e forma determinados, expressa ou implicitamente, pelo Texto Constitucional e, observadas tais características, dividida em duas espécies, sendo que a diferença específica17 dessas duas vertentes reside no conteúdo [lei nacional ou lei federal], sentido [finalístico] e alcance [lógico-jurídico-sistêmico] de cada uma delas, sem, contudo, perder de vista a supremacia formal e material da constituição – o que inclui a observância das regras de competência ou normas de estrutura tributária18 –, sob pena de desrespeito aos critérios de justiça, validade e eficácia postos pelo ordenamento jurídico19. O assunto, entretanto, comporta dificuldades, porque o art. 69 da CF se limita a enunciar, expressamente, apenas o pressuposto formal, ou seja, a necessidade de que a lei complementar seja aprovada pelo quórum da maioria absoluta, o que, todavia, não conduz à enumeração exaustiva20 de suas hipóteses, 16 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 226. 17 Vide nota 15, supra. 18 “A Constituição Federal, no Brasil, é a lei tributária fundamental, por conter diretrizes básicas aplicáveis a todos os tributos. [...]

Como não poderia deixar de ser, também a Constituição brasileira contém normas que disciplinam a produção de outras normas. São as ‘normas de estrutura’, estudadas por Paulo de Barros Carvalho [...] Pertencem a essa categoria as que tratam das competências tributárias, especificando quem pode exercitá-las, ‘de que forma e dentro de que limites temporais e espaciais’. Tais normas autorizam os Legislativos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal a criarem, in abstracto, tributos, bem como a estabelecerem o modo de lançá-los e arrecadá-los, impondo a observância de vários postulados que garantem os direitos dos contribuintes.” [CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 574-575] 19 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 5. ed. Tradução de Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. São Paulo: Edipro, 2012. p. 47-49. 20 Tal expressão, no momento parece mais apropriada em face da discussão acerca do caráter taxativo ou exemplificativo da Lista de Serviços veiculada pela complementar reclamada no art. 156, inciso III, da Constituição

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e de seus princípios e suas normas, em flagrante desprestígio à orientação ditada pelo poder constituinte na matéria13.

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nem tampouco a delimitação do seu conteúdo, ou seja, quais as matérias poderiam ser veiculadas por meio desse gênero normativo, o que, evidentemente, acarreta obstáculos para o seu estudo e, pois, para a sua classificação, isso sem falar nos potenciais prejuízos para o sistema jurídico em face da contrariedade, entre outros, aos princípios da certeza do direito, da segurança jurídica, mas também aos cânones federativo e da autonomia municipal. Tais problemas – de resto também presentes na lei complementar a que alude o art. 146 da CF –, decorrem de fatores históricos, bem como natural deficiência da linguagem técnica do legislador21, haja vista que o Texto Constitucional alberga casos nos quais se verifica “[...] a simples alusão à lei, desacompanhada do qualificativo complementar”22, o que demonstra a existência de hipóteses implícitas, daí a importância de aplicação dos diferentes métodos de interpretação23 e, mesmo, das ideias trazidas pela hermenêutica filosófica, segundo as quais “interpretar é criar, produzir, elaborar sentido, diferentemente do que sempre proclamou a hermenêutica tradicional, em que os conteúdos de significação dos textos legais eram ‘procurados’, ‘buscados’ e ‘encontrados’ [...]”24, o que, naturalmente, também ressalta a importância do contexto25, mas também da consideração do conjunto de preceptivos, para que seja possível a sua identificação.

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Sobre o tema, são pertinentes as lições de Afonso da Silva:

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Federal (CF), a Lei Nacional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 4-6. 22 Idem, p. 226. 23 Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 116-118. 24 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 96. 25 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 16.

[...] Em sentido amplo, toda vez que uma norma constitucional de eficácia limitada exige para a sua aplicação ou execução uma lei, esta pode ser considerada complementar, porque integra, completa, a eficácia daquela. Mas a Constituição de 1967 instituiu, a de 1969 reafirmou e a atual manteve a figura das leis complementares em sentido estrito, destinadas a atuar apenas as normas constitucionais que as preveem expressamente (cf. arts. 7º, I; 14, § 9º; 18, §§ 2º, 3º e 4º, VI; 21; 22, parágrafo único; 23, parágrafo único; 25, § 3º; 37, IX (Emenda Constitucional nº 19/1998); 40, §§ 4º, 14, 15 e 16; 41, § 1º; 43, § 1º; 45, § 1º; 49, II; 59, II e parágrafo único; 61; 62, § 1º, III; 68, § 1º; 69; 79, parágrafo único; 84, XXII; 93; 121; 128, §§ 4º e 5º; 129, VI e VII; 131; 134, § 1º; 142, § 1º; 146; 146-A (Emenda Constitucional nº 42/2003); 148; 153, VII; 154, I; 155, §§ 1º, III, e 2º, XII; 156, III, e § 3º; 161; 163; 165, § 9º; 166, § 6º; 168; 169; 184, § 3º; 192; 195, § 11 (Emenda Constitucional nº 20/1998); 198, §§ 2º, I e 3º; 199, § 1º, 201, § 1º; 202; 223; 231, § 6º). Podemos declarar, grosso modo, que as normas constitucionais dependentes de leis complementares estabelecem princípios esquemáticos institutivos. Situam-se entre as que instituem a estrutura federativa do Estado brasileiro e as que visam à formação dos Poderes e à disciplina de suas relações. Mas, ainda nesse passo, a Constituição não foi suficientemente técnica [...] Os casos que desbordam dessa regra decorrem de defeito técnico, e surgiram em razão de situações especiais, durante a elaboração da Carta Magna, em sua redação de 1967, e na Constituinte da Constituição de 1988.26

Para o citado autor, portanto, em que pese o reconhecimento de certa variedade de matérias27 no âmbito da lei complementar – entre elas se incluem as normas de Direito Tributário –, há um núcleo comum, razão pela qual expurgadas as contradições históricas e/ou deficiências técnicas, isto é, observado o sentido [finalístico ou teleológico], bem como considerado o alcance [lógico-jurídico-sistêmico] da Lei Maior, o conteúdo da lei complementar restaria passível de identificação, isso não apenas no que diz respeito ao seu significado [gramatical ou literal-histórico], mas também aquele hoje juridicamente autorizado pelo sistema constitucional [alcance], ou seja, a esfera 26 Idem, p. 469-470. 27 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 470.


Assim, não há como negar que o campo de atuação da lei complementar sofre a influência dos princípios federativo e do cânone da autonomia municipal, valores, aliás, jungidos à ideia da repartição das competências, razão pela qual aquele último, tal como apontado no art. 30 da CF, deve “possuir um conteúdo mínimo que lhe permite atuar, ainda que à míngua de qualquer outro ato normativo”28, porque “encerra normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, de acordo com a monumental classificação de José Afonso da Silva”29, o que remete a questão para o âmbito do critério de eficácia, bem como para o plano de validade – alcance [lógico-jurídico-sistêmico], mas também no que tange ao sentido [finalístico ou teleológico], sem o qual se afigura esvaziado o seu significado, porque dificultada ou, mesmo, obstaculizada a possibilidade de o Município se auto-organizar. Posto isso, no entanto, se afigura importante lembrar outra peculiaridade da lei complementar, tal como apontam José Souto Maior Borges e Paulo de Barros Carvalho, a da impossibilidade de se analisar tal gênero normativo sob uma perspectiva unitária30, razão pela qual – tal como apontado Recurso Extraordinário 28 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 191. [grifo nosso] 29 Idem, ibidem. 30 “[...] Talvez por isso seja frequente o magistério de que as leis complementares desfrutem de supremacia hierárquica relativamente às leis ordinárias, quer pela posição que ocupam na lista do art. 59 (CF), vindo logo abaixo das emendas à Constituição, quer pelo regime de aprovação mais severo a que se reporta o art. 69 da (CF).

Foi José Souto Maior Borges quem pôs a descoberto as erronias dessa tese, baseada, rudimentarmente, na topologia do enunciado legal e no procedimento legislativo preconizado para a edição das normas. Com

(RE) nº 567.935/SC – não se pode desconsiderar a existência de espécies com atributos ou propriedades distintas, ou seja, leis complementares voltadas à criação de tributos federais, enquanto outras destinadas a fundamentar a validade de normas fiscais de âmbito nacional – como se observa no caso dos arts. 146; 146-A; 153, inciso VII; 155, § 1º, inciso III, e § 2º, inciso XII; 156, inciso III e § 3º, todos da CF –, o que, nesse último caso, importa em hierarquia sobre as leis ordinárias31. Nesse sentido, todavia, cumpre indagar acerca dos efeitos ou, então, o alcance emprestado a essa hierarquia, é dizer, essa afiguraria irrestrita e por isso aplicável a todos os casos, ou seja, consubstanciaria um pressuposto ou requisito exigido pela Lei Maior para quaisquer hipóteses, ou seja, na linha das premissas enumeradas pelo voto do Relator do RE 567.935/SC, o Ministro Marco Aurélio, ou, então, se a edição da lei nacional em tela – aquela de que cuida o art. 146 da CF – e, mesmo, de outras leis nacionais se verificariam segundo outros critérios – explícitos e implícitos –, v.g., tal como aludidos pelos princípios federativo e da autonomia municipal e, mesmo, pelas regras de competência discriminadas nos arts. 153, 155 e 156 da CF. Ora, é justamente por isso que, como afirmado por Paulo de Barros Carvalho32, embora a discussão sobre as normas gerais de direito tributário tenha se originado em decorrência da redaargumentos sólidos demonstrou que as leis complementares não exibem uma fisionomia unitária, que propicie, em breve juízo, uma definição de superioridade nos escalões do sistema. De seguida, propõe critério recolhido na Teoria Geral do Direito para discernir leis complementares de duas espécies: a) aquelas que fundamentam a validade de outros atos normativos; b) as que realizam a sua missão constitucional independentemente da edição de outras normas.” [CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 227] 31 Idem, ibidem. 32 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 218-222.

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referida ao campo da organização dos poderes e da estrutura federativa do Estado, daí, aliás, a designação da categoria: os princípios esquemáticos institutivos.

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ção do art. 19, § 1º, da Carta de 196733, continua viva e atual, inclusive face à semelhança existente entre o preceito da Constituição revogada e art. 146 da CF de 198834 e – acrescente-se pelos mesmos motivos –, em síntese, o equívoco de se interpretar o dispositivo de forma isolada, sem avaliar o contexto maior no qual se encontra inserido, daí a ofensa, entre outros, aos princípios federativo e da autonomia municipal, exegese, aliás, acompanhada por outras abalizadas opiniões, como ressalta Roque Antonio Carrazza ao citar a sua sintonia com posição de Geraldo Ataliba para, em seguida, concluir que a lei complementar mencionada no preceito em questão, “só pode explicitar o que está implícito na Constituição. Não pode inovar, mas apenas declarar. Para além dessas angustas fronteiras, o legislador complementar estará arrogando atribuições que não lhe pertencem”35. É que o reconhecimento da inconstitucionalidade formal, na maneira como assinalada pelo Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC, estaria a apontar a prevalência das leis complementares – conquanto, obrigatoriamente, jungidas ao patamar das normas infraconstitucionais36 –, sobre as magnas regras 33 “Art. 19. Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios arrecadar: Maio/2015 – Ed. 218

[...]

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§ 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.

[...]” [BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Diário Oficial da União (DOU), Congresso Nacional, Brasília/DF, de 24 jan. 1967, p. 1] 34 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 223-225. 35 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 1047. 36 “I – O ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas dispos-

de competência ou normas de estrutura tributária37, isso sob o argumento de que dessas últimas emanam regras ordinárias, enquanto as leis nacionais cumpririam o sentido [finalístico] de harmonizar o sistema, mormente no caso da lei complementar em estudo, aquela referida pelo art. 146 da CF, confira-se: Considerada a aludida alínea a, preceito constitucional aplicável ao caso cumpre ao legislador complementar definir os fatos geradores, as base de cálculo e os contribuintes dos impostos previstos na Constituição. Tem-se papel limitador da instituição de impostos em face do legislador ordinário, voltado à harmonização do sistema impositivo nacional. Conforme Ricardo Lodi: tas hierarquicamente. Das inferiores criadas por particulares (contratos), às constitucionais, forma-se aquilo que se convencionou chamar de ‘pirâmide jurídica’. [...]

Era precisamente isto que Kelsen seria significar quando apregoava que ‘o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma’.

As normas subordinadas devem guardar harmonia com as superiores, sob pena de deixarem de ter validade no ordenamento jurídico. [...]

II – Conhecida a estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, torna-se relativamente fácil ao intérprete ou ao aplicador do Direito dirimir qualquer conflito interno de normas. Tratando-se de normas de hierarquia diversa, prevalecerá a superior.

III – [...] Lei máxima, a Constituição é o critério último de existência e validade das demais normas do sistema do Direito [...].

[...]

IV – Nas Constituições rígidas, como a brasileira, suas normas legitimam toda a ordem jurídica. [...]

O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de recomendações a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional [...], Afinal, são elas que protegem os cidadãos das eventuais arbitrariedades estatais.” [CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 33-35] 37 MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 5.


Aqui, no entanto, a despeito do posicionamento veiculado no item 2, supra, quanto ao exaurimento do debate acerca da função dúplice ou tríplice em face da “redação inequívoca” do art. 146, incisos I a III, da CF, o que se percebe é, exatamente, o contrário, pois, ao enunciar que “ao definir os fatos geradores, base de cálculo e contribuintes dos impostos previstos na Constituição” – uma das funções previstas no art. 146, inciso III, da CF –, o que se buscar é observar o “papel limitador da instituição dos impostos em face do legislador ordinário” – sentido [finalístico] –, bem como promover a “harmonização do sistema impositivo nacional”, o que guarda pertinência com o alcance [lógico-jurídico-sistêmico], o que se faz, embora com outras palavras, é conferir ao dispositivo a função dúplice antes rejeitada. Dito de outro modo, o posicionamento nos moldes expressos supra parece evidenciar a visão dicotômica do art. 146 da CF, isso por meio do reconhecimento de que, observado o Texto Constitucional, se afigura presente a interação entre os elementos gramaticais ditada “pela flexibilidade e riqueza de significado, [...] impossibilidade de se obter um sentido literal inequívoco”38, ou seja, a expedição de normas gerais de direito tributário, em obséquio aos rígidos contornos do sistema constitucional alcance [lógico-jurídico-sistêmico], deve observar duas finalidades: dispor sobre conflitos de competência e regular as limitações ao poder de tributar, o que, em termos lógicos – ou, mesmo, 38 ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Osorio. Interpretação conforme a constituição e o direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 38-39.

lógico-dinâmicos –, demonstra o porquê de não se alcançar a dissociação pretendida pela função tríplice39. Por outro lado, a visão dicotômica das normas gerais de direito tributário encontra eco em outros fatores e, nesse sentido, há que ser analisada sob o ponto de vista do cânone hermenêutico da totalidade do ordenamento jurídico40 – e não apenas do ângulo do conteúdo [gramatical] e, mesmo, do significado [histórico], bem como pela utilização de outros critérios ou parâmetros hermenêuticos ou, então, do conjunto deles e, pois, sem esquecer, todavia, da prevalência daqueles que dizem respeito à observância de sua hierarquia, como o do alcance [histórico-lógico-jurídico-sistêmico] e sentido [finalístico ou teleológico] do art.146 da CF e, assim, obter uma compreensão mais ampla do fenômeno, para atingir o patamar do conteúdo juridicamente possível ou, então, do significado constitucionalmente autorizado pelo ordenamento jurídico. Tal exegese, contudo, se nada alteraria a declaração de inconstitucionalidade no caso concreto, pode ser de curial importância em outras hipóteses – como aquelas em que presentes conceitos indeterminados, o que, porém, não significa sejam indetermináveis, a chamada zona cinzenta41 –, nas quais se mostraria possível a utilização de lei complementar, com abrangência nacional, desde que observados, no seu conteúdo de significação, tanto o alcance [histórico-lógico-jurídico-sistêmico] quanto o sentido [finalístico ou teleológico] autorizado nos incisos I e II do art. 146 da CF, ou seja, para dispor sobre conflitos de competência e regular as magnas limitações ao poder de tributar, evitando, 39 CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 230-232; e CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 1047. 40 Vide BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 122-124. 41 MELO, José Eduardo Soares de. ISS – Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 53-56.

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“Essa norma tem como objetivo a uniformização da legislação tributária em todo o território nacional [...]. Assim, a lei complementar atuará como limite à lei de incidência, no que se refere a esses três elementos da obrigação tributária. Não se exige que a lei ordinária reproduza literalmente a definição da lei complementar, mas se impede que os limites nacionais sejam extrapolados.” (RIBEIRO, Ricardo Lodi. A função da lei complementar tributária. In: Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 134)

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assim, a burla ao sistema constitucional em detrimento da rigidez e supremacia constitucionais, problema que, aliás, já se verificou na prática. Nesse sentido, tome-se por exemplo o quanto decidido em outra decisão plenária, aquela relativa ao Recurso Extraordinário (RE) nº 592.905/SC, aresto do qual se afigura importante, tal como enfatizado pelo seu Relator, Ministro Eros Roberto Grau, transcrever excerto do voto do Ministro Ilmar Galvão, senão vejamos:

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Colho, em bem lançado parecer que me veio a minhas mãos, do Ministro Ilmar Galvão, [...] Permito-me transcrever, desse parecer – muito expressivo, repito – o seguinte trecho:

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“3.23. Desenganadamente, tem, a lei complementar, no caso do ISS, a função de definir essas operações mistas mediante a sua inclusão na lista de serviços quando optar pela prevalência do aspecto serviço, em detrimento, v.g., do fornecimento de mercadoria ainda que o serviço não se constitua como atividade preponderante do prestador. 3.24. Aliás, uma das principais competências que foram reservadas pela Constituição à lei complementar tributária foi a de dirimir conflitos entre as competências tributárias, no caso, entre a competência estadual para o ICMS e a municipal para o ISS. 3.25. Tem-se, assim, que a lei complementar a que se refere o art. 156, III, da CF, ao definir os serviços de qualquer natureza a serem tributados pelo ISS: a) arrola serviços por natureza; b) inclui serviços que, não exprimindo a natureza de outro tipo de atividade, passam à categoria de serviços, para o fim de incidência do tributo, por força de lei, visto que, se assim não considerados, restariam incólumes a qualquer tributo; e c) em caso de operações mistas, afirma a prevalência do serviço, para fim de tributação pelo ISS. 3.26. Da espécie sob (a) é a maioria dos serviços relacionados pela LC 116/2003, dispensando maiores considerações. 3.27. Acerca das operações sob (c), o art. 1º, § 2º, da LC 116/2003, contém regra dispondo que, ressalvadas as exceções contidas na lista, os serviços nela relacionados não ficam sujeitos a ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadoria. [...] 3.29. Por fim, da espécie sob (b), também não são poucos os exemplos [...].

3.30. Como ficou dito acima, trata-se de serviços assim conceituados por força da própria lei, configurando atividades que, em si mesmas, não revestem essa natureza, mas que também não exprimem, rigorosamente, a natureza de outro tipo de atividade diferentemente tributada, de tal sorte que, sem aquela definição legal, tais atividades, injustificadamente, ficariam a cobro de qualquer exação fiscal.”

Aqui, no entanto, uma vez mais se percebe o porquê do enfoque trazido à baila pela Escola da Interpretação Sistemática em obséquio à supremacia da constituição e de seus princípios e suas normas – entre elas as normas de estrutura ou regras magnas de competência tributária –, cujo conteúdo, sentido e alcance não podem ser desrespeitadas pela legislação infraconstitucional, seja no que diz respeito às normas gerais de direito tributário veiculadas pelo art. 146 da CF – admitida a função dúplice ou tríplice não importa –, mas também diante de outras leis complementares – e, mesmo, de lei complementares de caráter nacional ou, simplesmente, lei nacional –, como é o caso da Lei Complementar (LC) nº 116, de 31 de julho de 2003, uma vez mais cientes dos perigos das definições legais, cujo conteúdo jamais pode se sobrepor ao dos conceitos constitucionais42. Daí a crítica apresentada por Hugo de Brito Machado ao quanto decidido pelo RE 592.905/SC, pois, ao invés de se prestigiar o arquétipo ou modelo constitucional pertinente ao art. 156, inciso III, da CF [obrigação de fazer] – e, mesmo, aquele outro pertinente ao art. 155, inciso II, da Lei Maior [obrigação de dar] se confere prevalência à aludida norma infraconstitucional, em ofensa à competência residual da União [art. 154, inciso I, da CF]43, mas também ao sistema constitucional, face ao desres42 Ataliba, Geraldo. Hipótese..., p. 32-33. 43 MACHADO, Hugo de Brito. O ISS e o arrendamento mercantil. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Oliveira Rocha, n. 185, p. 63-76, fev. 2011.


peito à discriminação constitucional de competências [arts. 153, 155 e 156, todos da CF].

de modelos ou teorias, iniciada a partir da descrição dos fenômenos constantes do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC.

Por fim, sempre tendo em mira a “pirâmide jurídica”44, a visão escalonada do ordenamento jurídico, conclui-se que o papel conferido às leis complementares tem sido superestimado – e, sob esse enfoque se afigura inválido, mesmo porque flagrantemente inconstitucional –, o que, todavia, não afasta à exegese quanto à hierarquia da lei complementar, de caráter nacional, ou, simplesmente, lei nacional no que diz respeito às leis ordinárias nas esferas federal, estadual e municipal – desde que respeitada a supremacia da constituição e de seus princípios e suas normas, tal como decorre da lição de Geraldo Ataliba, citada por Roque Antonio Carrazza45 –, o que, todavia, não significa que mesmo as leis nacionais possam ser havidas, em qualquer hipótese, superiores aos princípios federativo e da autonomia municipal, bem como as regras de competência tributária, sob o argumento de que dessas últimas emanam “[...] normas instituidoras, propriamente ditas, [...] de competência do legislador ordinário de cada ente tributante”, tal como consta do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.935/SC, isso com o fim de esclarecer conceitos indeterminados, o que, porém, não significa sejam indetermináveis46, nem tampouco possam servir de burla ao sistema constitucional tributário.

2. Entre esses fatos, se afigura importante lembrar que o aresto em questão manteve intacto o acórdão emanado pela origem, esse fundado no argumento de que não se pode incluir na base de cálculo despesas alheias ao processo produtivo, o que, à primeira vista, pareceria remeter à questão para o disposto no art. 153, inciso IV, da Constituição Federal (CF).

1. O presente estudo de caso se justifica como oportunidade de pesquisa, classificação ou categorização de institutos, revisão 44 CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 33. 45 Idem, p. 54. 46 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 199-200.

4. Nesse sentido, é que, ao menos a priori, se recebe o argumento de que a inconstitucionalidade do art. 15 da Lei Federal ordinária nº 7.798, de 10 de julho de 1989, decorre da invasão do campo de competência da lei complementar, com abrangência nacional, na hipótese autorizada pelo art. 146 da CF e, pois, do seu caráter indispensável para a definição – e, mesmo, instituição – dos tributos. 5. Após o ingresso na etapa analítica do trabalho, parece possível perceber que a prevalência das leis complementares, nos moldes pretendidos no acórdão do RE, se baseia no argumento de que as leis nacionais, para cumprirem o seu sentido [finalístico ou teleológico] e, pois, harmonizador do sistema, possuem hierarquia superior à das regras ordinárias, essas últimas emanadas das regras de competência ou normas de estrutura tributária. 6. Isso, todavia, não quer dizer ainda em obséquio à hierarquia do ordenamento jurídico, que as leis complementares, com atributos ou propriedades de lei nacional, sob essa condição, abandonem o patamar das normas infraconstitucionais, ao qual

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CONCLUSÃO

3. Assim, o reconhecimento da inconstitucionalidade formal, embora controversa, parece apontar que, mesmo em obséquio, aos argumentos invocados, em sentido contrário pela União, teria o Supremo Tribunal Federal (STF) apenas focalizado a questão sob aspecto diverso.

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se encontram obrigatoriamente jungidas, em face da rigidez e supremacia da constituição, bem como das características relacionadas ao seu pressuposto ou requisito formal. 7. Por fim, reitere-se que o papel conferido às leis complementares parece ter sido superestimado, o que, todavia, não afasta o entendimento quanto à hierarquia da lei complementar, de caráter nacional, ou, simplesmente, lei nacional no que diz respeito às leis ordinárias nas esferas federal, estadual e municipal, porém, não implica, em nenhuma hipótese, na esteira da visão dicotômica, das normas gerais de direito tributário, tal como encetada pela Escola de Interpretação Sistemática, que as leis complementares, mesmo as de caráter nacional ou, simplesmente, leis nacionais, possam se sobrepor formal ou materialmente aos princípios e às normas da Lei Maior dos quais recebem o fundamento de sua validade, o que, evidentemente, se aplica as demais normas de natureza infraconstitucional.

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Doutrina

Trasladação de Registro de Casamento de Pessoas do Mesmo Sexo TIAGO MACHADO BURTET

Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos (2002), Pós-Graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI (Campus de Erechim), Professor da Disciplina “Noções Gerais de Direito Imobiliário” do Curso Superior de Tecnologia em Negócios Imobiliários (Universidade Luterana do Brasil – Ulbra/Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino – IESDE), Registrador de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais, Civil das Pessoas Jurídicas, de Títulos e Documentos e Tabelião de Protesto de Títulos em Campinas do Sul/RS.

RESUMO: Este trabalho tem a intenção de analisar a possibilidade, ou não, de se proceder, no registro civil das pessoas naturais brasileiro, a trasladação de registro de casamento de brasileiro(a) com pessoa do mesmo sexo celebrado no estrangeiro. PALAVRAS-CHAVE: Registro civil das pessoas naturais; casamento; pessoas do mesmo sexo; estrangeiro; trasladação. SUMÁRIO: Introdução; 1 Do casamento; 1.1 Considerações gerais sobre o casamento no Brasil; 1.2 Do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil; 1.3 Do casamento entre pessoas do mesmo sexo no exterior; 2 Questões de direito internacional privado; 3 Da trasladação: conceito, requisitos e formalidades; 4 Da (im)possibilidade de se realizar a trasladação de assento de casamento de brasileiro(a) com pessoa do mesmo sexo celebrado no estrangeiro; 4.1 Argumentos contra a trasladação; 4.2 Argumentos pró-trasladação; 4.3 Registro de títulos e documentos; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO Este trabalho tem a intenção de analisar a possibilidade, ou não, de se proceder, no registro civil das pessoas naturais brasileiro, a trasladação de registro de casamento de brasileiro(a) com pessoa do mesmo sexo celebrado no estrangeiro. Para isso, será necessário verificar, no primeiro momento, como está posto o instituto do casamento no Brasil, para que seja possível, em seguida, analisar como é vista, aqui, a questão do casamento entre homossexuais. Com a pretensão de suscitar questões para debate, serão apresentados dois entendimentos. O primeiro, que autorizaria o registro com fundamento nas regras de direito internacional privado; o segundo, negando-o, por afronta à ordem pública e aos bons costumes.

1 DO CASAMENTO 1.1 Considerações gerais sobre o casamento no Brasil O casamento é um dos mais importantes acontecimentos na vida das pessoas naturais, tendo por finalidade a constituição de uma família, considerada a base da sociedade e que tem especial proteção do Estado. Assim, para situar o instituto do casamento no direito pátrio, deve-se partir do preceito constitucional atinente à família1, passando 1 Art. 226 da Constituição Federal.


pela norma civil que o considera a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges2.

1.2 Do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil

Embora não previstos expressamente na lei como requisitos necessários para a existência, validade e eficácia de um casamento, podem ser integrados à premissa definida no direito civil, como de fato integram na maioria dos casos, os sentimentos de amor, afeto, respeito, etc., além de deveres e obrigações de diversas naturezas, aceitos pela sociedade em geral. Portanto, caracterizadores de costumes, igualmente considerados fontes de direitos3.

É de se observar, entretanto, que a lei civil brasileira exige, para caracterizar o instituto do casamento, a união entre pessoas de sexos opostos. Veja-se o que preveem os arts. 1.514 e 1.517 do Código Civil:

Daí questiona-se: Se o que sustenta a instituição do casamento são os sentimentos de um ser para com outro, será que não se admite que pessoas do mesmo sexo possam vir a ter estes sentimentos um para com o outro? Será que apenas pessoas de sexos opostos podem ter sentimentos desta natureza?

2 Art. 1.511 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil em vigor). 3 Art. 4º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro).

[...] Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

Sem pretender examinar a constitucionalidade dos dispositivos acima citados, frente ao que preveem os arts. 1º, III, 3º, I, e o caput do art. 5º da carta política, nem os motivos de ordem religiosa que também dão sustentação às normas civis, é possível afirmar que não se admite, hoje, no Brasil, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Neste sentido, recomenda-se a análise da Apelação Cível nº 70025659723, da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embora a jurisprudência ainda não possibilite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ela reconhece os efeitos decorrentes destas uniões, como o direito sucessório, a concessão de pensão previdenciária, a possibilidade de realizar adoção, de contratar sobre seus bens, etc. De fato, no dia a dia, as relações decorrentes da união estável entre pessoas do mesmo sexo são iguais às oriundas do casamento. Logo, o que muda é a denominação que se dá a cada instituto. Será que isto tem força para fundamentar o impedimento do casamento?

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Não é errado afirmar que quem casa, casa porque gosta, porque quer viver ao lado de outra pessoa e com ela formar uma família. Logo, embora não seja requisito legal o afeto, o sentimento para com o outro ser, casamento como a sociedade conhece não há se não houver tal elemento. Qual a causa que mais gera separações e divórcios mundo afora? Certamente, a falta, a perda dos sentimentos de amor e dos que dele decorrem. Assim, são estes sentimentos recíprocos que dão sustento à instituição do casamento, ao contrato, e não o contrário. Ademais, se há casamento por interesses e não pelo afeto, eles não podem ser considerados a regra, mas a exceção.

Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

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1.3 Do casamento entre pessoas do mesmo sexo no exterior Em que pese o direito brasileiro ainda não admita o casamento entre pessoas do mesmo sexo, há alguns locais no mundo onde tal ato é admitido. Pelo que se depreende do aresto do Tribunal gaúcho acima citado, é possível que duas pessoas do mesmo sexo contraiam casamento na África do Sul ou no Havaí. Daí é possível indagar: Pode um(a) brasileiro(a) homossexual vir a casar nestes locais?

2 QUESTÕES DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

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O caso aventado envolve questão de extraterritorialidade, que implica no reconhecimento da eficácia da norma de um Estado por outro, rompendo as fronteiras originárias de onde ela fora criada. Decorre, consequentemente, do princípio da reciprocidade, fundamento do direito internacional.

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Para responder ao questionamento formulado, é curial verificar as regras de direito internacional privado constantes da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/1942). Observa-se o que dispõe o caput do art. 7º do citado diploma legal: “A lei do País em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”. Segundo Diniz, A lex domicillii, que rege o estatuto pessoal, é o critério que mais atende à conveniência nacional. Visto ser o Brasil um País de imigração tem o interesse de sujeitar o estrangeiro aqui domiciliado à sua lei, integrando-o à vida nacional, independentemente de sua subordinação política. Como se vê, o critério de domicílio é político, geográfico e jurídico, uma vez que a pessoa passará a fazer parte da população. Se estrangeira,

adquirirá direitos e assumirá obrigações de ordem pública; é por isso no dizer de Niboyet uma subnacionalidade ou vice-nacionalidade.4

Logo, a lei do domicílio determina a capacidade para a aquisição do estado civil de casado. Pelo que se depreende da norma, é possível e lícito o casamento entre pessoas do mesmo sexo celebradas nos locais onde tal ato é admissível, desde que os contraentes neles tenham domicílio. Atendido este requisito, a celebração de casamento de pessoas do mesmo sexo é permitida. Logicamente, deve-se verificar a lei destes locais para que seja possível determinar se elas permitem o casamento de estrangeiro e em quais circunstâncias (capacidade para o casamento), igualmente à regra prevista no § 1º do art. 7º da Lei de Introdução. De outro lado, apresenta-se o preceito locus regit actum, previsto no art. 13 da Lei de Introdução, que trata da forma e da prova dos fatos e atos ocorridos em países estrangeiros, no caso, os requisitos para a celebração do casamento e, principalmente, os do próprio assento de casamento. Por oportuno, colaciona-se a regra citada que rege a matéria, cuja redação segue: Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

De certo modo, equivale a dizer que os aspectos intrínsecos atinentes ao casamento regem-se pela lei do domicílio dos nubentes, ao passo que os requisitos extrínsecos, pela lei do local onde foi celebrado o ato. Assim, admitido, como noticiado na Apelação Cível nº 70025659723 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o 4 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretado. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 215.


E como se faria a prova deste casamento aqui no Brasil? De acordo com o art. 13, também da Lei de Introdução, a prova deste casamento deveria ser feita com fundamento na lei do local da celebração, isto é, com as informações constantes da certidão de casamento. Pois bem, respeitadas as normas de domicílio para a capacidade, e do local para determinar a forma da celebração e da prova do ato, vindo as mesmas a mudar seu domicílio para o Brasil, o art. 32 da Lei nº 6.015/1973 e o art. 1.544 do Código Civil, exigem a trasladação deste assento para o livro próprio brasileiro. No caso aventado, poderá, ou não, ser feita dita trasladação? Serão, ou não, reconhecidos efeitos a este casamento? Estas são as questões que precisarão ser definidas para autorizar, ou não, a trasladação do casamento celebrado no estrangeiro entre pessoas do mesmo sexo. Como será visto adiante, é de se sinalar que esta é uma atribuição do Magistrado quando a ele for submetido o pedido de trasladação. Logo, o registrador civil das pessoas naturais poderá receber a documentação, mas não poderá lavrar o assento sem a imprescindível autorização judicial. Urge esclarecer que o legislador previu uma formalidade especial para os assentos de brasileiros realizados no exterior, a trasladação.

3 DA TRASLADAÇÃO: CONCEITO, REQUISITOS E FORMALIDADES Para permitir a compreensão do tema enfocado, é necessário conhecer o mecanismo conhecido por “trasladação”, tratado na Lei dos Registros Públicos5. Esta trasladação nada mais é do que passar para o registro público brasileiro – no caso, o registro civil das pessoas naturais – um assento relativo a uma pessoa natural brasileira procedido no exterior. Com o escopo de atender o requisito legal, ao menos um dos cônjuges deve ter nacionalidade brasileira6. Admite-se, inclusive, a trasladação de assento de brasileiro naturalizado. A finalidade da trasladação é permitir que o ato produza efeito no País. Compreende-se, aqui, a geração de efeito perante terceiros, tendo em vista que o registro alienígena gera efeitos entre as partes, independentemente da realização da trasladação7. Para a sua realização é necessário percorrer um caminho extremamente formal. Não se deve, aqui, imputar ao registrador civil a pecha de burocrático quando solicita toda a documentação necessária da parte interessada. Na verdade, ele está apenas cumprindo a lei e o seu mister. Inicia-se a trasladação com a legalização (autenticação) da certidão do casamento. Esta legalização é o reconhecimento da firma ou do cargo da autoridade que lavrou o ato pelo cônsul brasileiro do local do registro8. 5 6 7 8

Art. 32, caput e § 1º da Lei nº 6.015/1973. RE 86.264-1/SP. REsp 440.443/RS. Art. 45, § 2º, do Provimento nº 32/2006 da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul (Consolidação Normativa Notarial e Registral – CNNR).

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casamento entre pessoas do mesmo sexo na África do Sul ou no Havaí, e, considerando que uma brasileira, por exemplo, foi residir naquele País e se interessou em casar com outra mulher, infere-se, deixou de ser observada a regra do art. 7º da Lei de Introdução? Categoricamente, não. No caso, seria válido e eficaz o casamento imaginado, porque a regra de capacidade para contrair matrimônio com relação ao sexo foi respeitada.

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Isto importa na verificação da competência da autoridade para a expedição do certificado, como forma de se evitar falsificações, pois é o cônsul brasileiro do local do registro quem apresenta melhores condições para tanto.

definitivo, quando é que a competência registral será definida pela falta de domicílio dos cônjuges, mas onde passaram a residir? Isto porque, se passaram a residir em um local, não haverá mais a falta de domicílio.

Feita a legalização, a certidão do casamento deverá ser traduzida para o vernáculo. Depois, ambas, certidão e tradução, deverão ser registradas no registro de títulos e documentos do domicílio dos cônjuges9.

É de bom alvitre que seja apresentada a certidão de nascimento do cônjuge brasileiro, a fim de que seja possível expedir a comunicação da realização do casamento ao registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento13. Também, recomenda-se a apresentação do documento que comprova a entrada legal do estrangeiro no País.

De posse da certidão de casamento legalizada e registrada e da tradução registrada, os documentos deverão ser levados ao registro civil das pessoas naturais do domicílio dos cônjuges. Aqui, exige-se a prova do domicílio, o que pode ser feito através de contas de serviços públicos, como água, luz, telefone, etc., ou através de declaração, sob as penas da lei, firmada pelos interessados10.

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Na eventualidade de haver mais de um serviço de registro civil na localidade, deverá ser procurado o 1º Ofício11, pois é neste que se encontra o livro onde será trasladado o casamento (Livro E). Ademais, na falta de domicílio conhecido, a trasladação deverá ser procedida no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir12. Assim é definida a competência registral.

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Aqui, realiza-se uma crítica à última parte do disposto no art. 1.544 do Código Civil, porque parece que o legislador se esqueceu da novidade por ele mesmo introduzida no art. 70 do mesmo diploma legal. Ora, se por este artigo o domicílio é considerado o local onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo 9 Arts. 129, § 6º, 130 e 148 da Lei nº 6.015/1973. 10 Lei nº 7.115/1983. 11 Arts. 32, § 1º, da Lei nº 6.015/1973 e 1.544 do Código Civil. 12 Art. 1.544 do Código Civil (este dispositivo legal derrogou parte do § 1º do art. 32 da Lei nº 6.015/1973).

Pois bem, apresentada a documentação necessária no registro civil competente, instruída com um requerimento firmado pelos cônjuges, o oficial a examinará a fim de verificar se a mesma está em ordem. Em caso afirmativo, a submeterá à apreciação do Ministério Público, fazendo posterior conclusão ao juiz de direito competente14. Deferido o pedido, será trasladado o registro alienígena para um livro nacional, encerrando o procedimento, passando, a partir daí, a surtir efeitos no Brasil. O prazo legal para a realização da trasladação é de cento e oitenta dias contados da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil. Porém, como não há imposição de penalidade pela não observância do prazo, o seu não cumprimento não importa na perda da oportunidade de requerer o assento, pois é de interesse público o conhecimento acerca da alteração do estado da pessoa natural. 13 Art. 106 da Lei nº 6.015/1973. 14 Art. 47 do Provimento nº 32/2006 da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul (Consolidação Normativa Notarial e Registral – CNNR).


Convém advertir, ainda, sobre a possibilidade, ou não, de se fazer constar, por ocasião da trasladação, informações importantes à melhor identificação das partes e omitidas nas certidões expedidas pela autoridade estrangeira.

Segundo Ceneviva17, “a trasladação, como é do sentido gramatical da palavra, se fará nos termos em que se lançou o assentamento original, ainda quando diversos do exigido pela lei brasileira”.

O art. 50 do Provimento nº 32/2006-CGJ/RS (Consolidação Normativa Notarial e Registral – CNNR) abre esta possibilidade a fim de adequar o registro que será procedido em livro nacional às regras brasileiras. Assim, no Rio Grande do Sul, é possível complementar as informações do assento original com dados atinentes à filiação, data de nascimento, naturalidade e até o nome usado pelo cônjuge após o casamento.

4 DA (IM)POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR A TRASLADAÇÃO DE ASSENTO DE CASAMENTO DE BRASILEIRO(A) COM PESSOA DO MESMO SEXO CELEBRADO NO ESTRANGEIRO

15 “Registro Público. Casamento realizado entre brasileira e italiano na Itália. Inserção do sobrenome do marido ao da mulher. Impossibilidade pela legislação italiana. Transcrição do ato nupcial com inserção do sobrenome do cônjuge italiano. Improcedência. Princípio do locus regit actum. Retificação do traslado do ato civil praticado no estrangeiro. Ato que não pode ser objeto de qualquer inserção ou suprimento. Pedido improcedente. Sentença mantida. Provimento negado.” 16 “Registro público. Casamento no exterior. Brasileiros. Assento. Transcrição. Eficácia. Certidão. Retificação. Dados. Acréscimo. Inviabilidade. O traslado, no cartório de registro civil nacional competente, do assento de casamento de brasileiros, contraído no exterior, perante autoridade estrangeira, destina-se a dar-lhe eficácia no Brasil, sendo inviável o acréscimo de dados não existentes no ato originário, porque submetido ao princípio locus regit actum. Nega-se provimento ao recurso.”

Pois bem, até o momento já foi possível enunciar que a legislação brasileira não prevê a celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo, que existem lugares no mundo onde isso é permitido e a forma de se proceder à trasladação de um assento de brasileiro realizado no estrangeiro. Questão interessante a que se pretende suscitar, a (im)possibilidade de se realizar a trasladação de assento de casamento de brasileiro(a) com pessoa do mesmo sexo celebrado no estrangeiro, pois envolve a análise de um caso polêmico, qual seja, a (im)possibilidade de celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo, e de um complexo de normas constitucionais e infraconstitucionais. A trasladação de registro de casamento de brasileiro(a) com pessoa do mesmo sexo celebrado no estrangeiro pode apresentar duas facetas: a primeira, negando a possibilidade do registro; a segunda, autorizando. 17 CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 14 ed. atual. até 30 de abril de 2001. São Paulo: Saraiva, p. 85.

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Indaga-se, entretanto, se esta possibilidade não vai de encontro ao que prevê o art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil. Em sentido contrário ao adotado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, são os seguintes arestos: Apelação Cível nº 2002.018547-2, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (Criciúma, Rel. Des. Monteiro Rocha, J. 12.09.2003)15, e Apelação Cível nº 1.0024.04.449963-0/001, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Belo Horizonte, Rel. Des. Almeida Melo, J. 17.03.2005)16.

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4.1 Argumentos contra a trasladação A posição que nega a realização desta trasladação tem por fundamento legal a regra do art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim prevê: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Aqueles que consideram o casamento de pessoas do mesmo sexo como um ato atentatório à ordem pública e aos bons costumes podem fundamentar sua posição alegando que o Brasil está blindado dos efeitos gerados por este contrato. Não negam que o casamento possa surtir efeitos onde fora feito, mas não permitem que ele reflita efeitos dentro do território nacional. O argumento é robusto.

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Como antes informado, há casos em que a lei estrangeira ingressa no sistema jurídico nacional. Entretanto, não serão todas as leis, nem todos os fatos e atos alienígenas eficazes no Brasil, mas apenas os que não ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Logo, há limites à comentada extraterritorialidade. No dizer de Diniz,

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18 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 428.

a ordem pública interessa à vida, à incolumidade da prosperidade da comunidade, à organização da vida social, sendo, por isso, oficialmente reconhecida pela ordenação jurídica. [...] A ordem social é o patrimônio espiritual do povo, por refletir seus hábitos, suas tradições, sua liberdade, suas ideias políticas, econômicas, religiosas, morais, seus direitos fundamentais em determinada época e lugar.18

Para Wilson de Souza Campos Batalha, citado por Diniz19, bons costumes seriam os princípios da conduta impostos pela moralidade média do povo, sendo apurados no meio social e não de conformidade com certa religião ou filosofia. Como se vê do texto legal constante do art. 17 da Lei de Introdução, tanto a ordem pública como os bons costumes podem ser inibidores de efeitos decorrentes de direitos adquiridos no estrangeiro, porque são eles que definem a independência e a liberdade de um povo escolher o que deseja para si. A questão que se coloca aqui é a seguinte: o casamento celebrado no estrangeiro, entre pessoas do mesmo sexo, respeitada a ordem jurídica vigente no tempo e local onde o ato fora celebrado, afronta a ordem pública e os bons costumes brasileiros? A sociedade brasileira já está preparada para permitir o casamento dos integrantes destas entidades familiares, igualmente como vem reconhecendo a união estável das mesmas? Para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul20, a resposta é negativa. 19 Idem, p. 434. 20 “Nulidade de casamento. Inexistência de impedimento. Impossibilidade. Casamento celebrado no exterior. Impedimento. Inciso VI do art. 183 do CC de 1916 (correspondente ao art. 1.521, VI, do novo CC). Cônjuges brasileiros. Assentamento no registro civil. Ineficaz. Art. 17 da LICC. Celebração de casamento no exterior, de cônjuges brasileiros e domiciliados no Brasil, em razão de impedimentos das leis nacionais, não se convalidam no tempo, sendo ineficaz o assentamento levado a efeito em notarial civil, impondo ao Magistrado reconhecer de ofício tal situação. Não há anulação de casamento se não houver a incidência das causas constantes do art. 183, I a VIII, do CC de 1916 [correspondente ao art. 1.521, I a VII, do novel Código Civil].” (TJMS, Reexame de Sentença nº 65.298-8, Rel. Des. Nildo de Carvalho, J. 27.06.2000, DJ 28.09. 2000. In: DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 438)


Sem adentrar na imbricada análise do fundamento da dignidade da pessoa humana e no princípio da igualdade não será possível defender a possibilidade de se proceder a trasladação. Se considerado que o sentimento que une duas pessoas é o cerne da existência da instituição do casamento, independentemente do sexo dos nubentes, pode-se argumentar que um casamento realizado nestas circunstâncias não fere a ordem pública e os bons costumes, podendo seus efeitos virem a ser reconhecidos no Brasil. Ademais, se bons costumes seriam os princípios da conduta impostos pela moralidade média do povo, sendo apurados no meio social e não de conformidade com certa religião ou filosofia, questiona-se: a regra que possibilita o casamento entre pessoas de sexos opostos não é imposta pela religião ou por grupos filosóficos? Aliado a isto, se o legislador criou a Lei de Introdução pensando no reconhecimento de direitos ao estrangeiro que vem residir no Brasil, pelo princípio da reciprocidade, deve reconhecer os direitos adquiridos por brasileiro contraídos no estrangeiro. Esta corrente pode, também, defender a ideia com fundamento na aplicação da lei do domicílio (caput do art. 7º da Lei de Introdução), empregando o princípio locus regit actum antes mencionado, bem como a regra do § 1º do art. 7º da Lei de Introdução, que diz: Art. 7º [...] § 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

Ora, em sentido contrário, realizando-se o casamento no exterior, aplica-se a lei do domicílio e as regras quanto aos impedimentos e às formalidades da celebração. A partir daí, celebrado o ato examinado envolvendo um brasileiro, a trasladação deve ser

feita sem que sejam perquiridos os elementos que autorizariam o casamento se fosse realizado no território nacional, porque isso não ocorreu. Se for permitida a análise do sexo dos cônjuges, poderão igualmente ser analisadas todas as outras circunstâncias que afetam os casamentos no Brasil, como a idade núbil, a imposição de um determinado regime de bens, etc. Finalmente, reitera-se que, no dia a dia, eventualmente recebida a documentação no registro civil das pessoas naturais competente, remetida à apreciação do Ministério Público, caberá ao Magistrado autorizar, ou não, a realização do traslado da certidão estrangeira no Livro E.

4.3 Registro de títulos e documentos Como visto antes, a trasladação refere-se a um assento envolvendo um brasileiro, mas procedido no exterior, e que é o registro civil das pessoas naturais o serviço competente para lavrar este registro. Mas se do assento estrangeiro não constar sujeito de direito brasileiro? Se envolver apenas pessoas naturais de outra nacionalidade? Neste caso, para que a certidão do registro estrangeiro possa gerar efeitos no Brasil, ela deverá ser traduzida e levadas, ambas, certidão e tradução, para registro. Entretanto, o serviço competente para tanto será o registro de títulos e documentos, conforme preveem os arts. 129, § 6º, e 148 da Lei nº 6.015/1973, e não o registro civil. Aqui, os registros (da certidão e da tradução) são procedidos diretamente, sem a intervenção do Magistrado.

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4.2 Argumentos pró-trasladação

Deverão, portanto, estar atentos os oficiais de registro de títulos e documentos para as circunstâncias do documento estrangeiro

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que se pretende registrar aqui no Brasil, pois, se não se permitir a trasladação de assento de casamento celebrado no exterior envolvendo pessoa brasileira com pessoa do mesmo sexo, não se poderá admitir o assento no serviço de registro de títulos e documentos. Agora, se admitida a trasladação no caso examinado, será igualmente possível a realização dos registros da certidão e da tradução pelo serviço de registro de títulos e documentos. Tudo para observar o princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal.

CONCLUSÃO Analisada a questão envolvendo a (im)possibilidade de se trasladar um assento de casamento de brasileiro(a) com pessoa do mesmo sexo celebrado no estrangeiro, constatou-se que é possível desenvolver duas correntes a respeito do tema.

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A primeira defenestrando a trasladação, com fundamento nas regras do casamento constantes do Código Civil, isto é, que só se admite casamento de pessoas de sexos opostos, bem como na afronta à ordem pública e aos bons costumes. De consequência, não é possível trasladar casamentos de pessoas do mesmo sexo para um livro brasileiro.

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Ao revés, é cabível defender a possibilidade de se proceder esta trasladação para gerar publicidade de um ato formalizado com base nos fundamentos e princípios constitucionais e na lei

do local onde fora celebrado o ato, logicamente se ela admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a fim de que este ato possa surtir efeitos também no Brasil através da trasladação.

REFERÊNCIAS BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à lei de registros públicos: Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1977. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 14. ed. atual. até 30 de abril de 2001. São Paulo: Saraiva. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretado. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. PROVIMENTO nº 32/2006 da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul (Consolidação Normativa Notarial e Registral). STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003.

Sites www.stf.jus.br. www.stj.gov.br. www.tj.mg.gov.br. www.tjms.jus.br. www.tj.rs.gov.br. www.tj.sc.gov.br.


Acórdão na Íntegra

Tribunal Regional Federal da 4ª Região Apelação Criminal nº 0000089-23.2010.404.7114/RS Relator: Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto Apelante: Ministério Público Federal Apelado: Vitorio Scussiato Advogado: Defensoria Pública da União

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 25 de março de 2015. Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto Relator RELATÓRIO

EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL – ARTS. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL – ESTELIONATO CONTRA O INSS – DOLO – DÚVIDA – IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO MANTIDA 1. Para a subsunção de determinada conduta no tipo penal descrito no art. 171 do CP, é essencial a presença dos seguintes elementos objetivos: o emprego de algum artifício ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento em erro da vítima; e a obtenção da vantagem ilícita pelo agente e o prejuízo de terceiros. Indispensável que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio), decorrente da fraude e o erro que esta provocou. 2. São críveis os fatos esposados na denúncia, todavia, também o são os argumentos defensivos. Inexistindo certeza se o réu agiu com dolo na obtenção do benefício, indiscutivelmente indevido, não se sustenta o pedido de condenação. A condenação criminal não pode vir lastreada em presunções ou conjecturas e, em caso de dúvida razoável, deve ser mantida a absolvição, com base no princípio do in dubio pro reo. 3. Apelação criminal desprovida.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Vitório Scussiato, nascido em 21.09.1946, imputando-lhe a prática de fatos tipificados no art. 171, caput e § 3º, do Código Penal. A inicial acusatória narra o seguinte: Conforme consta da apuração policial, o denunciado obteve para si vantagem ilícita, em prejuízo do Instituto Nacional de Seguro Social, induzindo e mantendo em erro a Autarquia Previdenciária, ao lograr a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição mediante fraude, junto à agência da Previdência Social em Encantado/RS. Com efeito, no período compreendido entre os meses de fevereiro de 2008 e março de 2009, o denunciado recebeu beneficio previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/139.796.903-0), sem preencher os requisitos necessários à concessão do benefício, causando prejuízo INSS (fls. 265/266-Apenso I – Volume I). Tal benefício previdenciário foi protocolado e indevidamente deferido no sistema da Previdência Sócia em 20.02.2008, pelo servidor da APS Encantado, à época dos fatos, Marco Antônio Silvério, Matrícula nº 927084.


Procedida à revisão do benefício NB 42/139.796.903-0, a partir de suspeitas de concessão indevida, diante das investigações no âmbito da Operação “Sonho Encantado”, foi verificada a ocorrência de discrepâncias entre as informações constantes do sistema CNIS e o extrato de tempo de contribuição constante do benefício do denunciado, concluindo-se que foram computados irregularmente os períodos de 01.12.1969 a 31.12.1974 e de 01.01.1995 a 31.12.2007.

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Intimado pelo INSS, o denunciado não apresentou carnês de contribuição ou documentos idôneos à comprovação dos recolhimentos dos períodos supracitados.

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Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto Relator VOTO Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público em face de sentença que absolveu o réu Vitório Scussiato, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

O prejuízo causado à Autarquia Previdenciária foi de R$ 37.749,24 (trinta e sete mil setecentos e quarenta e nove reais e vinte e quatro centavos), valor atualizado até maio de 2009, conforme Relatório Final de processo objeto de revisão (fls. 267/269-Apenso I – Volume I).

Segundo narra a inicial acusatória, o acusado teria obtido benefício previdenciário indevido mediante fraude, por meio de inserção de contribuições inexistentes no sistema da Autarquia Previdenciária.

A denúncia foi recebida em 01.07.2010 (fl. 51 – data conforme consulta processual).

O juízo a quo entendeu pela ausência de provas quanto ao dolo, absolvendo o réu, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 17.03.2014, que julgou improcedente a pretensão exposta na denúncia para absolver o réu Vitório Scussiato da imputação de prática do crime previsto no art. 171, caput e §3º, do Código Penal, com fulcro no art. 386, III, do CPP (fls. 126/134).

Destaco trecho da sentença:

O órgão ministerial interpôs apelação sustentando, em síntese, estarem demonstrados a materialidade, autoria e dolo do acusado, a justificar o juízo condenatório. Alega que o conjunto probatório é suficiente no sentido de que o réu tinha conhecimento de ser indevida a concessão do benefício. Requereu, assim, a condenação do acusado nos termos da denúncia. Com contrarrazões (fls. 153/157), subiram os autos para este Tribunal. O órgão ministerial atuante nesta instância opinou pelo provimento do recurso (fls. 174/180). É o relatório. À revisão.

No caso concreto, em síntese, é imputada ao réu a conduta de ciente de que não tinha direito à aposentadoria, aderir à empreitada fraudulenta que vinha sendo perpetrada por uma quadrilha composta de servidores do INSS de Encantado e outras pessoas – a qual inseriria dados falsos nos sistemas informatizados da autarquia previdenciária, aumentando ilicitamente tempo de serviço/contribuição e/ou valores de salários de contribuição em favor de segurados –, obtendo, assim, de forma criminosa, o benefício previdenciário. Com efeito, a documentação que embasa a peça acusatória comprova que nem todos os períodos computados na concessão da aposentadoria do réu encontravam correspondência no CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais, nem foram de outra forma comprovados – o que, inexoravelmente, aponta para a existência de fraude, perpetrada pelo servidor público responsável pela inserção dos dados nos sistemas informatizados. Contudo, anoto não haver nos autos elementos suficientemente firmes a comprovar que o acusado tinha ciência da inserção indevida de dados no sistema informatizado do INSS e, por conseguinte, de sua vontade dirigida para lograr proveito ilícito em prejuízo do órgão previdenciário.


Na espera policial, o acusado afirmou ter entregue para Waldir Stevens a sua documentação, além da quantia de R$ 22.400,00, valores pagos em três vezes, a título de valores de parcelas em atraso junto ao INSS. Afirmou que possuía recibo do pagamento de R$ 18.000,00, não tendo lhe sido entregue recibo do restante. Na ocasião, o acusado comprometeu-se a apresentar os recibos dos valores pagos a Waldir, os quais foram juntados à fl. 34, sendo um de R$ 12.000,00 e outro de R$ 6.000,00, datados de novembro e dezembro de 2007, com referência a aposentadoria. Disse, ainda, ter pago a Waldir os dois primeiros meses da aposentadoria. Em juízo, o réu confirmou ter alcançado vinte e poucos mil para Waldir, para pagamento de reajustes no INSS. Disse não saber o que Waldir fez com o dinheiro. Respondeu que no período de 1969 a 1974 tinha um restaurante denominado “Ponteiro”, tendo pago o INSS, que era recolhido pelo escritório de Contabilidade “Pontalti”. No que tange ao período de 1995 a 2007, respondeu inicialmente que tinha um Posto de Gasolina, mas não recolhia INSS, referindo também não ter trabalho nesse período. Como se vê, o acusado tinha conhecimento dos requisitos mínimos necessários para obtenção do benefício previdenciário e estava ciente que não possuía o número de contribuições necessárias, tanto que pagou de forma parcelas os valores que supunham seriam para pagamento das contribuições pretéritas, tendo, inclusive, apresentado os recibos fornecidos por Waldir. O fato do réu ter confirmado que não trabalhou no período de 1995 a 2007 e que não recolhia contribuições previdenciárias não revela, em absoluto, o cometimento do crime por parte dele, mas tão somente o efetivo descompasso entre os dados constantes do requerimento e a situação de fato relativa às verdadeiras contribuições que existiram. Assim sendo, o único indício de fraude constante nos autos é o expressivo valor que o acusado diz ter alcançado de forma parcelada a Waldir, para pagamento das contribuições previdenciárias atrasadas. No entanto, levando-se em consideração o esquema fraudulento investigado pela polícia na Operação “Sonho Encantado”, é crível que o acusado tenha sido vítima da falsa promessa de obter benefício, devendo, em contrapartida, recolher valores a título de contribuição social em atraso.

Quanto ao pagamento dos dois primeiros meses da aposentadoria, assinalo que a prática de cobrar honorários advocatícios após a concessão do benefício previdenciário é comum entre os especialistas na área. No que tange à ausência de processo administrativo nas dependências da Agência de Previdência Social de Encantado e às divergências dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais, tenho que tais fatos também não podem ser atribuídos ao acusado. Nessa senda, anoto que, nos autos da Ação Penal nº 50007180920104047114, em que se processam fatos similares aos presentes, a servidora da APS de encantado, Silvia Asquidamini, ouvida como testemunha, asseverou que, na época, a prática era efetivamente reter os documentos originais, também esclarecendo que, ainda hoje, os sistemas informatizados apresentam divergências de valores e vínculos, demandando sejam feitas correções manualmente. Fora isso, o conhecimento dos meandros previdenciários, absolutamente exigível do servidor público responsável pela concessão do benefício ou, no caso, reconstituição do procedimento administrativo extraviado, não pode ser exigido dos segurados em geral, em cujo perfil se subsume o réu. Isso porque, o segurado de conhecimento e comportamento médio jamais compulsa – tanto menos analisa com condições de compreensão – o processo administrativo de concessão de benefício. De regra, o “segurado médio” recebe apenas a carta de concessão e tem dificuldade de entender até a memória de cálculo da RMI. O “resumo de documentos para cálculo do tempo de contribuição”, documento em que se encontram arrolados os períodos de contribuição, não passa de mais um, dentre tantos outros incompreensíveis àquele, arquivado nos autos do processo administrativo. Ademais, o fato da aposentadoria do réu ser indevida, por falta de tempo de serviço, sendo deferida por servidor autárquico envolvido em investigação penal por crimes contra a Previdência Social, por si só não importa dizer que o réu fez parte do esquema fraudulento. Nesse sentido: PENAL – PROCESSO PENAL – ESTELIONATO MAJORADO – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO – DOLO – AUSÊNCIA DE PROVAS – ABSOLVIÇÃO 1. O fato do benefício de aposentadoria da ré ter sido deferido indevidamente por servidor autárquico envolvido em fraudes contra o INSS por si só não implica acusar a segurada de participar do esquema ilícito.

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Ao contrário, a análise do conjunto probatório aponta que o réu foi mais uma das vítimas da quadrilha que atuava junto à Agência do INSS de Encantado cujos integrantes foram denunciados em Ação Penal própria (Autos nº 2012.404.7114.000001-5).

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2. O caso configura benefício previdenciário indevido e não fraudulento. 3. Não comprovado o liame entre a ré e o servidor envolvido em fraudes, bem como de que tenha agido com dolo, cabível sua absolvição da prática do crime de estelionato majorado. (ACR, 0000146-41.2010.404.7114/RS, Rel. Juiz Fed. Artur César de Souza, 7ª T., DE 23.04.2013) Portanto, sem a devida comprovação de que o segurado estava envolvido na inserção de dados falsos no sistema informatizado da Previdência Social para a concessão da aposentadoria, configura-se apenas deferimento indevido de benefício e não de fraude, matéria a ser resolvida no âmbito administrativo do INSS. Assim, embora os fatos articulados na denúncia sejam críveis, também o são os argumentos articulados pela defesa. De ser salientado que inexiste a inversão do ônus da prova no processo penal, pelo que incumbia ao Ministério Público Federal a prova de que o acusado praticou uma fraude. Nessa linha, o seguinte precedente:

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PENAL – ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO – ART. 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL – DOLO NÃO COMPROVADO – MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO – 1. Não comprovado o dolo da acusada, cuja prova incumbe ao Ministério Público Federal, mantém-se a absolvição com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. (TRF 4, ACR 0000142-04.2010.404.7114, 8ª T., Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, DE 23.04.2013)

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Em síntese, percebendo-se que os indícios que viabilizaram o recebimento da denúncia não foram robustecidos ao longo do processo, de sorte a fornecer a certeza necessária à condenação criminal, a absolvição é inarredável, por conta do princípio in dubio pro reu. Portanto, a absolvição do acusado é medida que se impõe, com base no art. 386, VII, do CPP.

A denúncia imputa ao acusado a fraude na obtenção do benefício de aposentadoria. Segundo narra a inicial, o réu, com o auxílio de terceiros envolvidos na operação “Sonho Encantado”, teria inserido registro de contribuições que não ocorreram no sistema da previdência social.

Segundo aponta o Ministério Público Federal, o réu teria pagado a Waldir Stevens (envolvido na Operação Sonho Encantado) alta quantia em dinheiro para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, demonstrando ter ciência da ilegalidade do benefício. Por outro lado, o réu afirma que pagou a Waldir valores de contribuições em atraso, pois fora informado por terceiros que ele poderia agilizar a sua aposentadoria. Não se discute que o comportamento do réu (que entregou grande soma de dinheiro a desconhecido fora de uma agência da previdência social) e o fato de o benefício ter sido requerido em outra cidade (Encantado) que não a de residência do segurado (Caxias do Sul), levantam suspeitas quanto à presença do dolo em sua conduta. Ocorre que, ainda que as teses defensivas sejam inaptas a revelar sua inocência, inexistem elementos suficientes nos autos a comprovar a sua efetiva participação consciente e deliberada na fraude. A contratação de terceiro para obtenção de aposentadoria e a suposta fragilidade da tese defensiva de que parte do dinheiro pago seria para o recolhimento de contribuições (com o intuito de suprir a falta dos períodos sabidamente faltantes), não têm o condão, por si só, de justificar a condenação, concluindo-se que o órgão acusatório deixou de cumprir com o ônus probatório que lhe competia (art. 156, caput, do CPP). Com efeito, em que pese sejam críveis os fatos esposados na denúncia, também o são os argumentos defensivos. Inexistindo certeza se o réu agiu com dolo na obtenção do benefício, indiscutivelmente indevido, não se sustenta o pedido de condenação. A condenação criminal não pode vir lastreada em presunções ou conjecturas e, em caso de dúvida razoável, deve ser mantida a absolvição, com base no princípio do in dubio pro reo. Nesse sentido já decidiu esta Corte:


PENAL – PROCESSO PENAL – ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – DOLO – AUSÊNCIA DE PROVAS – ABSOLVIÇÃO – 1. O fato do benefício de aposentadoria da ré ter sido deferido indevidamente por si só não implica acusá-la da prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal. 2. O caso configura benefício previdenciário indevido e não fraudulento, pois não restou provado o dolo da segurada em manter o INSS em erro, mediante artifício, ardil ou outro meio fraudulento. (TRF 4ª R., Apelação Criminal nº 5000710-95.2011.404.7114, 7ª T., Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz, por Unanimidade, Juntado aos Autos em 14.05.2014)

Diante disso, mantenho a sentença absolutória, por seus próprios fundamentos. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25.03.2015 Apelação Criminal nº 0000089-23.2010.404.7114/RS Origem: RS 00000892320104047114 Relator: Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto Presidente: Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus Procurador: Dr. José Ricardo Lira Soares Revisor: Des. Federal Leandro Paulsen Apelante: Ministério Público Federal Apelado: Vitorio Scussiato Advogado: Defensoria Pública da União

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25.03.2015, na sequência 21, disponibilizada no DE de 11.03.2015, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 04.02.2015. Certifico que o(a) 8ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator. Relator Acórdão: Des. Federal João Pedro Gebran Neto

É o voto.

Votante(s): Des. Federal João Pedro Gebran Neto Des. Federal Leandro Paulsen Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto Relator

Lisélia Perrot Czarnobay Diretora de Secretaria

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DIREITO PENAL – ESTELIONATO MAJORADO (ART. 171, § 3º, DO CP) – AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO NÚCLEO DO TIPO – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO – ABSOLVIÇÃO – 1. A configuração do crime de estelionato pressupõe o emprego de meio fraudulento, o induzimento ou a manutenção da vítima em erro e a obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio. 2. No caso em tela, inexiste prova de que os acusados se valeram de meio fraudulento para a obtenção do benefício previdenciário e/ou para a apuração de renda mensal inicial em valor superior ao devido. Trata-se, em verdade, de caso envolvendo benefício concedido indevidamente, e não de benefício fraudulento. 3. O mero fato de o benefício ter sido requerido perante Agência da Previdência Social no âmbito da qual foi deflagrada operação policial para a apuração de delitos, ou de ter sido deferido por servidor denunciado pela prática de crimes contra a Previdência Social, não indica que seja fraudulento e que os acusados tenham feito parte ou se beneficiado do referido esquema. (TRF 4, Apelação Criminal nº 5000772-72.2010.404.7114, 8ª T., Des. Fed. Leandro Paulsen, por unanimidade, juntado aos autos em 02.06.2014)

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Pesquisa Temática

Parcelamento Parcelamento – adesão – interesse de agir – ausência – recurso especial – não recebimento “Tributário. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Adesão a parcelamento. Extinção do feito. Art. 267 do Código de Processo Civil. Súmula nº 284/STF. Cerceamento de defesa. Súmulas nºs 283/STF e 7/STJ. Dissídio pretoriano. Ausência da demonstração analítica. 1. ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia’ (Súmula nº 284/STF). 2. É incabível o recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles (Súmula nº 283/STF, por analogia). 3. O reexame de matéria de prova é inviável em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 4. Não ficou comprovado o suposto dissídio jurisprudencial, na forma prevista no art. 541 do CPC c/c o art. 255 do RISTJ, pois não houve a juntada de cópia dos arestos paradigmas ou a indicação do repositório oficial de jurisprudência, nem a demonstração analítica da divergência. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 508.199 – (2014/0098109-0) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 25.08.2014 – p. 923)

Parcelamento – adesão – penhora sobre faturamento – execução fiscal – suspensão “Agravo de instrumento. Programa de parcelamento. Adesão. Execução fiscal. Suspensão. Penhora sobre faturamento. Manutenção dos depósitos já realizados. Sobrestamento dos depósitos futuros. 1. A questão posta em análise cinge-se ao pedido da parte recorrente para que seja restabelecida a exigibilidade dos depósitos relativos à penhora sobre o faturamento da empresa executada, por não ter a adesão a programa de parcelamento o condão de suspender a garantia. 2. É sabido que a adesão a programa de parcelamento, em relação aos créditos tributários objeto de execução fiscal, terá o condão de paralisar essa execução, por conta da inevitável suspensão da exigibilidade dos mesmos, bem como do curso da prescrição, até que seja implementado o pagamento de todas parcelas acordadas. 3. A Lei nº 11.941/2009 que trata do parcelamento ordinário de débitos tributários não faz qualquer determinação relativa ao atos constritivos futuros, devendo ser obstados aqueles atos realizados posteriormente à causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (parcelamento). 4. Da análise da decisão agravada, verifica-se que a mesma encontra-se em consonância com a legislação da matéria, haja vista que apenas sobrestou os depósitos futuros até que seja quitado ou interrompido o parcelamento administrativo, não se manifestando, até o momento, sobre a manutenção dos depósitos já realizados. 5. Agravo improvido.” (TRF 2ª R. – AI 0019012-51.2013.4.02.0000/RJ – 4ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Soares – DEJF 12.06.2014 – p. 319)

Parcelamento – cancelamento – concessão – requisitos “Administrativo. Tributário. Parcelamento. Cancelamento. Intimação. Postal. Edital. 1. Para a efetiva concessão do parcelamento, é indispensável o pagamento do sinal de 5% do valor total da dívida. 2. O parcelamento é instituto que se dá em favor do contribuinte e, como regra em seu benefício, este deve ser zeloso pela observância dos requisitos para garantir o efetivo acesso à benesse fiscal. 3. A recusa do recebimento de intimação via postal, encaminhada para endereço informado pelo contribuinte, legitima a posterior intimação por meio de edital, uma vez que o Fisco não pode ficar à mercê do contribuinte, diante de sua fleuma e negligência. 4. Os correios são também considerados a longa manus do Estado, uma vez que tidas por oficiais suas buscas e respectivas certidões, para efeitos de citação, notificação e intimação dos destinatários. 5. Os administradores de empresas devem estar cientes de que as intimações encaminhadas aos endereços da sede de suas empresas são consideradas eficientes e perfeitas, ainda que recebidas por agentes de portaria, os quais devem estar devidamente orientados. 6. Não há qualquer obrigação legal que determine que a intimação para pagamento deva ser encaminhada aos advogados do contribuinte. 7. Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT – PADM 20120110113362 – (765666) – Relª Desª Leila Arlanch – DJe 07.03.2014 – p. 60)

Parcelamento – débito tributário – denúncia espontânea – não configuração “Tributário. Apelação. Parcelamento de débito tributário. Denúncia espontânea não configurada. Impossibilidade de exclusão de multa moratória, correção monetária e juros de mora. TRD. Impossibilidade. Precedentes do STJ. 1. Quanto ao pedido de exclusão da multa moratória, o argumento da apelante é o de que, ao aderir ao parcelamento, promoveu a denún-


cia espontânea dos débitos, fazendo jus ao disposto no art. 138 do CTN. Todavia, para que o contribuinte seja beneficiado com a exclusão da responsabilidade pela infração, deve efetuar o pagamento da totalidade do tributo devido e dos juros de mora. A denúncia deve ser acompanhada do pagamento, e não de simples manifestação de adesão a programa de parcelamento. 2. Quanto à aplicação de correção monetária, tem-se que é a mera atualização do valor devido, ou seja, um modo de reposição de valor aquisitivo expresso em moeda. Se o contribuinte questiona apenas a aplicação da correção monetária, sem apontar se há algum excesso concreto nessa aplicação, seu pedido de exclusão desse consectário legal não pode ser acolhido, porque se trata de um mecanismo legal de o credor obter a reposição das perdas inflacionárias do montante devido e não pago no vencimento. 3. Por fim, a apelante se insurge contra a aplicação da taxa TRD como fator de remuneração da dívida. O STJ decidiu pela legalidade da aplicação da TRD em janeiro de 1991, na mesma hipótese do caso concreto (REsp 836084/PR). 4. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 2ª R. – AC 1996.51.01.006225-0 – 4ª T.Esp. – Relª Desª Leticia de Santis Mello – DJe 30.07.2014 – p. 627)

Parcelamento – débitos prescritos – exclusão “Processual civil e tributário. Parcelamento não pode compreender débitos já atingidos pela prescrição. Necessidade de reexame de matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. Prescrição. Interrupção. Parcelamento. 1. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que ‘os argumentos apresentados pelo agravante (autor) não prosperam e isso porque, autor já procedeu a vários parcelamentos e reparcelamentos dos débitos em questão, desde a década de 1990, ensejando a suspensão das execuções fiscais, na forma do art. 151, VI, do CTN, não se cogitando, portanto, da fluência do respectivo prazo prescricional’. E, ainda, a decisão monocrática do Relator mantida pela Corte local asseverou que ‘assim, por todo o estudado, não há débito prescrito, sendo a dívida exigível, não havendo que se falar em ilegalidade apta a ensejar a anulação do ato praticado, tampouco a repetição do indébito, pois indébito não existiu’. 2. Rever tal entendimento implica, como regra, reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula nº 7/STJ. 3. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário e interrompe o prazo prescricional, que volta a correr no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 467.792 – Proc. 2014/0023473-9/RJ – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 22.04.2014)

Parcelamento – embargos à execução fiscal – interesse recursal – perda “Tributário. Embargos à execução fiscal. Adesão a parcelamento. Perda superveniente de interesse recursal. 1. A análise dos pressupostos de admissibilidade recursal, além de não estar sujeita à preclusão, constitui matéria de ordem pública essencial à respectiva admissibilidade, razão pela qual pode ser realizada de ofício pelo julgador. 2. ‘Para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar seu objetivo’ (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 12. ed. cit., p. 298-306). 3. Na espécie, a adesão do embargante/apelante ao parcelamento tributário configura ato incompatível com a vontade de recorrer e enseja a perda superveniente do interesse recursal e a consequente impossibilidade de conhecimento do recurso interposto (STJ, REsp 1149472). 4. Apelação prejudicada.” (TRF 5ª R. – AC 2001.80.00.008885-5 – (470653/AL) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Braga – DJe 13.01.2014 – p. 33)

“Processual civil. Tributário. Execução fiscal. Parcelamento. Art. 174 do CTN. Interrupção do prazo prescricional. Prescrição intercorrente. Lei nº 11.051/2004. Inocorrência. 1. O pedido de parcelamento interrompe o prazo prescricional, nos termos do inciso IV do parágrafo único do art. 174 do CTN, que começa a contar, por inteiro, a partir do inadimplemento das parcelas avençadas. 2. Não há prescrição, nos termos do art. 174 do CTN, entre a constituição dos créditos e o parcelamento acordado pelo contribuinte anteriormente ao ajuizamento da execução fiscal. 3. O § 4º do art. 40 da Lei nº 6.830/1980 – LEF, acrescentado pela Lei nº 11.051, de 30.12.2004, permite a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, afastando a jurisprudência anterior dos Tribunais de que a prescrição intercorrente em matéria tributária não podia ser declarada de ofício. 4. Não está caracterizada a prescrição, pois entre a constituição do débito, o despacho de citação e a adesão ao parcelamento, não há lapso de cinco anos a caracterizar a fluência do lustro prescricional. 4. Sentença reformada e determinado o retorno dos autos à origem para prosseguimento da execução pelo saldo remanescente, em razão do contribuinte ter sido excluído do parcelamento, sem baixa na distribuição, devido ao valor do débito ser inferior a R$ 20.000,00.” (TRF 4ª R. – AC 0013275-86.2013.404.9999/RS – 2ª T. – Relª Juíza Fed. Carla Evelise Justino Hendges – DJe 02.04.2014 – p. 44

Parcelamento – ICMS – execução fiscal – extinção – descabimento “Apelação cível. Execução fiscal. ICMS. Acordo de parcelamento de crédito tributário. Ação julgada extinta na origem, ante o parcelamento da dívida. Extinção do feito decretada precipitadamente. Reforma da decisão. Ausência de demonstração de quitação. Hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Inobservância do disposto

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Parcelamento – execução fiscal – prazo prescricional – interrupção – efeitos

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no art. 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional. Retorno dos autos à origem para que a execução fique apenas suspensa, até a satisfação integral do crédito objeto de acordo e parcelamento. Recurso provido.” (TJSP – Ap 0050547-31.2005.8.26.0564 – São Bernardo do Campo – 4ª CDPúb. – Rel. Rui Stoco – DJe 28.01.2014 – p. 1042)

Parcelamento – prescrição – inocorrência “Execução fiscal. Parcelamento. Prescrição. Inocorrência. 1. A prescrição é matéria de ordem pública, suscetível de ser alegada a qualquer momento e, inclusive, conhecida de ofício pelo julgador. 2. A adesão a programas de recuperação fiscal destinado à regularização dos créditos da União suspende a exigibilidade do crédito de acordo com o disposto no art. 151, VI, do CTN e interrompe o prazo prescricional, que recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado (Súmula nº 248 do extinto Tribunal Federal de Recursos). 3. Em razão dos atos processuais relatados no voto condutor, observa-se que o feito executivo não restou paralisado por mais de 5 anos, não sendo o caso de se reconhecer a prescrição intercorrente.” (TRF 4ª R. – AC 0019107-03.2013.404.9999/RS – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Joel Ilan Paciornik – DJe 06.08.2014)

Parcelamento – Refaz – exclusão do programa – quitação da divida – extinção “Apelação cível. Execução fiscal. Parcelamento da dívida. Exclusão do programa Refaz. Quitação da dívida. Extinção devida. Inovação recursal não admitida. 1. Com a exclusão da dívida do programa de recuperação, o crédito tributário volta a ser exigível, retornando o processo de execução ao Estado em que se encontrava. 2. Não é permitido ao tribunal analisar argumento novo que não foi apresentado ao juiz sentenciante, sob pena de supressão de instância e inobservância aos princípios da congruência e adstrição. 3. Recurso conhecido e não provido. Unânime.” (TJDFT – AC 20080111757273 – (765783) – Relª Desª Fátima Rafael – DJe 06.03.2014 – p. 80)

Parcelamento – Refis – exclusão – ausência de indicação dos débitos – reinclusão – possibilidade “Processual civil e tributário. Manutenção no Refis de empresa excluída por ofensa ao art. 15, § 3º, da Portaria Conjunta PGFN-RFB nº 06/2009. Ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 1. In casu, a controvérsia recursal cinge-se à possibilidade de reinclusão do autor no Refis (Lei nº 11.941/2009), uma vez que foi excluído nos termos do art. 15, § 3º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6, de 22 de julho de 2009, por não ter indicado os débitos que deveriam ser incluídos no parcelamento. 2. ‘Viola o art. 97, V, do CTN a exclusão do Refis com base no art. 15, § 3º, da Portaria Conjunta PGFN-RFB nº 6/2009 (falta de apresentação de informações necessárias à consolidação), porque, embora prevista no art. 1º, § 11, da Lei nº 11.941/2009, a obrigação de o contribuinte ‘indicar pormenorizadamente, no respectivo requerimento de parcelamento, quais débitos deverão ser nele incluídos’, a exclusão só está prevista em lei por inadimplemento das prestações. Precedente do TRF 1ª Região no AgRg-AI 0002737-88.2012.4.01.0000/DF, Rel. Des. Federal Reynaldo Fonseca, 7ª Turma’ (AC 0000625-59.2012.4.01.3812/MG, Rel. Juiz Federal Convocado César Antônio Ramos, Oitava Turma, e-DJF1 de 30.08.2013, p. 1319). 3. A jurisprudência vem se mostrando sensível a casos como ao ora apresentado, no sentido de que a exclusão da empresa do parcelamento mostra-se ofensiva aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 4. Apelação e remessa oficial não providas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 0042175-52.2011.4.01.3300/BA – Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca – DJe 24.01.2014 – p. 917)

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Parcelamento – requerimento distinto por inscrição – exigência – análise

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“Tributário. Mandado de segurança. Parcelamento. Requerimento distinto para cada inscrição. Exigência imposta pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 15/2009 não prevista na Lei nº 10.522/2002. Motivação per relationem. 1. Consoante já decidiu o Pretório Excelso, ‘não configura negativa de presunção jurisdicional ou inexistência de motivação a decisão do Juízo ad quem pela qual se adotam, como razões de decidir, os próprios fundamentos constantes da decisão da instância recorrida (motivação per relationem), uma vez que atendida a exigência constitucional e legal da motivação das decisões emanadas do Poder Judiciário’ (STF, ARE 657355-AgRg, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 06.12.2011). 2. Com base no entendimento jurisprudencial supra e considerando que a compreensão deste Relator sobre a questão litigiosa em apreço guarda perfeita sintonia com a apresentada pelo Juízo de Primeiro Grau, adotam-se, como razões de decidir, os fundamentos exarados na sentença objurgada que ora passam a incorporar o presente voto. 3. ‘Ao se estabelecer a necessidade de requerimento distinto para cada inscrição, tributo ou outra exação qualquer (art. 6º, II, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 15/2009), o Fisco extrapolou o poder regulamentar conferido pela Lei nº 10.522/2002, já que acabou criando novo requisito para o parcelamento não previsto na norma-matriz’. 4. ‘O direito tributário tem como princípio basilar a legalidade e não podia ser diferente, porquanto estamos ao julgo de um Estado de Direito. A Lei nº 10.522/2002, ao tratar da matéria, em nada dispôs acerca da necessidade de requerimento distinto para cada inscrição, tributo ou outra exação, logo, inovou a ordem jurídica a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 15/2009 no ponto, configurando situação mais gravosa para o contribuinte que deverá parcelar os débitos tributários no âmbito da PGFN sobre cada dívida inscrita’. 5. Remessa oficial e apelação improvidas.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 0001070-97.2012.4.05.8102 – (29883/CE) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti – DJe 20.02.2014 – p. 28)


Jurisprudência Comentada

Empregada de Autarquia – Dispensa sem Justa Causa – Estabilidade LUÍS RODOLFO CRUZ E CREUZ Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Creuz e Villarreal Advogados Associados, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, Pós-Graduado em Direito Societário, no Curso LLM – Master of Laws, do Insper, Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do Convênio das Universidades Unesp/Unicamp/ PUCSP, Mestre em Direito da Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP. Autor da monografia Commercial and economic law – Brasil da International Encyclopedia of Laws, editada por Dr. Jules Stuyck (Holanda: Kluwer Law International, 2010). Autor do livro Acordo de quotistas – Análise do instituto do acordo de acionistas previsto na Lei nº 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas sociedades limitadas à luz do novo Código Civil brasileiro, com contribuições da teoria dos jogos (São Paulo: IOB-Thomson, 2007). Coautor do livro Organizações internacionais e questões da atualidade, organizada por Jahyr-Philippe Bichara (Natal/RN: EDUFRN, 2011) sendo autor do capítulo “Organizações internacionais e a integração econômica: revisões de uma teoria geral”. Autor do livro Commercial and economic law in Brazil (Holanda: Wolters Kluwer – Law & Business, 2012).

As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quão mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano propiciar aos súditos.1 1 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Rideel, 2003. p. 19.

EMENTA EMPREGADA PÚBLICA DE ENTIDADE AUTÁRQUICA ADMITIDA ANTES DA CF/1988 – SUBMISSÃO A CERTAME PÚBLICO NO CURSO DO PACTO LABORAL – ESTABILIDADE DO ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DEVIDA – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA QUE DEVE SER PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO EM QUE SE ASSEGURE O DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – Sendo inequívoco nos autos que a reclamante, apesar de admitida sob a égide do regime celetista, em 2 de abril de 1985, submeteu-se a certame público realizado pela recorrente no ano de 1990, tendo logrado aprovação em 1º lugar, não há como não reconhecer o seu direito à estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988, vez que já pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST). Assim, e sendo certo que a dispensa sem justa causa perpetrada pela ré não foi precedida de processo administrativo que assegurasse o direito ao contraditório e à ampla defesa à trabalhadora, correta a r. sentença que decretou a nulidade do ato, com a consequente determinação de que fosse a obreira reintegrada ao quadro de empregados da recorrente. (TRT 2ª R. – RO 0000634-26.2011.5.02.0035 – 11ª T. – Rel. Des. Sergio Roberto Rodrigues – DJe 08.01.2013)

COMENTÁRIO O acórdão em comento remete a recente acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região envolvendo julgamento de Recurso Ordinário nº 0000634-26.2011.5.02.0035 da 11ª Turma, cujo Desembargador Relator foi o Dr. Sérgio Roberto Rodrigues, que em apertada síntese refere-se ao julgamento de recurso de reclamação trabalhista ajuizada contra a USP – Universidade de São Paulo, processo oriundo da 35ª Vara da Justiça do Trabalho


de São Paulo, Estado de São Paulo, que objetivou a reparação de empregada pública de entidade autárquica dispensada sem justa causa e sem devido processo administrativo. A sentença de primeiro grau julgou procedente a ação, para nula a dispensa sem justa da trabalhadora reclamante e determinou, ainda, a sua consequente reintegração ao quadro de empregados da Universidade reclamada, ante a ausência de regular processo administrativo que precedesse o ato. O acórdão, dentre os diversos pedidos avaliados, por unanimidade, não conheceu do recurso ex officio, com fulcro no art. 475, § 2º, do CPC e na Súmula nº 303, I, a, do col. TST; conheceu do recurso voluntário interposto pela Universidade de São Paulo – USP, e, no mérito, negou provimento nos termos do voto do Relator Dr. Sérgio Roberto Rodrigues.

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APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS

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Inicialmente verificamos que a presente decisão pautou o seu entendimento com base nos princípios norteadores do direito público, tendo em vista a natureza da questão, uma vez que se trata da dispensa sem justa causa de empregada pública de entidade autárquica dispensada sem justa causa e sem devido processo administrativo. O julgado reconhecer que a reclamante tem direito à estabilidade nos termos previstos no art. 41 da Constituição Federal de 1988, em função de entendimento pacificado de que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso em comento. O acórdão cita a Súmula nº 390 do TST, que tem a seguinte redação: ESTABILIDADE – ART. 41 DA CF/1988 – CELETISTA – ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL – APLICABILIDADE – EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – INAPLICÁVEL (CONVERSÃO DAS ORIENTAÇÕES JURISPRU-

DENCIAIS NºS 229 e 265 DA SBDI-1 E DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 22 DA SBDI-2) – RESOLUÇÃO Nº 129/2005, DJ 20, 22 E 25.04.2005. I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs 265 da SBDI-1 – inserida em 27.09.2002 – e 22 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000) II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ 229 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)

Outro ponto de importante indicação para introduzirmos é que, após a promulgação da atual Cártula Precípua, restou determinado e mandatório ao Poder Público que a acessibilidade aos cargos públicos se dá, nos termos da lei, mediante obrigatório concurso público, sendo tal requisito um princípio constitucional explícito. Para o exercício de cargo ou emprego é imperiosa a aprovação em concurso público, o qual pode ser de provas ou de provas e títulos, conforme sua complexidade. Nosso Supremo Tribunal reforça este entendimento, vejamos: CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNDACIONAL – ACESSIBILIDADE – CONCURSO PÚBLICO – A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da lei e mediante concurso público é princípio constitucional explícito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o


No mesmo sentido o Tribunal Superior do Trabalho: SERVIDOR PÚBLICO – CONTRATAÇÃO PELO REGIME DA CLT – OBRIGATORIEDADE DE CONCURSO PÚBLICO – Com o advento da Carta Magna de mil novecentos e oitenta e oito é obrigatória para a investidura em emprego público a prévia aprovação em Concurso Público, sendo nulo qualquer ato de provimento que não atender o mandamento constitucional. Revista conhecida e improvida.3

Passamos, assim, aos pontos que julgamos mais relevantes explicitar e comentar do julgado que ora apresentamos.

OS PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Paulo Bonavides destaca que “os princípios são o oxigênio das Constituições na época dos pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”4. E nesse sentido, a administração jamais pode ampliar determinada previsão legal, ou agir de forma contrária ao que está previamente ou estatutariamente estabelecido, pois não existem diretrizes para isto. A administração não pratica atos de governo, e sim, tão somente, atos de execução. O Professor Bandeira de Mello destaca: “Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. [...] O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois

2 STF, MS 21.322/DF, T.P., Rel. Min Paulo Brossard, DJU 23.04.1993. 3 TST, RR 112384/1994, 2ª T., Rel. Min. Vantuil Abdala, DJU 07.12.1995, p. 42961. 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 259.

tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania”5. A interpretação das normas em geral visa esclarecer a real intenção do legislador, quando da expedição da mesma, em outras palavras, visa buscar a correta aplicabilidade da mesma em relação às necessidades da sociedade como um todo. Nas palavras de Miguel Reale: “A aplicação do Direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o confronto entre uma regra ‘abstrata’ e um fato ‘concreto’, para concluir pela adequação deste àquela (donde a sua licitude) ou pela inadequação (donde a ilicitude)”6. A referida interpretação e aplicação deve seguir os pressupostos contidos nos próprios princípios norteadores do Direito, a fim de que a norma seja aplicada com justiça e eficácia, partindo-se do seu mínimo deôntico. Tais princípios devem se fazer presentes na condução de toda e qualquer ação, movimento e/ou ato praticado pelo ou para o Poder Público. Isso inclui a exposição clara, precisa e pormenorizada de todos os seus atos, sob pena de violação ao princípio da moralidade. Valemo-nos da lição de Bandeira de Mello, para quem o princípio da moralidade estabelece que: A administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando “ilicitude” que assujeita a conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de “pauta jurídica”, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da “lealdade” e “boa-fé”, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração

5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 58 e 59. 6 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. rev. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 296.

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expresso no art. 173, § 1º. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição.2

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haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.7

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Mas vemos claramente que a tarefa de interpretação ampliativa, ou, ainda, a ampliação dos direitos e obrigações previstos no ordenamento jurídico, quando estamos tratando de direito público, jamais pode ficar ao livre critério do agente público, devendo este observar incondicionalmente todas as diretrizes, princípios e normas vigentes.

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Entende-se o princípio da legalidade como a total submissão da Administração Pública às leis integrantes do nosso ordenamento jurídico vigente. A administração e seus agentes só podem agir secundum legem, não podendo agir contra legem ou praeter legem. Em outras palavras, a administração é atividade subalterna à lei, está totalmente presa à lei e a função de seus agentes é a de cumprir cabal e fielmente a lei preexistente. Tendo este princípio como certo e correto, o agente da administração jamais poderia ampliar determinada previsão legal, ou prorrogar prazo estabelecido, pois não existem diretrizes para isto. A administração não pratica atos de governo, e sim, tão somente, atos de execução. O Professor Bandeira de Mello destaca: “Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. [...] O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania”8. Sentencia, ainda, Bandeira de Mello: “O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a administração nada pode fazer senão o que a

7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 109. 8 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. p. 58 e 59.

lei determina”9. Vemos claramente que a tarefa de interpretação ampliativa, ou, ainda, a ampliação dos direitos e obrigações previstos no ordenamento jurídico, quando estamos tratando de direito público, jamais pode ficar ao livre critério do agente público, devendo este observar incondicionalmente todas as diretrizes, princípios e normas vigentes. Por fim, lembramos que nossa Constituição Federal, em seu art. 1º, fixa como um dos fundamentos da República o princípio da dignidade da pessoa humana10. Os elementos esculpidos no referido artigo integram a base de um país que vislumbra a manutenção de uma democracia sólida e voltada para o futuro. Colamos lição da Professora Flávia Piovesan: “Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro, destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem uma função democratizadora”11. Piovesan conclui: “Considerando que toda a Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial

9 Idem, p. 63. 10 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Disponível em: www.planalto.gov.br). 11 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 58.


DISPENSA SEM JUSTA CAUSA E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA Os princípios constitucionais e administrativos devem estar sempre atuando na condução do Estado e de seus agentes na adoção de determinado curso de ações, entre eles, os princípios da legalidade, da finalidade, da eficiência e da moralidade. Segundo preciosa lição do Professor Bandeira de Mello: “Com efeito, uma vez que a administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em qualquer circunstâncias. [...] O interesse público que à administração incumbe zelar encontra-se acima de quaisquer outros e, para ela, tem o sentido de dever, de obrigação” (grifo nosso)13. Nesse ponto, destacamos que o princípio da moralidade administrativa refere-se, portanto, diretamente ao interesse público, e deve conduzir o Estado e seus agentes no curso de suas ações. Esse princípio, segundo Hidemberg Alves da Frota, “se liga estreitamente ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF/1988), manifestação do dever de probidade, 12 Idem, p. 59. 13 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. p. 40.

lealdade e boa-fé do administrador público, ‘quer em face dos administrados, quer em face da própria administração’, repercussão dos ‘standards comportamentais que a sociedade deseja e espera’, contrários à conivência ‘com o administrador que ‘rouba mas faz’ ou com o ato ‘imoral mas legal’ – avessos, destarte, à mentalidade de que os fins justificam os meios’”14. E ainda, segundo Frota: “Os deveres de lealdade e boa-fé lembram que o ato administrativo adequado se depura de astúcia e malícia, não confunde, dificulta ou minimiza ‘o exercício de direito por parte dos cidadãos’, nem plasma entendimento da Administração Pública alterado ‘em casos concretos’ e ‘sem prévia e pública notícia’ para ‘agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões’”15. No caso em tela, a reclamada fundamenta a razão e o lastro para suporte da demissão sem justa causa o fato da mesma ter sido admitida ao trabalho sob a égide do regime celetista (CLT), em 2 de abril de 1985, ou seja, antes da vigência da Constituição Federal de 1988. Contudo, a reclamante submeteu-se a certame público realizado pela própria reclamada no ano de 1990, tendo sido aprovada em 1º lugar, cuja decisão foi regularmente publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo. E essa nova aprovação e ingresso na carreira pública, ainda que tenha sido na mesma instituição autárquica, se deu regularmente na vigência da Constituição Federal de 1988. Ora, ainda que sob reclamos da Universidade reclamada, não é possível não reconhecer o direito da reclamante ao pleito da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal de

14 FROTA, Hidemberg Alves da. O princípio tridimensional da proporcionalidade na teoria geral do direito público e administrativo. Revista IOB de Direito Administrativo, São Paulo: IOB-Thomson, v. 2, n. 13, p. 124 e 125, jan. 2007. 15 Idem.

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que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular”12. O desrespeito aos princípios morais e éticos constitucionais e a dispensa arbitrária e sem justa causa, não precedida de processo administrativo regular, certamente viola em nosso entender também o princípio da dignidade da pessoa humana.

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198816. O referido artigo, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/98, estabelece que a estabilidade é uma garantia concedida aos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, após o decurso de três anos de efetivo exercício. Contudo, se por um lado o ingresso no serviço público deve ser mediante concurso, e os atos da Administração Pública devem ser motivados e validados, como os empregados públicos podem ser dispensados? Não haveria sentido serem dispensados sem qualquer justificativa. Logo, se para ingressar no serviço público é necessário o concurso, para a dispensa do empregado, qual seria o estágio probatório? Seria

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16 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 1º O servidor público estável só perderá o cargo (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998): I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>).

possível a dispensa sem justa causa, nos moldes admitidos pela Consolidação das Leis do Trabalho17? Ora, ao contrário da esfera privada (como visto, são necessários mais de 10 anos de serviço na mesma empresa), o empregado que atua no serviço público, em função dos ditames e dos princípios éticos e morais insculpidos em nossa Carta Magna, tem direito de tomar conhecimento de eventuais acusações e do por que tem sua posição e cargo colocado em risco e porque poderá não permanecer no serviço público, sendo que tal procedimento deve ser realizado por intermédio de um regular processo administrativo, devendo ser obrigatoriamente assegurado o direito de petição e de ampla defesa ao trabalhador. Colamos pontual lição de Delgado, para quem: Tratando-se de admissão submetida aos rigores do concurso público, como no caso em exame, não pode a ruptura do vínculo fazer-se nos mesmos moldes singelos que se aplicam às relações jurídicas meramente discricionais, que o Estado brasileiro ainda mantém quase que generalizadamente. É incabível, desse modo, equiparar-se a situação do servidor rigorosamente concursado, esteja ele sob o regime administrativo ou celetista, com a dos ocupantes dos chamados cargos de comissão ou funções de confiança, que sejam recrutados amplamente (art. 37, V, CF/1988); do mesmo modo, é incabível comparar-se a situação do servidor administrativo ou celetista concursado com aquele que mantém com o Estado relação jurídica de contornos imprecisos, flácidos e discricionais, como os ocupantes de função pública (art. 37, I, CF/1988), também recrutados sem concurso público. De outro lado, a não extensão da estabilidade aos empregados públicos concursados traduz, por vias transversas, inquestionável frustração aos objetivos de

17 Salvo a estabilidade concedida após o período de 10 (dez) anos, nos termos do art. 492 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho: “Art. 492. O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. Parágrafo único. Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador” (Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>).


Nesse ponto, no julgado em comento, em seu voto, o Desembargador Relator Dr. Sérgio Roberto Rodrigues, pontual e sumariamente, destacou que ainda que a Universidade reclamada sustente “que ao empregado público não se aplica a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal de 1988, já restou pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST)”. E mais, o i. Relator acrescenta ser desnecessária a discussão quanto à aplicabilidade, ou não, do Estatuto dos Servidores da Universidade de São Paulo, posto que o “acolhimento da pretensão da trabalhadora não decorre de tal norma, mas sim de comando constitucional (art. 41 da CF/1988) e da jurisprudência já consolidada pelo col. TST”. Patente o ingresso da reclamada na carreira, por concurso público, devidamente realizado na forma regulamentada pela Constituição Federal (art. 37, II19), qual seja, o acesso ao cargo por meio de uma prova realizada publicamente, assegurada 18 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1246. 19 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998): [...] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); [...]” (Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>).

igual oportunidade a todos os interessados mediante ampla divulgação do certame no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

CONCLUSÕES De forma pontual, podemos apontar os seguintes elementos conclusivos extraídos da análise que fizemos do acórdão em comento, a saber: a) entendemos que a decisão em comento está completamente em perfeita sintonia com os princípios básicos e basilares de nosso direito constitucional e também de nosso direito laboral, preservando assim os interesses da sociedade; b) justa e acertada é a decisão de reconhecimento de legitimidade e acerto da sentença de primeiro grau, estando o voto do Desembargador Relator Dr. Sérgio Roberto Rodrigues em sintonia com o melhor direito e com a melhor justiça ao manter a decretação de nulidade da dispensa sem justa da trabalhadora e a determinação de sua consequente reintegração ao quadro de empregados da Universidade, ante a ausência de regular processo administrativo que precedesse o ato de sua dispensa; c) lembramos que o Mestre Hely Lopes Meireles leciona: “Pelo concurso público afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”20; 20 MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. Atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 386.

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impessoalidade, moralidade, transparência e democratização assegurados pelo caminho do concurso público.18

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d) Os princípios administrativos públicos são critérios informantes e norteadores a todo o Direito, e ainda mais ao direito público, em estrita harmonia com o ordenamento jurídico vigente, devendo a Administração Pública, em quaisquer de seus níveis hierárquicos, manter fiel observância dos mesmos, lembrando que só podem agir secundum legem, não podendo agir contra legem ou praeter legem;

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e) Temos clara a necessidade de efetiva aplicação do Direito. Nas palavras do saudoso Jurista Miguel Reale: “A aplicação do Direito envolve a adequação de uma norma jurídica a um ou mais fatos particulares, o que põe o delicado problema de saber como se opera o confronto entre uma regra ‘abstrata’ e um fato ‘concreto’, para concluir pela adequação deste àquela (donde a sua licitude) ou pela inadequação (donde a ilicitude)”21. Ora, acrescente-se à esta lição a necessidade de evolução dos conceitos e da aplicação do direito no tempo e considerando os novos tempos e novas necessidades do Estado e da sociedade brasileira.

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Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região Poder Judiciário Federal Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região 11ª Turma Processo TRT/SP nº 0000634-26.2011.5.02.0035 Recurso: Ordinário Recorrente: Universidade de São Paulo – USP Recorrido: Sueli Pereira da Fonseca Origem: 35ª VT de São Paulo/SP 21 REALE, Miguel. Op. cit., p. 296.

EMENTA EMPREGADA PÚBLICA DE ENTIDADE AUTÁRQUICA ADMITIDA ANTES DA CF/1988 – SUBMISSÃO A CERTAME PÚBLICO NO CURSO DO PACTO LABORAL – ESTABILIDADE DO ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DEVIDA – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA QUE DEVE SER PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO EM QUE SE ASSEGURE O DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – Sendo inequívoco nos autos que a reclamante, apesar de admitida sob a égide do regime celetista, em 2 de abril de 1985, submeteu-se a certame público realizado pela recorrente no ano de 1990, tendo logrado aprovação em 1º lugar, não há como não reconhecer o seu direito à estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988, vez que já pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST). Assim, e sendo certo que a dispensa sem justa causa perpetrada pela ré não foi precedida de processo administrativo que assegurasse o direito ao contraditório e à ampla defesa à trabalhadora, correta a r. sentença que decretou a nulidade do ato, com a consequente determinação de que fosse a obreira reintegrada ao quadro de empregados da recorrente.

Trata-se de recurso ordinário interposto pela reclamada, visando a reforma da r. sentença de fls. 133-134, cujo relatório se adota e que julgou procedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista ajuizada, inclusive mantendo a antecipação de tutela de fls. 77-78. Contrarrazões às fls. 161-165. Parecer do Ministério Público do Trabalho às fls. 168-169, pelo conhecimento e desprovimento do recurso ordinário interposto. Desnecessário o preparo, a teor do art. 790-A, I, da CLT. É o relatório. VOTO Preliminarmente, deixo de proceder ao reexame necessário da decisão proferida em primeira instância, haja vista que o valor da condenação imposta (R$ 10.000,00) é inferior a 60 (sessen-


que assegurasse o direito ao contraditório e a ampla defesa à trabalhadora.

Não conheço, pois, do recurso ex officio.

Em sede de recurso, pugna a reclamada pela reforma do r. decisório, sob o argumento de que, tendo a admissão da autora ocorrido sob a égide da CLT, não há que se falar em qualquer óbice à sua dispensa nos moldes realizados, exigindo-se tão somente o pagamento do FGTS acrescido de multa de 40%, nos termos dos arts. 7º, I, da CF/1988 e 10, I, do ADCT – o que ocorreu na espécie. Sem razão, contudo. Conforme asseverado pelo MM. Juízo de origem, restou inequívoco nos autos que a reclamante, apesar de admitida sob a égide do regime celetista, em 2 de abril de 1985, submeteu-se a certame público realizado pela recorrente no ano de 1990, tendo logrado aprovação em 1º lugar, conforme cópia de publicação do Diário Oficial do Estado de São Paulo de fl. 28. Conquanto sustente a ré que ao empregado público não se aplica a estabilidade prevista no art. 41, da Constituição Federal de 1988, já restou pacificado nesta Justiça Especializada que a aludida garantia somente não alcança tal trabalhador quando o ente público for sociedade de economia mista ou empresa pública – o que não é o caso dos autos, ante a natureza autárquica da recorrente (Súmula nº 390 do col. TST). Registre-se, outrossim, que a utilização pela recorrente da terminologia “processo seletivo”, quando da realização do certame no qual a recorrida foi aprovada, não altera o decidido na origem, vez que restou preservado o escopo da criação do concurso público pela Lei Maior (art. 37, II), qual seja, o acesso ao cargo por meio da realização de prova ou prova e títulos, assegurada igual oportunidade a todos os interessados mediante ampla divulgação do certame.

DO RECURSO VOLUNTÁRIO Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

DAS PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL E DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA A tutela jurisdicional reivindicada pela reclamante se revela útil, adequada e necessária à satisfação da pretensão formulada na inicial, sendo descabida a alegação da recorrente de que o saque dos depósitos do FGTS demonstra a concordância da autora com a sua dispensa. Da mesma forma, não há que se falar no acolhimento da impugnação ao valor atribuído à causa (R$ 150.000,00), vez que, além de não ser este requisito indispensável da petição inicial no processo do trabalho, o montante se afigura compatível com as verbas vencidas e vincendas requeridas pela autora, sendo certo que a estimativa apresentada pela recorrente é mera reprodução do valor apontado à época da apresentação de sua defesa. Rejeito, pois, as preliminares arguidas em sede de recurso.

DA NULIDADE DA DISPENSA DA RECLAMANTE A r. decisão de origem decretou nula a dispensa sem justa causa da reclamante, sob o fundamento de que o ato somente poderia ter sido praticado após a instauração de processo administrativo

No mais, desnecessária é a discussão quanto à aplicabilidade, ou não, do Estatuto dos Servidores da Universidade de São Paulo à reclamante, vez que o acolhimento da pretensão da trabalhadora não decorre de tal norma, mas sim de comando constitucional (art. 41 da CF/1988) e da jurisprudência já con-

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ta) salários mínimos (art. 475, § 2º, do CPC e Súmula nº 303, I, alínea a, do col. TST2).

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solidada pelo col. TST. À vista disso, e na esteira do parecer do Ministério Público do Trabalho, mantenho a r. sentença que decretou nula a dispensa sem justa da trabalhadora e determinou a sua consequente reintegração ao quadro de empregados da reclamada, ante a ausência de regular processo administrativo que precedesse o ato.

DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES RESCISÓRIOS RECEBIDOS À ÉPOCA DA DISPENSA A r. decisão de origem não se manifestou quanto ao pedido em epígrafe, sendo certo que a reclamada não opôs a medida adequada para sanar a aludida omissão. Preclusa, pois, a oportunidade de insurgência.

DA COMPENSAÇÃO/DEDUÇÃO

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Carece a reclamada de interesse recursal no tocante à questão, vez que a r. sentença autorizou expressamente a compensação dos valores recebidos pela reclamante quando da rescisão contratual decretada nula. Nada há para se deferir.

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DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Equivoca-se a reclamada quando aduz que não é cabível o deferimento de honorários advocatícios no caso em tela, vez que a reclamante se encontra regularmente assistida pelo sindicato que representa a sua categoria profissional, tendo sido acostada ao processo declaração da trabalhadora de que não possui condições financeiras para arcar com os custos do processo, sem prejuízo de seu sustento e de sua família (fl. 16). Mantenho a condenação imposta na origem, eis que preenchidos os requisitos do art. 14 da Lei nº 5.584/704, e das Súmulas nºs 219 e 329 do col. TST. Ante o exposto, acordam os Magistrados da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: não conhecer do recurso ex officio, com fulcro no art. 475, § 2º, do CPC e na Súmula nº 303, I, a, do col. TST; conhecer do recurso voluntário interposto pela Universidade de São Paulo – USP, e, no mérito, negar-lhe provimento, tudo na forma da fundamentação do voto do Relator. Sergio Roberto Rodrigues Desembargador Relator


Medida Provisória

Medida Provisória nº 673, de 31.03.2015 Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, e dá outras providências. (DOU de 01.04.2015)


Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  –  CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Maio/2015 – Ed. 218

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.04.2015)

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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www. sintese.com. MP 663 664 664 664 664 664 664 665 665 665 665 665

DOU 19.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra

ART 1º 1º 2º 3º 4º 6º 6º 1º 2º 4º 4º 4º

NORMA LEGAL Lei nº 12.096/09 Lei nº 8.213/91 Lei nº 10.876/04 Lei nº 8.112/90 Lei nº 10.666/03 Lei nº 8.112/90 Lei nº 8.213/91 Lei nº 7.998/90 Lei nº 10.779/03 Lei nº 7.859/89 Lei nº 7.998/90 Lei nº 8.900/94

ALTERAÇÃO 1º 25, 26, 29, 43, 60, 74, 75 e 77 2º 215, 217, 218, 222, 223 e 225 12 216 e 218 17, 59, 60 e 151 3º, 4º, 9º e 9º-A 1º e 2º Revogada 2-Bº, 3º e 9º Revogada

MP 665 668 668 668 668 668 668 668 669 669 669 669

DOU 30.12.2014-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 30.01.2015-extra 27.02.2015 27.02.2015 27.02.2015 27.02.2015

ART 4º 1º 2º 4º 4º 4º 4º 4º 1º 3º 4º 5º

NORMA LEGAL Lei nº 10.779/03 Lei nº 10.865/04 Lei nº 11.941/09 Lei nº 4.380/64 Lei nº 9.430/96 Lei nº 10.150/00 Lei nº 13.097/15 Lei nº 8.177/91 Lei nº 12.546/11 Lei nº 12.469/11 Lei nº 12.995/14 Lei nº 12.780/13

ALTERAÇÃO 2º 8º, 15, 17, 10 44 a 53 74 28 169 18 e 18-A 7º, 8º e 9º 6º 13 4º, 5º, 12,13, 14, 15 e 18


DOU 27.02.2015 01.04.2015 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

ART 8º 1º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º

NORMA LEGAL Lei nº 11.196/05 Lei nº 9.503/97 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra

3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º

Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65

2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44

25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º

Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98

2.178-36 2.178-36

25.08.2001-extra 25.08.2001-extra

16 32

Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97

ALTERAÇÃO 52 a 54 115 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada

MP 2.180-35

DOU 27.08.2001

ART 1º

NORMA LEGAL Lei nº 8.437/92

ALTERAÇÃO 1º e 4º

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001

6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41

Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.220 2.224 2.225-45 2.225-45

05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

15 4º 1º 2º, 3º e 15

Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90

2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1

05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

4º 5º 1º 3º 51 52 e 53

Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91

2.229-43 2.229-43

10.09.2001 10.09.2001

72 74

Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º

Maio/2015 – Ed. 218

MP 669 673 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41

98


Normas Legais

Lei nº 13.116, de 20.04.2015 Estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações e altera as Leis nºs 9.472, de 16 de julho de 1997, 11.934, de 5 de maio de 2009, e 10.257, de 10 de julho de 2001. Mensagem de veto (DOU 22.04.2015) Lei nº 13.115, de 20.04.2015 Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2015. Mensagem de veto (DOU 22.04.2015) Lei nº 13.114, de 16.04.2015 Dispõe sobre a obrigatoriedade de os serviços de registros civis de pessoas naturais comunicarem à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública os óbitos registrados, acrescentando parágrafo único ao art. 80 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. (DOU 17.04.2015) Lei nº 13.113, de 09.04.2015 Denomina Aeroporto Internacional de Pelotas/RS – João Simões Lopes Neto o aeroporto da cidade de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul. (DOU 10.04.2015)


Indicadores

I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Junho/2015 – Atualização: Maio/2015)

1 – Índice de Atualização Monetária até 28 de março de 2015 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º maio/2015 a 1º junho/2015 (Banco Central) = 0,11530%

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN

0,002884962 0,000229654 0,008919489 2,333568691 1,772923525 1,617851038

JAN

1,150918609 1,130363866 1,099217259 1,077265467 1,061917457 1,044836020

FEV

0,002299141 0,000181172 0,006306200 2,285542585 1,750990617 1,605903119

FEV

1,149447317 1,128242770 1,096666413 1,074912483 1,060846003 1,042917053

MAR

0,001830381 0,000143332 0,004508937 2,243959766 1,734297999 1,595348262

MAR

1,148921111 1,127158444 1,095871906 1,074138030 1,060588280 1,042446909

ABR

0,001472906 0,000113928 0,003178666 2,193513346 1,720296505 1,585335317

ABR

1,146881955 1,124196187 1,093604863 1,072126720 1,060154677 1,040950023

MAIO

0,001216474 0,000088853 0,002177616 2,120018660 1,709022087 1,575549578

MAIO

1,145880455 1,121948923 1,092670630 1,070764707 1,059143195 1,040477646

JUN

0,001015336 0,000069050 0,001487036 2,053344510 1,699018267 1,565601745

JUN

1,144111658 1,119120904 1,090611555 1,068959235 1,058364239 1,040010681

JUL

0,000838774 0,000053083 2,784231348 1,995741425 1,688718771 1,555436964

JUL

1,142100420 1,115781371 1,088503125 1,067940420 1,057152742 1,039328882

AGO

0,000678126 0,040716811 2,650988630 1,937791763 1,678895553 1,545269094

AGO

1,139875383 1,112915613 1,086600487 1,066373917 1,055133217 1,038237694

SET

0,000550337 0,030536081 2,595669717 1,888603095 1,668426179 1,535640627

SET

1,137594506 1,109071571 1,083959961 1,064812901 1,053475047 1,038033201

OUT

0,000438936 0,022683168 2,533866187 1,852674184 1,657453835 1,525762838

OUT

1,135632133 1,106154641 1,082313761 1,064438219 1,051403782 1,038033201

NOV

0,000350952 0,016614054 2,470736401 1,822529546 1,645247742 1,515829607

NOV

1,134375246 1,103836584 1,080288221 1,063224017 1,048775550 1,038033201

DEZ

0,000284656 0,012201861 2,400614453 1,796680701 1,631953846 1,492936912

DEZ

1,133076740 1,101711383 1,078905065 1,062597085 1,047081373 1,038033201

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN

1,473654148 1,367104002 1,293019594 1,266470451 1,238174987 1,204420612

JAN

1,037480224 1,030383440 1,018085903 1,015144935 1,013209471 1,004576964

FEV

1,456958856 1,360081899 1,290246853 1,264739024 1,234975166 1,198573968

FEV

1,037480224 1,029647243 1,017207036 1,015144935 1,012069880 1,003695719

MAR

1,450488228 1,348888820 1,287250135 1,264273771 1,233530702 1,193660860

MAR

1,037480224 1,029107990 1,017207036 1,015144935 1,011526690 1,003527126

ABR

1,437557400 1,333402681 1,284370576 1,262097914 1,231365960 1,189163444

ABR

1,036659190 1,027862221 1,016121818 1,015144935 1,011257696 1,002228238

MAIO

1,430804005 1,325328778 1,282701781 1,260149723 1,228470455 1,184208715

MAIO

1,036659190 1,027483080 1,015891211 1,015144935 1,010793741 1,001153000

JUN

1,424333259 1,317737293 1,279513234 1,257851628 1,225893627 1,178727631

JUN

1,036130763 1,025872460 1,015415996 1,015144935 1,010183590 1,000000000

JUL

1,417369721 1,313654455 1,276780923 1,256020350 1,223957327 1,173837425

JUL

1,035520842 1,024730910 1,015415996 1,015144935 1,009714073

AGO

1,409612623 1,309812775 1,274808794 1,252961870 1,220715107 1,167457271

AGO

1,034330327 1,023473061 1,015269797 1,014932814 1,008650955

SET

1,404347723 1,305966703 1,272232523 1,248671435 1,217694008 1,162762038

SET

1,033390975 1,021352733 1,015144935 1,014932814 1,008044113

OUT

1,398039768 1,302430604 1,270913315 1,246643147 1,215318062 1,158863620

OUT

1,032666043 1,020329343 1,015144935 1,014852640 1,007164858

NOV

1,385717964 1,299487265 1,269242991 1,243022223 1,211963347 1,155152117

NOV

1,032178855 1,019697131 1,015144935 1,013919834 1,006120505

DEZ

1,377267053 1,296896067 1,267725524 1,240630288 1,208767366 1,153104204

DEZ

1,031832159 1,019039850 1,015144935 1,013709996 1,005634783

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Justiça do Trabalho - 2ª Região

TABELA PARA ATUALIZAÇÃO DIÁRIA DE DÉBITOS TRABALHISTAS

Maio/2015 – Ed. 218

ANO 2015

101

1º 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 1º TR

TX PRO RATA DIE TX ACUMULADA COEFICIENTE (%) (%) ACUMULADO MAIO 0,000000% 1,00000000 MAIO 0,000000% 1,00000000 MAIO 0,000000% 1,00000000 MAIO 0,005762% 0,000000% 1,00000000 MAIO 0,005762% 0,005762% 1,00005762 MAIO 0,005762% 0,011524% 1,00011524 MAIO 0,005762% 0,017287% 1,00017287 MAIO 0,005762% 0,023049% 1,00023049 MAIO 0,028813% 1,00028813 MAIO 0,028813% 1,00028813 MAIO 0,005762% 0,028813% 1,00028813 MAIO 0,005762% 0,034576% 1,00034576 MAIO 0,005762% 0,040340% 1,00040340 MAIO 0,005762% 0,046104% 1,00046104 MAIO 0,005762% 0,051869% 1,00051869 MAIO 0,057633% 1,00057633 MAIO 0,057633% 1,00057633 MAIO 0,005762% 0,057633% 1,00057633 MAIO 0,005762% 0,063399% 1,00063399 MAIO 0,005762% 0,069164% 1,00069164 MAIO 0,005762% 0,074930% 1,00074930 MAIO 0,005762% 0,080696% 1,00080696 MAIO 0,086463% 1,00086463 MAIO 0,086463% 1,00086463 MAIO 0,005762% 0,086463% 1,00086463 MAIO 0,005762% 0,092229% 1,00092229 MAIO 0,005762% 0,097997% 1,00097997 MAIO 0,005762% 0,103764% 1,00103764 MAIO 0,005762% 0,109532% 1,00109532 MAIO 0,115300% 1,00115300 MAIO 0,115300% 1,00115300 JUNHO 0,115300% 1,00115300 MAI/2015(1ºMAI-1ºJUN)= 0,11530% (BANCO CENTRAL 04/05/15)


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992

Maio/2015 – Ed. 218

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

102


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

Maio/2015 – Ed. 218

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

103

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12

8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8

9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75

11,00*

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

Até 1.787,77

-

Parcela a deduzir do imposto em R$

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

-

De 1.787,78 até 2.679,29

7,5 134,08

De 2.679,30 até 3.572,43

15,0

De 3.572,44 até 4.463,81

22,5 602,96

Acima de 4.463,81

27,5 826,15

Dedução por dependente

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

335,03

179,71

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014) Recurso Ordinário

R$ 7.485,83

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 14.971,65

Maio/2015 – Ed. 218

Salário-de-contribuição (R$)

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

104


VI – Indexadores Indexador

Novembro

Dezembro

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

INPC IGPM UFIR SELIC

0,53 0,98

0,62 0,29

1,48 0,76

1,16 0,27

1,51 0,98

0,71 1,17

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,84

0,96

0,94

0,82

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

1,04

0,95

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais

Maio/2015 – Ed. 218

Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

105

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Mês/Ano 1998

JAN 11.230,659840 140.277,063840 FEV 14.141,646870 180.634,775106 MAR 17.603,522023 225.414,135854 ABR 21.409,403484 287.583,354522 MAIO 25.871,123170 369.170,752199 JUN 32.209,548346 468.034,679637 JUL 38.925,239176 610.176,811842 AGO 47.519,931986 799,392641 SET 58.154,892764 1065,910147 OUT 72.100,436048 1445,693932 NOV 90.897,019725 1938,964701 DEZ 111.703,347540 2636,991993

JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849

18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

1999

2000

2001

2002

19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011

2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960


Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2004

2005 2006 2007

31,052744 32,957268 31,310481 33,145124 31,432591 33,290962 31,611756 33,533986 31,741364 33,839145 31,868329 34,076019 32,027670 34,038535 32,261471 34,048746 32,422778 34,048746 32,477896 34,099819 32,533108 34,297597 32,676253 34,482804

2008

2009

34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658

39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2010

2011 2012 2013

41,495485 44,178247 46,864232 41,860645 44,593522 47,103239 42,153669 44,834327 47,286941 42,452960 45,130233 47,372057 42,762866 45,455170 47,675238 42,946746 45,714264 47,937451 42,899504 45,814835 48,062088 42,869474 45,814835 48,268754 42,839465 46,007257 48,485963 43,070798 46,214289 48,791424 43,467049 46,362174 49,137843 43,914759 46,626438 49,403187

2014

2015

49,768770 52,537233 55,809388 50,226642 52,868217 56,635366 50,487820 53,206573 57,292336 50,790746 53,642866 58,157450 51,090411 54,061280 58,570367 51,269227 54,385647 51,412780 54,527049 51,345943 54,597934 51,428096 54,696210 51,566951 54,964221 51,881509 55,173085 52,161669 55,465502

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização, até maio de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 58,570367 (maio/2015) = R$ 98,11

Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 11/5/2015, p. 2 * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

Maio/2015 – Ed. 218

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

106


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Jornal Jurídico Maio/2015 – Edição 218


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